Lançado no início de maio, Bokura No Mirai é o filme que encerra Digimon Adventure Tri. Esta foi uma série de seis filmes, lançados mais ou menos a cada seis meses nos últimos três anos – e analisados aqui no blogue.
Com os filmes anteriores, na altura de escrever sobre eles, tinha uma classificação mais ou menos firme. Saikai, por exemplo, foi um bom filme na minha opinião. Kokuhaku foi ainda melhor. Soshitsu não foi assim tão bom. No que toca a Bokura No Mirai, no entanto… não sei como classificá-lo. Tem partes boas, algumas mesmo muito boas, mas estas não chegam para fazer um filme bom – até porque tenho uma série de falhas a apontar a Mirai.
Como aconteceu com as últimas análises, este texto virá em três partes. Comecemos pelo princípio – ou melhor, antes disso.
Conforme discutimos amplamente antes, Kyousei terminara de forma bombástica: com um confronto a quatro, envolvendo Omegamon, Raguelmon, Alphamon e Jesmon que acaba terrivelmente mal. O chão colapsara na sequência de um ataque de Jesmon, engolindo Tai e Daigo. Ao ver o primeiro caindo no abismo, a irmãzinha dele, Kari, deixara-se possuir pelas Trevas, catalisando a digievolução negra de Nyaromon para Ophanimon Fall Down Mode e a fusão desta com Raguelmon. Nascera, assim, Ordinemon: uma monstruosidade que quebra a simbiose entre o Mundo Real e o Digital, fazendo com que o segundo comece a invadir o primeiro.
Por outras palavras, as coisas nunca estiveram tão sombrias no universo de Adventure. Haviam inúmeras direções interessantes que a história poderia tomar, a partir daqui. Eu admito que me agarrei demasiado a essas possibilidades, às direções que eu escolheria. Isso pode ter afetado a minha opinião acerca do filme.
Mirai começa com a cena da queda de Tai e Daigo vista da perspetiva de Kari. Se, conforme veremos mais à frente, para os outros Escolhidos não é líquido que Tai tenha morrido – porque não era a primeira vez que o jovem desaparecia desta forma – Kari parece assumir de imediato que virou filha única.
Gostei da maneira que Mirai usou para refletir o estado de espírito da jovem: recriando a cena de abertura de Saikai. Aqui, ninguém desliga o despertador em forma de ovo e, quando Kari entra no quarto para acordar o irmão, a cama está vazia.
Simples, mas eficaz, sem se tornar demasiado lamechas.
Entretanto, no Mundo Digimon, não muito após o momento fatídico, os Escolhidos observam que as distorções estão a multiplicar-se. O Mundo Real e o Digital iriam coalescer em breve. Assim, decidem procurar uma distorção que os leve de novo ao mundo dos humanos.
No caminho para lá, Matt e Sora afastam-se um pouco do resto do grupo – o primeiro claramente afetado pelo que acontecera. Vê-lo-emos, aliás, ao longo do filme manuseando os óculos de Tai com mais frequência do que seria necessário. Sora percebe que Matt quer ir à procura do amigo e dá-lhe luz verde para isso. O jovem recusa porque, com os princípios do Apocalipse, têm de pensar no bem universal.
Ainda bem que ele decidiu assim. Se Matt tivesse ido parar ao mesmo sítio onde Tai e Daigo foram parar… aquilo ia correr ainda pior do que acabaria por correr.
Não nos adiantemos.
Tinha referido acima que a maior parte dos miúdos parece assumir que Tai e Daigo sobreviveram. Mas agora que só Matt a podia ouvir, Sora receia ter perdido de vez o amigo.
Suponho que seja uma boa altura para confessar que teria preferido que todo o elenco estivesse a preparar as velas para o funeral. Isto era o mais próximo que alguma vez estaríamos de ter um Escolhido original a morrer no universo de Adventure. Mas também compreendo que, depois do que aconteceu no final do segundo arco de Adventure, não seria realista.
A conversa é interrompida por Byomon, que pensa que é Matt quem está a fazer Sora chorar. É um momento engraçado, sobretudo quando Byomon pergunta se Matt estava a fazer uma serenata a Sora ou algo do género (eu pagava para ver isso, se fosse verdade!)... mas isso leva-me a um dos maiores problemas que tenho com Mirai – com o primeiro episódio, pelo menos.
Alguns de vocês são capazes de conhecer a citação de Joss Whedon: “Make it dark, make it grim, make it tough but then, for the love of God, tell a joke”. Descreve uma técnica literária conhecida por “bathos” que consiste, essencialmente, em contrariar um momento sombrio ou dramático com um momento de humor.
Como tudo na vida, quando executado como deve ser, em doses terapêuticas, este truque pode resultar em cenas excelentes. Tri já usou bem esta técnica no passado – em Kokuhaku, na sequência a que gosto de chamar “último dia no Mundo Real”, na cena em que Joe diz a Gomamon que o quer apresentar à namorada, para que os seus dois parceiros de vida se conhecessem. Percebe-se que Gomamon está emocionado, à semelhança da audiência, mas acaba por se recompôr e perguntar a Joe se a sua namorada existe mesmo.
Mas, quando usada em excesso, esta técnica acaba por estragar a emoção das histórias, transforma-as numa caricatura de si mesmas. Segundo este vídeo, isso acontece muito nos filmes da Marvel. Eu mesma nunca vi nenhum desses filmes, tirando o primeiro Deadpool e o Black Panther, ambos exceções à regra no universo da Marvel. A minha irmã, no entanto, é uma grande fã da franquia – e até ela se queixa da obsessão da MCU com o humor. Ela disse-me que, em Infinity Wars, chegaram a pôr piadas na boca de personagens por norma sisudas.
Não digo que Mirai padeça do mesmo problema, ou que as tentativas de humor cheguem a arruinar cenas emotivas e/ou dramáticas. Mas o filme também abusou um bocadinho do bathos. Como referi acima, estas eram as circunstâncias mais sombrias de todo o universo de Adventure e… parecia que os digi-guionistas estavam com medo disso, de traumatizar uma audiência de… jovens adultos e um ou outro adolescente.
Bem, disseram-me no Twitter, que, no Japão, preferem o lado mais leve da série – eu, no entanto, sempre gostei do facto de Digimon não ter medo de abordar assuntos sérios e dramáticos, mesmo sabendo que estavam crianças a ver.
A cena com a Byomon não foi a pior. A pior foi mais tarde, já no Mundo Real. Vendo que as coisas estão pretas – literalmente, já que os céus estão cobertos pelas trevas e o governo ordenou a evacuação das ruas – os Escolhidos abrigam-se no escritório de Izzy. Quando estes fazem o ponto da situação sobre Ordinemon, Kari diz de repente que é tudo culpa dela – antes de balbuciar pelo seu onii-chan, como se tivesse oito anos outra vez.
Os outros reagem como qualquer um de nós reagiria – a própria audiência, se calhar, reage da mesma maneira. Mimi nem consegue conter as lágrimas, acabando por contagiar Palmon – como uma criança que chora ao ver a mãe chorar.
É nesta altura que reparam que a jovem está a arder em febre… o que me irritou. É um cliché tão grande no que toca a Kari e uma desculpa para mantê-la afastada da ação até mais ou menos a meio do filme. É certo que já sabemos há anos que Kari sempre teve uma saúde frágil. Não é assim tão descabido que ela se ressentisse após dois ou três dias muito intensos, culminando na perda de dois entes queridos… mas irrita-me que os digi-guionistas não tenham arranjado um desenvolvimento novo para ela.
Já que estamos a apontar problemas com o desenvolvimento de Kari, um flagrante: porque é que nenhum dos outros Escolhidos comenta o facto de ter sido um deles a criar Ordinemon? Até porque pelo menos metade deles não devia suspeitar que Kari tinha poder para isso. Não há ninguém tenha ficado sequer um bocadinho alarmado? É possível que acreditem que tenha sido um caso único, que tenha sido mais culpa de Yggdrasil, que aproveitou um momento de vulnerabilidade de Kari. Mas, mesmo assim, ninguém fala sobre isso?
Regressemos ao escritório de Izzy. Enquanto Sora ajuda Kari a meter-se na cama, T.K. parece perigosamente à beira das lágrimas. O irmão consola-o, prometendo que cuidariam de Kari por Tai.
Adorei este momento. Tenho uma certa pena de não termos visto mais cenas com os irmãos em Tri, mas compreendo. Matt e T.K. têm uma relação mais saudável, agora. Não há espaço para grande conflito.
Por sua vez, Meiko (Uau! Só agora, ao fim de pouco mais de mil e quatrocentas palavras sobre um filme de Tri é que falamos sobre Meiko. Parece estranho…) sente-se culpada pelo que aconteceu (grande novidade) e quer pedir desculpa a Kari. Mimi e Sora cortam o mal pela raiz, dizendo-lhe para olhar para a frente – mais ou menos o que Izzy dissera a T.K. em Kokuhaku: “O que interessa é o que farás agora”.
Além disso, sejamos sinceros: a auto-comiseração de Meiko não ajudara em nada até ao momento. Às vezes, só irritava.
É nesta altura que Mirai tenta introduzir um momento de leveza sob a forma de… Koromon com fome. Parece que é toda a profundidade a que o Digimon tem direito – apesar de ter um parceiro desaparecido combate.
O sacrifício de Tai foi um momento marcante para o arco do jovem em Tri. No entanto, Koromon/Agumon era o último dos Digimon que escolheria para perder um parceiro humano – pelo menos considerando a caracterização dele em Tri. Qualquer um dos outros, literalmente qualquer um, teria tido reações mais interessantes do que, apenas, encher o bandulho.
Ao menos depois disso temos uma das melhores cenas de todo o filme, talvez mesmo de todo Tri. Até mesmo pessoas que não gostam destes filmes disseram que gostaram desta cena. Li algures no Twitter que fez homens adultos a chorar nas salas de cinema – e não era para menos.
Depois de ter visto metade dos Escolhidos manifestando a sua dor pela perda de Tai, Matt tem finalmente uns minutos a sós, para processar a perda e o peso da liderança que lhe caiu no colo. Gabumon, no entanto, como bom companheiro Digimon, quer oferecer-lhe um ombro onde chorar. Numa tentativa de fazer o jovem abrir-se, Gabumon promete ficar para sempre ao lado dele, mesmo que Matt não o deseje. Mesmo quando Matt crescer, casar, tiver filhos e envelhecer. Até que a morte os separe. Gabumon oferece-se mesmo para ajudar a tomar conta do bebé, quando Matt tiver um.
