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Álbum de Testamentos

"Como é possível alguém ter tanta palavra?" – Ivo dos Hybrid Theory PT

Sobre a terceira temporada de Ted Lasso #3

Terceira e última parte da análise à terceira temporada de Ted Lasso. Podem ler as partes anteriores aqui e aquiSpoilers para toda a série de Ted Lasso.

 

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Temos, agora, de falar sobre outra das desilusões da temporada: Nate. Não que ache que não tenha havido nada que se aproveitasse da história dele mas, mesmo assim, as expectativas eram altas e, infelizmente, os guionistas não cumpriram. 

 

Da maneira como vejo, sempre existiram dois Nates. Já que Ted Lasso gosta de fazer paralelismos nada subtis com Star Wars, peguemos no tema e chamemos-lhe o lado bom/luminoso e o lado negro. O lado bom é o lado mais genuíno, mais vulnerável, mais gentil, mas que Nate considera uma fraqueza. O lado negro é o lado mais cruel e arrogante. 

 

A terceira temporada de Ted Lasso dá a entender que esta faceta terá sido provocada pela relação difícil de Nate com o pai. É possível que sim: Nate terá encontrado em Ted uma figura paterna e, quando se sentiu abandonado por ele, Nate trocou-o por Rupert. 

 

Não acho, no entanto, que tenha sido só esse o problema.  Acredito que Nate tenha sido influenciado pelo bullying que sofreu ao longo dos anos. Bullying esse que veio, em parte, de futebolistas, pessoas com estatuto que provavelmente Nate cresceu idolatrando. Daí ter internalizado que o lado negro – o lado mesquinho, o lado misógino, a masculinidade tóxica – era o lado desejável.

 

E esse lado esteve lá desde o início: veja-se a primeira reação dele a Ted e Beard, no piloto. Quando essas personagens, bem como Rebecca ou Keeley,. procuraram encorajá-lo, Nate deixa sair o lado errado, confunde agressividade com assertividade. Daí, por exemplo, na primeira temporada, apimentar os seus conselhos para os jogadores com insultos. E as ocasiões em que cospe no seu próprio reflexo.

 

A questão é precisamente essa. Pelo lado da luz, é-se gentil para toda a gente, começando-se por si mesmo. E pelo lado negro é-se cruel para toda a gente, começando-se por si mesmo. 

 

À semelhança de muitos, não adorei Jade quando apareceu pela primeira vez, na segunda temporada. Mesmo agora, após a terceira temporada, apesar de não a detestar, sabemos muito pouco sobre ela. Mas, justiça seja feita, Jade nunca foi à bola com o lado negro de Nate. Só começou a interessar-se por ele quando viu o seu lado genuíno. Mais especificamente, quando o ouviu tentando explicar o motivo pelo qual escolhera aquele restaurante em específico à companhia que Rupert lhe arranjara. 

 

 

É por isso que até gostei desta linha narrativa. A relação de Nate com Jade serviu de reforço positivo ao lado da luz. Conforme comentaram aqui, é difícil explicar a quem não veja Ted Lasso o quão emocionante é ver um homem olhando-se ao espelho e não cuspindo no próprio reflexo. 

 

Dito isto, gostava de ter visto esta jornada de (mais ou menos) redenção de Nate como treinador do West Ham. Gostava de ter visto Nate como treinador do West Ham, ponto – quase não vimos – e acho que teria sido possível fazê-lo sem roubar tempo de antena à vida amorosa dele. As duas linhas narrativas podiam ter decorrido em paralelo, influenciando-se uma à outra. 

 

Porque eu acredito que a redenção (mais ou menos) de Nate também se refletiu no seu trabalho no West Ham. No início da temporada, vemo-lo sendo uma besta para com os seus jogadores, bem como para os colegas do clube. Ainda assim, o West Ham sai-se bem no campeonato, rivalizando com o Richmond – ou seja, alguma coisa Nate estaria a fazer bem. Em episódios posteriores, vemo-lo tendo uma relação cordial, mesmo amigável com os colegas da equipa técnica. Podemos assumir que terá desenvolvido uma relação semelhante com os jogadores do West Ham.

 

Uma das grandes falhas da temporada.

 

Em contraste com Jade, Rupert é uma clara força negativa na vida de Nate. Aqui sim, vemos uma representação razoável de love bombing, de alternância entre distância e proximidade, como forma de mantê-lo sob controlo, de isolá-lo dos demais – tal como já tinha feito com Rebecca na verdade. Mais: Rupert atua como o diabo no ombro de Nate, estimula o seu lado negro. 

 

Veja-se, por exemplo, o quarto episódio. Nate faz múltiplas tentativas de falar com Ted – e cada uma delas é bloqueada por Rupert, de uma forma ou de outra. Vários episódios mais tarde, quando Nate está já numa relação com Jade, alguém que estimula o seu lado gentil e que não vai na conversa de Rupert, este último tenta levar Nate a traí-la. Ao que parece, este último evento é o que faz com que Nate finalmente perceba quem Rupert realmente é, pois quando voltamos a vê-lo já tinha apresentado a demissão como técnico do West Ham. 

 

Esta será talvez a decisão mais incompreensível em toda a terceira temporada, talvez mesmo em toda a série: não mostrarem a demissão de Nate. 

 

 

Estivemos a temporada toda… Não, ainda mais. Desde o final da segunda temporada que esperávamos o momento em que Nate se aperceberia do erro que cometeu e faria frente a Rupert. Não sabemos se Nate foi sincero com Rupert ou se inventou alguma desculpa para sair. Perdeu-se uma oportunidade para desenvolver tanto Rupert como Nate. 

 

Depois desta, o Wonder Kid passa algumas noites na casa dos pais. Chega a ter uma inveja aberta com o pai, censurando-o por sempre ter exigido demasiado dele. 

 

É um momento importante, não me interpretem mal. Resolve uma bia parte das inseguranças de Nate. Mas para mim não é suficiente pois, como expliquei antes, os chamados “daddy issues” não explicam tudo. 

 

Em todo o caso, resolvidas as coisas com o seu pai, Nate enfia-se à socapa no Richmond, faz o trabalho de Will e deixa um bilhete pedindo perdão – assinando como Wonder Kid. 

 

Ainda assim, Nate não regressa logo ao Richmond. Opta antes por trabalhar no mesmo restaurante que Jade. Seria de esperar que, depois de ter tido um bom desempenho ao comando do West Ham, houvessem clubes interessados em contratar Nate. É possível que ele tenha recebido propostas e que as tenha recusado – mantendo-se afastado do futebol para se castigar a si mesmo. 

 

É uma pena a série não o ter abordado. 

 

No início do penúltimo episódio da temporada, Will, Isaac e Colin aparecem no restaurante e pedem a Nate que regresse ao Richmond – um desejo unânime de todo o plantel.

 

 

Uma vez mais, os guionistas fizeram batota. Na última vez que Nate e a equipa do Richmond estiveram no mesmo contexto, Roy e Beard tinham exibido imagens de Nate rasgando o cartaz com “Believe” – um talismã para a equipa, já um símbolo do clube – como forma de motivar a equipa. Saiu-lhes o tiro pela culatra: os jogadores reagiram como touros enraivecidos e recriaram a Batalha de Nuremberga do Mundial 2006. Para ir disto a um desejo unânime de que Nate regresse são precisos vários passos que a série não mostrou.

 

E devia ter mostrado. Nem era preciso muito. Bastava vermos a conversa do plantel que resultou na decisão. Seria uma oportunidade de ouro para desenvolver a equipa em geral e os jogadores em particular. Sam obrigando Colin e Isaac a admitir que maltrataram Nate no passado – e que isso terá contribuído para a deserção. Jamie fazendo também o seu mea culpa: também ele, a certa altura, se voltou contra o Richmond, mas teve direito a uma segunda oportunidade. 

 

Aliás, nesta parte da história, o problema não é Nate. Na minha opinião, este age com a contrição adequada. O resto do elenco é que o perdoa com demasiada facilidade.

 

Uma vez mais, da última vez que o assunto “Nate” viera à baila (tirando quando Nate e Beard levaram Henry a um jogo do West Ham), andava toda a gente em cima de Ted por este estar em negação no que toca ao que acontecera com Nate. Ted dizia que não estava magoado e ninguém acreditava nele – nem sequer Roy, de todas as pessoas. 

 

Ted nunca chega a refletir sobre os danos que Nate lhe provocou, nem chega a falar com ninguém sobre o assunto. Se isso aconteceu, não o mostraram. Logo, não faz sentido que toda a gente esteja a favor do regresso de Nate, quando a hipótese é levantada. Roy diz mesmo “I don’t give a fuck”, o que, na minha opinião, soou mais desprendido do que, se calhar, os guionistas queriam. 

 

 

Beard é o único a objetar – e na minha opinião o momento é mais cómico que dramático. Em compensação, mais tarde ele mesmo vai ter com Nate e oferece-lhe o emprego de volta. É outro ponto alto da temporada. Descobrimos finalmente o passado de Beard, que entre outras coisas também ele traiu a confiança de Ted no passado – e, na minha opinião, o que Beard fez foi pior. 

 

Aliás, é um bocadinho caricata a forma como Beard tem um passado tão retorcido e esta foi a primeira e a única vez que ouvimos falar dele. De qualquer forma, sim, se Beard teve direito a uma segunda oportunidade, Nate também tem. 

 

Ainda assim, ficou a faltar uma conversa aberta entre Ted e Nate, uma conversa de “thank you/fuck you” semelhante àquela que teria com a mãe. Sim, Nate pede desculpas a Ted, mas sabe a pouco. Outro aspeto que me incomodou foi a maneira como todos os crimes de Nate foram aglomerados num conjunto vago ou mesmo esquecidos. Nate foi uma besta para com Will, para com Colin, beijou Keeley sem o seu consentimento, deu com a língua nos dentes em relação aos ataques de pânico de Ted. Ainda agora, na preparação para este texto, revi a conversa entre os dois no último episódio da temporada e fiquei chocada – não me recordava de tanta crueldade.  

 

E no entanto a terceira temporada age como se o maior crime de Nate tenha sido rasgar um cartaz.

