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Álbum de Testamentos

"Como é possível alguém ter tanta palavra?" – Ivo dos Hybrid Theory PT

Mike Shinoda – Post Traumatic (o EP e não só)

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Como é do conhecimento geral, Chester Bennigton morreu no ano passado. A sua morte deixou a sua banda, os Linkin Park, com um futuro incerto. Tirando o concerto de homenagem em finais de outubro do ano passado, cada um dos membros sobreviventes encontra-se, neste momento, a seguir o seu próprio caminho, à parte da banda. Para Mike Shinoda – segundo vocalista, multi-instrumentista e, para todos os efeitos, cérebro dos Linkin Park –  esse caminho passa por lançar música a solo

 

Em entrevistas recentes, Mike confessou que, mesmo antes de Chester morrer, já tinha a vaga ideia de, um dia, investir num projeto a solo, em música que ele pudesse criar e lançar sem passar pelo crivo de colegas de banda. Um pouco o que o próprio Chester fez com os Dead By Sunrise. A morte do melhor amigo – da pessoa com quem, nas palavras de Mike, passava mais tempo tirando a sua esposa – acabou por acelerar esses planos. Mike afirmou que, embora nem todas as músicas deste trabalho novo sejam sobre o luto por Chester, foi por aí que o projeto começou. Sendo o luto uma jornada tão pessoal, tão íntima, Post-Traumatic é um trabalho igualmente íntimo e pessoal. Para além de compôr e produzir estas músicas ele mesmo, os videoclipes vieram todos do telemóvel de Mike – o único que não veio, foi filmado com fãs.

 

Não estou surpreendida por ouvir música a solo por parte do Mike, nesta altura do campeonato. Julgo tê-lo ouvido dizer, numa entrevista de há uns anos, que ele é daquele género de compositores que precisa de estar sempre a trabalhar em algo, para o músculo não atrofiar. Em declarações mais recentes, já a propósito de Post-Traumatic, Mike referiu mesmo que, desde miúdo, sempre se voltou para a música e para o desenho nestas alturas – são a sua maneira de lidar com momentos difíceis.

 

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Eu encaro a escrita da mesma maneira: algo que faço quase todos os dias, em parte para não perder a prática (tal como expliquei aqui), mas sobretudo por necessidade. Eu preciso de ter algo para escrever, mesmo que nunca seja publicado de nenhuma forma. Também é a minha maneira de lidar com períodos mais infelizes, quer escrevendo sobre eles ou (e isto é mais frequente, confesso) como forma de consolo ou escapismo.

 

Quando o Chester morreu, no entanto, Mike teve de se obrigar a regressar ao estúdio, reaprender a compôr. Chegou a dizer que, nas primeiras semanas, compôs uma série de “músicas grunge más”, algumas propositadamente más, algumas propositadamente ridículas, até conseguir compôr algo decente. Daí Post-Traumatic.

 

Este começou por ser apenas um EP de três músicas, lançado em finais de janeiro. Na altura não escrevi sobre ele porque ainda não tinha uma opinião formada sobre ele. Mas agora que Mike lançou mais um par de faixas, confirmando que Post-Traumatic vai ser um álbum, é uma boa altura para dar o meu parecer.

 

Antes de começar, dizer apenas que, na minha opinião, estas faixas valem mais pelas letras que pela parte musical. Desse modo, não vou focar-me tanto em instrumentais como faria noutras circunstâncias.

 

  

Sem grande surpresa, um dos temas recorrentes nestas músicas é desorientação, insegurança. É o que acontece, não apenas quando se perde um melhor amigo, mas também quando o trabalho de quase duas décadas fica comprometido. A Place to Start, que abre o EP – e que deverá abrir o álbum – reflete exatamente isso. A faixa – que, segundo Mike, chegou a ser considerada para introdução ao álbum One More Light, com uma letra diferente, claro – tem um instrumental grave e melancólico, bem a condizer com a letra.