Eu não consigo evitar imaginar a cena: Matt com a filha recém-nascida ao colo (ele e Sora têm uma filha primeiro, certo?), no corredor da maternidade, apresentando-a ao Gabumon. E, mais tarde, os outros Escolhidos aparecem para conhecer a bebé, Matt convida Tai para ser o padrinho…
… e estou a desviar-me, a entrar em território de fan fiction. Regressemos a Mirai.
Qualquer um ter-se-ia derretido com uma declaração de amor com a de Gabumon, mas eu imagino que tenha sido ainda mais tocante para Matt. recordemo-nos que ele nunca teve relações fáceis com ninguém. É filho de pais divorciados e, pelo que se deduz de Kyousei, por alturas de Tri ainda não tem uma relação fácil com a mãe. As coisas entre ele e T.K. estão bem agora mas, aquando de Adventure, apegara-se demasiado ao irmão. Quando este começou a querer sair da asa dele, Matt não reagiu bem (e estou a usar um enfemismo). A sua amizade com Tai baseou-se quase sempre em desacordos e conflitos e, agora, este desaparecera – talvez morrera – deixando-lhe os óculos e a liderança de um grupo de Escolhidos que nunca estivera em pior situação.
Gabumon era exatamente aquilo que o jovem precisava naquela altura: alguém que o amava e acreditava nele.
O jovem, de início, ainda tenta rir-se e sacudir a questão, mas acaba por abrir-se. São raras as ocasiões em que o jovem permite-se a si mesmo mostrar vulnerabilidade mas, quando o faz, é sempre marcante.
Matt confessa que finalmentealmente compreende as antigas angústias de Tai: o peso da liderança, das decisões que podem ter consequências graves, tanto para entes queridos como para a Humanidade inteira. Continuo a achar que Matt não estava completamente errado ao acusar Tai de fugir com o rabo à seringa, mas a verdade é que tudo isto são fardos demasiado pesados para miúdos de dezassete anos.
Gabumon assegura a Matt que este é a melhor pessoa para assumir o lugar de Tai – o que é inquestionável, ainda que Matt não se aperceba disso.
Havemos de voltar a falar sobre decisões e responsabilidades. Para já, mais um momento desnecessário de humor, quando Matt e Gabumon apanham os outros Digimon a espitorcá-los. Felizmente, Matt não faz grande espalhafato, ao contrário de outras ocasiões em Tri, mostra-se só um bocadinho irritado. Não estraga o momento.
No instante seguinte forma-se uma distorção (de notar que Matt tira um momento antes de pôr os óculos de Tai) e surge Ordinemon.
Posso tirar uns parágrafos para comentar a fisionomia da Ordinemon, da maneira como a câmara muitas vezes a apanha inclinada para a frente? Chamem-me puritana, mas incomoda-me um bocadinho. Está longe de ser inédito em Digimon: só em Tri apanhamos diversas vezes a Angewomon e a Lilimon/Rosemon voando de couro espetado. E, claro, não esquecer a infame catfight entre Angewomon e LadyDevimon, que até teve direito a reprise em 02 (embora eu admita que tenha tido piada ver a pura e angelical Kari a puxar ferozmente pela sua companheira).
Isto, no entanto, foi um bocadinho longe de mais. Porque Ordinemon, além de monstruosa, nem é heroína nem vilã, é pouco mais que um animal descontrolado e em sofrimento, demasiado poderoso para ser acalmado. É suposto a audiência sentir desejo por tal criatura? Quem é que se satisfaz a si mesmo vendo uma monstruosidade daquelas?
Eh pá, não respondam…
Outra coisa que me faz confusão em relação a Ordinemon é a maneira como todos dizem que Meicoomon absorveu Gatomon… quando foi o contrário que aconteceu. Raguelmon estava fora de combate quando a poeira assentou após o ataque de Jesmon e o desaparecimento de Tai e Daigo. Foi Kari quem se deixou possuir, despoletando a digievolução negra de Nyaromon para Ophanimon FM. Esta, por sua vez, absorveu Raguelmon, criando Ordinemon. Mesmo que Jesmon tivesse conseguido matar Raguelmon (e devia ter-se certificado de que o fizera), teríamos de lidar à mesma com Ophanimon.
Depois da aparição de Ordinemon, Mirai mostra-nos rapidamente um dos locais para onde os civis foram evacuados. Encontramos lá os pais de Tai e Kari e a mãe de Meiko. Nenhum deles consegue contactar os filhos. Os Yagamis, que contam muitos anos a virar frangos, não estão nada preocupados. Tentam até sossegar a mãe de Meiko, têm fé absoluta nos Escolhidos…
...quando, na verdade, o filho deles está desaparecido em combate, talvez morto, e a filha deles está de cama.
Entretanto, Ordinemon anda à solta pelas ruas, destruindo tudo em que toca, encorajada pelo Dark Gennai – que, neste filme, surge mais irritante do que nunca. Se os digi-guionistas queriam um vilão que nós desse vontade de espetar-lhe um murro nas trombas sempre que aparece no ecrã, parabéns, conseguiram.
Os Escolhidos – tirando Kari, que ficou de cama, e T.K., que ficou a tomar conta dela – acorrem ao local. Os Digimon passam de imediato às formas Perfeitas e, mais tarde, às formas Extremas… mas não conseguem nem arranhar a pele a Ordinemon. Quarenta e cinco segundos após Brave Heart terminar, são reduzidos às formas Bebés.
Uma das críticas que têm sido feitas aos filmes de Tri diz respeito ao ritmo lento: a maior parte deles guarda a ação para o último episódio, episódio e meio. Bokura No Mirai foge a essa fórmula. O combate contra Ordinemon dura cerca de dois terços do filme… e, na minha opinião, Mirai sai prejudicado por isso.
Eu compreendo a impaciência do espectador sedento de combates épicos entre Digimon, que é brindado, em vez disso, com visitas a termas, histórias de terror e muita, mesmo muita conversa. Eu compreendo, mas na minha opinião, na maior parte dos casos, o ritmo lento serve para desenvolver as personagens e para ir acumulando tensão, que será libertada no ato final, nas cenas de combates.
Há filmes que o fazem melhor do que outros, é certo. Kokuhaku, nesse aspeto, fê-lo melhor que todos os outros. Mas mesmo os que não o fazem tão bem, como Soshitsu e Ketsui, sempre proporcionam bons momentos, como as dúvidas existenciais de Joe e o confronto entre Meiko e Meicoomon.
Mirai, por sua vez, tem várias cenas de combates, mas nelas apenas vemos os companheiros Digimon levando abadas da Ordinemon.
Se é para isso, mais valia que regressassem as cenas nas termas e as histórias de terror: ao menos, davam para ver a Mimi cantando perante uma data de homens em trajes menores e para ver o Matt a fazer chichi nas calças.
Em todo o caso, durante o primeiro combate com Ordinemon, Huckmon confronta o Dark Gennai – o lacaio da Homeostase e o lacaio de Yggdrasil, respetivamente. Ambos papagueiam a filosofia dos respetivos patrões e o Dark Gennai observa que os métodos da Homeostase não são assim tão diferentes dos de Yggdrasil.
Não está errado, pois não? Isto tudo começou quando a Homeostase sacrificou o companheiro Digimon de uma criança Escolhida por ela. E agravou-se quando outros dois Escolhidos se tornaram danos colaterais.
Isto fica bem patente quando Huckmon confronta os Escolhidos pela primeira vez em Tri. Os miúdos descobrem logo que o Huckmon é a pré-digievolução do Jesmon que literalmente enterrou Tai e Daigo… e reagem de acordo. Gostei desse momento. No entanto, acabam por aceitar ouvir acerca do novo plano da Homeostase.
E que plano é esse? Um Reinício dos sistemas informáticos do Mundo Real. Porque aparentemente a Homeostase tem os recursos de um técnico amador de informática: a sua resposta para tudo é desligar e voltar a ligar.
Um Reinício digital do Mundo Real poderia reiniciar Meicoomon – e desta vez Izzy teria tempo para criar um campo de dados que preservasse as memórias dos Digimon. No entanto, já em 2005, metade das instituições estavam informatizadas. Reiniciar esses sistemas informáticos a nível global traria inúmeras complicações.
Nos dias de hoje seria ainda pior, claro. O meu trabalho tornar-se-ia caótico, para começar – perguntem a qualquer farmacêutico o que aconteceria se o Sifarma fosse abaixo, de um dia para o outro.
Por outro lado, as redes sociais implodiriam… o que talvez não fosse uma coisa assim tão má, agora que penso nisso. Depois do escândalo da privacidade do Facebook, se houvesse uma maneira de reiniciar os sistemas informáticos, apagando duas décadas, ou mais, de dados acumulados, muitos de nós estariam dispostos a arriscar, penso eu.
Regressando a Tri, Izzy opõe-se firmemente ao plano e corre para o seu escritório, para arranjar uma ideia melhor. Era de esperar: ele conhece melhor que ninguém as possíveis consequências de um Reinício e é dos poucos capazes de conceber uma alternativa.
Enquanto esta não surge, no entanto, os outros Escolhidos não têm hipótese senão colaborar – com muita relutância.
Ficamos por aqui, por enquanto. Vou tentar publicar as outras partes ainda hoje. Continuem por aí, que o melhor de Mirai vem já a seguir!
Segunda parte da minha análise a Kyousei. Podem ler a primeira parte aqui.
Como as casas dos miúdos estão cercadas de jornalistas, Daigo leva-os para a escola – vazia em tempo de férias de verão. Aqui, coloca-os ao corrente da destruição provocada por Meicrackmon, bem como da decisão da Homeostase em eliminá-la.
Não se percebe se Daigo lhes conta a parte de Meicoomon ter nascido com uma partícula de Apocalymon ou de Meiko ter sido Escolhida para, essencialmente, lhe servir de Alprazolam. É possível que lhe tenha omitido este segundo aspeto porque, pelas Bestas Sagradas, a miúda não precisa de mais sentimentos de culpa por algo que lhe foi imposto aos onze anos.
De notar que, quando os miúdos querem partir para a luta, Tai obriga-os a parar e a pensarem antes de agir. Matt pensa logo que Tai está a regressar à apatia dos primeiros filmes de Tri – ou isso ou ele, pura e simplesmente, tem como primeiro instinto partir para a discussão no que toca a Tai (chega a ser caricato, às vezes). Tai diz apenas que eles têm de abordar as coisas com cuidado para evitar danos colaterais desnecessários. Garante, no entanto, que está do lado dos seus Digimon e lutará por eles.
Meiko, por sua vez, continua a sentir-se culpada pelo caos que o seu Digimon está a provocar e a questionar o seu propósito como Escolhida. Dá para reparar mesmo que, à medida que o tempo passa, Meiko vai ficando cada vez mais alheada dos outros, mais fechada sobre si mesma.
