Nesta entrada, vamos analisar o Enredo da primeira temporada de Digimon que, conforme disse anteriormente, é mais complexo que a maioria das séries destinadas ao público infantil. A narrativa acaba por se assemelhar muito a um videojogo, visto que o nível de dificuldade cresce de forma mais ou menos linear. Os vilões poderiam ser considerados aquilo a que, nos videojogos, se chamam os bosses, os adversários que enfrentamos no fim de cada nível, mais difíceis que todos os que enfrentáramos antes, que devemos vencer para podermos passar ao nível seguinte. Esta estrutura narrativa pode ser considerada simplista, mas tendo em conta o conceito de Mundo Digital, aceita-se.
Dentro dessa lógica, costuma-se dividir a narrativa desta temporada em quatro partes, consoante os vilões: Devimon, Etemon, Myostimon e os Dark Masters incluindo a Batalha Final com Apocalymon.
A primeira parte (episódios 1 a 13), passada na Ilha do Ficheiro, é claramente introdutória. As crianças tentam descobrir onde estão, o que está a acontecer, o que são verdadeiramente os Digimons, como vão voltar para casa, porque vieram parar ali. São os episódios mais formulaicos da temprada, sobretudo os primeiros sete - em que cada um dos respetivos Digimons evolui, pela primeira vez, para o nível Campeão. No entanto, em cada um desses episódios, nova informação vai sendo revelada a pouco e pouco, sobretudo no que concerne aos Dispositivos Digitais, às Rodas Pretas, aos planos de Devimon.
Depois da derrota de Devimon, Gennai - uma personagem que funciona demasiadas vezes como um deus ex-machina, que claramente possui a informação toda mas só a divulga quando é conveniente para o enredo - informa-os acerca dos Medalhões e respetivos Cartões, que permitirão que os respetivos Digimons evoluam para o nível Super Campeão e aconselha-os a abandonarem a Ilha do Ficheiro e a virem para o Continente Servidor. E assim começa a segunda parteda narrativa (episódios 14 a 20), em que o inimigo principal é Etemon.
Esta é a parte menos popular da temporada e eu concordo. Para começar, Etemon é irritante em todos os aspetos. Por outro lado, a excitação das digievoluções para o nível Campeão já se desvaneceu e os miúdos andam perdidos durante vários episódios, sem saber ao certo o que devem fazer a seguir, o que devem fazer para que os Digimons passem ao nível Super Campeão. Também não ajuda o facto de, nesta parte, Tai é praticamente o único a ser desenvolvido. Mesmo assim, apesar de ser penoso assistir e de achar que alguns aspetos podiam ter sido melhor feitos, considero que esta parte da história era necessária: mostrando as crianças com uma crise de confiança, cometendo erros, apercebendo-se na dificuldade da sua missão.
Este arco termina com Tai, finalmente, conseguindo fazer com que Agumon atinja o nível Super Campeão, derrotando Etemon. No entanto, no decurso da luta, Tai e MetalGreymon (que, entretanto, regride para Koromon), são acidentalmente transportados para o Mundo Real. Aqui, descobre que, apesar de ter passado semanas no Mundo Digital, no Mundo Real ainda é 1 de agosto de 1999. Descobre também que a corrupção no Mundo Digimon está a afetar o Mundo Real e que, a sua irmã Kari consegue ver Digimons no Mundo Real, tal como o próprio Tai (como diria a minha irmã, indício trágico). Assim, Tai regressa ao Mundo Digital. Aqui, descobre que se passaram semanas desde a sua ausência e que, entretanto, as Crianças Escolhidas se separaram umas das outras - por motivos que nunca são explicados devidamente.
Assim começa a terceira parte da temporada (episódios 21 a 39, ainda que eu ache que o 21 é um caso à parte) - com Myotismon como vilão principal. Tai vai à procura dos amigos, tentando reconstruir o grupo. Neste período, alguns dos miúdos conseguem fazer com que os seus Digimons evoluam para o nível Super Campeão, o que exige igual evolução por parte das suas personalidades (mais sobre isso adiante). Reunido o grupo, Gennai informa-os que existe uma oitava Criança Escolhida que não foi transportada para o Mundo Digital aquando das outras sete. O elenco tem de, assim, regressar ao Mundo Real e tentar encontrar essa oitava criança antes que Myostismon e respetiva trupe o façam.
