15 Conselhos sobre Escrita (para blogues e não só!) #2
Hoje, continuamos a dar dicas para contornar o bloqueio de escritor. Podem ler as anteriores aqui.
6) Experimentem escrever em sítios diferentes.
Hoje em dia, é muito raro eu escrever em casa. Passo rascunhos para o meu computador, sim, mas geralmente existem demasiadas distrações para escrever mesmo. Como referi antes, os cafés são dos meus sítios preferidos. Julgo que também referi noutra ocasião que outros dos meus locais preferidos são bancos de jardim. Hoje em dia, como tenho uma cadela, ela acompanha-me nessas ocasiões. Os nossos passeios chegam a incluir diversas paragens, primeiro numa esplanada, depois em diversos bancos. Para um cão, ela até fica bastante sossegada enquanto escrevo. É claro que não posso ficar parada durante muito tempo, mas, tendo em conta o que referi no ponto anterior, isso até resulta bem comigo.
Como é do conhecimento geral, a escrita é uma atividade solitária. Isso pode tornar-se um fardo. Por norma, a solidão não me incomoda particularmente, mas não gosto de ficar em casa o dia todo. Assim, ir mudando de local de trabalho pode tornar a escrita muito mais agradável.
7) Facilitem o começo ou o recomeço.
Na escrita, o mais difícil é começar. Por muito que planeie os meus textos, conforme referi antes, continua a assaltar-me o medo da página em branco, às vezes. No entanto, por norma, basta-me começar a escrever, mesmo que sejam duas ou três frases mal amanhadas, para entrar no ritmo e as palavras começarem a fluir levemente da minha caneta.
Porque acham que começo quase todos os textos do meu outro blogue da mesma forma? (“No próximo dia X, a Seleção Portuguesa de Futebol recebe a sua congénere Y, no estádio Z...”) Porque o facto de ter uma estrutura mais ou menos fixa para o primeiro parágrafo me ajuda a começar a escrever esses textos.
Quando isso acontece, quando se consegue fazer com que a escrita flua, o ideal seria continuar a escrever, a escrever, sem nunca parar – algo que, naturalmente, não é possível. Ou temos de parar, por um motivo ou por outro, ou o ritmo, pura e simplesmente, arrefece ao fim de algum tempo. E existe sempre o risco de voltarmos a ter um arranque difícil da próxima vez que formos escrever.
Para evitar esses arranques difíceis, aquilo que procuro fazer quando páro de escrever é certificar-me de que saberei como começar da próxima vez. Uma maneira de fazer isso é deixar dois ou três tópicos, sintetizando o que vou escrever nos parágrafos seguintes (faço muito isso em ficção). Outro truque é deixar uma frase a meio. Um que tenho usado ultimamente é escrever a primeira frase do parágrafo seguinte – sobretudo quando este vai falar sobre um assunto diferente.
Aconselho-vos, então, a experimentarem estes meus truques ou a inventarem os vossos. O que quer que vos ajude a escrever o mais possível.
8) Alternem entre projetos e/ou tirem dias de folga
Em agricultura, quando se pratica o cultivo intensivo da mesma espécie vegetal no mesmo terreno, a longo prazo, os nutrientes e minerais essenciais a essa espécie começam a esgotar-se e a produtividade diminui. Uma solução para esse problema é a prática da rotação de culturas: as espécies vegetais cultivadas no mesmo terreno vão mudando de um ano para o outro. Por exemplo, no primeiro ano, um determinado terreno produz uma espécie leguminosa, no segundo, uma espécie não-leguminosa (que, segundo este artigo, exige um aporte mineral diferente). No segundo ano, o terreno teria tempo para repôr os minerais necessários para a espécie leguminosa. Assim, quando o terreno voltar a produzir a espécie leguminosa no terceiro ano, os minerais necessários estarão lá.
Na escrita, também é benéfico praticar a rotação de culturas. Se andam há muito tempo a trabalhar no mesmo projeto e, a certa altura, bloqueiam, uma solução pode ser escreverem outra coisa. Um solo tem tempo de se remineralizar enquanto produz uma espécie com necessidades nutritivas diferentes. Da mesma forma, enquanto se focam noutro projeto, o vosso subconsciente tem tempo para se curar do desgaste provocado pelo projeto antigo. Pode mesmo ganhar novas ideias para esse projeto. Assim, quando regressarem a ele, a escrita tornar-se-á mais fácil.