Os amigos repetem a conversa da gruta, insistem que Meicoomon precisa da sua companheira, que Meiko não pode desistir dela. Nesta fase, isto começa a soar repetitivo, sobretudo quando vemos o filme pela primeira vez. Mas acho que é intencional: para mostrar que os oito veteranos estão agarrados, com unhas e dentes, à fé que os ajudou a sobreviver a seis anos como Escolhidos. Não conseguem, nem por um momento, conceber um cenário diferente. Nem mesmo quando percebem que Meicoomon está a ser manipulada por Yggdrasil e que a posição da Homesostase neste conflito é incerta.
Nesse aspeto, a frase dita por Kari mais tarde, um pouco vinda do nada – “Não é possível compreender a gravidade de algo até este acontecer perto de nós” – descreve bem o conflito entre Meiko e os amigos. Pode até mesmo ser aplicável a Tri em geral. Os Escolhidos veteranos não se apercebem que a história deles com os Digimon é diferente da de Meiko. Eles receberam os seus companheiros digitais para os ajudar a resolver um problema, ou vários. Por sua vez, o Digimon de Meiko era o problema que ela tinha de resolver.
Também faz parte do crescimento: nem sempre existem soluções ou caminhos universalmente certos.
Com o grupo em risco de cair no desânimo, T.K. desafia toda a gente para uma sessão de histórias de terror – mesmo no espírito de uma noite de acampamento ou de uma festa do pijama.
Esta parte é um filler, não há como negá-lo. Ninguém espera ver os heróis em amena cavaqueira em vésperas do Apocalipse. Dito isto, estas cenas proporcionam algum alívio cómico – que também é importante tendo em conta o que aconteceu até agora, no filme, e sobretudo o que acontecerá a seguir. E, sejamos sinceros, é um dos momentos mais engraçados até agora em Tri. Ainda mais que a invasão dos balneários, em Ketsui.
Um dos principais motivos para esta cena resultar tão bem é o facto de maior alvo da piada ser o Matt. Personagens que se levam demasiado a sério são ótimos alvos para comédia. Em Adventure, esse papel era desempenhado por Joe. Uma parte da sua evolução como personagem, contudo, consistiu em aprender a não levar a vida tão a sério.
Assim, o alvo das brincadeiras passou a ser Matt – quase sempre de mau humor, que leva tudo a peito, que precisa de doses exatas de pimenta nos seus noodles. É uma delícia vê-lo com medo de histórias de terror (o Matt, de todas as pessoas…) e os amigos a rirem-se dele – em particular o seu irmãozinho. O pormenor de Matt tocando baixo no ar, durante a história, foi bem sacado.
Por outro lado, depois de tudo por que os miúdos passaram nos últimos seis anos… como é que algum deles tem medo deste género de histórias? Isto para não dizer que história de terror a sério será o que acontece na manhã seguinte…
Mas não nos adiantemos.
Outro momento bonito foi quando os miúdos ligaram aos pais – um toque de realismo que não se prolonga demasiado e até contribui para alguma caracterização. Como Sora e Mimi consolando-se uma à outra e Matt recusando-se a falar com a sua mãe (hum…).
A única conversa que ouvirmos é a de Tai com a sua mãe. Já a tínhamos visto antes, no filme, acompanhando a situação através dos noticiários. O seu papel como representante das famílias dos Escolhidos (dos oito veteranos, pelo menos) não terá sido atribuído por acaso. Pelo contrário, parte o coração, tendo em conta o que acontecerá a seguir. Sobretudo quando ela pede a Tai que tome conta da irmã e dos Digimon.
Podia escrever um testamento à parte deste sobre as possíveis implicações por detrás deste pedido inocente e a sua influência na relação entre Tai e Kari. Já irei dizer algumas coisas mais à frente e poderei dizer ainda mais, na análise ao próximo filme de Tri. Mas, para já, passemos à frente.
Depois dos telefonemas aos pais, Tai encontra Meiko sozinha, no exterior (no pátio da escola?) – outro sinal de que está cada vez menos em sintonia com os outros Escolhidos. Tai ouve-a pensando em voz alta. Quando Meiko dá pela presença dele, os dois conversam.
Sempre gostei de momentos assim em ficção. Duas personagens (interesses românticos ou não) a sós, trocando confidências e/ou tendo conversas profundas debaixo das estrelas, enquanto o resto do elenco dorme. Às vezes com tempo para comentários sobre as constelações ou para a ocasional estrela cadente. Por sinal, em Kyousei, a sequência dos créditos e a música – a lindíssima Aikotoba – captam bem o espírito intimista e pacífico desses momentos.
Esta cena encaixa-se bem nesse modelo. Tai ouvira Meiko refletindo sobre a sua relação com Meicoomon, questionando a filosofia com que os amigos andavam a martelá-la. Todos lhe diziam que havia um laço inquebrável, quase sagrado, entre Escolhido e companheiro Digimon. No entanto, tudo o que Meiko fizera de acordo com esse princípio só piorara a situação.
Tai tenta consolar Meiko à sua maneira. Reflete sobre as diferenças entre a maneira como uma criança vê as coisas e a maneira como um adulto as vê – um dos temas recorrentes em Tri e com o qual quase toda a audiência se identifica. Afinal de contas, quase todos nós vimos Adventure pela primeira vez quando éramos pequenos – há quase vinte anos, nalguns casos. Nenhum de nós vê o mundo da mesma maneira. Eu não vejo, pelo menos.
Tai, no entanto, comente o mesmo erro que ele e os outros veteranos têm cometido neste filme: não consegue ver além dos seus próprios vieses, não percebe que a experiência de Meiko com o cargo de Escolhido é diferente. A jovem começa mesmo a assumir que o Dark Gennai estava a falar dela quando dizia: “Não devias ter nascido” – ao que Tai responde com brusquidão. Arrependido, dá a conversa por terminada – não sem antes dizer a Meiko para não ir por esses caminhos.
Depois disto, ambos ficam a ruminar sobre a conversa – e ambos são ouvidos por Agumon, por sinal. Mais uma vez, a unidimensionalidade do Digimon acaba por resultar bem.
Meiko confessa, para a surpresa de absolutamente ninguém, que tem inveja dos outros Escolhidos – cada um com um companheiro Digimon, com todas as vantagens, sem o medo constante que eles de repente se passem e destruam tudo à sua volta. Agumon, por sua vez, diz acreditar que Meicoomon ama a sua companheira humana, tal como qualquer outro companheiro Digimon. Isso sempre consola Meiko um bocadinho.
Tai, por sua vez, torna a refletir sobre a sua condição de quase-adulto – em que já não consegue deixar de se preocupar com as coisas, com as consequências das suas palavras e ações.
Sinto a tentação de perguntar se Tai deseja mesmo voltar a ser o miúdo impulsivo e irresponsável de Adventure. Eu não quereria. Tenho saudades da minha infância de vez em quando, sim. Isso não significa que queria voltar a ser a pessoa que era na altura – uma miúda mimada, egoísta, ainda mais bicho-do-mato que sou agora.
Mas estou a desviar-me.
Agumon, na sua inocência, diz que, tal como ele come quando tem fome, quando Tai se preocupa, deve fazer alguma coisa em relação a isso. Procurar resolver os problemas que o atormentam.
A oportunidade para isso surge na manhã seguinte, quando Meicoomon reaparece. Esta parte do filme dá-me um dejá-vu de Kokuhaku: voltámos a passar três episódios (OK, um bocadinho menos) com Meicoomon fugida, causando confusão pelo Mundo Real e os miúdos basicamente à espera que ela regresse, para o confronto.
E a verdade é que, em Kokuhaku, essa espera foi melhor. Não que não tenha acontecido nada de interessante até agora – pelo contrário, gastámos cerca de quatro mil palavras a falar sobre isso. Mas nada disto teve um impacto emocional que se compare à infeção de Patamon e os Digimon passando bons momentos com os seus companheiros humanos antes do Reinício.
As próprias personagens fazem referências aos eventos de Kokuhaku – nomeadamente quando Izzy impede os Digimon de partirem imediatamente para o combate com Meicrackmon, receando que estes sejam infetados de novo. Os Digimon, no entanto, insistem em lutar e os miúdos aceitam.
Por fim, tal como aconteceu em Kokuhaku, este confronto acaba horrivelmente mal. Eu diria mesmo que agora foi pior.
Antes de partirem para a luta, Meiko tenta, pela milionésima vez, apelar a Meicoomon e ao laço que as une – se é que este ainda existe. Chega mesmo a pedir à sua companheira que a castigue por ter falhado enquanto Escolhida.
Meicrackmon não reage. Os miúdos não têm escolha senão partirem para o confronto físico. Os Digimon passam logo ao nível Perfeito – desta vez não se perdeu demasiado tempo com sequências de digievolução infinitas. Dividiu-se o ecrã e está a andar. Uma mudança bem-vinda após a confusão que foi o final de Soshitsu.
Entretanto, os miúdos e Daigo apercebem-se que o medo sentido por Meicoomon torna-a virulenta e catalisa a distorção. Faz sentido com o que temos visto até agora – nomeadamente o assassinato de Leomon, após se ter recordado dele na forma infetada.
Os miúdos não têm tempo para mudar de abordagem – uma vez que este é o momento escolhido por Jesmon para entrar em cena. Ainda não foi confirmado oficialmente, mas é quase certo que este Jesmon é o Huckmon digievoluído, enviado pela Homeostase para eliminar Meicrackmon.
É neste momento que os miúdos sentem na pele a traição da Homeostase. Ela (ela?) usara os miúdos a seu bel-prazer durante seis anos para resolver aquilo que, pelo que se via agora (e, de certa forma, se viu com as Primeiras Crianças Escolhidas), até podia ter resolvido sozinha. Agora que os Escolhidos questionavam os métodos dela, descartava-os. Conforme Tai diz, os Escolhidos já não sabem em quem confiar, já não sabem quem é o verdadeiro inimigo nesta equação.
Outro sinal de que o público-alvo de Tri já não é o infantil: o Bem e o Mal não se distinguem facilmente, nenhuma das partes está cem por cento certa. Nem mesmo os Escolhidos.
Além de atirar os miúdos aos lobos, a aparição de Jesmon desencadeia a digievolução de Meicrackmon para Raguelmon. Pelas palavras do Dark Gennai, que observa a cena à distância, isto ajuda a causa de Yggdrasil.
De facto, se virmos bem as coisas, as ações da Homeostase para resolver o problema Meicoomon só têm piorado uma situação já de si má. Desde a expulsão de Meicoomon para o Mundo Real, passando pelo Reinício, acabando no que acontece a seguir, em Kyousei. E esta ainda tem a lata de culpar os Escolhidos pelo que está a acontecer, conforme veremos já de seguida.
