Era Uma Vez/Once Upon a Time - segunda temporada
Alerta Spoiler: este texto contém revelações sobre o enredo, pelo que só é aconselhável lê-lo caso tenha visto todos os episódios da segunda temporada de Era Uma Vez/Once Upon a Time, até para a própria compreensão desta entrada.
A segunda temporada da série de fantasia Era Uma Vez/Once Upon a Time terminou recentemente na televisão americana. Conforme já tinha afirmado quando falei da primeira temporada, comecei por ver os episódios à medida que iam sendo exibidos no AXN. No entanto, estes tornaram-se tão viciantes que comecei a acompanhá-los à medida que eram exibidos na emissão norte-americana.
Esse é, de resto, um dos maiores pontos fortes em relação à primeira temporada. Já não precisamos de episódios circulares para conhecer cada uma das personagens, com comprometimento do avanço da ação. Nesta temporada acontecem coisas em praticamente todos os episódios, a tensão é constante, uma pessoa deseja desesperadamente saber o que acontece a seguir.
Esta segunda temporada começa com a quebra da maldição e a vinda da magia para o Mundo Real, um mundo que não está preparado para tê-la. E visto que "toda a magia vem com um preço", isto terá consequências, entre as quais novos vilões - mas estes só entram em ação perto do fim da temporada. Antes, no primeiro episódio, Emma e Mary Margaret/Snow White/Branca de Neve, vão parar à Terra dos Contos de Fadas e, assim, a primeira metade da temporada é dedicada às tentativas de elas regressarem a Storybrooke. Elas regressam, mas trazem com elas novos vilões, com os seus próprios objetivos, que estavam à espera do fim da maldição para colocá-los em prática.
Começarei pelos pontos fracos da temporada. Durante a primeira parte, Emma e a mãe vivem na Terra dos Contos de Fadas, em circunstâncias medievais e, ainda por cima, ao ar livre, mas nunca aparecem sujas ou despenteadas e as roupas estão sempre em bom estado. Seems legit. Mais à frente na temporada, Regina surge disposta a sacrificar Emma e Mary Margaret para evitar que a mãe, Cora, venha para Storybrooke, mas, daí a um ou dois episódios, aparece a chorar no ombro da mãe... O que me faz ainda maior confusão é o facto de ela teimar em não perdoar Snow por, em criança, ter sido manobrada por Cora de modo a revelar o segredo sobre Daniel, o apaixonado de Regina, mas perdoa a mãe que, fria e deliberadamente, assassinou Daniel à frente da filha, em nome do seu desejo de poder.
Outros defeitos foram os arcos narrativos deixados a meio e/ou mal executados: aquela espécie de fantasma que recebe a designação de Qui-Shen mas que, essencialmente, é um Dementor, aparece no primeiro episódio, faz imensos estragos e depois desaparece inexplicavelmente; o ressentimento do rei George para com David é esquecido após o episódio em que este destrói o pó de fada; os sonhos das vítimas da Maldição do Sono também nunca mais são referidos após a primeira metade da temporada; toda aquela história da Dark Snow podia ter sido um bocadinho melhor aproveitada; a história do Robin dos Bosques, muito publicitada antes de "Lacey", no episódio em si é insignificante. Por fim - isto não é tanto um defeito, é apenas uma opinião pessoal - tive pena de termos visto muito pouco August/Pinóquio nesta temporada e de, pelos vistos, não podermos ver muito mais, já que foi transformado, de novo, numa criança. Ele era uma das minhas personagens preferidas no primeiro ano e gostava de tê-lo visto lutando ao lado de Emma e companhia.
Posto isto, falemos dos pontos fortes. Um dos temas desta temporada foi redenção. Daí que os vilões - que, em teoria, teriam mais de que se redimir - se tenham destacado nesta temporada. Em boa verdade, os vilões em Era Uma Vez estão tão bem construídos que destacar-se-iam de qualquer maneira.
Comecemos por Rumplestilskin, uma das mais icónicas personagens de Era Uma Vez. Sempre viveu sob o estigma de filho de um cobarde, dominado pelo medo. O seu envolvimento com a magia acaba por ser uma maneira de se vingar de um Mundo que pouca piedade demonstrara para com ele. Começando pela esposa, Milah, que considero fria e egoísta. Contudo, apesar de o poder o disfarçar, Rumple nunca consegue libertar-se do medo, tornando-se incapaz de viver sem os seus poderes, o que afasta daqueles que ama - refiro-me tanto ao filho Baelfire, também conhecido por Neal, como a Belle, a primeira pessoa a ser gentil para com ele, despertando-lhe o seu lado bom mas que, mesmo assim, não consegue levá-lo a abdicar completamente do seu poder. Gosto muito da maneira como a história de Rumplestilskin se cruza com várias das histórias clássicas reinventadas em Era Uma Vez: a original, protagonizada por Cora, Cinderela, a Bela e o Monstro, Peter Pan - ainda que apenas a parte referente ao Capitão Gancho e ao crocodilo que lhe arranca a mão. Pela maneira como Rumple é capaz de nos divertir com os seus icónicos maneirismos, de nos aterrorizar com a sua implacabilidade, de nos despertar compaixão quando se mostra mais vulnerável, é uma das personagens mais interessantes de Era Uma Vez, sem a qual a série não seria a mesma.