 

Adicionalmente, Nate nem sequer volta a falar de Rupert nem do tempo que passou a orientar o West Ham. O último jogo da temporada é precisamente perante eles. Ted Lasso tenta pintá-lo como o grande clímax da temporada, talvez mesmo de toda a série, mas não funciona. Nesta fase, os arcos narrativos de quase todo o elenco já tinham sido resolvidos – nomeadamente os de Rebecca e de Nate, as personagens mais antagonizadas por Rupert. Até trazem de volta George Cartrick, o antecessor de Ted no comando do Richmond, agora substituto de Nate. Calculo que a intenção da série era que o víssemos como um némesis de Ted e/ou do Richmond em geral. Concordo que Cartrick é a antítese de Ted em quase todos os aspetos. No entanto, na minha opinião, nunca foi um antagonista, apenas uma personagem secundária irritante.

 

Em suma, o último jogo da temporada não tem tensão praticamente nenhuma.

 

E o jogo em si foi muito mais ou menos. A cena do penálti que passa pela rede furada foi um bocado parva – daquelas coisas que, se acontecesse na vida real, sobretudo no futebol português, toda a gente se atiraria ao ar. Por outro lado, o golo da vitória, com alusões à primeira temporada, foi bem sacado. 

 

 

A certa altura Rupert desce ao banco do West Ham e ordena a Cartrick que diga aos jogadores para lesionar Jamie – ele que estava a ser o mais perigoso do Richmond. Quando Cartrick recusa, Rupert agride-o – deixando bem claro para toda a gente que perdeu a cabeça há muito. O público até se vira contra ele, recuperando o “Wanker!” que antes dirigia a Ted.

 

Não gostei muito da cena. Para começar, foram longe demais com Rupert, transformando-o num vilão de desenhos animados – não ao nível de Afuko, mas não assim tão longe. Depois, não dá para perceber se a narrativa quer que simpatizemos ou não com Cartrick. Por um lado, fica com os genitais à mostra perante as câmaras depois de ser empurrado por Rupert. Por outro, por muitos defeitos que tenha, não desce ao ponto de intencionalmente lesionar um adversário. 

 

A cena teria tido outro impacto se nesta altura, Nate ainda estivesse a orientar o West Ham. Podia já ter feito as pazes com os antigos colegas do Richmond, podia estar já de pés atrás em relação a Rupert, mas cumpriria o seu contrato no West Ham. Assumindo que, como disse acima, nesta altura já teria uma relação amigável com os colegas, talvez Nate continuasse por lealdade para com eles. O jogo sujo de Rupert e a agressão seriam a gota de água para Nate – sobretudo quando os jogadores e restante equipa técnica do West Ham se voltassem contra Rupert, à semelhança do público. 

 

Esta seria a minha versão da história, se fizesse parte da equipa de guionistas. Vale o que vale. 

 

É dado a entender que Nate regressa à equipa técnica do Richmond no final da série. Roy, no entanto, toma o lugar de treinador principal. Alguns se calhar esperavam que fosse Nate a suceder a Ted. Eu aceito este desfecho – é possível que Nate ainda não se considere merecedor do lugar. Mas ele tem talento para ser mais do que adjunto de Roy. A longo prazo, não me custa imaginá-lo de novo orientando um clube. Se não o Richmond, outro qualquer após uma rescisão amigável. 

 

Em todo o caso, penso que todos concordamos que a redenção de Nate deixou muito a desejar. Perderam-se várias boas oportunidades aqui.

 

Falta só falar sobre o nosso protagonista: Ted. 

 

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Num dos vídeos que o canal de YouTube Cinema Therapy fez sobre Ted Lasso, Jon e Alan comentaram que a terceira temporada parece tão errática porque o próprio protagonista está a passar por uma fase mais deambulante da sua vida. A temporada começa com Ted vendo Henry, o seu filho, embarcando de volta a casa, no Kansas, depois de ter passado o verão em Londres, com o pai. 

 

Nesse mesmo episódio, Ted interroga-se algumas vezes sobre o que ainda está a fazer em Londres. Viera para o Richmond para tentar salvar o seu casamento – casamento esse que estava morto e enterrado. Agora Henry estava a crescer a um oceano de distância dele. 

 

Na minha opinião, perderam-se mais oportunidades aqui. Por exemplo, para fazer a ponte com a última conversa com Nate. Ted duvidando de si mesmo, das suas capacidades como treinador – talvez uma das motivações para a contratação de Zava, como referido antes. Ou então, colocando em prática a lição que passara aos jogadores nesse mesmo episódio, de ignorar insultos dos demais.

 

Temos agora de falar sobre uma das piores partes da temporada: a linha narrativa de Ted com Michelle e o seu novo parceiro, Jake. Na primeira temporada, um dos pontos altos foi a maneira como o divórcio de Ted e Michelle foi abordado. Uma separação civilizada, sem diabolizar nenhuma das partes, mesmo que o rescaldo tenha sido doloroso – sabemos que o foi para Ted, é possível que também o tenha sido para Michelle.

 

Pois bem, estragaram tudo.

 

Na altura em que a terceira temporada estava a ser exibida, li um artigo ou outro sobre Jason Sudeikis (o ator que dá a vida a Ted e que é um dos principais guionistas) e a sua turbulenta separação da atriz Olivia Wilde. Estes artigos alegavam que o divórcio dele se estava a refletir nesta linha narrativa. Não concordo com tudo o que escreveram, sobretudo aqui. No entanto, pela maneira como o protagonista de Ted Lasso ocupa uma larga fatia do tempo de antena com um casamento terminado cerca de dois anos antes e pelas coisas de que falaremos a seguir, pergunto-me se não haverá alguma verdade nas acusações.

 

No terceiro episódio descobrimos, então, que Michelle está a namorar o antigo terapeuta de casais dela e de Ted e… meu Deus! 

 

 

Parece que os guionistas pesquisaram e, tecnicamente, como já teria passado um ano e meio, dois anos, desde o fim das consultas, não estavam a cometer nenhuma ilegalidade. Mesmo assim… isto é super retorcido. Uma pessoa olha para trás – para quando Ted se sentiu atacado na terapia de casais, para a decisão de “dar espaço” a Michelle – e é legítimo pensar se Jake não sabotou intencionalmente o casamento dos seus clientes enquanto exercia a sua profissão.

 

Esta linha narrativa tem uma consequência boa que é fazer Ted admitir abertamente a Michelle que não está contente com a situação, o que é um passo importante para ele. E nem é por Michelle namorar o antigo terapeuta: é por ter inserido um homem na vida de Henry sem falar primeiro com Ted. Legítimo.

 

Por outro lado, tivemos um episódio em que Ted vai muito além do aceitável: quando Michelle e Jack vão de viagem a Paris e Ted fica obcecado com a possibilidade de ficarem noivos. Chega a colocar a hipótese de contratar um investigador privado para descobrir. Felizmente Rebecca chama-o à razão, mas Ted não deixa de ficar muito mal na fotografia aqui. 

 

Saltando para o último episódio da temporada, vemos Michelle sem grande paciência para Jake. No fim, Ted regressa ao Kansas, para a casa dele – não se vê Jake em lado nenhum. Não é claro se Ted e Michelle pretendem reatar ou se o primeiro vai apenas ficar com ela e Henry até arranjar casa própria. Eu preferia a segunda hipótese.

 

Voltando atrás e deixando a vida pessoal de Ted de lado para já, uma coisa boa desta temporada foi finalmente ver o nosso protagonista mais envolvido na parte técnica do seu trabalho. 

 

Já não é a primeira vez que o escrevo: durante duas temporadas e meia Ted funcionou mais como um mental coach do que como um treinador principal. Um papel importante, sim, mas não o suficiente. Nate, Roy, mesmo Beard iam fazendo a maior parte do trabalho técnico. Ted deve-lhes muito do seu sucesso. E apesar de o nosso protagonista lhes dar o devido mérito, sempre achei que era uma dinâmica… questionável. Sobretudo sabendo o que sei do futebol na vida real. Sempre achei que foi um dos motivos para a deserção de Nate. 

 

 

No episódio de Amesterdão, no entanto, Ted tem uma epifania inspirada por uma transmissão de um jogo antigo de basquetebol dos Chicago Bulls. Toma o seu próprio caminho para chegar ao Futebol Total, ao tiki taka. Uma filosofia futebolística que, como o próprio texto assinala, é um reflexo da cultura que Ted implementou no Richmond – e, acrescento eu, é o oposto do Zava-mais-dez dos primeiros episódios da temporada. 

 

E, após um começo em falso, a filosofia dá resultados. Adiantando-me de novo, o Richmond termina o campeonato em segundo lugar. Teria sido mais bonito, mais épico, se o Richmond tivesse ganho o título, admito, mas talvez fosse um bocadinho para lá do realista. 

 

Ou não. Veja-se a história do Leicester em 2016

 

Terminar em segundo na Premier League não deixa de ser um grande feito para uma equipa como o Richmond: modesta, vinda da segunda divisão, que, mesmo nos seus melhores momentos, andara apenas pela metade inferior da tabela classificativa. Isto para não falar do seu treinador principal que, dois anos antes, não conhecia as regras mais básicas do desporto. 

 

Com o segundo lugar, o Richmond ganha acesso aos milhões da Champions League. Se conseguirem arranjar bons reforços, segurar jogadores como Jamie ou Sam, bem como a equipa técnica atual, o Richmond tem todas as possibilidades de continuar a lutar pelo título nas épocas seguintes e, eventualmente, ganhá-lo. 

 

Ainda assim, o sucesso do Richmond não é suficiente para contrariar a infelicidade de Ted na sua vida pessoal.

 

No penúltimo episódio da temporada, Ted recebe a visita inesperada da mãe. Vemos logo que o nosso protagonista tem muitas semelhanças com ela – uma pessoa calorosa, que cuida de toda a gente, que usa a sua atitude positiva como um mecanismo de defesa. Ainda mais do que Ted.

 

 

Já escrevi aqui no blogue sobre o “thank you/fuck you”, sobre o “both/and”, noutros contextos mas inspirada precisamente pela conversa que Ted tem com a mãe no final do episódio. O mesmo que se foca na relação de Jamie com o seu pai. James Tartt foi uma besta para com o filho mas Dottie, na minha opinião, é muito mais parecida com a maior parte dos pais na vida real. Fez o melhor que pôde pelo filho, mas é humana, a vida é difícil, cometer erros como todos os pais cometem. E não esquecer que o fez enquanto lidava com uma situação impossível: a morte do marido por suicídio. 