Os miúdos têm uma oportunidade de falar diretamente com a Homeostase quanto esta toma posse de Kari. Através dos lábios da jovem, a Homeostase ordena aos Escolhidos que não interfiram, que deixem Jesmon eliminar Raguelmon. Chega mesmo a acusá-los de terem falhado – tal como Hackmon fizera com Daigo – e mesmo a ameaçar matá-los também.
Tal como já acontecera com o envio de Jesmon, hostilizar os Escolhidos tem o efeito contrário ao desejado. Só torna os miúdos mais casmurros, mais empenhados em proteger Raguelmon – que, ainda por cima, poucos minutos, protegera Meiko. Os miúdos interpretam-no como um sinal de que o laço entre o Digimon e Meiko ainda não despareceu e nem querem ouvir falar em matar Meicoomon.
Daigo é dos que mais protesta. Tanto por raiva pelo que aconteceu com Maki como por genuína afeição aos miúdos, tal como vimos antes. Chega mesmo a gritar:
– Estas crianças não são teus peões!
Os maiores protestos, contudo, partem de Kari, que se rebela contra a possessão da Homeostase. Da primeira vez que vi esta cena, cheguei a festejar, como um golo num jogo de futebol. Já estava na altura de Kari deixar de aceitar, passivamente, o papel de marioneta de entidades sobrenaturais. Esperámos anos pelo momento em que Kari se defendesse a si mesma, quer da Homeostase quer da Escuridão, sem ser amparada por outros. Eu, pelo menos. Como se diz em inglês, you go, girl!
O reverso da medalha, no entanto, virá mais tarde.
Numa coisa a Homeostase tem razão, no entanto: as emoções estão a toldar a visão dos Escolhidos. E nem sequer se pode dizer que a Homeostase esteja errada. Pelo contrário, ela está a dar prioridade ao bem coletivo – e, sejamos honestos, este nunca teve mais ameaçado. Mas ainda faltava até os miúdos estarem em condições de enfrentarem a verdade.
Por sinal, a pessoa que, em teoria, tinha mais motivos para protestar mantém-se alheada do conflito. Tomem nota, que isto é importante.
Para já, a revolta dos miúdos catalisa o regresso do Omegamon – nesta fase, já tinham surgido todas as formas Extremas disponíveis. A luta muda-se para o Mundo Digimon (aparentemente) via distorções.
É também nesta altura que Alphamon decide juntar-se à festa – porque a situação não estava preta que chegue. Ao que que parece, este está do lado de Yggdrasil e luta com Jesmon para impedir que este mate Raguelmon.
Não dá para ter certezas absolutas, no entanto. É um dos problemas de Tri: continua a haver muito por explicar. Há coisas que nós, na audiência, assumimos como certas, mas que os filmes não confirmam preto no branco. Mas isso é conversa para as alegações finais.
Para já, dizer apenas que Alphamon consegue, com um só golpe, reduzir os Digimon (tirando Omegamon) dos miúdos às formas Bebés. O que, sinceramente, é uma desilusão. Estivemos anos e anos à espera destas formas Extremas e estas não se aguentam perante um dos primeiros adversários a sério que encontram?
Acho, no entanto, que isto se deveu a motivos de enredo, mais do que a verdadeira inaptidão dos Digimon. Não me admirava se, no próximo filme, eles fizessem melhor figura.
Hoje ficamos por aqui – agora que começa a custar escrever sobre Kyousei. Acho melhor tirarmos uma publicação para falar sobre os eventos da reta final do filme e as suas consequências. Continuamos amanhã.
Hoje, vamos falar sobre Kyousei, o quinto filme da série Digimon Adventure Tri, que começou fez dois anos no outro dia (custa a acreditar, confesso…).
Estamos a um filme da conclusão série e Tri continua consistente na sua inconsistência: os filmes ímpares são bons, os pares nem tanto. Não acho que nenhum destes filmes seja cem por cento mau – cada um destes filmes tem partes boas, sejam elas momentos de desenvolvimento das personagens, estreias de digievoluções ou, apenas, momentos de humor.
Mas há que distinguir os filmes que vão conseguindo entreter-nos, com a ocasional gargalhada e um ou outro momento mais tocante, daqueles que nos deixam emocionalmente arrasados. Aconteceu no ano passado com Kokuhaku. Voltou a acontecer agora, com Kyousei, ainda que de maneira diferente.
1) Spoilers: as entradas desta série terão inúmeras revelações sobre o enredo dos cinco primeiros filmes de Digimon Adventure Tri e, possivelmente, dos enredos de Adventure e 02. Leia por sua conta e risco.
2) Alguns conceitos próprios desta série animada têm traduções controversas – na língua portuguesa, têm mais do que uma possível. Neste texto, vou adotar as traduções com que estou mais familiarizada e/ou que considero mais adequadas.
3) Apesar de as legendas do filme usarem os nomes japoneses das Crianças Escolhidas, eu vou usar as versões americanizadas dos nomes, visto que estou mais habituada.
Uma das várias coisas que não funcionaram em Soshitsu foram os Deus Ex-Machinas, as coisas que aconteceram sem motivo aparente. Kyousei supera o filme anterior precisamente por o enredo voltar a ser guiado pelas personagens: os Escolhidos, o governo japonês, Daigo, Yggdrasil através do Dark Gennai, até mesmo a Homeostase. Esta, antes de Tri, era apenas uma figura divina que governava o Mundo Digimon, que só aparecia para debitar informação que deixava a audiência ainda mais confusa. Não deixa de ser uma figura divina em Tri, mas começou a participar ativamente no enredo e, sobretudo neste filme, a entrar em conflito com as outras personagens.
Quando é assim – sobretudo quando a maior parte do elenco é tão acarinhada e há tanto tempo – é muito mais fácil deixarmo-nos levar pela história.
Não que Kyousei não tenha falhas. À semelhança de alguns dos seus antecessores, o filme torna-se demasiado lento em certas alturas. Existem aspetos que continuam por explicar – nomeadamente o elefante na sala, como se diz em inglês: os miúdos de 02.
Mas vamos por partes. Mais uma vez, estiquei-me um bocadinho com esta análise, tive de dividi-la em três partes. Que cara é essa? Não escolhi o nome "Álbum de Testamentos" só por soar fixe...
Antes de começarmos a análise a sério, uma nota: durante meses o título oficial do filme no Crunchyroll foi Symbiosis, ou seja, Simbiose. No entanto, o dia em que o filme saiu, o título passou a ser Coexistence, Coexistência. Fiquei um bocadinho chateada porque Simbiose é um título perfeito para este filme, o melhor título até agora em Tri, na minha opinião. O principal tema do filme, como veremos a seguir, é a relação simbiótica entre um Escolhido e o seu Digimon. Além disso, uma das coisas que permanece sob ameaça ao longo do filme é a simbiose entre o Mundo Real e o Digital – levando a algumas medidas extremas.
Por comparação, o termo Coexistência pouco ou nada tem a ver com o filme.
Kyousei começa exatamente no ponto em que Soshitsu terminou (muito mal): quando o Dark Gennai (ou Homem Mistério, segundo as informações oficiais) ataca Meiko, de modo a desestabilizar Meicoomon. Vai repetindo várias vezes: “Não devias ter nascido. Não devias ter nascido.”
Esta frase será importante mais frente. Para já, somos brindados com um flashback do outono de 1999: ou seja, poucos meses após os eventos de Adventure. Também não parece ser muito depois de Meiko ter “adotado” Meicoomon.
Não aprendemos nada que não tivéssemos suspeitado antes: vemos que Meicoomon, de vez em quando, sofre ataques de fúria destrutiva, um deles no laboratório onde estava a ser estudada. A única coisa que descobrimos é que Maki testemunhou esse ataque, no laboratório.
Está é, aliás, uma das únicas aparições de Maki neste filme. Mais vale falar já sobre as outras – que, na verdade, se limitam a dois vislumbres. Se na última vez que a vimos em Soshitsu, depois de reencontrar Bakumon, ela parecia estar à beira de um ataque psicótico, em Kyousei, esse ataque já deve ter ocorrido. Ouvimos Maki chamando por Bakumon (entretanto desaparecido), balbuciando sobre salvarem juntos o Mundo Digimon.
Seria esse o plano dela? Colaborar com Yggdrasil até recuperar Bakumon e depois, de novo na condição de Escolhida a sério, salvar o Mundo Digital das garras dele? Em jeito de indireta para a Homeostase, dando-lhe a entender que fizera mal em sacrificar Bakumon e em descartá-la como Criança Escolhida?
De referir, também, que Maki, nesta cena, enverga uma das armas anti-Digimon (que tinham aparecido em Ketsui por um instante e esquecidas desde então). Isto apesar de, segundo o que se vê em Kokuhaku e Soshitsu, Maki ter ido de mãos a abanar para o Mundo Digimon.
Como é que Maki arranjou a arma de um filme para o outro? Eu diria que só as Bestas Sagradas o sabem mas, à luz do que aprendemos em Soshitsu, seria de mau gosto.
O segundo vislumbre ocorre já perto do fim do filme, que mostra que Maki indo parar ao Mar Negro. Chega a encontrar os Divermon e tudo! Aponta-lhes uma arma (desta vez uma pistola vulgar, que sempre faz mais sentido), mas acaba por se deixar afundar nas águas escuras.
Pontos para Kyousei por ter resgatado um dos elementos mais interessantes de 02. Resta saber, agora, como é que Maki se vai escapar das profundezas do Mar Negro – ou melhor se se vai escapar.
Regressemos ao início do filme e ao ataque do Dark Gennai a Meiko. Este, ao que parece, consegue o que quer com esta habilidade: quebrar a ligação entre Meiko e Meicoomon. Esta última digievolui para Meicrackmon, entra em modo berserk e as distorções multiplicam-se, inclusivamente para o Mundo Real, que começa a ser invadido por Digimon. Meiko recupera a consciência e, quando chama por Meicrackmon, esta ataca-a. A jovem só sobrevive porque Tai a desvia a tempo. Depois desta, Meicrackmon foge… outra vez.
As consequências, desta feita, são mais graves – agora temos uma invasão em massa de Digimon no Mundo Real, trazendo o caos. Ainda assim, fica a sensação de que o pior ainda está para vir.
Um aspeto curioso nesta parte da história é que, pela primeira vez neste universo, os civis identificam estes monstros como Digimon. Não é claro como é que se descobriu a verdade (mais à frente no filme, fala-se de fugas de informação para a Imprensa). Também descobrimos que a Homeostase – provavelmente através de Hackmon – tem andando em contactos com o governo.
Suponho que tudo isto seja para abrir caminho para a parte do Epílogo em que “toda a gente tem um Digimon”. Agora que penso nisso, o tema recorrente em Tri, dos danos colaterais dos Digimon no Mundo Real, parece ser uma preparação para esse desfecho.