Também podem fazer rotação de culturas dentro do mesmo trabalho. Não é obrigatório começarmos em “Era uma vez…” e terminarmos em “...e viveram felizes para sempre”. Se estão bloqueados (e isto é válido tanto para ficção como para não-ficção), nada vos impede de saltarem para o fim ou para uma qualquer outra parte que esteja mais clara na vossa cabeça. Desvendarem o destino primeiro pode, até, ajudar-vos a encontrarem o caminho por entre o bloqueio. Desde que, no fim, se certifiquem que o texto ou livro tem coerência.
Por outro lado, se existem partes do vosso texto que vos aborrecem ao ponto de quererem saltar à frente, talvez elas não devam estar lá – mais sobre isso adiante.
Dentro da rotação de culturas, existe a possibilidade de deixar o terreno em pousio – ou seja, sem produzir nada. Podem fazer o mesmo na escrita – isto é, não escreverem de todo, tirarem uns dias de folga. Eu, por norma, não faço isso a menos que seja obrigada. Prefiro estar sempre a trabalhar em qualquer coisa, mesmo que não sirva para nada, só mesmo pela minha sanidade mental. Mas nem todos são maluquinhos como eu. E, de resto, podem à mesma ganhar ideias novas, perspetivas novas, para a vossa escrita – sobretudo se, lá está, estiverem em contacto com as vossas fontes de inspiração, sejam elas livros, filmes, música ou a vida em geral.
O senão deste conselho é o risco de cairmos em exageros. Eu sou culpada disso. Conforme já dei a entender, nas últimas semanas tenho praticado demasiada rotação de culturas na minha escrita. Em certas alturas, estive a trabalhar em três ou quatro textos ao mesmo tempo, sem concluir nenhum. Assim, se não têm cuidado, podem arrastar projetos durante demasiado tempo. Continuo a achar que é sempre melhor escrever do que não escrever mas, quando exagerada, a rotação de culturas não passa de falta de disciplina. É preciso atenção. (*olha, com ar culpado, para o primeiro rascunho, ainda por terminar, da sua análise ao último filme de Digimon Adventure Tri…*)
9) “Consigo corrigir uma página má, não consigo corrigir uma página em branco”
Esta é uma tradução livre da citação de Nora Roberts, acima, que me tem ajudado muito, sobretudo no passado recente. Uma das maiores causas do bloqueio de escritor é o desejo de escrever tudo certinho à primeira. A escrita não funciona assim, infelizmente. Eu, aliás, nos últimos tempos, tenho tido ocasiões de “falta de inspiração”, em que o texto me custa a sair como deve ser. Não sei se isso acontece por me ter tornado mais exigente ou mais ansiosa relativamente à escrita.
Qualquer escritor vos dirá que o primeiro rascunho de qualquer texto é uma porcaria – eu não vou a esse extremo, mas sim, é suposto um primeiro rascunho ficar aquém das expectativas. Todos os textos precisam de, pelo menos, uma correção antes de estarem prontos para consumo. É muito mais fácil corrigir um texto já no papel do que corrigi-lo na nossa cabeça – é assim que uma pessoa se bloqueia!
Como eu escrevo os primeiros rascunhos sempre à mão, quando os passo a computador (em muitos casos, algum tempo após escrevê-los), aproveito para corrigir o texto conforme achar necessário. Faz parte do processo. Mesmo que o primeiro rascunho esteja uma porcaria – e, acreditem, às vezes está – mesmo que tenha de reescrever algumas partes ou o texto todo, preciso sempre de algo no papel com que possa trabalhar.
O meu conselho é, assim, que, mesmo que não estejam satisfeitos com o que vos está a sair da caneta ou do teclado, façam por continuar a escrever, por acabar esse texto, seja ele qual for. Não têm de mostrar esse primeiro rascunho de má qualidade a ninguém. Depois de o terminarem, podem corrigi-lo até ficar ao vosso gosto. Como diz Rachel Aaron (mais sobre ela adiante) a escrita não é uma arte de palco – não é obrigatório sair bem à primeira.
