Hayley Williams – Flowers For Vases / descansos (2021) #1
Hayley Williams, mais conhecida como vocalista dos Paramore, estreou-se a solo no ano passado, com o álbum Petals For Armor. Um álbum de que gostei muito, tal como escrevi antes: ao mesmo tempo eclético e consistente, tanto em termos de instrumentação como em termos de temas. Um álbum cheio de simbolismos, que começa sombrio, tornando-se progressivamente mais luminosos.
O plano era Hayley ir em digressão depois do lançamento de Petals For Armor – talvez mesmo antes. No entanto, como aconteceu a toda a gente, a pandemia cancelou esses planos. Hayley ainda passou um tempo razoável dando entrevistas online mas, depois de o álbum ter saído, deu por si fechada em casa, sem saber o que fazer.
Acabou por passar muitos desses dias com a sua guitarra. Ia tocando covers acústicos, que depois partilhava nas redes sociais, versões acústicas das músicas de Petals For Armor – como as de Self-Serenades – e também música original, que agora lançou no passado dia 5 de fevereiro, num álbum chamado Flowers For Vases. Hoje vamos falar sobre ele. A análise virá em duas partes – publico a segunda amanhã.
De acordo com a nota de lançamento. Flowers For Vases é uma espécie de prequela a Petals For Armor, ou um desvio entre a primeira e a segunda parte desse álbum. Não acho que seja para levar demasiado à letra. Essencialmente, Flowers For Vases lida com assuntos do passado de Hayley que, mesmo depois de Petals For Armor, continuavam mal resolvidos.
Penso que já escrevi aqui sobre isso aqui no blogue, mas durante a quarentena, quando deixamos de ter coisas acontecendo na nossa vida, é como se o tempo parasse. Ficamos numa espécie de limbo, em que não temos futuro, quase não temos presente, só nos resta o passado.
Pelo menos foi assim que me senti durante o primeiro confinamento – e até estava a trabalhar fora de casa! Nem quero imaginar como terá sido para quem ficou verdadeiramente em isolamento.
Suponho que Hayley que tenha sentido mais ou menos assim – e que o confinamento tenha feito com que ressurgissem muitas pontas por atar no seu passado. Ao mesmo tempo, Flowers For Vases aborda assuntos que vieram à baila nas múltiplas entrevistas de Hayley para promover o antecessor Petals For Armor – como, por exemplo, o segundo (?) divórcio da sua mãe, a história de origem dos Paramore e o rescaldo do divórcio de Chad Gilbert, em 2017.
De início este álbum era para se chamar descansos, um termo na língua espanhola tirado de Mulheres que Correm com os Lobos. Este é um livro que Hayley referiu várias vezes como uma das inspirações, tanto para Petals For Armor como para Flowers For Vases, e que a tem ajudado muito nos últimos anos.
Eu mesma acabei de lê-lo há poucas semanas. Foi uma leitura demorada, comecei antes do verão, mas em minha defesa a autora admite no próprio texto que não é suposto lê-lo de uma assentada. Ainda preciso de relê-lo pelo menos uma vez antes de formar uma opinião definitiva, mas já tenho uma passagem preferida.
E com isto desviei-me um bocadinho, falávamos de descansos. Esse é o nome dado àquelas cruzes que vemos à beira da estrada assinalando mortes – geralmente vítimas de acidentes rodoviários. Simbolicamente, descansos representam pequenas tragédias, pequenas mortes que ocorrem ao longo da vida (Lobos apenas refere a vida das mulheres, mas eu acho que se aplica a toda a gente). Sonhos desfeitos e/ou de que se abdicou, caminhos não percorridos, capítulos de vida terminados.
É necessário recordar esses sonhos, esses caminhos, esses capítulos, fazer o luto por eles. Mas ao mesmo tempo é necessário deixá-los para trás, reconhecer que é passo e seguir em frente.
O título final acaba por seguir a mesma lógica. Nos últimos anos – desde a célebre visão das flores nascendo do seu corpo – Hayley habituou-se a ter flores em casa, como símbolos de feminilidade e resiliência, conforme descrito em Roses/Violet/Lotus/Iris. Mesmo flores já murchas. No entanto, certo dia Hayley fartou-se de ver a casa cheia de flores mortas. Assim, quando teve de fazer uma lista de compras, um dos itens era “flores para vasos”.
Meses mais tarde, reencontrou a lista e percebeu que era um bom título para o seu segundo álbum a solo. Deitar flores mortas fora e trazer uma nova vida para a sua casa, para os seus vasos. Faz sentido em associação com o conceito de descansos – embora, na minha opinião, o álbum acabe por se focar mais nas flores mortas.