Conforme disse antes, esta é a parte mais interessante da primeira temporada. Para além da graça de termos Digimon perturbando uma típica vida citadina, há mais oportunidades para desenvolver as personagens vendo-as interagindo com as respetivas famílias. Este arco culmina com Kari (Surpresa, surpresa, é a Oitava Criança!) fazendo Gatomon evoluir para o nível Super Campeão e, depois, com Tai e Matt fazendo Agumon e Gabumon evoluírem para o nível Mega Campeão - o nível máximo.
Apesar da derrota de Myotismon, o Mundo Digimon continua sob ameaça e as Crianças são chamadas de regresso, dando início à quarta e última parte da temporada. Desta feita, temos um conjunto de quatro vilões, os Dark Masters. Esta é a parte mais sombria da história - as Crianças veem Digmons amigos morrendo por elas, as várias semanas de luta constante começam a ter consequências na psique dos miúdos, as tensões crescem dentro do grupo, que acaba por se dividir. Como se calcula, ocorrem vários momentos significativos de desenvolvimento das personagens, sobretudo no que diz respeito a Matt. No entanto, os diferentes arcos narrativos precisavam de um pouquinho mais de tempo de antena, na minha opinião. Eventualmente, todo o grupo se reúne de novo, a tempo de derrotar Piedmon, o último dos Dark Masters e de travar a Batalha Final com Apocalymon.
Curiosamente, tenho encontrado muitas semelhanças entre esta primeira temporada de Digimon e a série Lost. Para começar, ambas as séries começam com o elenco sendo transportado para uma ilha (ainda que, em Digimon, a ilha é apenas uma parte do cenário). As preocupações iniciais são de sobrevivência, de tentar regressar a casa. Mais tarde, descobre-se que não foi por acaso, que cada membro do elenco foi escolhido especificamente, numa tentativa de salvar o local (ilha ou Mundo Digimon) a onde foram parar. Ambas as séries centram-se muito nas personagens, e várias delas vêm de passados complicados. Nos dois casos, temos personagens masculinas (Jack e John Locke em Lost, Tai e Matt em Digimon) em posições de relativa liderança que, no entanto, são em muitos aspetos o oposto uma da outra. Como tal, entram frequentemente em conflito e, eventualmente, provocam uma divisão no grupo inicial quando decidem seguir caminhos diferentes. A certa altura, o elenco (ou, pelo menos, parte dele) regressa a casa mas, cedo, é obrigado a voltar. Por fim, com mais ou menos subtileza, ambas as histórias acabam por focar-se numa luta entre o Bem e o Mal.
Também Once Upon a Time (que já de si é muito parecida com Lost) acaba por ter algumas semelhanças com Digimon.
E é isto o que tenho a dizer sobre o Enredo da primeira temporada. Nas próximas publicações, analisaremos as Personagens. Continuem desse lado.
Nesta entrada, vamos analisar os Cenários onde decorre a narrativa. A história da primeira temporada de Digimon Aventures decorre, maioritariamente, no Mundo Digital. Este, também conhecido por Mundo Digimon, é uma dimensão paralela ao chamado "mundo real", tendo sido criado a partir de dados informáticos à mistura com pensamentos, emoções, sonhos e crenças humanas - o que explica o facto de vários Digimon e lugares do Mundo Digital tenham características de mitos e culturas humanas. Tendo em conta que, na altura em que via Digimon pela primeira vez, a Internet e mesmo os telemóveis eram ainda coisas muito recentes, a ideia de um Mundo Digital fascinava-me - em particular, a de um mundo digital acessível através de um computador (na segunda temporada). E, claro, este conceito de dimensões alternativas, mundos paralelos, serviu de inspiração para o meu livro.