 

Em a Place to Start, Mike afirma que, essencialmente, não tem maneira de seguir com a sua vida, que sente que não tem controlo sobre ela. Diz que receia tomar decisões, pois podem acabar mal. Ao mesmo tempo, quer fazer alguma coisa. Começar por algum lado, tal como reza o título da canção.

 

Havemos de regressar a esta ideia.

 

  

Consta que Over Again é a música mais popular do EP e eu concordo com a opinião geral. Não é difícil perceber porque é que as pessoas gostam: é a mais crua, a mais específica, de todas lançadas até agora, aquela que chama os bois pelos nomes. Mike compôs a primeira estância na véspera do concerto de homenagem a Chester, no Hollywood Bowl, e a segunda no dia a seguir. Ambas as estâncias referem-se diretamente a esse concerto e a tudo o que levou a ele.

 

Na primeira parte da canção, assim, ouvimos acerca da decisão de fazer o concerto, nas primeiras semanas a seguir à morte de Chester, de como chegara o dia do concerto… e do pavor que Mike tinha de subir ao palco.

 

Mais uma vez, sem surpresas aqui. Eu mesma chorei quando anunciaram esse concerto, em inícios ou meados de setembro. E tornei a chorar na manhã que se seguiu ao concerto. Eu, que sou apenas uma fã, cujo único contacto com Chester fora agarrar-lhe a mão durante dois segundos.

 

A segunda parte aborda o pós-concerto e é muito mais intensa, rica em raiva e revolta, em que Mike parece disparar em múltiplas direções: aos críticos da banda, ao processo de luto que parece nunca mais acabar, àqueles que que não parecem compreender a dimensão do problema de Mike. O verso “Only my life’s work hanging in the fucking balance” é esclarecedor – Mike disse mesmo no Genius (mais sobre esse site aqui) que é a ideia principal de Post-Traumatic.

 

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Ao mesmo tempo, Mike confessa que não sabe o que sente em relação ao concerto em si, que quase se foi abaixo em certos momentos – isto apesar de terem existido alturas em que ele parecia animado. A certa altura, chegou a dizer que se estava a divertir, o que lhe parecia estranho.

 

É como o próprio Mike disse durante o concerto: é uma montanha-russa de emoções. Em Over Again, Mike diz que só queria que se tornasse mais fácil. A língua inglesa tem esta palavra extraordinária, closure, que não tem tradução direta para português. É um misto entre conclusão e aceitação. Essencialmente, dar um capítulo da vida de uma pessoa por encerrado e partir para outra. Algo que Mike não consegue fazer.

 

Se esta música tivesse saído um mês antes, teria dado cabo de mim.

 

O que nos leva ao refrão. O título da música Over Again refere-se ao facto de o luto nem sempre ser um processo linear. O sentimento de perda nunca desaparece de vez, está apenas dormente, despertando quando menos esperamos. E, quando acontece, abalam uma pessoa. Mike têm dado vários exemplos em que, em suma, ele até está a ter um dia bom, sai para comprar gelado, toca uma música dos Linkin Park ou é abordado por um fã e volta tudo de novo. Como reza One More Light, “the reminders pull the floor from your feet.”

 

 

Queria, por fim, chamar a atenção para os vocais do segundo e terceiro refrões e, sobretudo, perto do fim da canção: muitos, eu incluída, julgam ouvir a voz de Chester no coro. Chegou a pensar-se que talvez fossem vocais antigos do cantor, gravados para um dos álbuns de Linkin Park mas que nunca chegaram a ser usados. No entanto, Mike disse no Twitter que não, os vocais são dele mesmo – quanto muito, estaria a canalizar o Chester dentro de si.

 

Eu gosto disso. É uma parte do Chester que continua a viver em Mike – na voz dele e não só, como reza Everglow, dos Coldplay. Sempre consola um bocadinho.

 

  

Existem muitas coisas boas em Over Again, como podem ver, é a minha faixa preferida até ao momento. Por sua vez, Watching As I Fall é das menos apelativas para mim – o que não significa que seja má.