Inteligente como sou, precisei de quase dois anos para me aperceber disso...
Entretanto, Daigo encontra-se com o Professor Mochizuki, o pai de Meiko – ambos, ao que parecem, marginalizados pela organização governamental. Quando Mochizuki explicava a Daigo a experiência da filha como Escolhida, Hackmon junta-se a eles e explica, finalmente, qual é o problema de Meicoomon.
Meicoomon nasceu infetada com um fragmento de Apocalymon. Este é responsável pelo seu temperamento instável e poderes destrutivos. Devido à sua instabilidade, Meicoomon foi banida (pela Homeostase? Não é dito preto no branco, mas estão quase todos a assumir que foi ela a tomar a decisão) para o Mundo Real. Arranjaram-lhe, também, uma Criança Escolhida cuja presença e afeição contrabalançasse as tendências destrutivas de Meicoomon.
A minha antiga teoria de que Meicoomon teria sido criada de propósito para o Reinício estava errada, portanto. Contudo, esta também é uma boa explicação, consistente com a cronologia do universo Adventure e mostra um lado diferente da Homeostase e mesmo do conceito de Crianças Escolhidas.
Tem sido mesmo um dos temas recorrentes em Tri: a desconstrução da dinâmica de escolher crianças para salvar o Mundo Digimon.
Na primeira metade de Tri, essa desconstrução foi protagonizada pelos oito Escolhidos originais. É possível ser-se um Escolhido quando as nossas ações parecem agravar mais o problema? (Saikai) Ou quando os deveres de Escolhido entram em conflito com outras responsabilidades? (Ketsui) E se, de repente, vos dessem a opção de não serem Escolhidos, de fingirem que os últimos seis anos nunca aconteceram? O que fariam? (Kokuhaku)
Na segunda metade de Tri, por sua vez, esta desconstrução foca-se em Maki e, sobretudo, em Meiko. Já na análise a Soshitsu tínhamos questionado a ética do conceito habitual de Crianças Escolhidas – sobretudo depois de descobrirmos o que a Homeostase fizera a Maki.
Mas aquilo que fez a Meiko? Impôr a uma menina de onze anos uma criatura que, se não for controlada, pode atuar como uma bomba atómica? Não há palavras.
Não é de surpreender que Daigo se enfureça, quando Hackmon revela que ele e a Homeostase vão matar Meicoomon, com a colaboração do próprio governo japonês. Daigo vira a sua amiga de infância (e ex-namorada… certo?) perder o seu Digimon às mãos da Homeostase. Acabara de descobrir que essa perda lançara Maki num caminho destrutivo. Afeiçoara-se a Meiko, bem como aos outros miúdos, presenciara as suas batalhas, estivera lá quando o Reinício ocorreu e os Escolhidos perderam os Digimon. Fizera, desde o início de Tri, para proteger os miúdos, bem como Meicoomon. Agora a Homeostase dizia fora tudo em vão, que Meicoomon tinha de morrer?
O facto de Hackmon mandar uma indireta sobre o suposto falhanço da missão das Primeiras Crianças Escolhidas não ajuda – pelo contrário, acentua a frieza da Homeostase, que usa e descarta os seus peões com um desprendimento impressionante.
Tudo isto, bem como a perceção de que mais ninguém defenderá os Escolhidos, faz com que Daigo comece a agir por contra própria pela primeira vez em Tri – finalmente! O que faz ele? Veremos adiante…
Para já, regressemos ao Mundo Digital que, depois da fuga de Meicoomon, parece estar a voltar-se contra os Escolhidos. Temos alguns momentos caricatos, à Looney Tunes, em que o chão literalmente desaparece debaixo dos pés dos miúdos. Também também ataques de Digimon (muito mal animados e despachados em três tempos) e das próprias árvores. Kari, com a sua intuição, confirma a certa altura que o Mundo Digimon está a rejeitá-los. Daí estes fenómenos, a meteorologia instável e os ciclos dia/noite irregulares.
Os miúdos lá arranjam um intervalo entre os ataques do Mundo Digimon para fazerem o ponto da situação à volta da fogueira. Meiko, como tem vindo a fazer desde Kokuhaku, culpa-se por tudo o que acontecera até ao momento. Agora que sabemos a história toda, ou quase toda, acho que todos concordamos que este era um fardo demasiado para alguém suportar.
Meiko fez o melhor que podia. Duvido que tivesse sido diferente com qualquer um dos outros Escolhidos – com T.K.não foi. Meiko tivera um momento de hesitação após o Reinício, mas acabara por fazer aquilo que Sora, T.K., Mimi e os outros lhe tinham ensinado: viera ao Mundo Digital e lutara pela sua companheira. No entanto, fora pior a emenda que o soneto: ao vir ao Mundo Digimon, colocara-se a jeito para ser usada por Gennai para desestabilizar Meicoomon.
É de surpreender que Meiko passe este filme quase todo numa crise existencial?
Os outros Escolhidos tentam ajudá-la da maneira que sabem: fazendo-a acreditar em si mesma e na sua ligação com Meicoomon. É uma cena adorável, aliás – o lindíssimo tema instrumental de Butter-fly, tocando no fundo ajuda nisso – com as nossas eternas Crianças Escolhidas mostrando o porquê de eu as adorar, mesmo passados estes anos todos.
Os conselhos de cada um, aliás, refletem perfeitamente a evolução de cada um como personagem. Sora, por exemplo, encoraja Meiko a não sofrer em silêncio. Kari aconselha-a a não ceder às suas próprias inseguranças e a pedir ajuda quando não conseguir enfrentá-las sozinha. Matt lembra-lhe que nenhum Escolhido está sozinho, eles são uma equipa. Tai – invulgarmente caloroso para com Meiko neste filme – diz-lhe para não fugir dos problemas.
Queria, de resto, comentar este comportamento de Tai. Este tinha passado os quatro filmes anteriores, não ignorando Meiko, mas interagindo menos com ela que os outros veteranos (tirando Joe, acho eu). No entanto, de Soshitsu para Kyousei – nem se pode dizer que tenha sido da noite para o dia, porque a mudança começou logo na cena do ataque a Meicoomon, que se dividiu pelos dois filmes – Tai começou a portar-se como o melhor amigo de Meiko (ou algo mais). Trocam confidências, estabelecem contacto físico, ele desvia-a de ataques na sua direção.
Tem graça, aliás, a maneira como nenhuma das personagens femininas é capaz de se mexer quando alguém tenta atingi-las. Tem de vir um dos rapazes protegê-las (ou, no caso de Sora em Soshitsu, dois ao mesmo tempo).
Mas estou a desviar-me.
Não que eu não goste deste lado mais caloroso de Tai, pelo contrário. E também compreendo que os digiguionistas tivessem querido voltar os holofotes para o jovem, em jeito de preparação para o que acontece no fim (embora isso me recorde o problema dos tempos de antena desiguais em Adventure). Mas podiam ter feito esta mudança de forma mais gradual. Ou, pelo menos, dado uma explicação para o novo comportamento – culpa por não ter protegido Meiko do Dark Gennai, genuína preocupação e empatia com a situação dela, sei lá…
A conversa profunda à volta da lareira é interrompida de forma hilariante por Agumon, que acorda de repente, pensando que estão a falar sobre comida – o que irrita os outros Digimon.
Uma coisa que me tem vindo a incomodar desde Kokuhaku, aliás, é a mudança na personalidade de Agumon. Em Tri, quase tudo o que sai da boca dele é relacionado com comida. Do género:
– O que é um Reinício? Dá para comer?
Não que Agumon alguma vez tenha sido particularmente inteligente ou sofisticado em Adventure ou 02, mas sempre foi ele quem ajudou BlackWarGreymon nas suas dúvidas existenciais. E, na larga maioria das vezes, não tem piada, é apenas irritante – sobretudo porque uma das primeiras vezes que acontece é durante a cena em que os Digimon descobrem acerca do Reinício.
A diferença em relação aos filmes anteriores é que Kyousei, ao menos, faz bom uso da unidimensionalidade de Agumon. Na cena da fogueira, pela primeira vez, referências a comida fazem rir – mais porque interrompe uma cena particularmente emocional do que por outro motivo qualquer. Outro exemplo virá mais à frente.
Nesta fase, a prioridade dos Escolhidos é regressarem ao Mundo Real – algo que, mesmo assim, só ocorre a meio do segundo episódio. É um dos problemas deste filme: a tensão está mais elevada do que nunca, estamos todos à espera que a bomba rebente mas, mesmo assim, as coisas demoram a acontecer.
Havemos de regressar a isso. A certa altura, o Mundo Digimon larga os miúdos sem cerimónias no Mundo Real, logo no pior sítio possível: no meio de pessoas que sabem exatamente o que são Digimon – algo que, para eles, é inédito – incluindo polícias.
Tai, sendo o mestre da subtileza que é (a sério, como é que este miúdo se torna um diplomata?), decide que a melhor atitude é dar à sola. Os outros seguem atrás dele porque, depois de duas temporadas e quatro filmes, os Escolhidos continuam à espera que seja Tai a tomar as decisões – mesmo que estas nem sempre façam sentido.
Lembremo-nos disso mais adiante.
A fuga, ao menos, dá-lhes tempo para esconderem os Digimon no sistema informático criado por Izzy, antes de serem detidos. E para Joe se lamentar por, agora, ter cadastro, o que lhe pode arruinar a carreira.
Tenho algumas dúvidas relativamente à legalidade desta detenção. Oito dos nove miúdos são menores de idade, para começar. Para além disso, não parece que tenham sido informados que teriam direito a pedir um advogado – assumindo que as leis japonesas são semelhantes às nossas, nessa área. Seria de esperar, por outro lado, que pelo menos Joe ou Matt tivessem alguma noção dos seus direitos.
Felizmente, Daigo aparece a tempo e usa a sua posição para obter a custódia dos miúdos.
Daigo é uma das minhas personagens preferidas neste filme. O António do Odaiba Memorial Day Portugal concorda comigo, chegou a chamar-lhe o “pai das Crianças Escolhidas”. Eu não escolheria esse termo – na minha opinião, o seu papel assemelha-se mais a um irmão mais velho. Alguém com idade suficiente para se sentir à vontade entre adultos: para se responsabilizar pelos miúdos perante os pais deles, para falar em nome deles com outros adultos, para dar-lhes boleia de um lado para o outro, para zelar pela segurança deles. Mas, ao mesmo tempo, suficientemente jovem para ser acessível para os Escolhidos, para ainda se recordar de como é ter a idade deles.