Por outro lado, o arco narrativo mais interessante da temporada acaba por se passar no Mundo Real, quando o elenco regressa temporariamente às cidades natais e estas são atacadas por Digimons hostis. Para além de podermos ver as Crianças Escolhidas relacionando-se com as respetivas famílias (mais sobre isso quando falarmos sobre as Personagens), quando era mais nova, a ideia de Digimons atacando a comunidade, com as crianças sendo as únicas a saber o que está a acontecer e porquê e as únicas capazes de salvar o dia, fascinava-me. Cheguei a imaginar que isso acontecia na minha localidade, inclusivamente na minha escola. Os meus colegas, os professores e os outros funcionários abrigar-se-iam no pavilhão desportivo e eu ficava cá fora, com o meu Birdramon, defendendo-os dos ataques dos Digimons maus - ao mesmo tempo que comunicava à distância com as outras Crianças Escolhidas, que combatiam noutras frentes.
Que cara é essa? Como é que acham que eu me tornei escritora, meus amigos?
Já que falo do assunto, referir que um dos aspetos da segunda temporada de que gostava mais era do facto de o elenco frequentar as aulas, ir para casa ao fim do dia, fazendo o trabalho de Crianças Escolhidas quase como uma atividade extracurricular - reunindo-se numa sala de computadores, como a que havia na minha escola. Eu identificava-me com isso. Lembro-me, inclusivamente, de ler numa revista há uns anos que era comum miúdos à volta dos doze anos se identificarem com esse género de narrativa: em que os protagonistas levam a vida normal de um pré-adolescente, mas também fazem o trabalho de heróis em segredo. Este artigo vinha a propósito de uma banda desenhada qualquer, que estava na moda na altura (Witch? O clube Winx?), mas fez-me pensar em Digimon.
Um aparte só para assinalar que, na realidade, dificilmente crianças de onze anos, ou menos, conseguiriam escapar ao controlo dos adultos durante tempo suficiente para salvar o Mundo Digital. Eu não conseguiria quando tinha essa idade, mas eu era a excepção, não a regra. No entanto, pela norma dos dias de hoje - em que os pais podem ser acusados de negligência se deixam os filhos ir sozinhos para a escola - seria impossível. Para que pudesse haver história, foram necessários adultos responsáveis mais liberais, talvez irrealisticamente liberais. Num dos episódios, Izzy tem de travar um Digimon hostil a meio da noite, por isso, tranca-se no quarto e foge pela janela. Os pais apercebem-se da porta trancada, mas não fazem nada - na vida real, qualquer pai, mais permissivo ou não, se um filho se trancasse no quarto e deixasse de responder, entraria em pânico ou, no mínimo, faria tudo para abrir a porta.
Outro exemplo são os país de Tai e Kari que, por duas vezes, deixam a filha doente sozinha em duas ocasiões. Uma vez aos quatro, cinco anos, outra vez aos seis/sete - já no decurso da história. Isto sempre me fez confusão, mesmo quando era mais nova: já é suficiente mau deixar uma criança de sete anos saudável sozinha em casa, quanto mais doente. Até porque a primeira vez teve consequências graves, seria de esperar que os país de Kari tivessem aprendido a lição. Ou melhor, nem por isso, pois deitaram a culpa ao filho mais velho que, na altura, tinha... nove anos, no máximo. Na realidade, os pais teriam, no mínimo, sido abordados por uma assistente social.
E com este comentário sobre negligência parental, encerro está entrada. Na próxima, analisarmos o enredo desta primeira temporada de Digimon.
Hoje é dia 1 de agosto, que entre os fãs de Digimon é conhecido por Odaiba Memorial Day. Foi o dia em que, em, 1999, segundo a timeline da série animada que se centra no mundo digital, as personagens principais da primeira temporada foram transportadas para o Mundo Digimon pela primeira vez. Desse modo, este é um dia escolhido para celebrar o franchise. Eu só soube deste dia há poucas semanas, mas calha bem. Há alguns meses ouvi falar no Digimon Adventures Tri numa série de filmes, prevista para algures este ano, protagonizada pelo elenco original e passada, se não me engano, seis anos após os eventos da primeira temporada. A propósito disso, quis rever a primeira temporada e, já que hoje é considerado o Dia dos Digimon, hoje começo a escrever sobre ela.