 

O que não muda o efeito que tais erros tiveram no filho. 

 

Em defesa de Dottie, esta aceita as críticas como uma mulher adulta, sem se colocar na defensiva, sem criticar de volta. Melhor do que muitos pais, mesmo dos bons. E a conversa serve para Ted tomar a decisão que queria tomar toda a temporada: regressar ao Kansas, para junto de Henry, no fim da época.

 

Não vou fingir que isto foi uma surpresa. Pelo contrário, sempre soube que a série terminaria assim: o Manic Pixie Dream Coach retirando-se depois de ver o seu trabalho concluído. Deu para ver ao longo desta temporada que o Richmond tem uma atmosfera completamente diferente da que tinha no início da série – e existem ocasiões em que Ted nem sequer precisa de intervir. 

 

Um dos exemplos ocorre logo no primeiro episódio: os jogadores indignando-se com os insultos de Nate numa conferência de imprensa, Beard impedindo Ted de se meter ao barulho, indicando Jamie que repete a lição que o próprio Ted ensinara antes. Outros casos foram quando a equipa tem a iniciativa de ir arranjar o restaurante de Sam e, mais tarde, de convidar Nate a regressar ao Richmond (mesmo com todos os asteriscos que assinalei acima). 

 

É por isso que concordo com o título do livro de Trent Crint: “The Richmond Way” em vez de “The Lasso Way”. Porque nesta altura já não é só Ted, o espírito estendeu-se ao clube inteiro. 

 

Além disso, ficou claro ao longo de toda a temporada que Ted nunca seria feliz com o filho crescendo noutro continente. 

 

 

Dito isto tudo… tirando Henry, Dottie ou, quanto muito, Michelle (mesmo não reatando, acredito que se mantenham amigos), para que é que Ted vai voltar no Kansas? Para quem? A família que ele arranjou ficou toda em Londres: Rebecca, Nate, Roy, Higgins, Trent, os jogadores… mesmo Beard, o amigo mais antigo que lhe conhecemos, escolhe ficar em Londres para casar com Jane. É possível que Ted tenha outros amigos no Kansas, mas não os conhecemos. 

 

Quando a série ainda estava a decorrer, ainda pensei que Ted pudesse encontrar um clube em Kansas – quer de futebol americano, quer de futebol “a sério”. A série podia dar a entender que Ted iria começar de novo noutro clube em dificuldades, transformá-lo também numa família – mas desta feita com Henry por perto. Um cenário destes far-me-ia aceitar melhor um final em que Ted deixa quase todos os seus amigos noutro continente. 

 

Os guionistas, no entanto, tinham outras ideias. Ted fica a orientar uma equipa infantil de futebol, na qual Henry joga. Pode-se argumentar que é onde a personalidade calorosa e otimista de Ted melhor se encaixa: entre crianças. E talvez estar perto do filho seja suficiente para Ted.

 

Mas não sei se, a médio/longo prazo, não começará a faltar algo.

 

E pronto, era isto que tinha a dizer sobre Ted Lasso. Esta última temporada deixou muito a desejar, mas continuo a achar que o balanço final é positivo. Sempre fui fã de histórias sobre esperança, redenção, crescimento, famílias de escolha. Temas que Ted Lasso aborda, com algum idealismo e fantasia, mas sem deixar o realismo completamente de lado. A série começou em 2020, numa altura em que as suas mensagens nunca tinham feito mais falta. Eu não apanhei logo esse comboio. Só vi as duas primeiras temporadas em 2022. Mas posso dizer, sem exageros, que (como já aludi noutro texto deste blogue) uma das suas mensagens – pior que estar infeliz é estar sozinho e infeliz – mudou a minha vida. 

 

A cereja no topo do bolo é o facto de ser sobre futebol – sobre o romance do futebol, sobre a humanidade do futebol. Como referi antes, é uma das minhas partes preferidas em Ted Lasso, mesmo que nem todos concordem comigo. Farto-me de citá-la em ambos os meus blogues – blogues esses que não costumam ter muitos denominadores comuns. 

 

 

Quando a terceira temporada terminou, em 2023, todos assumimos que seria o fim de Ted Lasso. Os próprios criadores tinham deixado bem claro que a história tinha sido pensada para três temporadas – algo que fica evidente olhando para a série em geral. Não existiam planos para ir além disso.

 

Desde o verão passado, no entanto, têm surgido rumores apontando para uma continuação da história. De início até fiquei entusiasmada. No entanto, fui pensando melhor no assunto e tenho as minhas reservas. Afinal de contas, a qualidade caiu na terceira temporada. Quem me garante que não irá continuar a diminuir? Sobretudo quando não havia planos para mais temporadas. Por exemplo, como vão tirar Ted do Kansas?

 

Um spin-off até poderia resultar, se fosse bem feito – um grande "se". Um reboot, como já vi sugerido, no entanto, é que não quero de todo. 

 

A ver o que o tempo dirá. O que quer que seja ainda estará numa fase muito embrionária. Se sempre houver mais Ted Lasso, em princípio vejo. Nem que seja só por causa deste elenco. Uma das coisas boas de ter escrito esta análise foi ter passado mais tempo com estas personagens, ter enganado as saudades. 

 

E passei muto tempo mesmo. Quase um ano, contando com a preparação. Com pausas pelo meio, sim, mas não deixa de ser um recorde. Foi um texto difícil de escrever: conforme previ, eram músculos que não exercitava há muito tempo. Precisei de várias tentativas para acertar com a estrutura. As inúmeras vezes que deixei o texto em banho-maria, bem como o pouco tempo que tenho tido para escrever, não ajudaram. Não escrevi nenhum texto de fim de ano até agora precisamente porque não queria adiar esta análise de novo – sobretudo quando esta estava finalmente a encarreirar. 

 

E de uma maneira muito típica pela parte que me toca, ficou mais comprida do que estava à espera. 

 

Mas finalmente está terminada e estou satisfeita com ela. O meu próximo texto será um apanhado dos concertos a que fui em 2024 (alerta spoiler: foram muitos. Mesmo muitos). Espero não me demorar muito – quero publicá-lo antes do concerto dos Hybrid Theory com os Grey Daze no próximo mês – mas nesta fase as minhas promessas valem o que valem. 

 

Também já sei quais serão os dois textos que se seguirão a esse. Só espero conseguir concluí-los este ano.

 

Obrigada pela vossa visita. Visitem a página do blogue no Facebook. Até à próxima!

 

EDITADO: Obrigada, Sapo, pelo destaque. 

Sobre a terceira temporada de Ted Lasso #2

Segunda parte da minha análise à terceira temporada de Ted Lasso. Podem ler a primeira parte aqui. Spoilers para toda a série de Ted Lasso.

 

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Queria agora regressar aos primeiros episódios para falar sobre Keeley – quiçá a maior desilusão da temporada. Sabíamos que Keeley, deixaria de trabalhar diretamente com o Richmond para fundar a sua própria empresa de Relações Públicas. O que não sabíamos era que este desenvolvimento praticamente isolaria Keeley do resto do elenco que conhecíamos. Foi como vermos um spin-off dentro da própria série – e nem se pode dizer que tenha sido um bom spin-off. 

 

Teve os seus momentos, é certo. Gostei de Barbara, uma das funcionárias da empresa que tem uns conflitos interessantes com Keeley. Mas de resto pouco se aproveitou. 

 

Começando por Shandy: uma personagem cujo fim adivinhei mal nos foi apresentada, infelizmente. Shandy é aquilo que todos pensávamos que Keeley era no início da série. A diferença é que Shandy nunca evoluiu além do estereótipo. A sua história não teve nenhuma surpresa, nenhum efeito senão irritar-me. Tal como Zava para Jamie, Shandy foi um mero plot device na história de Keeley. Neste caso, atirou-a para os braços de Jack, a sua investidora. Um efeito secundário de que os guionistas possivelmente não se lembraram, no entanto, é que, numa altura em que Keeley procurava afirmar-se com a sua própria empresa, contratar uma amiga para esta depois só fazer disparates não reflete muito bem nela. 

 

E infelizmente deixar-se cair nos braços de Jack é outra má jogada de Keeley. Ted Lasso tem uma mania infeliz com relações questionáveis, em particular entre pessoas de níveis hierárquicos diferentes. Como escrevi antes, até gostei do romance entre Rebecca e Sam na temporada anterior pois, na minha opinião, tinham qualidades redentoras como casal. 

 

Com Keeley e Jack, no entanto, isso não acontece. Vemo-las iniciando a relação, somos informados quando Jack leva Keeley numa escapadinha romântica. Quando as voltamos a ver com os nossos próprios olhos, já estão com uma dinâmica questionável: o love bombing, como a própria série assinala.

 

Se bem que a escrita deste último desenvolvimento seja algo estranha. Do pouco que percebo sobre o assunto, tipicamente o love bombing é uma de várias estratégias de manipulação empregadas por narcisistas para ganhar controlo sobre as suas vítimas. Segundo Rebecca, Rupert fê-lo com ela mesma no início da relação e pode-se argumentar que vemo-lo fazendo-o com Nate. Mas este romance foi escrito de forma tão inconsistente que eu não consigo dizer se é suposto acharmos que Jack está a tentar manipular Keeley. A ideia com que fico é que os guionistas queriam incluir um exemplo de love bombing na história, mas esqueceram-se de incluir o necessário contexto.

 

De qualquer forma, o namoro das duas descarrila quando um vídeo íntimo de Keeley aparece na Internet. 

 

 

Muitos criticaram o tom moralista com que Ted Lasso abordou este desenvolvimento – sobretudo na reação do plantel do Richmond ao evento. Também não adorei. Por outro lado, mesmo no ano da graça de 2025, ainda há demasiada gente a culpar a vítima. Ensinamos os jovens, sobretudo elas, a não tirarem fotos íntimas, a não se deixarem filmar, a não partilharem – apesar de terem direito a isso, tal como qualquer adulto capaz de consentir tem direito a uma vida sexual com outros adultos capazes de consentir. Não vejo praticamente ninguém a ensinar os jovens a não pedir nudes uns aos outros, a não filmar ou fotografar sem autorização, a não partilhar tais conteúdos – recordando-lhes que esses atos constituem crime de devassa da vida privada, punível com pena de prisão até cinco anos

 

Por isso, não posso levar a mal que Ted Lasso se tenha dado ao trabalho de passar essa mensagem. É dos poucos que o faz. Pode ser que isto envelheça muito mal e que, daqui a dez anos, já toda a gente tenha a lição mais do que aprendida.