Quando era miúda e me imaginava como personagem no universo de Digimon, imaginava-me como uma Criança Escolhida – tal como todos nós fizemos nessas idades, calculo eu. Desde que redescobri Digimon há dois anos, no entanto, vejo-me mais num papel semelhante ao de Daigo. Ou ao de Jim Kido, o irmão mais velho de Joe, durante os episódios 44 e 45 de 02. Até porque não seria um papel muito diferente do que, às vezes, desempenho com a minha irmã adolescente e os amigos dela.
Com as devidas diferenças, já que a minha irmã não é uma Criança Escolhida. Se o é, esconde-o muito bem.
Agora que penso nisso, pergunto-me se isto terá sido intencional. Se Daigo e Maki foram criados, pelo menos em parte, como representação da audiência de Tri: crianças aquando da exibição original de Adventure, em 1999, e agora, aquando de Tri, na casa dos vinte; homens e mulheres feitos, mas ainda Crianças Escolhidas no seu coração.
Também é possível que seja eu a projetar-me nestas personagens. Já sabem como sou.
Ficamos aqui por hoje, amanhã continuamos – o melhor ainda está para vir!
Terceira e última parte da análise a Soshitsu. Podem ler as partes anteriores aqui e aqui.
Aquando do combate com Machinedramon, que atua às ordens do Dark Gennai, as incoerências continuam. Um dos exemplos é o ataque da Salamon (de nível Infantil) que foi capaz de afetar o Machinedramon. O navio para onde os Escolhidos fogem também parece vindo do nada (será o mesmo daquele episódio filler do segundo arco de Adventure?).
No navio, os Escolhidos dispõem de apenas alguns minutos para respirarem e processarem o monólogo do Dark Gennai. Quando este último regressa, com o Machinedramon, Sora recebe instruções para ficar para trás, com Meiko. O resto do grupo divide-se, numa tentativa de despistar o Dark Gennai: Tai, Matt e Kari para um lado, os restantes para outro.
Matt, Tai e Kari são atacados por um MetalSeadramon, sendo arrastados para o mar (ou lago? Não dá para perceber…). Nova incoerência (alguém está a contar? Vamos em quantas?) quando Gabumon atinge MetalSeadramon com eficácia. No momento seguinte, contudo Tai e Matt apenas conseguem desviar os respetivos companheiros Digimon antes de o MetalSeadramon tentar afogá-los.
Não sei se o mesmo aconteceu com vocês, mas eu não consegui evitar afligir-me ao ver Kari sozinha, à superfície, gritando pelo seu onii-chan.
Debaixo de água, Tai e Matt têm uma estranha epifania em que, de alguma forma, comunicam com Agumon e Gabumon. Os dois rapazes, em suma, renovam os votos de amizade e lealdade eterna para com os seus Digimon – tal como Meiko havia feito antes. Conforme o António assinalou, a cena faz lembrar o momento da Mega Evolução do Charizard, em Pokémon Origins. Em todo o caso, é o suficiente para ativar os dispositivos digitais. Assim, Tai e Matt regressam à superfície nas costas de WarGreymon e MetalGarurumon, respetivamente, ao som de Butter-fly.
Depois disso, temos digievoluções como o ketchup. A primeira é a de Salamon para Gatomon, quando Kari nem se tenta desviar de mais um ataque do MetalSeadramon. Temos direito à sequência completa de digievolução (não imaginam a estranheza que me provoca ouvir Butter-fly durante este momento… mas também estavam a guardar Brave Heart para outra ocasião) e, pelas Bestas Sagradas, o desenho de Gatomon nesta sequência é horrível!
Por outro lado, desapareceram os "2" que, antes, víamos nas sequências de digievolução em Tri. Talvez seja porque, agora, os Digimon não estão infetados – mas isso quer dizer que eles foram infetados logo em Saikai? E só desenvolveram sintomas em Kokuhaku?
Por sua vez, Joe, Mimi, Izzy e T.K. haviam fugido para uma zona de icebergues, mas Gennai e Machinedramon conseguem chegar a eles. É agora que temos um dos pontos altos do filme: Joe atirando-se ao Dark Gennai (eu adoro este rapaz!). Gennai, infelizmente, afasta-o com facilidade, mas logo Gomamon riposta com os seus icónicos peixinhos.
Entretanto, Sora – que tivera já um momento Byomon, em que a última reconhece, pela primeira vez, que Sora é boa pessoa – junta-se ao grupo, deixando Meiko para trás. Isto revelar-se-á um erro fatal, como veremos já a seguir.
Uma das coisas por que mais ansiava em Soshitsu era, naturalmente, a digievolução de Byomon para o nível Extremo/Hiper Campeão. No geral, fiquei satisfeita, mas essa estreia veio acompanhada de uns quantos momentos WTF?!? A certa altura, Machinedramon agarra Byomon e Sora, sendo Sora, atira-se à garra dele. Segue-se a maior incoerência de todo o filme: Machinedramon esmaga Sora contra o icebergue duas vezes e a jovem sobrevive sem uma costela partida ou um órgão rompido que seja.
A Sora é a irmã perdida do Super Homem e ninguém nos avisou.
De qualquer forma, é aí que Byomon percebe, finalmente, que, para a miúda fazer uma parvoíce daquelas, é porque a ama a sério, tal como vinha dizendo desde início. Sora e Byomon unem-se verdadeiramente pela primeira vez desde o Reinício.
Toda a gente sabe o que acontece a seguir.
As primeiras notas de Brave Heart e o momento da digievolução não desiludem. Hououmon/Phoenixmon é lindíssima – de longe o Digimon mais bonito que conheço. O conflito de Sora neste filme não me deixou completamente satisfeita pelos motivos que expliquei antes. Mas, confesso, não consigo resistir a uma digievolução acompanhada de Brave Heart.
Muitos têm-se queixado de Seraphimon e HerculesKabuterimon roubarem o momento a Phoenixmon. Eu compreendo a crítica, mas não me importo muito. Pelo contrário, uma das coisas de que me queixei em Ketsui foi da falta de participação dos Digimons nos combates, tirando Rosemon e Vikemon. Logo, gosto que, em Soshitsu, se tenham todos juntado à luta.
Importo-me mais que tivéssemos de levar com as sequências de digievolução todas. Regressou a velha mania de Digimon de queimar tempo com digievoluções. A de HerculesKabuterimon, pelo menos, era desnecessária.
A aparição de Seraphimon tem, também, causado alguma controvérsia. Falando apenas de Soshitsu, T.K. não teve grande destaque – não mereceu a digievolução da maneira que Sora a mereceu neste filme e Izzy mereceu no filme anterior. Por um lado, suponho que T.K. já a tinha merecido em Kokuhaku.
Por outro lado, esta, tecnicamente, não terá sido a estreia de Seraphimon. A sua primeira aparição terá ocorrido na terceira parte de Digimon, o Filme – embora muitos fãs não considerem que essa história faça parte do cânone oficial do universo de Adventure. Nesse aspeto, Tri fez bem em manter a ambiguidade, sem invalidar nenhuma das hipóteses.
Entretanto, o Dark Gennai aproveita a distração dos outros Escolhidos nos combates para se enfiar no navio e assediar Meiko. E, apesar de Gomamon, Patamon (ambos de nível Infantil) e Sora terem sido capazes de fazer frente a Gennai sem grande dificuldade, Meicoomon – nível Adulto, veículo da Infeção, claramente poderosa, vendo a jovem que está programada para proteger sendo asfixiada – não consegue fazer um arranhão que seja a Gennai. Fuck logic!
As cenas de Meiko e Gennai estão, ainda por cima, enfiadas entre digievoluções e combates, de tal forma que uma pessoa quase se esquece do que está a acontecer no navio. A verdade é que o última parte do filme está muito mal organizada em termos de montagem das diferentes cenas: com as sequências de digievolução que nunca mais acabam, apenas um minuto ou dois para mostrar Maki e Bakumon e as cenas de Gennai assediando Meiko no navio.
O pior é mesmo o final. Depois de derrotarem o Machinedramon e o MetalSeadramon, os Escolhidos têm mais do que tempo para respirarem. Sora chega a ter um momento com Tai e Matt que até seria giro e tal se eu não estivesse, nessa altura, a gritar para o ecrã:
– PESSOAL! O DARK GENNAI ESTÁ PRESTES A MATAR A MEIKO! COMBINEM A VOSSA MENÁGE À TROIS DEPOIS, AGORA CORRAM PARA A P***A DO NAVIO!
A certa altura, lá vemos Meiko desmaiada (se o poster do filme seguinte não tivesse saído logo a seguir, muitos pensariam que ela estaria morta), Meicoomon em modo Infeção, o Dark Gennai soltando um evil laugh daqueles bem fatelas… e o ecrã desvanescendo-se para preto, seguido dos créditos finais.
Yep, é assim que o filme termina, com um dos cliffangers mais forçados de que há memória. É de admirar que muitos de nós tenham ficado com vontade de atirar com o computador (ou telemóvel, ou tablet ou qualquer gadget através do qual tenham visto o filme) pela janela depois disto?
Na minha opinião, a última impressão que Soshitsu deixa é pior que o filme em si. Mas os digi-guionistas (ou digi-produtores ou digi-realizadores ou digi-quem-quer-que-seja-responsável-por-isso) já deviam saber da importância de um final como deve ser. Não é bom quando os espectadores saem da sala de cinema de mau humor. E nem era assim tão difícil! Bastavam uns ajustes aqui e ali para tudo parecer mais orgânico.
Apesar de tudo isto, apesar de este filme ser mal executado ao ponto da frustração, contudo a achar que é melhor que Ketsui. Mal por mal, pela primeira vez desde que Tri começou, sabemos ao certo o que se está a passar e em direção vão as coisas. Quase tudo o que aconteceu foi importante para o enredo. Por fim, praticamente todos os Escolhidos tiveram pelo menos um momento de destaque.
Eu não podia acabar de falar sobre Soshitsu sem referir o eterno mistério que continua por resolver: os miúdos de 02. Nesta fase, as minhas expectativas atingiram mínimos históricos. Que revelem a resposta quando lhes apetecer, já nem me ralo!
Agora, o próximo filme chamar-se-á Kyosei, o que significa União ou Simbiose. Este é capaz de ser um dos títulos mais fascinantes até agora em Tri. Para aqueles que não conhecem o termo, Simbiose é uma relação de benefício mútuo. No contexto de Digimon e de Tri existem várias interpretações possíveis. A mais óbvia é referir-se à relação entre Escolhido e companheiro Digimon. No entanto, a meu ver, sabendo o que se sabe, o mais provável é referir-se à relação entre o Mundo Digital e o mundo dos humanos. Ou entre a Luz e a Escuridão.