Eu só vi as duas primeiras temporadas de Digimon, sendo que vi a primeira várias vezes, enquanto que a segunda só vi uma vez e falhei vários episódios, incluindo os últimos. Mesmo assim, foi o suficiente para a série animada me marcar profundamente na infância e não só. Na verdade, só me apercebi da influência que teve - e continua a ter, de certa forma - quando a revi agora. É sobre isso que quero falar nestas entradas.
Dois alertas antes de começarmos:
1) Spoilers: as entradas desta série terão inúmeras revelações sobre o enredo da primeira temporada de Digimon, talvez da segunda. Leia por sua conta e risco.
2) Alguns conceitos próprios desta série animada têm traduções controversas - na língua portuguesa, têm mais do que uma possível. Neste texto, vou adotar as traduções com que estou mais familiarizada e/ou que considero mais adequadas.
Quando era pequena, via a primeira temporada de Digimon mais ou menos na mesma altura em que via Pokémon: à volta do ano 2000, 2001. Inicialmente, passava no Batatoon, de segunda a sexta à tarde. Mais tarde, houve um ano - penso que 2002 - em que transmitiram a primeira e a segunda temporada na SIC, aos sábados e domingos depois do Pokémon (saudades dessas manhãs...). Isto pode surpreender-vos, tendo em conta as inúmeras referências que faço ao Pokémon neste blogue, mas nessa altura - por volta de 2002 - eu gostava mais de Digimon do que Pokémon. Eu mesma quase me tinha esquecido disso, ao fim de dez anos praticamente sem contacto com Digimon e um contacto muito maior com Pokémon. Mesmo sem este contacto, os traços da série animada de Digimon mantiveram-se no meu subconsciente como escritora - conforme procurarei demonstrar.
Antes de prosseguirmos, quero deixar uma coisa assente desde já. Continua a existir uma grande polémica relativamente à rivalidade entre os dois franchises acima referidos. Apesar das semelhanças mais do que óbvias, não acho que tenham assim tantas coisas em comum quanto se pensa. A diferença mais gritante é que Pokémon tem uma expressão muito maior, sobretudo por causa dos jogos que continuam bastante populares, mesmo passados estes anos todos - pelo menos é essa a ideia que eu tenho e, de qualquer forma, a comunidade online de fãs é muito forte. Julgo que existe um jogo qualquer de Digimon, talvez uma coleção de cartas, mas eu não conheço nenhuma dessas vertentes. Não posso, portanto, opinar. No entanto, do conhecimento limitado que eu tenho da série animada, Digimon é melhor que Pokémon nesse capítulo.
Na verdade, não é só que Pokémon, Digimon é melhor que a larga maioria das séries dirigidas ao público infantil. Sobretudo porque há mais tensão do que o habitual, há muito mais em jogo que o que costuma haver num desenho animado normal. O elenco, no início, está a tentar sobreviver num mundo para onde foi, literalmente, atirado, tentando regressar a casa. Mais tarde, estaria a tentar salvar o mundo Digimon, enfrentando inimigos que os querem ver mortos. E com um enredo tão pesado, é natural que as personagens se desenvolvam mais do que o habitual. Os episódios têm uma fórmula, sobretudo no início, é certo, mas, pelo menos na primeira temporada, raramente existem fillers e temos muitos episódios que terminam em cliffhangers - por comparação, a série animada do Pokémon é muito mais formulaica e previsível e, claro, há muito menos tensão. Não é por acaso que eu prefira os filmes e que o meu preferido tenha óbvias semelhanças com Digimon.
Há três aspetos que eu quero analisar separadamente no que toca a esta primeira temporada: o Cenário, o Enredo e as Personagens. Tenho muito a dizer sobre cada uma dessas vertentes, e ainda terei algumas considerações gerais a tecer, no final. Por outras palavras, esta é a primeira entrada de uma longa série. Mas já sabem como eu sou, eu escrevo muito. Não é por acaso que este blogue se chama Álbum de Testamentos.