Passemos a Regina, a responsável pela maldição que desencadeou a história da série. Durante a primeira temporada vimo-la quase só como a encantadora Rainha Má, a presidente algo tirana de Storybrooke e a rígida mãe adotiva de Henry. Na segunda temporada, esta surge muito mais vulnerável, tentando recuperar o filho, ser a pessoa que ele quer que ela seja. No fundo, tudo o que Regina é amar e ser amada, como qualquer outra pessoa, mas não sabe como fazê-lo e, muitas vezes, recorre aos meios errados. revela bastante ingenuidade na maneira como não compreende a diferença entre o certo e o errado.
Por outro lado, Henry também não tem o comportamento ideal com Regina, surgindo, por vezes, algo frio e egoísta para coma mãe adotiva. Só parece lembrar-se de Regina quando usa a afeição dela para a dissuadir de matar Emma e os pais e, depois, vira-lhe costas sem sequer se despedir dela.
A personalidade algo disfuncional (não sei se este é o termo mais adequado...) de Regina pode ser explicada pela relação com a mãe, Cora. Esta, a primeira grande vilã da segunda temporada, acaba por ter um percurso semelhante ao de Rumplestiskin: é para se vingar de uma vida de humilhações que ela se junta ao "Lado Negro". Contudo, não cometer o "erro" que Rumple e Regina cometeram, percebe logo que, se quiser poder, terá de abdicar de amor e vice-versa. Loso, arranca o seu coração como maneira de garantir que nenhum ente querido alguma vez interfirá com as suas ambições - achei graça quando Rumple diz, certa vez, que, se Cora era perigosa por não ter coração, Regina é pior por tê-lo. É nesta condição que se casa por interesse e usa a filha como marioneta para os seus planos.
Achei, na altura, que a sua morte foi algo precoce pois, ao desaparecer a grande vilã, desaparecia o grande motor da história. Acabou por não ser tão prejudicial quanto isso pois esta foi rapidamente substituída, ainda que este processo não tenha sido perfeito - mais sobre isso adiante.
Temos ainda Killian Jones, o Capitão Gancho, mais conhecido por, simplesmente Hook. Tenho uma certa dificuldade em classificá-lo como vilão - ele segue as suas próprias regras no que toca a lealdades e mesmo no que toca ao que está certo e ao que está errado. Devo dizer que gosto muito do seu estilo, encantador, galante e adoro a maneira como interage com Emma - pena só termos visto isso em apenas um episódio e pouco mais. Por fim, no final da temporada, a ligação a Baelfire, o filho de Milah, a sua amada morta, tocou muita gente.
Em comparação com os vilões acima descritos, os mais recentes, Greg e Tamara, parecem extremamente monodimensionais, pouco desenvolvidos. Conhecemos as motivações de Greg mas a personagem é pouco interessante e, pelo menos no meu caso, não desperta grande empatia. Tamara, então, precisa definitivamente de maior desenvolvimento pois não se percebe o que a move. Toda essa história da organização que quer erradicar a magia do Mundo Real está, de resto, muito mal explicada. Para piorar, de um momento para o outro, o casal decide raptar Henry, levá-lo para a Terra do Nunca até Peter Pan que, afinal, é o líder deles... ou não? Defendem que a magia não pertence ao Mundo Real mas trabalham para uma criatura mágica, que recorre à magia para raptar crianças do Mundo Real? Não parece fazer sentido mas também não me admirava que Greg e Tamara estivessem a ser usados como marionetas por causa do seu ódio à magia.
Devo dizer também que a maneira como, em Era Uma Vez, Peter Pan foi transformado num raptor e a Terra do Nunca numa prisão de crianças que, à noite, choram pelos pais deu-me cabo de parte da infância. Só um bocadinho, felizmente, que o Peter Pan não era dos meus heróis preferidos, mas mesmo assim... Se me vierem dizer que o Pikachu, afinal, é mau, aí sim, fico traumatizada para o resto da vida.
Mas fechemos esse aparte e, já que o mencionámos, falemos do episódio que encerra a temporada. Todo o arco do diamante-botão-de-auto-destruição foi um pouco anticlimático, ou nem por isso, pois não acho que tenha havido um único espectador a achar que Regina morreria. A maneira como, aliás, Emma arranja um plano de salvação, é traída por alguém que considerava aliado, ficando obrigada a recorrer aos seus próprios poderes para salvar o dia faz lembrar o encerramento da primeira temporada.
Outro aparte só para referir que gosto do conceito da Salvadora, que nasceu do verdadeiro amor, o que a torna invulgarmente poderosa e tive pena que tenhamos visto muito pouco desses poderes nesta segunda temporada. A personagem em si tinha muito mais graça na primeira temporada, com a sua atitude cínica e durona. espero que Emma se torne mais interessante de novo quando a série recomeçar.