O que me leva ao poster de Kyosei. Nele aparecem Meiko e Kari. Já se sabia que o quinto filme seria protagonizado pela Escolhida mais nova. Acho que ninguém tinha a certeza de que Meiko apareceria num poster em Tri mas, já que apareceu, não surpreende.
Na minha opinião, faz sentido emparelharem Meiko com Kari no protagonismo. Dos oito Escolhidos originais, Kari é de longe a mais parecida do Meiko em termos de carácter. Se bem se recordam, aquando de Ketsui, a amizade entre Meiko e Mimi recordou-me a amizade enre Kari e Yolei em 02 (típicos pares introvertida-extrovertida).
E contudo (penso que já o disse aqui) só conhecemos Meiko desde Saikai e esta já tem mais personalidade que Kari, que conhecemos desde Adventure.
Para além das raparigas, aquilo que chama a atenção nos posters são os Digimon. Vemos uma nova digievolução de Meicoomon cujo nome ainda não se conhece tanto quanto sei. Mais importante é Ophanimon.
Durante anos e anos e, sobretudo, nas semanas que antecederam Soshitsu, a comunidade de fãs debatera sem parar sobre qual das possíveis digievoluções de nível Extremo para Gatomon era a oficial para Kari: se Holydramon, se Ophanimon. A Angewomon de Kari aparece na tal terceira parte de Digimon, o Filme, que não se sabe se pertence ao cânone. Por outro lado, consta que no jogo Digimon Adventure para a PSP, a Gatomon de Kari digievolui para Ophanimon.
Pessoalmente, não tenho uma preferência definida por nenhuma das formas. Por um lado, Ophanimon faz mais sentido como o nível que se segue à Angewomon. Além disso, faz melhor par com Seraphimon – não, não “shipo” (odeio essa palavra…) T.K e Kari, longe disso, mas gosto da química que a Gatomon/Angewomon e o Angemon partilham desde os tempos de Adventure. Por outro lado, Holydramon tem traços claramente feninos, logo, também faz sentido como digievolução de Gatomon. Além disso, é uma das poucas digievoluções das raparigas Escolhidas que não é gritantemente sexualizada.
Ora, este poster não confirma nem desmente nenhuma das possíveis digievoluções porque a Ophanimon aparece em modo Fall Down. Segundo a Wiki do Shika, é essencialmente um anjo caído/desertor. Ou seja, esta será a primeira vez desde SkullGreymon que teremos uma digievolução negra no universo de Adventure. O que é fascinante.
Estando esta análise tão atrasada, à data da publicação, já temos uma sinopse para Kyosei. Mais vale falar sobre ela.
Só para arrumarmos o assunto Ophanimon, a sinopse dá a entender que alguma coisa de mau vai acontecer a Kari “que tem a alma mais iluminada e delicada que ninguém” – o que é demasiado vago para se tirar conclusões. Penso que é quase certo que Kari poderá voltar a servir de porta-voz à Escuridão e… não me agrada. Estou farta do velhíssimo cliché da Kari possuída por coisas sobrenaturais.
Não sei se alguma vez o referi aqui no blogue, mas uma das coisas que gostava de ver em Tri era Kari, por uma vez, salvando o couro a Tai ou T.K. em vez de ser a eterna donzela indefesa. Mas já ficava contente se Kari se salvasse a si mesma do que quer que a atormentará e/ou tenha uma evolução significativa como personagem.
Podiam, por exemplo, abordar a relação dela com o irmão – que, por sinal, esteve em destaque há umas semanas atrás, quando um dos antigos realizadores de Adventure apontou para momentos do episódio 21 (aquele em que Tai, após a derrota de Etemon, regressa brevemente ao Mundo Real e reencontra a irmã) que poderiam apontar para atração incestuosa (*arrepios de horror*). Pontas soltas como a culpa de Tai por ter enviado a irmã para o hospital e a dependência excessiva de Kari no irmão – conforme referido no episódio do Mar Negro, em 02.
Passando ao resto da sinopse, parece que as coisas vão rapidamente reverter ao estado pré-Reinício. Os miúdos regressarão ao Mundo Real, onde estão a ocorrer distorções e estragos por todo o lado. Parece que, desta vez, a população virar-se-á a sério contra os Escolhidos.
Eu não estou lá muito satisfeita por irmos voltar ao Mundo Real, depois de termos passado o quê? Um dia e meio, dois dias no Mundo Digimon? Por outro lado, se o objetivo de Yggdrasil for mesmo extreminar a raça humana, não faz sentido o elenco permanecer no Mundo Digital. É provável, também, que as dúvidas existenciais de Tai regressem, após terem sido deixadas em stand-by no início de Kokuhaku.
A sinopse revela ainda que, segundo Hackmon, a Homeostase quer matar Meicoomon. Este desenvolvimento não surpreende, sobretudo depois de Soshitsu ter praticamente confirmado que Meicoomon foi criada para ser o veículo da Infeção. O mais certo é os Escolhidos serem apanhados no fogo cruzado. Sobretudo Meiko que, naturalmente, não permitirá que matem o seu Digimon sem dar luta.
Estou certa de que pelo menos alguns dos Escolhidos ficarão do lado dela. Sora, T.K. e Mimi fá-lo-ão logo de início. No entanto, não me surpreenderia se Tai começasse a culpar Meicoomon e, por associação, Meiko por tudo de mau que aconteceu em Tri até agora. Talvez Izzy concorde com ele, pura e simplesmente pelo sentido prático da coisa, se não houver mesmo outra solução. Quanto a Matt, ele estará do lado completamente oposto a Tai – nesta fase é uma lei da natureza.
Em todo o caso, uma coisa é certa: as coisas irão de mal a pior. O que era de esperar no penúltimo capítulo, antes da resolução final no sexto filme.
É um bocadinho estranho ainda não haver data de estreia de Kyosei. Mas, como me atrasei tanto com este monstro de análise, não me queixarei se o próximo filme ainda demorar um bocadinho. Estou com esperanças de que o filme coincida com o Odaiba Memorial Day.
E por falar disso…
Já faz parte da praxe falar do Odaiba Memorial Day Portugal – sobretudo tendo em conta que já participei num par de emissões/podcasts juntamente com o António, o Danny (do canal de YouTube A minha vida em bits) e o Shika (que gere a Digimon Wiki em português de Portugal).
Ao lado deles sou uma amadora, que só conhece (e, mesmo assim, não muito bem) o universo de Adventure. Além disso, estou longe de ser uma entertainer, farto-me de gaguejar e não tenho um microfone decente – o YouTube não é de todo uma carreira viável para mim.
Dito isto, diverti-me imenso nos podcasts em que participei. Geralmente, as emissões começam de forma mais ou menos refinada mas, ao fim de algum tempo, começamos a disparatar. O podcast mais recente em que participei acabou connosco a cantar a versão portuguesa de Butter-fly - de início, cantámos a versão da Animedia, comigo a trocar-me toda na letra (que o Danny escreveu, ainda para mais!) e, por algum motivo, acabámos por cantar o refrão da versão da velhinha dobragem portuguesa. Esta parte da emissão já não ficou gravada no YouTube… graças a Deus, sinceramente.
Não posso falar pelos outros três participantes, mas eu garanto que, nessa noite, não estava sob o efeito do álcool nem de outra substância – só mesmo um descafeinado da Nespresso. Eu posso parecer simpática e certinha à primeira vista mas, se me derem tempo, a minha maluquice vem toda ao de cima.
De qualquer forma, só por momentos como estes vale a pena ter escrito tanto testamento sobre Digimon nos últimos dois anos.
Com tudo isto deu-me ainda mais vontade de ir ao encontro no primeiro de agosto. Infelizmente, este ano não vou, quase de certeza, poder ir este ano. Acreditem, isto deixa-me com vontade de chorar.
Enfim, já foi bom ter participado nos podcasts ou apenas ouvi-los. Conforme julgo já ter referido aqui no blogue, sabe bem conviver com pessoas com as mesmas maluqueiras do que nós, mesmo que apenas via internet. Especialmente para mim que, como já sabem, sou uma mulher com muitas maluqueiras.
Voltaremos a falar sobre Digimon quando sair Kyosei – espero não tornar a atrarar-me tanto com essa análise, mas não posso prometer nada. De qualquer forma, na página de Facebook deste blogue, vou publicando e comentando qualquer notícia ou pista que saia sobre Kyosei.
Continuem ligados. Análise a After Laughter dos Paramore em breve.
É a partir da primeira aparição de Machinedramon que Soshitsu começa a dar tiros nos pés. Até à parte do Tri-ângulo amoroso, a história decorria de forma consistente. Um bocadinho lenta, sim, mas todos os filmes de Tri, até agora, tiveram um começo lento. Soshitsu, ao menos, estava a ter bons momentos entre personagens. No entanto, Machinedramon interrompeu um momento crucial para o desenvolvimento de Sora e, a partir daí, as coisas ficaram estranhas.
Machinedramon aparece quase literalmente do nada, perseguindo Meicoomon. Não, não é o mesmo Machinedramon que fazia parte dos Dark Masters/Mestres das Trevas. Por esta altura, toda a gente está a assumir que Yggdrasil e/ou o Dark Gennai têm a capacidade de conjurar cópias de Digimon de nível Hiper Campeão, ainda que uns quantos furos abaixo em relação aos originais – primeiro o Imperialdramon de Ketsui e, neste filme, o Machinedramon e, mais tarde, o MetalSeadramon. É uma explicação tão boa como qualquer outra. No entanto, chateia-me um bocado que ainda não tenha sido confirmada oficialmente.
Tai, Matt e Sora voltam rapidamente para junto dos amigos. Como Machinedramon continuasse a atacar, os Escolhidos voltam-se, naturalmente, para os seus Digimon, dispositivos em riste e…
...nada acontece.
Eu sabia, desde logo, que a digievolução não ia funcionar à primeira, depois do Reinício. Os Escolhidos descobrem-no na pior altura possível. É, adequadamente, um momento “Oh crap!”
Infelizmente (ou felizmente), no momento em que Machinedramon devia, pela lógica, matá-los a todos, abrem-se distorções no local, que transportam os Escolhidos para outros sítios – ou seja, um dos maiores Deus Ex-Machinas de que há memória.
Este é apenas o primeiro de vários Deus Ex-Machinas e outras incongruências neste filme, mas quero falar já sobre isso. Um dos motivos pelos quais Kokuhaku foi tão bom foi porque quase todos os eventos do enredo ocorreram por causa de decisões tomadas pelas personagens. O Reinício e tudo o que ele implicou aconteceram porque, em primeiro lugar, nem Maki, nem Daigo nem Meiko disseram aos outros Escolhidos a verdade acerca de Meicoomon; em segundo lugar, T.K. não disse a ninguém, tirando Meiko, que Patamon estava infetado; em terceiro, os Digimon não disseram aos seus companheiros humanos que ia haver Reinício – só Agumon e Tentomon e, mesmo assim, não foi a sua primeira escolha.