 

Ou não. Pelo que ouço por aí, as mentalidades estão a regredir no que toca à igualdade de género.

 

Queria agora falar da maneira como Roy e Jamie – ambos ex-namorados de Keeley – lidam com a divulgação do vídeo. Roy começa com a atitude certa, mostra solidariedade, mas acaba por meter a pata na poça ao perguntar para quem era o vídeo. Ele pede desculpa de imediato, em sua defesa, mas o mal já estava feito. 

 

Em contraste, quando Jamie vai ter com Keeley, assume a sua parte da culpa. O vídeo fora para ele e não arranjara uma palavra-passe decente para a sua conta de email. Pode-se argumentar que Jamie não precisava de pedir desculpa. Não fora ele a divulgar o vídeo, até se dera ao trabalho de eliminar todo o conteúdo íntimo após o fim da relação (em parte por mesquinhez, o que o próprio Jamie admite). Mesmo que tenha sido descuidado, a sua conta de email foi invadida. O pirata informático terá tido acesso a muita informação privada. Jamie também foi uma vítima.

 

Ainda assim, esta foi uma das maiores provas da evolução de Jamie ao longo das três temporadas de Ted Lasso. É também de assinalar o contraste com Roy. Na temporada anterior, houve uma ocasião em que Ted assinalou que Jamie estava a ser mais maduro do que Roy. Uma realidade que se manteve até ao fim da temporada. 

 

 

Mas estou a adiantar-me. 

 

Regressando a Keeley, Jack é mesmo o interesse romântico que pior lida com o que aconteceu. Começa por redigir uma declaração para as redes sociais de Keeley em que esta pediria desculpa por ter filmado o vídeo. Keeley recusa. Durante o resto do dia, Jack vai arranjando desculpas para não ser vista em público com Keeley como namorada. 

 

O conflito culmina no fim do episódio com uma discussão em que Jack censura Keeley por ter filmado e enviado o vídeo. A relação essencialmente termina ali mesmo. Um episódio ou dois mais tarde – sem grande surpresa – Jack corta o financiamento da empresa de Keeley, essencialmente destruindo-a. Esta última passa o resto do episódio mergulhada em autocomiseração. No fim, no entanto, Rebecca oferece-se como nova investidora, resgatando a empresa de Keeley.

 

Para que serviu esta história toda afinal? Ted Lasso separou Keeley do resto do elenco, apenas para a vermos tomando más decisões tanto na sua vida pessoal como profissional. Nem sequer vemos Keeley saindo por si mesma do buraco em que caíra, com todo o desenvolvimento de personagem que viria com isso. Rebecca fez de Deus Ex Machina

 

É um bocadinho triste, mas o episódio em que mais gostei de ver Keeley nesta temporada foi aquele em que se envolveu na história de Roy e Jamie: dois homens, dois dos seus interesses românticos. 

 

Mas recuemos um passo ou dois, regressando a Roy. Na altura em que Keeley perdeu a empresa, Roy passara o último par de episódios apercebendo-se que andava a boicotar-se a si mesmo com as suas inseguranças – ainda que mais no sentido de reconhecer o problema, não se pode dizer que tenha feito alguma coisa para resolver. Assim, faz uma visita a Keeley, quando esta se encontra numa posição vulnerável pela perda da empresa, e pede-lhe desculpa pela maneira como a relação terminou. Os dois acabam juntos na cama, mas a série apresenta o evento como um deslize de Keeley, não tanto como um passo apontando a uma reconciliação. 

 

 

No episódio seguinte, o Richmond prepara-se para defrontar a sua besta negra Manchester City para o campeonato, em casa deles… e Jamie não está a lidar muito bem com isso. Em parte porque vai regressar à casa do antigo clube, com adeptos ainda desagradados por terem sido trocados por um reality show. Em parte porque poderia voltar a ver o pai pela primeira vez depois do desastroso encontro em Wembley, na temporada anterior. 

 

Este foi um ponto alto da temporada de Ted Lasso, pela maneira como começam por explorar o lado cómico deste desenvolvimento, evoluindo depois, lentamente, para um tom mais sério. A definição de dramedy

 

Como Roy não consegue fazer Jamie sair da sua crise existencial, pede ajuda a Keeley… que infelizmente também não consegue resolver o problema. Em todo o caso, ambos colocam tacitamente Jamie debaixo das suas asas. Seguem-no quando este se escapule do hotel onde a equipa está hospedada. Jamie acaba por apanhá-los, mas aceita trazê-los consigo para a sua casa de infância, onde ainda vive a mãe dele e o padrasto. 

 

Sou a única que, antes disto, pensava que a mãe do Jamie já tinha morrido? 

 

De qualquer forma, adorei a senhora. Adorei a química que a atriz, Leanne Best, tem com Phil Dunster. A meu ver, os indicadores de saúde mental melhorariam todos se nós, adultos e sobretudo homens, nos deixássemos abraçar mais vezes pelas nossas mães. 

 

Jamie finalmente explica que, depois de tanto tempo motivando-se por raiva ao pai, está numa fase em que o ódio passou a indiferença. Ou seja, perdeu a sua maior motivação e sente-se perdido. A mãe de Jamie faz o que melhor sabe fazer: recorda-lhe que ele é fantástico, mas que ela não o amaria menos se não fosse, e que Jamie não tem nada a provar ao seu pai. 

 

 

Ainda assim, esta conversa não é suficiente para Jamie sair daquele buraco. Mas já aí voltamos. 

 

Keeley e Roy, na verdade, não têm muito para fazer nesta parte, mas na minha opinião não precisam. Para mim bastou ver Roy fitando boquiaberto um Jamie quase literalmente ao colo da mãe. E também as reações de Keeley e Roy aos respectivos posters no quarto de infância de Jamie.

 

Por outro lado, pelo meio, Roy arranja um tempinho para dizer a Keeley que quer voltar a namorar. No entanto, Jamie interrompe-os antes que ela pudesse responder. A questão mantém-se em banho-maria até ao episódio seguinte. 

 

Durante o jogo com o City, Jamie continua visivelmente em baixo, o que se reflete no seu desempenho em campo. As vaias dos adeptos do City não ajudam. A certa altura, Jamie lesiona-se, é tratado fora de campo, Ted conversa com ele. O jovem explica que está enervado por não ver o pai nas bancadas. Ted sugere a Jamie que perdoe o pai, não porque ele o mereça, e sim pela sua própria paz de espírito. 

 

Esta não é uma ideia nova, nem sequer da parte de Ted. Mas confesso que tenho uma objeção semântica no que toca a este conceito. Devia haver uma palavra para perdoar no sentido de abdicarmos do rancor e outra, diferente, para perdoar no sentido de aceitar a outra pessoa de novo na nossa vida. Porque uma coisa não implica a outra.

 

Nos dias que correm, ainda há muito a ideia de que devemos sempre perdoar os nossos familiares, sobretudo os nossos pais. Só mesmo porque são os nossos pais, porque nos trouxeram ao mundo e/ou nos criaram. Não é bem assim. 

 

Felizmente já há quem aponte que existe um desequilíbrio na relação entre pais e filhos. Os filhos não escolheram nascer, não escolheram ser criados por aquelas pessoas, mas dependem deles durante os primeiros dezoito anos das suas vidas – muitas vezes mais. Conflitos entre pais e filhos têm inúmeros motivos, mas sobretudo em casos de maus tratos ou negligência, não, os filhos não têm a obrigação de perdoar os pais. Há coisas que não se perdoam, sobretudo quando feitas a crianças.

 

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No que toca à história de Jamie, a série não acerta por completo. Adiantando-me um pouco, descobrimos que o motivo pelo qual James Tartt não está nas bancadas do Estádio Cidade de Manchester é por estar numa clínica a ser tratado por alcoolismo. Jamie no entanto não o sabe. Depois do jogo, envia uma mensagem ao pai, reabrindo uma via de comunicação. Mais tarde, no epílogo da série (?), vemos que Jamie e James retomaram o contacto e poderão eventualmente reconciliar-se.

 

Não acho que James o mereça, pelo menos não ainda nesta fase, mas não me importo que queiram ir nessa direção. Isto é Ted Lasso, uma história sobre esperança e otimismo! Mas gostava que, no mínimo, tivesse sido James a enviar a primeira mensagem, a dar o primeiro passo.

 

Recuando de novo até ao jogo com o City, depois da conversa com Ted, Jamie regressa ao campo com outro vigor. Marca inclusivamente o golo que garante a vitória do Richmond. Jamie fica visivelmente feliz por ter marcado o golo mas, por respeito ao antigo clube – ao clube que o formou – não festeja. Ted substitui-o logo a seguir – em parte por precaução, pois Jamie estava lesionado. Mas também cria um momento para Jamie ser aplaudido, inclusivamente pelos adeptos do City, em contraste com os assobios de antes – das minhas coisas preferidas no futebol da vida real. O Richmond ganha o jogo e fica a um ponto de distância do City, que continua em primeiro. Mais tarde, já no Nelson Road, quando Jamie está na sala de tratamentos com a perna no gelo, Roy e Keeley vão ter com ele para festejarem os três – com Ted a ver. 

 

Mesmo que Roy e Keeley não tenham feito muito na prática, adorei ver a dinâmica deles com Jamie neste episódio. Como disse antes, foi a melhor versão de Keeley em toda a temporada, na minha opinião, e das melhores de Roy e Jamie. 

 

Infelizmente os guionistas estragaram (quase) tudo no episódio seguinte – o último da temporada.

 

Roy e Jamie vão beber um copo para celebrar o fim da época. A conversa desvia-se para Keeley e descarrila quando os dois se põem a discutir sobre quem deve namorar com ela. Ambos descem a um nível muito feio: Roy refere o recente encontro sexual que teve com ela, Jamie revela que o vídeo íntimo de episódios antes fora filmado para ele. Acabam por chegar a vias de facto, mas no fim decidem pedir a Keeley para escolher.

 

Keeley manda-os aos dois passear.