10) Não é suposto ser assim tão difícil
Isto acaba por contrariar um pouco o meu conselho anterior, mas às vezes não dá para continuar a escrever, por muito que insistamos. Muitos não deverão sabê-lo, mas o bloqueio de escritor pode ser sintoma de um problema com o vosso trabalho. No caso da ficção, talvez não saibam o que acontece a seguir na vossa história, talvez esta esteja a ir na direção errada. No caso da não-ficção, talvez não estejam a abordar o assunto da maneira correta. Algo está a correr mal, o vosso subconsciente sabe-o e escrever torna-se difícil, mesmo impossível.
Quando é assim, há que parar, tentar descobrir qual é o problema e procurar resolvê-lo. No caso da ficção, podem descobrir, por exemplo, que as vossas personagens estão a agir contra o seu carácter (ou, como se diz em inglês, “out of character”), que essa parte da vossa história é aborrecida (se vocês, os autores, se aborrecem com o vosso próprio livro, os leitores também se vão aborrecer, acreditem!), que o final que planearam para a vossa história não é o mais adequado.
No caso dos vossos blogues, ou de não-ficção em geral, podem descobrir, por exemplo, que estão a fugir ao assunto do vosso texto, a divagar, a andar em círculos, que precisam de pesquisar melhor sobre o assunto do texto. Talvez o plano que traçaram para esse texto, como expliquei no meu primeiro conselho, não seja o mais adequado – esta será uma boa altura para voltar a olhar para ele e considerar novos caminhos.
Ou então, podem descobrir que o vosso projeto não tem salvação possível.
Aconteceu comigo há pouco tempo. Quem acompanha o meu outro blogue, saberá que, no final de cada ano, costumo fazer um apanhado de tudo o que aconteceu com a Seleção nos doze meses anteriores. No entanto, o texto relativo a 2016 estava a custar-me imenso. Arrastei-o durante semanas, desde princípios de dezembro até bem depois do início de 2017 (quando, nos anos anteriores, conseguia publicar sempre antes do Ano Novo, quando não publicava antes do Natal). O facto de ter menos tempo do que o costume para escrever não ajudava. Tinha vários outros projetos que me entusiasmavam muito mais (este texto, por exemplo), mas decidi que só trabalharia neles quando concluísse a revisão de 2016. Estávamos já em meados de Janeiro, o texto ainda nem ia a meio, eu ia pondo a hipótese de publicar o texto em data já passada.
Foi aí que pensei: “Que estou a fazer?”. Aquele texto andava a consumir-me o reduzido tempo de escrita de que dispunha há semanas e para quê? Era pouco provável que alguém o lesse, ainda por cima se fosse publicá-lo em data já passada.
O facto de ter pouca audiência nunca me foi fator impeditivo em nenhum dos blogues. Se fosse, já teria desistido há muito tempo – quando, na verdade, já ultrapassei a barreira das duzentas publicações em ambos. Sou demasiado egoísta para não ocupar espaço online escrevendo sobre aquilo que me dá na veneta. No entanto, se a escrita não está a dar-me prazer, não vale a pena – não quando tenho outros textos para escrever que não me custam tanto.
Não me foi fácil tomar esta decisão. Acho que nunca tinha desistido desta maneira de um texto para um blogue. Talvez pudesse ter evitado este desfecho se tivesse planeado melhor as coisas. Tirando isso, não me arrependo de ter abandonado este.
Não quero com isto aconselhar-vos a desistir à primeira dificuldade, nada disso. Apenas quero dizer que, se notam alguma resistência a sentarem-se e a escrever, façam uma pausa para pensarem se existe algum problema com o vosso trabalho. Se existir, procurem resolvê-lo. No entanto, se não encontrarem forma de resolvê-lo, ou se não encontram nenhum problema visível com o projeto mas, mesmo assim, não conseguem continuar a escrever, deixem-no de lado e trabalhem noutra coisa.
Pode ser que o projeto fique para sempre inacabado e acabem por reciclar alguns elementos dele noutro trabalho. Pode ser que a lógica da rotação de culturas, de que falámos antes, entre em ação e, daí a dois dias, uma semana, um mês ou um ano, descubram uma solução para o vosso bloqueio. Faz parte do processo. Existem coisas que não valem mesmo o esforço.
E com este pensamento animador, encerramos por agora. Podem ler os últimos conselhos aqui.