Incluindo algumas que, como veremos adiante, já estão murchas há muito. Já deviam ter sido deitadas fora há muito tempo, mesmo queimadas!
Além disso, gosto que mantenha o tema floral, já vindo do seu antecessor. Petals For Armor, Flowers For Vases. O próximo será Leaves For Tea.
Um aspeto a ter em conta é que Hayley não se limitou a compôr todas as faixas do álbum a solo. Ela também toca todos os instrumentos. Todos. Teve Daniel James como produtor, Carlos de la Garza nas misturas e pouco mais, mas Flowers For Vases é um projeto praticamente só de Hayley – em contraste com Petals For Armor, em que Hayley era o centro, mas em que esta colaborou com várias pessoas, incluindo colegas dos Paramore.
Nesse aspeto, Flowers For Vases é um exemplo perfeito de um álbum em confinamento, gravado em casa – sujeito a perturbações como o barulho de um avião, como hilariantemente demonstrado em HYD.
Em termos musicais, Flowers For Vases é um álbum maioritariamente acústico. A guitarra é o instrumento principal, mas o piano é um participante frequente. Quando se descobriu, no início de 2020, que Hayley ia lançar música a solo, acho que muita gente estava à espera que Petals For Armor tivesse este estilo musical. Flowers For Vases é um álbum minimalista, mas não necessariamente no bom sentido, conforme explicarei mais tarde.
Suponho que deva avisar já: esta não irá ser uma crítica muito favorável. Tenho alguns defeitos a apontar a Flowers For Vases.
Começando pelas três músicas que abrem o álbum. Três músicas relativamente diferentes entre si, mas as letras são sobre o mesmo: a narradora (vamos assumir que é Hayley) está a pensar num antigo amante (vamos assumir que é o ex-marido). Sabe que a relação terminou, que só lhe estava a fazer mal, mas não se sente capaz de eliminar o ex em definitivo da sua vida.
Tenho de perguntar: sou a única aqui que está farta de ouvir acerca do ex-marido de Hayley?
Eu percebo que ela ainda cante sobre ele. Parecendo que não, sempre foram quase dez anos com o gajo, quase um terço da vida de Hayley. Não é algo que se esqueça de um dia para o outro. A própria Hayley disse, quando lançou Petals For Armor, que nenhum dos assuntos abordados no álbum ficaram completamente arrumados. Mesmo que as faixas sigam uma ordem cronológica, a progressão não é linear e ainda passa por cada uma das situações descritas nas músicas. Na mesma linha, Flowers For Vases lida com questões mal resolvidas do passado, conforme vimos antes.
Dito isto tudo… não sou psicóloga, muito menos sou psicóloga de Hayley… mas será assim tão saudável estar constantemente a pensar naquele gajo? Sinto-me como aquela amiga que já não nos pode ouvir falar do nosso ex, que quando bebemos uns copos nos impede de lhe ligarmos. Ó mulher, esquece o gajo! Ele não te merece, ele ia dando cabo de ti! Ainda por cima, já está casado com outra, a quem há de fazer o mesmo!
Mas enfim, Hayley é humana. Suponho que cantar sobre estes sentimentos menos saudáveis faça parte do processo de cura.
Falemos sobre as músicas em si. Começando por My Limb, que foi o primeiro single.
Primeiro single é como quem diz… Este álbum não teve singles propriamente ditos. Nas semanas anteriores ao lançamento de Flowers For Vases, em que nas redes sociais iam surgindo pistas apontando para um projeto novo, alguns fãs andavam a receber estranhas encomendas de Hayley, contendo braços e pernas soltos de bonecas. Até que, uma semana antes do lançamento do álbum, uma das encomendas incluía um CD com My Limb – mesmo para ser lançado na Internet.
Assim, My Limb foi o primeiro single – no sentido em que foi a primeira música que ouvimos de Flowers For Vases – e ao mesmo não o foi – pois não foi oficial. Foi engraçado. Fez-me lembrar o que os Linkin Park fizeram com Wastelands, quando andaram a distribuir CDs com o novo single de The Hunting Party entre o público do Rock in Rio.
Nesta fase, diria que My Limb será a minha canção preferida em Flowers For Vases. Tem um tom sombrio, semelhante ao de Simmer. Algo gótico e dramático. Gosto do piano, das notas de guitarra elétrica no fundo, do ritmo da bateria. O refrão consiste apenas na repetição de “my limb”, mas gosto tanto dos vocais de Hayley que a repetição não me incomoda.