 

 

Pois é, detestei este desenvolvimento e não fui a única. O povo fartou-se de triângulos amorosos nos últimos anos – sobretudo quando fazem com que dois amigos se voltem um contra o outro. Como neste caso.

 

Numa sessão de perguntas-e-respostas no Reddit, Brendan Hutt, o ator que faz de Beard e um dos guionistas, admitiu que, por um lado, queriam subverter o estereótipo do triângulo amoroso ao fazerem com que Keeley rejeitasse os dois. O que, OK, faz sentido e, admito-o, o corte para Keeley fechando a porta na cara dos rapazes foi engraçado. Por outro lado, o outro motivo que ele deu foi, e cito-o, “men are dumb”.

 

*revira os olhos*

 

Corrijam-me se estiver enganada, mas ninguém, absolutamente ninguém, queria ver Roy e muito menos Jamie dando passos atrás na sua evolução, só por um momento cómico que nem teve assim tanta piada. É outro dos problemas basilares de Ted Lasso. Numas coisas é muito progressista, muito subversivo, noutras é frustrantemente básico. Outro exemplo foi a cena dos cordões à volta dos genitais dos jogadores, no sétimo episódio.

 

Talvez seja de passar demasiado tempo no Tumblr, mas acho que teria sido giro ver os três numa relação poliamorosa. Cada um dos vértices deste triângulo gosta dos outros dois, tem a sua própria dinâmica com cada um dos outros e, como vimos em Mom City, os três funcionam bem juntos. Mesmo que não quisessem que houvesse nada de sexual ou romântico entre Roy e Jamie… se o Dani Rojas pode ter duas namoradas ao mesmo tempo, porque é que Keeley não pode ter dois namorados?

 

Deixando essa hipótese de lado, talvez fizesse sentido emparelhar Jamie com Keeley. Afinal de contas, como comentámos antes, Jamie encontra-se numa fase mais saudável mentalmente, sobretudo quando comparado com Roy. Chega mesmo a existir um momento nesta temporada em que Keeley contempla a hipótese em voz alta. 

 

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No entanto, percebo porque é que os guionistas não foram por aí. Uma coisa seria se tivéssemos a certeza de que haveria mais Ted Lasso depois disto, oportunidades para ver Keeley e a versão mais madura de Jamie como casal. Este episódio, no entanto, foi escrito como o final da série. Emparelhar Keeley com Jamie nesta altura seria assumir que estes eram o final feliz um do outro – sem que a série tenha apresentado provas disso ainda. 

 

Talvez deixar Keeley solteira tenha sido a decisão correta – a moça precisa de passar algum tempo sozinha, em auto-reflexão, antes de cair noutros braços. 

 

E numa coisa concordo com Brendan Hunt: Roy tem ainda muitas coisas a resolver consigo mesmo antes de poder voltar para Keeley. Foi a única coisa boa a surgir da briga entre Roy e Jamie – o primeiro percebendo que precisava de ajuda. Precisou de toda a temporada para admitir as próprias inseguranças e agora, finalmente, ia fazer alguma coisa em relação a isso. Talvez seja estranho o arco de Roy ter ficado assim, inacabado, mas não me importo. Na vida real, nem sempre temos todas as pessoas no mesmo grupo com as pontas todas atadas.

 

E mal por mal, o conflito no último episódio não chega a fazer mossa. Os três continuam amigos. E admito que possa sempre haver alguma rivalidade, algumas picardias entre Roy e Jamie. Admito inclusivamente que voltem a vias de facto por motivos parvos – sem que hajam consequências a longo prazo para a amizade deles. 

 

Ainda assim, foi desnecessário. Teria preferido um final ligeiramente diferente para estes dois. E para Keeley. 

 

Continuemos. Outra das minhas facetas preferidas nesta temporada foi Trent Crimm, que no início da época se junta informalmente à equipa técnica para escrever um livro sobre o Richmond. 

 

Eu tinha dito antes que, se pudesse ser alguém do elenco de Ted Lasso, seria Keeley? Esqueçam, se pudesse ser alguém da série, seria Trent Crimm nesta temporada. Alguém fazendo oficiosamente parte da equipa, com acesso ao balneário, que assiste aos treinos e às palestras, disponível para aconselhar aqui e além e que escreve sobre tudo isso.

 

 

Também não me importava nada de ter o cabelo dele.

 

Não que Trent tenha um papel muito muito importante nesta temporada. Não se pode dizer que tenha, sequer, um arco de personagem. Está lá para observar, comentar, ajudar outros, pouco mais. 

 

E chega. Nem todos precisam de ser personagens principais. E a Trent Crint basta-lhe ser Trent Crint. 

 

A sua maior contribuição é para a história de Colin Hughes, um dos jogadores do Richmond. Falemos sobre ele então. Descobrimos no terceiro episódio da temporada que ele é homossexual. Isto sendo futebolista, isto fazendo parte de um mundo tão masculino como o do futebol. Não é por acaso que existem pouquíssimos futebolistas assumindo a sua homossexualidade em público – este é um dos poucos. 

 

Colin tem, assim, passado toda a sua vida no “armário” até ao dia em que Trent o vê aos beijos ao namorado. Trent guarda segredo até ao episódio de Amesterdão. Colin inventa uma desculpa para não passar a noite com o resto da equipa, sai do hotel, Trent segue-o e apanha-o num bar gay. É aí que revela que sabe a verdade e que o próprio Trent também é homossexual.

 

Devo dizer: eles podiam ter escrito esta parte do diálogo de maneira diferente. Preferia que não tivessem dado a entender que Trent só não deu com a língua nos dentes porque estava no mesmo barco que Colin. Qualquer pessoa decente e com dois dedos de testa, queer ou não, respeitaria o segredo. 

 

Trent e Colin partilham histórias sentados juntos ao homonumento – um marco de homenagem às vítimas LGBTA+ do Holocausto. Colin diz que não quer a responsabilidade nem a pressão de ser um dos primeiros jogadores de futebol assumindo publicamente a sua homossexualidade. Apenas quer poder ser ele mesmo tanto na sua vida pessoal como na sua vida profissional.

 

 

Eu mesma não faço parte da comunidade queer, a minha opinião vale o que vale. Mas penso que é uma posição legítima. 

 

Colin ganha, assim, um confidente e ambos, depois, desfrutam de uma noite de anonimato em Amesterdão. A história de Colin continua uns episódios mais tarde, quando o vídeo íntimo de Keeley aparece na Internet. O Capitão Isaac McAdoo ordena ao plantel que apague todo o conteúdo íntimo dos respetivos telemóveis. Quando Colin, um dos melhores amigos de Isaac, parece hesitar, Isaac arranca-lhe o telemóvel das mãos. Presumivelmente, vê fotos ou vídeos íntimos de homens. 

 

Depois desta é até meio do episódio seguinte, Isaac mostra-se distante, mesmo hostil para com Colin. Descobrimos mais à frente que Isaac ficou magoado por Colin não ter confiado nele. Suponho que tais sentimentos se tenham manifestado sob a forma de agressividade. 

 

A ideia com que fico, no entanto – eu e outros nas internetes – é que guionistas queriam que nós pensássemos que Isaac era homofóbico para depois fazerem um plot twist. Mau gosto, na minha opinião. E nem me parece realista: como disse acima, qualquer pessoa não homofóbica e com dois dedos de testa compreenderia que Colin quisesse guardar segredo, mesmo com as pessoas mais próximas. 

 

Suponho que, se pedisse explicações aos guionistas, eles atirariam de novo com o “men are dumb”. 

 

No nono episódio, então, no intervalo de um jogo que não estava a correr bem para o Richmond, um adepto dirige um insulto homofóbico aos jogadores do próprio clube. Isaac reage que nem um touro enraivecido: salta para as bancadas e quase chega a vias de facto com o adepto na berlinda. É Roy, de todas as pessoas, quem o chama à razão. Isaac, naturalmente, leva cartão vermelho, mas o adepto hostil também é expulso do estádio. 

 

No balneário, os colegas tentam perceber o que aconteceu. Chegam a especular se Isaac é homossexual. Outra série provavelmente manteria o engano, tentaria extrair humor dele (e provavelmente falharia). Felizmente Ted Lasso não foi por aí. Colin decide assumir a sexualidade perante o resto da equipa. 

 

 

Têm havido críticas por, uma vez mais, terem cortado no momento exato em que Colin iria dizer “I am [gay]”. Eu no entanto acho que é um dos casos em que funciona. 

 

O plantel declara apoio incondicional a Colin. Ted vai mais longe, com uma analogia desastrada em que compara orientação sexual a preferências clubísticas. Um bocadinho falta de noção, sim, mas a meu ver realista. Este tipo de coisas acontece na vida real, eu mesma já meti a pata na poça dessa forma, e Ted é o tipo de pessoa que faria isso, ainda que com a melhor das intenções. E a narrativa não ignora o momento menos bom de Ted: Colin chama-lhe a atenção e o treinador pede desculpa. De resto, fica bem claro que Ted lamenta que Colin tenha sofrido sozinho e garante que, a partir de agora, nem ele nem o resto da equipa deixarão que isso aconteça de novo. 

 

É uma cena bonita, em particular quando Sam, como novo Capitão, faz o grito de guerra. As palavras de Sam, “I love you guys so very much” já tinham aparecido no trailer da terceira temporada – fora do contexto, como é evidente. Eu já tinha gostado. Depois de conhecer o contexto, gostei mais ainda. 

 

A equipa regressa mais forte e unida para a segunda parte. Mesmo jogando com menos um, o Richmond dá a volta ao resultado. Colin assiste em ambos os golos – é eleito Homem do Jogo. Mesmo à Ted Lasso: ao dar um passo para se tornar uma melhor versão de si mesmo fora de campo, Colin tornou-se uma melhor versão de si mesmo dentro dele. 

 

Recuando um pouco e regressando a Isaac, no rescaldo da expulsão, os colegas dizem-lhe que não é a primeira vez, nem será a última, que lidam com insultos daquele género. Ele tinha de ignorar. Conselhos muito comuns quando se fala de bullying e de outras situações do género. O próprio Ted dissera o mesmo no início da época, a propósito da má imprensa que o clube andava a receber.