 

Tem um ritmo um pouco mais acelerado que as outras canções do EP e, tal como em Over Again, ouve-se muita raiva e revolta na letra e interpretação. Os temas são os mesmos: o luto não linear, a desorientação, o surrealismo. Destaca-se o facto de Mike estar a passar por tudo isto sob o olhar do público.

 

Estas foram, então, as músicas lançadas quando Post-Traumatic era apenas um EP. Por sua vez, Crossing A Line e Nothing Makes Sense Anymore foram lançadas há apenas duas semanas, já como parte do álbum. Além disso, nota-se que pelo menos Crossing A Line foi composta numa fase diferente das músicas do EP.

 

  

Crossing A Line – o primeiro single oficial – está a tornar-se uma das minhas preferidas de Post-Traumatic por causa da letra, um tudo nada mais esperançosa que as outras músicas. Se em a Place to Start, Mike não sabia o que fazer consigo mesmo, em Crossing a Line, ele parece ter uma ideia mais clara. As inseguranças persistem mas, desta feita, Mike tem esperança.

 

Se dúvidas existiam antes, Mike deixa bem claro no Genius que a decisão de que Crossing A Line fala é o seu álbum a solo… e sobre o medo que Mike sentia da reação dos seus colegas de banda ao projeto.

 

Eu compreendo as inseguranças de Mike, sobretudo à luz da morte de Chester – podia parecer que ele estava a desistir dos Linkin Park. Mas eu acho que o Brad, o Phoenix e os outros nunca diriam que não. Eles nunca tiveram problemas nem com Fort Minor (ao ponto de incluírem músicas como Remember the Name na setlist de vários concertos dos Linkin Park) nem com Dead by Sunrise (ao ponto de, segundo uma entrevista que vi na altura em que escrevi a análise a Out of Ashes mas que não consigo encontrar agora, terem dado ao Chester a possibilidade de lançar Out of Ashes com o nome dos Linkin Park). Porque haveriam de levar a mal este projeto do Mike?

 

De qualquer forma, Mike queria mesmo que os amigos soubessem que ele não estava a abandoná-los.

 

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A expressão “Crossing a line” – cruzando um risco, ultrapassando um limite – faz pensar em algo proibido, irreversível. Consigo pensar em várias outras possíveis interpretações para coisas “proibidas” a que a canção pode estar a referir-se. Mike está já a cruzar um limite só pelo facto de estar a seguir com a sua vida após a morte do Chester. Ao mesmo tempo, mais uma vez remetendo para A Place to Start, Mike está a deixar um lugar depressivo mas confortável para se aventurar no desconhecido.

 

Por outro lado, só o facto de este trabalho deixar a alma de Mike a nu é algo suficientemente desconfortável para equivaler a cruzar uma linha.

 

O videoclipe para Crossing a Line é mais sofisticado que os outros, mas mantém o carácter pessoal e intimista. O vídeo foi filmado no mesmo sítio onde os Linkin Park terão começado como banda. Mike avisou quarenta e cinco minutos antes no Twitter que ia para lá, pedindo aos fãs para irem lá ter se pudessem. Como se pode ver no vídeo, apareceu imensa gente.

 

Eu com inveja deles? Não! Que ideia…

 

  

Falta apenas falar sobre Nothing Makes Sense Anymore, que foi lançada juntamente com Crossing a Line. Esta, no entanto, tem mais semelhanças com as músicas do EP, lançadas em janeiro.

 

Para esta, queria começar por falar do videoclipe. Este mistura imagens dos incêndios que assolaram Los Angeles em dezembro do ano passado com imagens do telemóvel de Mike, quando este foi visitar os terrenos ardidos. Faz-me lembrar, como é evidente, os nossos próprios incêndios, no ano passado.