A letra compara uma relação antiga a um braço ou perna doente que precisa de amputação. No entanto, apesar de reconhecer que é necessário, a narradora está ainda tão agarrada ao membro que vai perder, ao ex, que não quer sobreviver à sua perda.
A língua inglesa tem esta expressão “cut off my nose to spite my face” para se referir a reações exageradas que, em vez de atingirem a pessoa pretendida, acabam por ser auto-destrutivas – Hayley admitiu ter essa tendência e mesmo eu às vezes tenho essa tentação. My Limb parece ser sobre isso.
A faixa que se segue no álbum também usa um termo médico como metáfora. A letra fala essencialmente de uma relação que está ligada à máquina, em que o coração já não bate – que está em assístole. Uma vez mais, a narradora sabe, racionalmente, que precisa de desligar a máquina, mas emocionalmente ainda não está preparada para isso (“I can’t get my head to say anything my heart could ever understand”). Refere, de passagem, que precisa de dar prioridade a si mesma em vez de ao outro, mas a verdade é que o outro não “deslarga”, por muito que ela tente.
Vou dizer o que se segue sobre muitas músicas em Flowers For Vases, mas a instrumentação em Asystole não é grande coisa. Esta faixa, ainda assim, não é das piores neste álbum. Gosto da terceira estância, em que o acompanhamento se intensifica enquanto Hayley clama ao amado que reanime a relação. Temos também a conclusão da faixa, com uma sequência de piano estranhamente etérea, que parece um pouco vinda do nada, mas que resulta.
Nestra trilogia inicial, falta falar sobre o tema que, de facto, abre Flowers For Vases, First Thing to Go. A narradora descreve os primeiros passos no processo de deixar um ex para trás. Como reza a letra, ela já mal se lembra da voz dele, ela termina as suas próprias frases.
Por outro lado, Hayley admite que não é exatamente dele que sente saudades, antes da imagem que tinha dele. “My altar is full of our love’s delusions”. Ao mesmo tempo, o verso “Why do memories glow the way real moments don’t” faz-me lembrar Supercut, de Lorde – não existem recordações objetivas. Ainda assim, apesar de reconhecer as próprias ilusões, a narradora tem medo de perdê-las.
A sonoridade é um exemplo de minimalismo no mau sentido. Durante grande parte da canção, temos apenas acordes soltos de guitarra acústica. Só no fim é que surge o piano e a percussão.
Trigger aborda um tema recorrente na discografia de Hayley, tanto a solo como nos Paramore: inseguranças no amor. Começa admitindo que, no que toca ao romance, só tem cantado sobre coisas tristes – não só no que toca às suas próprias relações, mas também aos divórcios dos pais. Assume que, ao menos, serve de inspiração para a sua música.
Na quadra seguinte, confessa que só queria ser amada, o que a levava a aceitar qualquer tipo de amor, mesmo que fosse tóxico. Só mesmo para não ficar sozinha. No refrão, Hayley usa a metáfora da arma e do gatilho para dizer que, nas relações, sente-se sempre numa posição vulnerável. A outra parte tem poder para magoá-la, com ou sem intenção.
Na segunda parte, a narradora refere que o conceito de uma relação saudável é estranho para ela – algo que já tinha explorado em Petals For Armor, sobretudo na terceira parte. Hayley diz ter medo de não se sentir confortável ou de, pelo contrário, tomá-lo como garantido – e admite que já o fez antes.
Estará a falar da situação descrita em Why We Ever?
Em termos de sonoridade, Trigger começa com uma progressão tipicamente folk, com os arpejos de guitarra acústica e o piano. Pouco original, admito, mas agradável ao ouvido, na minha opinião. O refrão, no entanto, soa incompleto – apenas dois versos repetidos, quando o crescendo nas estâncias pedia algo com mais impacto. E como nem sequer temos uma terceira estância…
Em contraste, Over Those Hills é uma das mais interessantes musicalmente em Flowers For Vases. Engraçada, com o riff de guitarra que lhe serve de imagem de marca. Também ajuda o facto de ser uma das mais completas em termos de instrumental – a maneira como a bateria é usada, apenas em certas ocasiões, é inteligente. E inclui um solo de guitarra – algo que nunca pensei ouvir Hayley tocar.
Over Those Hills merecia ser tocada ao vivo, só mesmo para vermos Hayley em palco tocando este solo.
Em termos de letra, é sobre o ex-marido outra vez. Iupi… A narradora está a pensar nele, perguntando-se o que andará ele a fazer, se pensará nela, se sentirá saudades.