 

Esta mentalidade tem o seu valor, não me interpretem mal, mas tem as suas limitações. Como nesta situação específica. Isaac faz-lhes ver que há limites para tudo, há coisas que ninguém tem de tolerar. A narrativa dá a entender que a fúria de Isaac tem mais a ver com o seu conflito com Colin do que propriamente com o desentendimento com o tal adepto. 

 

Não significa que Isaac não tenha razão. E Roy expande essa ideia mais tarde, na Conferência de Imprensa pós-jogo. Este é outro momento alto da temporada, um dos melhores de Roy, um daqueles discursos que deviam ser ouvidos por toda a gente na vida real. Sobretudo no mundo do futebol, sobretudo no futebol português. Essencialmente pedindo às pessoas para não serem bestas, muito menos para quem deviam apoiar. No fim do dia, isto é apenas futebol, é apenas um jogo, mas os protagonistas – jogadores, treinadores, árbitros, mesmo dirigentes – mesmo nem sempre tendo os comportamentos adequados, são pessoas de carne e osso, com emoções, problemas, entes queridos, tal como qualquer ser humano. 

 

 

Aliás, agora que penso nisso, o discurso de Roy é essencialmente uma das teses de Ted Lasso. É possível que nem sequer tenha sido intencional, mas a série explora, mais do que o romance do futebol, a humanidade do futebol. Pode-se argumentar que Ted Lasso é sobre as pessoas por detrás dos jogadores, dos treinadores, da dirigente. A história de Colin é um exemplo entre vários. 

 

Algo que é importante, pois temos muito a tendência para desumanizar os seus protagonistas. 

 

E os exemplos abundam. Começando pelo Mercado de Transferências, que sempre detestei por fazer-nos tratar jogadores, treinadores, seres humanos, como bens para serem comercializados. 

 

Ainda piores são situações de violência, tanto verbal como física. Tivemos dois exemplos recentes no futebol português, um deles muito parecido com o de Isaac (sobre o outro falaremos mais à frente). Mais graves são casos como, por exemplo, quando o carro onde seguia a família de Sérgio Conceição, incluindo uma criança, foi apedrejado. E, claro, a infame invasão à academia de Alcochete em 2018. 

 

Sim, os protagonistas do futebol ao mais alto nível – jogadores, técnicos, árbitros – ganham muito mais do que nós. Não significa que seja aceitável levarem com abusos como estes. E a verdade é que isto também acontece em ligas mais pequenas e menos abonadas – chega a ser pior – em que nem sequer se pode argumentar que os protagonistas são pagos para serem maltratados. Bolas, isto acontece no futebol infantil, com crianças e adolescentes. 

 

Por isso, sim. Há muita gente na vida real que devia ouvir o discurso de Roy.

 

Avançando na história, depois disto, Colin e Isaac fazem as pazes. Colin decide que não vai revelar a sua orientação sexual a mais ninguém.

 

 

O que me parece bem. Uma vez mais, não faço parte da comunidade LGBT+, não tenho autoridade para dizer quando e como é que uma pessoa deve sair do armário. E quando a mera existência de alguém tal como é pode ser considerada um ato político, compreendo que Colin queira manter o segredo como figura pública. Acredito que já seja uma grande vitória para ele fazer do seio do Richmond um lugar seguro. 

 

Dito isto, saltando para o episódio final, aquando da vitória há invasão de campo durante os festejos. Michael, o namorado de Colin, vai ter com ele e Colin beija-o. Não sei se foi deliberado da parte do jogador ou se foi o calor do momento. Também é possível que, no meio da confusão, tenha passado despercebido.

 

Talvez este momento tenha consequências se a série eventualmente continuar. Terminando assim a história, no entanto, mesmo que alguns aspetos não tenham sido perfeitos, foi uma das melhores partes da temporada. 

 

Jamie e Colin foram os únicos jogadores com uma linha narrativa com princípio (bem… a de Jamie começou muito antes), meio e fim nesta temporada. Sam teve uma história algo estranha. Mostram-no a abrir o seu próprio restaurante, tal como já tinha sido anunciado no fim da temporada anterior. O que, de início, não me aqueceu nem me arrefeceu. A única coisa semi-interessante que Ted Lasso fez com isso nos primeiros episódios foi usar o restaurante como cenário para um par de cenas importantes e darem indícios de que Sam se voltaria a cruzar romanticamente com Rebecca. 

 

Indícios esses que não dão em nada. 

 

O restaurante só se torna relevante no sétimo episódio. Na semana em que Ola Obisanya, o pai de Sam, vem de visita, Sam troca tweets com uma governante com um discurso anti-refugiados – inspirada por Suella Braverman, uma política da vida real com um discurso semelhante (desprezo por gente que pensa com ela). Em resposta, o restaurante de Sam é vandalizado – no dia em que o pai chega a Londres, por sinal.

 

Em termos de meta, diz que este desenvolvimento terá sido uma resposta a algumas críticas feitas a um episódio da segunda temporada. Sam fizera frente à Dubai Air, um dos maiores patrocinadores do Richmond, pelos danos ambientais que a empresa andava a fazer na Nigéria, o seu país natal. No entanto, este ato não teve consequências: o Richmond arranjou outro patrocinador e mais ninguém voltou a falar do assunto. 

 

 

Nesse aspeto, neste episódio o ativismo de Sam teve um desfecho mais realista. O desabafo de Sam (a palavra “rant” infelizmente não tem uma tradução literal em português) no balneário alude inclusivamente a algo que aconteceu em Julho de 2021: o spam de racismo que Bukayo Saka, Jadon Sancho e Marcus Rashford receberam nas redes sociais por terem falhado penáltis na final do Euro 2020. 

 

É outra vez a questão da desumanização. Eles eram miúdos novinhos na altura! O mais velho tinha vinte e três anos!

 

E nós, portugueses, não somos muito melhores. Veja-se o que aconteceu há bem pouco tempo com Galeno e Gabriel Batista

 

Regressando a Ted Lasso e a Sam, este desenvolvimento sempre proporcionou alguns momentos bonitos. Conhecemos finalmente o pai de Sam, a sua gentileza e sabedoria – aconselhando o filho a reabrir o restaurante, em parte por si mesmo, em parte como resposta aos vândalos – as suas interações com Ted. No fim do episódio, toda a equipa aparece no restaurante para reparar os danos.

 

Foi bonito, mas foi uma história de um único episódio. Sam só volta a ter protagonismo um par de episódios mais tarde, quando falha a Convocatória para a seleção nigeriana. Descobrimos no mesmo episódio que foi Afuko quem subornou o governo (a federação?) para que Sam não fosse Convocado. Ao mesmo tempo, planeia sabotar o restaurante de Sam. 

 

Tudo isto como vingança por Sam ter recusado a sua proposta no final da segunda temporada. Tal como a história da Super Liga, ou talvez ainda mais, tudo muito infantil e irritante. 

 

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E o pior é que esta história nem sequer tem resolução em tempo útil. No último episódio, existe uma sequência com cenas do futuro a médio/longo prazo do elenco – incluindo Sam envergando o equipamento da seleção nigeriana. Durante algum tempo colocou-se a hipótese de aquilo ser apenas um sonho ou uma fantasia de Ted. Na tal sessão de perguntas-e-respostas, Brendan Hunt confirmou que a sequência é real, uma espécie de epílogo – semelhante ao de Digimon Tamers. No que toca a Sam, este terá finalmente sido Convocado por pressão do público.

 

Para começar, como alguém que acompanha a Seleção Portuguesa há muitos anos, tenho algumas dúvidas em relação ao realismo desse cenário. Tantos jogadores portugueses que não teriam falhado Europeus ou Mundiais se o povo mandasse. Claro que, tanto quanto sei, a FPF nunca terá sido diretamente subornada para manter um jogador fora da Seleção. É possível que a federação nigeriana estivesse só à espera de uma desculpa para voltar atrás no acordo.

 

Ainda assim prefiro a hipótese colocada pelo autor da pergunta em questão: as câmaras de segurança do restaurante captando as palavras de Afuko e o vídeo indo misteriosamente parar à Internet. Matavam-se dois coelhos com uma cajadada: Sam finalmente Convocado e Afuko tendo de responder por corrupção.

 

Em todo o caso, e mais grave ainda… isto é batota! Isto é escrever o fim da história sem escrever o meio: uma regra básica de escrita! Se queriam que a história de Sam terminasse com ele na seleção nigeriana, a maneira como isso aconteceu devia ter sido incluída na própria série! Não apenas mostrarem o desfecho e deixarem a explicação para o Reddit. Até porque, diria eu, a maior parte da audiência não saberá da existência da entrevista de Brendan Hunt.

 

E, ainda assim, Sam é dos poucos jogadores que teve direito a uma linha narrativa. Tirando ele, Jamie, Colin e, até certo ponto, Isaac, os outros jogadores não tiveram grande desenvolvimento. Dani Rojas é hilariante, mas tem a profundidade de uma personagem dos Looney Tunes.

 

Não que seja grave. Este é um elenco muito grande. Nem todos podem ser personagens principais. E de resto, como referi antes, gostei muito da dinâmica da equipa como um todo.

 

E ficamos por aqui hoje. Amanhã virá a última parte, em que iremos falar sobre, diria eu, as duas personagens mais importantes da série. Obrigada pela vossa visita. Continuem por aí. 

Sobre a terceira temporada de Ted Lasso #1

Na última meia dúzia de anos, ou mais, tenho andado algo enjoada de séries. Tenho visto relativamente poucas e geralmente não me interesso por aí além nas mesmas. Acompanhei The Crown praticamente do princípio ao fim, tenho visto Bridgerton, vi algumas temporadas de Virgin River até me fartar, algumas minisséries como Queen’s Gambit. Nunca deixei de ver Anatomia de Grey, mas o meu interesse é tão pouco que eu me esqueço do que acontece entre episódios. Não decorei o nome de nenhuma personagem nova desde para aí 2017.

 

Recentemente até me tenho aberto um pouco mais. No verão vi a primeira temporada de Why Women Kill e adorei. E há uns meses vi Only Murders in the Building.

 

No entanto, mesmo quando gosto, não tenho vontade de escrever sobre elas. Era algo que fazia há dez anos, sobretudo sobre Once Upon a Time – ainda hoje são dos textos que recebem mais visitas. Mas a verdade é que ver uma série com lentes de análise muitas vezes estraga a experiência. E nos últimos anos não quis fazê-lo.