Acho, também, que ninguém percebeu como é que Henry, num momento, estava a sufocar num grande abraço de família e, no minuto seguinte, foi levado por Greg e Tamara sem que mais ninguém notassem, sem que o miúdo, que até caminhava pelo seu próprio pé, embora guiado pelos raptores, oferecesse resistência, soltasse um grito que fosse.
Em todo o caso, é este rapto que obriga os vilões acima descritos a trabalhar juntos, mais a família biológica de Henry. Eu soube logo, no momento em que Greg e Tamara se revelaram como os novos maus da fita, que estes seriam o inimigo comum que uniria Regina e Rumplestilskin aos Charmings - cheguei a comentá-lo várias vezes na página do Facebook de fãs da série - mas não estava à espera que Hook estivesse incluído. Este, tal como Rumple, fá-lo por respeito à memória de Neal/Baelfire (que todos julgam morto, erradamente. Outra grande surpresa ou nem por isso...) e Regina fá-lo por Henry, pelos motivos já mencionados. Não estou à espera, contudo, que os três, de um dia para o outro, comecem a dar-se como Deus e os anjos. Não com o passado de ódio que os três partilham uns com os outros. E, se os vilões deixassem de ser os maus da fita assim, perderiam uma boa parte da sua piada.
Entretanto, Belle, que recupera a sua personalidade no episódio final - também não gostei deste arco, encerrado à pressa; teria sido muito mais interessante ver Rumple conquistando-a enquanto Lacey com o seu lado negro e ver a maldição sendo quebrada quando se beijassem pela primeira vez - é deixada para trás por Rumple, que receia não regressar da sua viagem de resgate, para que esta possa proteger Storybrooke de eventuais cúmplices de Greg e Tamara. Julgo que esta será uma oportunidade para novas personagens assumirem o papel de heróis, ganhando tempo de antena. Espero que esses novos heróis sejam personagens que ainda não pudemos conhecer bem, em vez dos suspeitos do costume.
A segunda temporada encerra assim respondendo a várias perguntas mas originando uma mão-cheia de novos pontos de interrogação. Começando pela razão pela qual Peter Pan deseja tanto Henry. Que terá a criança de tão especial para despertar o interesse de Peter muito antes de os pais do miúdo se terem sequer conhecido, para ser referido numa profecia sobre o seu avô? E de que maneira representará Henry a "desgraça" de Rumple? Na página do Facebook já mencionada, é colocada a hipótese de essa "desgraça" ser Rumple perdendo os seus poderes. Pode ser qualquer coisa, na minha opinião, as possibilidades são infinitas, por isso, não me arrisco a fazer um prognóstico.
Foi, além disso, referido que não é possível abandonar a Terra do Nunca - como é que Neal/Bae o fizeram, então? Conseguirá o grupo de resgate alguma vez sair? Também importa saber quem são verdadeiramente Peter Pan, Tamara e a organização para quem ela trabalha. E a história das sombras que é possível arrancar às pessoas - será um conceito parecido aos dos corações? Ou algo completamente diferente? Existe ainda o arco de Neal/Bae na Terra Encantada, com Mulan, Aurora e Phillip - como é que este regressou à vida, a propósito? Por fim, as histórias de algumas personagens permanecem uma incógnita, como por exemplo Robin dos Bosques - estará ele e a amada, Miriam, que ainda por cima estava grávida quando a conhecemos, entre os amaldiçoados? Se não estavam, porquê? Terão sobrevivido à chacina dos que escaparam à maldição perpetrada por Cora? - e Dr. Whale/Frankeinstein - que não é referido no livro de Henry.
Aquilo que referi na análise da primeira temporada como os grandes pontos fortes de Era Uma Vez mantém-se: o facto de ser diferente de todas as outras séries atuais, numa altura em que tenho cada vez menos disposição para a maior parte delas. Sabe bem ter uma série diferente, que, tal como um dos atores referiu certa vez (Jennifer Morrison?), equivale a "ver o Harry Potter todas as semanas", que desperta tantas perguntas e enigmas, fazendo-nos ansiar pelo episódio seguinte. Este é o meu género de histórias preferido, o género de histórias que escrevo atualmente, daí que Era Uma Vez funcione como fonte de inspiração. O pior é que correu o risco de ser cancelada este ano. Não posso dizer que esteja admirada, já percebi que as grandes cadeias preferem apostar em lucros fáceis (dramas clínicos, séries policiais, comédias) do que em enredos completos como os de Era Uma Vez que, parecem eles pensar, estão muito para lá da capacidade do espectador comum. Acho até que foi por esse motivo que Tru Calling foi cancelada tão precocemente.
Em todo o caso, mais um ano está para já garantido, bem como o spin-off Once Upon a Time in Wonderland - suponho que, se passar na televisão portuguesa, se intitulará Era Uma Vez no País das Maravilhas ou, pura e simplesmente, País das Maravilhas - cujo trailer é promissor. Espero, assim, que Era Uma Vez mantenha todos os pontos fortes acima mencionados nesta nova temporada e que, daqui a um ano, quando estiver de novo a escrevinhar furiosamente sobre a série, esteja a contar com uma quarta temporada.
Créditos: Algumas das imagens desta entrada provém da, já mencionada, página Once Upon a Time (Portugal)