Tendo em conta que o gajo se casou pela terceira vez no ano passado – com uma mulher ainda mais nova que Hayley – tenho as minhas dúvidas.
A letra joga com o facto de Hayley tomar anti-depressivos. No Genius especulam que, na terceira estância, o efeito dos comprimidos está a passar e a narradora sente as partes más da relação outra vez. Ao mesmo tempo, admite que a dor faz parte do gozo, o que alude a Pool.
Gosto do facto de a primeira estância ter sido cantada num tom grave para, depois, ser cantada uma oitava acima. No entanto, teria ficado melhor se a letra variasse um bocadinho da segunda vez, nem que fosse apenas um verso.
Good Grief é uma das músicas mais sombrias e deprimentes em Flowers For Vases. Começando pela letra, não consigo perceber quem é o “you”. Se é o ex-marido, se é… outra pessoa.
Falemos então sobre o elefante na sala: Hayley está mesmo a namorar com o Taylor, não está? Taylor York, o guitarrista e co-compositor dos Paramore. Já se falava da possibilidade no ano passado, quando saiu Petals For Armor. Como escrevi na altura, não adoro a ideia. Como as pistas ainda eram poucas, pude fechar um pouco os olhos.
No entanto, em Flowers For Vases, os sinais estão todos lá. Good Grief nem sequer é o caso mais gritante.
Já antes falei das minhas reservas a que Hayley namore outra vez com um colega de banda (tenho a certeza que ela há de ter a minha opinião em consideração). Pensar que Sudden Desire pode ser sobre Taylor deixa-me pouco à vontade… Além disso, faz-me um bocadinho de confusão: eles conhecem-se há quase vinte anos e agora é que se apaixonaram?
É certo que Hayley esteve quase sempre com outras pessoas: com o Josh em adolescente, com o ex-marido durante quase toda a vida adulta. Talvez Taylor já tivesse um fraquinho por ela há algum tempo, apenas teve de esperar pela altura certa.
Por outro lado, lá está, eles são amigos desde miúdos, compreendem-se, apoiam-se, sentem carinho um pelo outro há anos… Talvez funcione. Pessoalmente, não conheço muitos casos de amigos de infância que viram amantes, mas, segundo consta, relações que assentam em amizade costumam correr bem.
Suponho que ainda não tenham assumido por dois motivos: primeiro, por causa do histórico dos Paramore enquanto banda. Ainda hoje, cinco anos depois de Jeremy sair, Hayley tem de dizer, dia sim dia não, que a banda não se separou. Talvez tenham medo das reações dos fãs e mesmo do mundo da música em geral.
Em segundo, talvez a relação ainda não esteja muito estável. Várias músicas em Flowers For Vases parecem apontar nesse sentido, como veremos adiante. Pode ser que nem sequer estejam a namorar neste momento. Talvez estejam à espera de estarem mais firmes antes de assumirem. Ou então, querem adiar ao máximo a revelação.
Dos três dos Paramore, Taylor é o mais reservado. Estou certa de que, por ele, só se revelará quando não der para esconder mais. Se houver casório ou se tiverem um filho (seriam uns miúdos adoráveis).
Mas regressamos a Good Grief. Dizia eu que não conseguia perceber a quem a canção é dirigida. A letra parece falar do ano do casamento de Hayley e dos trabalhos de After Laughter, bem como do divórcio e do seu rescaldo.
Começa por falar de Hayley ter deixado de comer – de ser toda “esqueleto e melodia”. Fala também sobre arrumar as coisas do outro e sentir-se, ao mesmo tempo, triste e feliz com esse passo. Ora, se esses versos dão a entender que o “you” é o ex-marido, os versos em que Hayley pede ao remetente para lhe tocar alguma coisa que ela não cantará parecem apontar para Taylor. Um Taylor triste por vê-la sofrer.
Também é possível que seja outra vez a metáfora de Stop This Song (Lovesick Melody), como já tinha acontecido em Dead Horse. Não sei. Talvez Hayley nem se tenha preocupado em manter a coerência no que toca a esta letra.
Musicalmente, os vocais em Good Grief têm aquele efeito duplicado que tínhamos ouvido em Find Me Here. Li entretanto que faz lembrar Simon & Garfunkel e sinto-me parva por não ter feito a ligação antes – até a guitarra acústica faz lembrar a icónica dupla! Temos também um tom atmosférico na produção mas, pelo menos no caso de Good Grief, não acrescenta muito. Eu dispensava.
E ficamos aqui por hoje. Amanhã continuamos. Obrigada pela vossa visita.