 

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Não estava nos meus planos fazê-lo com Ted Lasso, a minha série preferida dos últimos anos. Nunca me deu vontade de escrever sobre as primeiras duas temporadas – tirando o texto sobre She’s a Rainbow. São demasiado boas. Quando é assim, muitas vezes não é estimulante escrever sobre elas. Quase só elogios quando, ainda por cima, outros já os fizeram e eu não tenho muito a acrescentar.

 

Nesse aspeto, a terceira temporada é perfeita como tema de análise. Não sendo má, teve falhas que necessitam de ser discutidas. Está ali no ponto: nem demasiado boa para ser só elogios, nem tão má que se torna deprimente escrever sobre ela. Aliás, tinha mais a dizer sobre esta temporada do que pensava – assim, esta análise virá dividida em três partes. Esta é a primeira, a próxima virá amanhã ou depois.

 

Obviamente, este texto terá spoilers para toda a série de Ted Lasso (isto é… para as três primeiras temporadas. É possível que no futuro a história continue). Leiam por vossa conta e risco.

 

Sem mais delongas, comecemos pelo princípio. No início da temporada, o Richmond acaba de subir à Premier League, mas os prognósticos não lhes são favoráveis. Sobretudo em comparação com os do West Ham, clube recém-comprado por Rupert, o ex-marido de Rebecca que, ainda por cima, desviara Nate da equipa técnica do Richmond. Nate, esse, que deixara o clube após um desentendimento feio com Ted.

 

Naturalmente, toda a gente no clube está afetada pela situação: jogadores, equipa técnica, dirigentes, cada um à sua maneira.

 

Começando por Rebecca. A história dela teve altos e baixos mas até começa numa situação interessante: levando a peito a má imprensa que o Richmond anda a receber. A dona do clube já há muito que desistira de destruir o Richmond por dentro, mas continua com vontade de se vingar do ex-marido – que, juntamente com Nate, aproveita todas as ocasiões para rebaixar o antigo clube publicamente. E Ted, ainda por cima, está numa fase algo apática no que toca ao seu papel como treinador – um estado de espírito que o acompanhará por toda a temporada, em graus diferentes.

 

Na verdade, isto podia ter sido melhor explorado (habituem-se a esta ideia, pois vai voltar a surgir umas quantas vezes nesta análise, sob formas diferentes). Rebecca podia ter pressionado Ted um pouco além do aceitável – precisamente por causa da sua obsessão em levar a melhor sobre Rupert e por achar que Ted não está a levar o seu trabalho suficientemente a sério. Podia inclusivamente considerar que a equipa dependia demasiado de Nate.

 

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Há até um momento, num dos primeiros episódios da temporada, em que Higgins sugere, a medo, despedirem Ted. Rebecca rejeita a ideia de imediato, mas esse podia ter sido um desenvolvimento interessante. Afinal de contas, Rebecca contratara Ted pelos motivos errados. A médio/longo prazo acabou por resultar. Mas qualquer adepto de futebol sabe que, mesmo com os melhores treinadores, todos os ciclos têm um fim. Ted acabou por sair pelo próprio pé, como veremos mais tarde, e nem sequer foi por as coisas terem corrido mal – pelo contrário, deixou o Richmond após um feito histórico. Se as circunstâncias fossem outras, no entanto, poderia ser necessário rescindir com ele. E suspeito que Rebecca, com demasiados sentimentos de culpa, adiaria a decisão inevitável até ao infinito.

 

Dizia eu que este aspeto da história de Rebecca no início da terceira temporada até era interessante, ainda que não suficientemente bem explorado. O que acontece a seguir nem interessante é, só é parvo. Falo da consulta com a vidente. Mesmo quando vi esse episódio pela primeira vez, sabia que, na melhor das hipóteses, era uma maneira preguiçosa de indiciar eventos futuros.

 

O pior é que Ted Lasso nem sequer foi a lado nenhum com as pistas deixadas pela vidente, tirando uma ou outra. Trouxeram de volta um tipo com quem Rebecca saíra uma ou duas vezes na segunda temporada e de quem ninguém queria saber. A pista relacionada com Sam também não deu em nada – eles não retomaram a relação. Eu até gostava deles como casal, mas foi melhor assim. Finalmente, a previsão de que Rebecca se tornaria mãe só fez que se perdesse tempo. Mostram-na consultando um especialista de fertilidade, aparentemente recebendo más notícias e nunca mais voltam a pegar no assunto.

 

É certo que o vaticínio acaba por apontar na direção do interesse romântico de Rebecca e respetiva filha. Mas podiam perfeitamente tê-los introduzido na história sem as pistas parvas da vidente.

 

O tal interesse romântico é-nos apresentado no episódio Sunflowers. Antes de falarmos dele, queria só assinalar que este é um dos meus episódios preferidos nesta temporada.

 

Para começar é como se fosse um episódio de férias: o elenco num cenário e em situações diferentes das habituais. Neste caso, temos os jogadores e equipa técnica passando uma noite de folga em Amesterdão, após um jogo particular com o Ajax. Numa nota pessoal, este episódio saiu quando estava a passar uns dias em Zurique, na Suíça, onde vive o meu irmão, entre dois concertos muito emotivos. Assim, quando vi Sunflowers pela primeira vez, revi-me nessa emoção de estar num país estrangeiro, longe da minha vida real.

 

 

Em segundo lugar, o episódio segue várias linhas narrativas, mostrando as diferentes formas como o elenco passa essa noite. Algumas delas, não sendo muito relevantes em termos de enredo ou caracterização, sempre dão para entreter. Outras, como a de Rebecca, são marcantes, funcionando quase como um ponto de viragem.

 

O interesse romântico é um piloto holandês (embora a profissão dele só seja revelada mais tarde), que dá abrigo a Rebecca durante uma noite na sua casa-barco após esta cair num canal. Os dois não trocam nomes, mas Rebecca toma duche, muda de roupa, ele lava-lhe as roupas molhadas. Os dois conversam, jantam, cantam, dançam, mas não vão além de um beijo, na manhã seguinte.

 

Alguns fãs detestam o piloto e esta parte da história – gente que queria ver Rebecca envolvendo-se com Ted, suspeito eu. Eu gosto. É um daqueles tropos de histórias de viagens: um romance de férias, um caso de uma única noite. Dois desconhecidos que não sentem a necessidade de manter as aparências do quotidiano. Podemos ver um lado diferente de Rebecca, com alguém que não conhecia a sua versão habitual: a dona do Richmond, a ex de Rupert. Ela nem sequer está vestida nem maquilhada como costuma.

 

Adiantando-me um pouco, supostamente o piloto holandês será o final feliz de Rebecca, a filha deste confirmando a profecia da outra. Se parte de um episódio e uma breve cena no final chegam para dar credibilidade a este desfecho? Não. Nesse aspeto, concordo com as críticas. Por outro lado, nada nos garante que aquilo resultará a longo prazo. Se forem para a frente com uma nova temporada de Ted Lasso, os guionistas poderão desenvolver a história ou ir numa direção diferente.

 

Regressando à rivalidade com Rupert, recuando alguns episódios, mesmo com a raiva alimentando várias das suas ações, Rebecca começa a reparar em sinais de alarme na relação do ex com Bex, a nova esposa. Mandando bocas discretas sobre Rupert e, mais grave, Rupert metendo-se com uma das suas assistentes. Depois de testemunhar esta última cena, na conversa seguinte com Rupert – depois de uma derrota feia do Richmond aos pés do West Ham, note-se – Rebecca roga-lhe que pense na esposa e na filha.

 

Esta é uma viragem interessante na linha narrativa: o momento em que Rebecca começa a olhar além do seu rancor pessoal e a perceber que não é a única vítima de Rupert. Infelizmente, uma vez mais, a série não faz mais nada com isto. Quando Rebecca e Rupert se reencontram, já se passaram vários episódios, já muita coisa aconteceu entretanto – Nate já se demitira e Rupert trocara de assistente.

 

O reencontro dá-se a propósito de uma reunião com Edwin Afuko. Um dos antagonistas da série que já me tinha irritado no final da segunda temporada e que, na terceira, está muito pior. Um autêntico vilão de desenhos animados – acho que nem a Sofia de oito anos lhe acharia piada. Afuko convida meia dúzia de donos de clubes para criarem o equivalente à Super Liga que se tentou criar há uns anos, na vida real.

 

 

Não percebo a lógica de convidarem Rebecca e o Richmond para essa liga, no entanto. O Richmond é um clube pequeno, vindo da segunda divisão mas que agora estava a lutar pelo título – o literal oposto das intenções da Super Liga. Talvez Rebecca só tenha sido convidada graças a Rupert… Mas Rupert é dono do West Ham, que também não é propriamente um tubarão do futebol. Pelo menos não na vida real.

 

Em todo o caso, sempre dá uma oportunidade a Rebecca para fazer um manifesto anti-Super Liga (e anti-capitalismo no futebol em geral). Tem razão em tudo o que diz.

 

Se me permitem o aparte, qualquer adepto da modalidade já terá reparado nas inúmeras decisões movidas a dinheiro que têm dado cabo do futebol. Calendários sobrecarregados que deixam os jogadores exaustos e levam a exibições paupérrimas – veja-se o que aconteceu no Euro 2024. Transmissões de jogos reféns de múltiplos canais pagos – ainda sou do tempo em que passavam pelo menos um jogo da liga portuguesa por jornada em sinal aberto. Sportswashing – um Mundial no Catar, outro na Arábia Saudita, Cristiano Ronaldo mudando-se para este último país, arrastando outros talentos consigo, tentando vender o país como uma grande potência do futebol. Mesmo a ideia da Super Liga ainda sobrevive. Tenho medo que, mais cedo ou mais tarde, se torne realidade.

 

A maneira como Ted Lasso passa a mensagem deixa muito a desejar, no entanto. Subtileza zero, para começar. Afuko diz com todas as letras que o objetivo dele é ganhar dinheiro. Depois disso, Rebecca discursa literalmente ao som de violinos. É quase como se a série estivesse a fazer uma caricatura de si mesma – ou seja, dá tiros nos próprios pés no que toca à mensagem que quer transmitir. Faz com que a audiência não a leve a sério.