 

Não me surpreende que Mike tenha escolhido este cenário para o vídeo. Suponho que ele se identifique com uma vítima dos incêndios – com as devidas ressalvas, claro, porque mal por mal Mike não perdeu a sua casa. Mesmo assim, a morte de Chester foi algo que lhe destruiu a vida que conhecia e Mike encontra-se, agora, a reconstruir uma vida nova sem Chester, a encontrar o novo “normal”.

 

É sobre isso que fala a letra de Nothing Makes Sense Anymore – à mistura com os temas recorrentes de luto e incerteza.

 

Sobre a parte musical, queria dizer apenas que os efeitos na voz de Mike irritam-me um pouco, tornam o seu desempenho demasiado artificial, pouco humano. Estes efeitos também existem em Crossing a Line, eu sei, mas só no refrão, não incomodam tanto. Talvez Mike não tenha gostado do seu desempenho vocal e tenha acho que precisava de ajustes.

 

 

Em suma, conforme dei a entender antes, estas canções são mais ou menos o que se esperava da parte do Mike, tendo em conta as circunstâncias. É possível que tenhamos mais músicas assim no resto de Post-Traumatic. Pergunto-me, aliás, se Looking for an Answer fara parte da tracklist. Mike ainda não a lançou porque, segundo um tweet dele, não conseguira descobrir a melhor maneira de apresentá-la.

 

Eu gosto do Mike, quase tanto como gostava do Chester. Para além de ser um bom músico, parece ser uma boa pessoa, um bom exemplo, com sentido de humor, chegado aos fãs. Tal como Chester era. Tenho pena de, entre muitas outras coisas, não podermos voltar a vê-los juntos, mas estou grata por ainda termos Mike na nossa vida, por termos música criada por ele, mesmo que não seja Linkin Park.

 

Aqui entre nós que ninguém nos ouve, nesta fase, não me importaria muito muito se os Linkin Park nunca mais se voltassem a reunir, se a partir de agora Mike só criasse música para si mesmo. É o que sinto neste momento – não garanto que não mude de ideias no futuro. Mas, nesta fase, estou aliviada por os Linkin Park estarem em pausa, com cada membro seguindo o seu caminho, porque ainda não me sinto preparada para ver os Linkin Park continuando sem o Chester, seja de que forma for.

 

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Mais uma vez sublinho: é o que eu sinto agora. Não está escrito em pedra.

 

Já que falo disso, suponho que faça sentido fazer uma atualização da maneira como tenho lidado com a morte do Chester, nos últimos tempos. Curiosamente, tenho estado bastante melhor este ano – a pior parte ficou em 2017. Talvez tenha ajudado escrever sobre isso nesse texto. Talvez o facto de a minha própria vida andar a correr melhor este ano tenha feito com que parasse de projetar os meus próprios dramas no que aconteceu ao Chester. De qualquer forma, está menos insuportável do que antes.

 

E, mesmo assim, de vez em quando apanha-me desprevenida – como Mike descreveu nestas canções, mas muito mais atenuado, claro. Houve uma ocasião em que estava a escrever despreocupadamente para o meu outro blogue, com o Spotify em modo aleatório. De repente, começa a tocar a música One More Light (que não ouvia há algum tempo) e deu-me um baque.

 

Esta foi a ocasião mais intensa. Para além dessa, às vezes dou por mim a lacrimejar quando oiço certas músicas. Como Breaking the Habit ou Numb (ponho-me a pensar no concerto no Hollywood Bowl, em que tocaram esta sem ninguém a cantar, apenas o microfone iluminado). Por fim, escrever este texto voltou a despertar um bocadinho do luto em mim.

 

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Entretanto, ainda tenho o álbum One More Light por analisar. Não o fiz ainda por uma questão de calendário – tenho uma data de textos que quero escrever e publicar antes de me voltar para esse. Como tal, ainda devo demorar alguns meses.

 

Para já, quero ver se o próximo texto que publico é o próximo de Pokémon através das gerações, a análise à sexta geração, que deverá vir em duas partes Não sei se consigo publicá-los já já, mas nunca depois de finais de maio.

 

Obrigada pela vossa visita, como sempre. Continuem ligados!

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