 

A melhor parte do discurso é a história sobre Rupert em criança. Pela primeira vez, vemos um indício da cumplicidade que ambos partilhavam, vemos porque é que Rebecca outrora se apaixonou por ele. Ao mesmo tempo, a história serve para humanizar Rupert de novo aos olhos de Rebecca, para que esta perca o medo que tem dele, o rancor. E quando Rupert tenta beijá-la e esta recusa, Rebecca percebe o quão patético ele é, na verdade. Perdoa-o finalmente, não porque o quer de volta ou sequer porque Rupert o mereça, mas pela sua própria paz de espírito (mais sobre isso adiante). Depois desta, Rebecca deixa de se mover por raiva a Rupert e sim por amor ao Richmond.

 

Diria que o arco pessoal de Rebecca termina aqui. No penúltimo episódio, recebe uma visita de Bex e da antiga assistente de Rupert. Descobrimos mais tarde que a primeira pede o divórcio e a segunda mete um processo por assédio. A opinião pública volta-se finalmente contra Rupert.

 

Captura de ecrã 2025-02-11, às 09.58.23.png

 

Uma vez mais, isto podia ter sido melhor explorado. Podíamos ter visto Rebecca tomando as duas debaixo da sua asa, aconselhando-as, trocando desabafos sobre Rupert, talvez esfregando a verdade na cara de um ou dois jornalistas.

 

Depois disto, Rebecca passa o último episódio ruminando a ideia de vender o Richmond – em parte porque, nesta altura, Ted pedira demissão e Rebecca não queria continuar no clube sem ele. Acaba por decidir vender quarenta e nove por cento das ações – devolvendo o futebol ao povo, mas mantendo-se como acionista maioritária. Pelo meio, ela e Keeley pensam em criar uma equipa de futebol feminino para o Richmond.

 

E foi esta a história de Rebecca. Não foi das piores da temporada, mas podia ter sido bem melhor.

 

Por sua vez, Roy teve uma temporada… interessante. Com coisas boas, outras… mais ou menos.

 

Comecemos pelo início. A segunda temporada terminou com Keeley e Roy numa fase tremida do seu relacionamento. A carreira de Keeley descolando e Roy não sabendo bem como lidar. Na cena final, ele sugere irem de férias juntos e ela recusa. Assim, não é grande surpresa quando descobrimos que os dois se separaram entre temporadas.

 

Uma das críticas mais frequentes a esta temporada diz respeito à mania de vários momentos-chave ocorrerem fora do ecrã. Em cerca de, vá lá, setenta por cento dos casos concordo com as críticas. Será um daqueles casos em que os guionistas querem tanto “subverter as expectativas” que acabam por dar tiros nos pés.

 

Existem momentos, no entanto, em que até resulta. Por exemplo, no caso da separação de Roy e Keeley achei aceitável – porque da última vez que tínhamos estado com eles, a coisa já estava tremida. Não foi um choque assim tão grande.

 

Ainda assim, a situação ficou demasiado vaga, sobretudo do lado de Keeley. Não se percebe como é que esta se sente em relação à separação.

 

 

O fim do relacionamento, no entanto, sempre dá origem a algumas cenas notáveis: entre as melhores de toda a temporada, quiçá de toda a série. Uma delas é quando o plantel do Richmond descobre acerca da separação – ao mesmo tempo que descobrem acerca do livro de Trent Crint e da possível contratação de Zava (mais sobre estes dois desenvolvimentos mais à frente). Outra cena, anterior a esta – em que Jamie Tartt descobre – não sendo necessariamente melhor, é mais interessante. Sobretudo porque a história de Jamie e Roy foi uma das melhores da temporada.

 

A primeira reação de Jamie é de preocupação para com Roy – o que é notável, tendo em conta que, na cronologia da série, isto decorre relativamente pouco tempo depois de Jamie se ter declarado a Keeley e de ter pedido desculpa a Roy por isso. O texto não o refere, mas é plausível que Jamie tenha querido retribuir o célebre abraço que Roy lhe dera na temporada anterior, depois do confronto de Jamie com o seu pai.

 

Roy infelizmente não reage da melhor maneira. É uma coisa muito humana, sobretudo quando falamos de alguém tão orgulhoso como o antigo médio. Às vezes é mais fácil ser a pessoa que consola do que a pessoa a precisar de consolo. Nesta fase, Roy ainda não estava preparado para assumir vulnerabilidades, muito menos com Jamie.

 

E, num exemplo de Ted Lasso no seu melhor, a cena vale pela comédia que não boicota a sinceridade do momento.

 

Não podemos continuar a falar de Roy e Jamie, no entanto, sem falar de Zava. Vou dizê-lo desde já: não gostei da personagem. Admito que uma parte disso seja pessoal. Zava terá sido inspirado, em particular, em Zlatan Ibrahimovic e, em geral, por futebolistas talentosos mas egocêntricos, caprichosos, que obrigam tudo e todos a girar à volta deles. Os demais aceitam porque estas vedetas carregam as respetivas equipas às costas.

 

Lembrou-me alguém.

 

 

A sério. Na preparação para este texto há uns meses (ando com pouco tempo aqui para o blogue, OK?!?), revi a cena em que Roy instrui os jogadores para passarem todas as bolas para o Zava. Chega a dizer:

 

– Todos os penáltis são cobrados pelo Zava, todos os livres são batidos pelo Zava, todos os cantos vão para o Zava.

 

Eu tive flashbacks do Euro 2024 e de uma das maiores controvérsias em torno da participação portuguesa na prova.

 

Deixando isso de lado, Zava é uma personagem muito unidimensional, um plot device que nem sequer foi bem aproveitado. Para começar, não percebi se era suposto gostarmos dele ou não. Por um lado, sim, é o arquétipo da estrela arrogante e algo chanfrada. Com uma única exceção, tem todo o Richmond a venerá-lo, até mesmo Roy – um bocadinho menos que o resto do clube, mas mesmo assim roça o out of character. Por outro lado, Zava tem momentos que apelam à simpatia da audiência: quando dá destaque ao roupeiro Will ou quando diz que só tem olhos para a esposa.

 

Gostava que tivesse ficado mais claro que Zava não se encaixava no Richmond, que não fazia verdadeiramente parte do grupo. Daí, por exemplo, não ter alinhado na onda de fúria da equipa contra Nate e o West Ham (mais sobre isso mais tarde). Gostava que tivesse sido esse o motivo pelo qual ele deixou o clube a meio da época – ou pelo menos um motivo melhor que, literalmente, “Ah, fartei-me do futebol, vou plantar abacates”.

 

Queria sobretudo que a contratação de Zava tivesse sido usada como um reflexo das inseguranças de Rebecca e/ou Ted e/ou de todo o Richmond. Um Pokémon Lendário capturado antes da Elite 4 para não termos de treinar o resto da equipa. A antítese da filosofia futebolística que o Richmond adotaria mais à frente na temporada.

 

 

Acredito que essa terá sido a intenção dos guionistas com Zava. Explica, aliás, o discurso de Ted no final do quinto episódio, depois da saída da vedeta e depois de mais uma derrota perante o Manchester City. A equipa tinha colocado toda a sua fé em Zava, tal como tinha feito com o cartaz com “Believe” (Acreditar). O primeiro passo para darem a volta à situação era, precisamente, voltarem a acreditar em si mesmos, sem necessitar de elementos externos.

 

No entanto, da maneira como estas ideias foram executadas, Zava apenas serviu para motivar a história de Jamie. Recuando um pouco, Jamie é o único no clube que não se deixa encantar por Zava. Em parte por motivos legítimos, em parte por inveja. Nesta altura, Roy já começava a irritar-se com algumas atitudes da vedeta e reparara no efeito que estas estavam a ter em Jamie. Assim, no final do terceiro episódio, oferece-se para treinar Jamie pessoalmente, ajudando-o a tornar-se melhor do que Zava.

 

A série chama-lhe “treinar”, mas não percebo muito bem que treinos são aqueles. Só vemos Jamie e Roy basicamente fazendo jogging. Não percebo em que é que isso ajuda – tirando na resistência ou na velocidade. Mas pronto, não é nada que prejudique a história. Até porque esta linha narrativa nos proporciona alguns dos melhores momentos da temporada.

 

Um deles decorre no sexto episódio – o tal que decorre em Amesterdão, já depois de Zava ter deixado o clube – quando Jamie ensina Roy a andar de bicicleta. É uma cena deliciosa – lembro-me de sorrir que nem uma parva, no sofá do meu irmão, quando vi este episódio pela primeira vez. Faz todo o sentido para as personagens e é hilariante. Além de que é precedida e antecedida de momentos de vulnerabilidade de ambas as partes. Roy sobre o motivo pelo qual nunca aprendeu a andar de bicicleta e sobre o novo interesse romântico de Keeley; Jamie sobre a sua primeira visita a Amesterdão, com o seu pai.

 

 

O jovem continua a crescer como jogador nos episódios seguintes, sendo recompensado com uma Convocatória para a seleção inglesa (breve aparte só para referir que fiquei muito contente por Ted Lasso ter finalmente incluído seleções na história). Escolheu o mesmo número de camisola que o colega e amigo Sam Obisanya, que falhara a Convocatória para a seleção nigeriana (mais sobre isso já a seguir). E ainda foi à festinha de Dia do Tio organizada por Phoebe.

 

Esta é outra falha da terceira temporada de Ted Lasso: pouca Phoebe. E só agora, a dois episódios do fim, é que conhecemos a mãe dela – a irmã de Roy. Tecnicamente já a tínhamos conhecido na temporada anterior – foi a médica que tratou a Dra. Sharon após o seu acidente de bicicleta. Alguns fãs já tinham adivinhado a sua identidade, mas só ficou confirmado na sua segunda aparição.

 

Nesta fase já dava para perceber que Roy e Jamie se tinham afeiçoado um ao outro – daí o convite de Phoebe. Ambos o negam, mas depois Jamie oferece a Roy uma camisola da seleção inglesa no Mundial 2014, campeonato em que Roy participou, com uma troca de letra marota no nome. Roy fica visivelmente comovido.

 

E por agora ficamos por aqui. Ainda não acabámos de falar sobre Roy e Jamie. Na próxima parte vamos falar de Keeley e a história dela cruza-se algumas vezes com a dos dois, que funcionam como interesses românticos. Continuem desse lado.

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