É precisamente por isso que Kokuhaku é, em simultâneo, tão belo e tão trágico: porque o Reinício podia ter sido evitado e não o foi por causa da humanidade e imperfeições das personagens. Até as atitudes de Maki são compreensíveis, agora que conhecemos as motivações dela!
É por isso que ninguém gosta de Deus Ex-Machinas: porque as personagens não fazem absolutamente nada para merecerem o que lhes acontece. Já ajudava, neste caso, se por exemplo Meicoomon tivesse criado as distorções de propósito, numa tentativa de salvar os Escolhidos e os seus Digimon.
Não que ela alguma vez tenha dado sinais de se ralar com outra criatura que não ela mesma ou Meiko. Mas, se tivesse acontecido, abriria imensas possibilidades.
Isto nem seria tão mau se, ao menos, Soshitsu tivesse aproveitado as oportunidades criadas pelo Deus Ex-Machina. O grupo divide-se, com alguns dos humanos a serem emparelhados com companheiros Digimon alheios. Quando, aliás, vi pela primeira vez, nos trailers, por exemplo, Joe com Palmon e Patamon e Mimi com Tentomon, pensei que isso tivesse sido escolha dos próprios Digimon. Afinal de contas, eles não têm memórias dos seis anos anteriores e, provavelmente, nem sequer sabem que estão programados para protegerem um dos humanos em específico. Seria fascinante se, em certos momentos, sentissem maior afinidade para com os humanos “errados”.
O que remete, de novo, para a questão dos Ex-Machinas.
Alguns dos Escolhidos vão, ainda, parar a locais significativos da sua primeira estadia no Mundo Digimon. Como Mimi no palácio dos Gekomon, Joe no restaurante do Vegiemon e do Digitamamon e T.K. na Aldeia do Início. Posso estar enganada, mas o local a onde Tai foi parar, juntamente com a irmã, Gabumon e Salamon (momento fofinho quando Tai e Salamon acordam Kari, que estava desmaiada), lembra-me o cenário da parte do segundo arco de Adventure – aqueles episódios em que ele cometeu várias asneiras graves, tais como forçar a digievolução de Greymon e permitir que Sora seja raptada.
Esta mixórdia de temáticas abria imensas possibilidades: os Digimon amnésicos descobrindo mais acerca dos seus companheiros humanos; os Escolhidos recordando episódios marcantes do seu passado (episódios de que, se calhar, não se orgulham) e falando deles com os seus Digimon (seus companheiros oficiais ou não).
Mas quase todas essas oportunidades são desperdiçadas. Mimi limita-se a elogiar Izzy perante Tentomon, mesmo no estilo de adolescente apaixonada. T.K. explica o Reinício a Elecmon e reforça do desejo de reencontrar Patamon (ou seja, nada que acrescente alguma coisa). Izzy mostra algumas fotografias pré-Reinício a Agumon e Gomamon. Pelo meio, há um momento inútil, mesmo estúpido, em que Agumon e Gomamon ficam a olhar especados para um comboio que vem na direção deles, antes de Matt e Izzy os afastarem no último segundo. Por fim, o grupo que abarca Joe, Patamon e Palmon nem sequer tem direito a falas.
É também nesta altura que se volta a manifestar a aparente falta de orçamento de Tri, com o regresso dos planos estáticos que já tinham aparecido em Ketsui. Nem sequer é a primeira vez que aparecem no fime, mas esta é a mais flagrante, chegando a aparecer uma apresentação de diapositivos. Não percebo, sinceramente. Kokuhaku não teve nada disso (ou, se teve, foi tão discreto que nem sequer reparei). Filme sim filme não reduz-se o orçamento?
Felizmente, temos uns quantos momentos que se aproveitam. Por exemplo, quando Agumon pergunta a Matt se este odeia Tai. Eu podia escrever páginas e páginas só para responder a essa pergunta, mas Matt diz apenas:
– Espero demasiado dele.
Não é preciso acrescentar mais nada.
Por sua vez, Tai desabafa com Kari sobre as consequências do Reinício, sobretudo o facto de a digievolução não funcionar A irmã tem um raro momento de profundidade ao dizer que talvez os Digimon estejam melhor assim, sem recordações dos anos anteriores. Eles, os Escolhidos, têm de aceitá-los e amá-los tal como são agora.
Este discurso não é particularmente original – é comum dizerem-se coisas parecidas sobre doentes de Alzheimer, por exemplo – mas é significativo que tenha partido de Kari. A sua companheira encontra-se, agora, na forma da adorável Salamon. No entanto, antes do Reinício, era a mais madura dos Digimon dos Escolhidos – tanto pelo seu passado como por ser do nível Adulto. Sem essas memórias, Salamon é tão inocente como os outros Digimon – algo que não passou despercebido a Kari. Salamon está, sem dúvida nenhuma, melhor assim, sem saber que Myotismon a escravizou e lhe matou o melhor amigo
Por agora, pelo menos.
No entanto, os melhores momentos foram os que envolveram Sora – também era o mínimo, já que este era o filme dela! Depois o ataque do Machinedramon, Sora é transportada para um deserto (provavelmente o mesmo que o grupo atravessou no segundo arco de Adventure), juntamente com Byomon que, nesta altura, não tem desculpa nenhuma, está a ser mesquinha (eu e o António, o Danny e o Shika, do Odaiba Memorial Day Portugal, usámos palavras mais coloridas e menos simpáticas para descrever Byomon), acabando por fazer a pobre rapariga chorar.
Não se faz, Byomon! Não se faz!
Entretanto, as duas encontram o corpo inconsciente de Meiko, que terá aparecido no Mundo Digimon por obra de graça do Espírito Santo – ou, vá lá, da Homeostase. Em todo o caso, ainda bem que isso acontece, já que Meiko proporciona alguns dos melhores momentos do filme – nomeadamente, ao ser a primeira conseguir ajudar Sora, por pouco que seja.
Por esta altura, Byomon já percebera que estava a ir longe demais e tenta ser um pouco mais cordial. A certa altura, chega a ser mais calorosa para com Meiko do que para Sora, o que, naturalmente, magoa esta última. Mas não é, de todo, incompreensível, já que Meiko a pressiona menos. Quando Sora desabafa com Meiko sobre a difícil reaproximação a Byomon, Meiko recorda à amiga as suas próprias palavras, sobre o lanço inquebrável entre Escolhidos e os seus Digimon.
Eu, no passado, queixei-me do tratamento que Digimon (no que toca ao universo de Adventure, pelo menos) tem dado às suas personagens femininas. No entanto, as relações entre as meninas Escolhidas têm sido alguns dos pontos altos de Tri, com cada filme (tirando Saikai) tendo uma cena em que uma das raparigas dá apoio a outra – tal como demonstrei no vídeo acima/abaixo, que publiquei na página de Facebook deste blogue, a propósito do Dia da Mulher.
De assinalar que Meiko é quem está no centro destas interações. A jovem está longe de ser a personagem mais popular de Tri. Meiko também não me entusiasmava muito, de início, mas tenho vindo a gostar cada vez mais dela. Por um lado, por a achar parecida comigo, mas também pela maneira como Meiko tem vindo a ser desenvolvida, em paralelo com outros Escolhidos: Mimi em Ketsui, T.K. em Kokuhaku e Sora neste filme.
O momento alto de Meiko, aliás, foi o seu reencontro com Meicoomon. Esta última tinha passado a primeira metade do filme chorando por a sua humana não ter vindo procurá-la. Quando finalmente a encontra, tem uma birra destrutiva, acusando Meiko de não ter vindo por Meicoomon ser “má”. Meiko admite que sim, Meicoomon é “má”, tem-lhe tornado a vida difícil, mas isso não impota. Tal como temos visto outra e outra vez em Tri, tal como Sora e T.K. lhe tinham ensinado, um Escolhido não volta as costas ao seu Digimon. Meiko não o fará agora.
Esta deverá ser a primeira vez em anos (se não for a primeira vez, ponto) que Meiko é completamente sincera para com Meicoomon – e talvez mesmo consigo mesma. É uma evolução significativa relativamente à Meiko que passou quase todo Kokuhaku em depressão, com pena de si própria.
Depois disso, o falso Imperador Digimon aparece perante Sora e Meiko, juntamente com Machinedramon, tentando deitar as mãos a Meicoomon. Como Sora tentasse impedi-lo, ele volta-se para ela. É nesta altura que ele revela finalmente a sua verdadeira (será?) identidade: Gennai.
Não, não vou falar sobre a infame cena que arruinou a infância a toda uma geração que cresceu com Adventure e 02. Passemos à frente.
A isto seguem-se uma série de incoerências. A primeira é o facto de Sora ter conseguido tirar o Dark Gennai de cima de si, sem dificuldade aparente - apesar de não ter conseguido fazer nada quando Gennai lhe tirou o dispositivo digital.
De seguida, repete-se o Deus Ex-Machina quando as distorções trazem todos os outros Escolhidos para o local, ao mesmo tempo. Tai e Matt, então, como disse antes, aparecem no momento exato para proteger Sora de um ataque do Machinedramon.
É nesta altura, enquanto o Machinedramon tenta atingir os miúdos, que o Dark Gennai começa o monólogo, explicando as suas motivações. Conforme Hackmon já tinha explicado, Gennai está a trabalhar para Yggdrasil.
Quando li este nome nas legendas do filme pela primeira vez, eu sabia que já o tinha lido algures, a propósito de Digimon. Foi uma das primeiras coisas que perguntei ao António, depois de ver o filme: quem era Yggdrasil. Consta, então, que ele é o principal computador que aloja o Mundo Digital e/ou uma espécie de divindade do Mundo Digimon. Já tinha usado como vilão na temporada Savers, onde se terá voltado contra os humanos por os considerar uma ameaça para os Digimon. Parece que, em Tri, as suas motivações são semelhantes.
Pelo menos é isso que se deduz do monólogo de Gennai, que dá como exemplo os Digimon dos Escolhidos – selecionados e programados para protegerem humanos, mesmo que lhes custe a vida. Gennai acusa mesmo os Escolhidos de escravizarem os seus Digimon
Eu não consigo evitar pensar nos fãs de Digimon detratores de Pokémon, que questionam (não sem razão) a moralidade da premissa de capturar criaturas e obrigá-las a lutar. No entanto, já que Soshitsu foi por essa via, devo perguntar: será muito melhor termos criaturas nascidas e obrigadas a proteger humanos, mesmo que não seja essa a sua vontade? Tri desperdiça, aliás, outra oportunidade ao não ter pelo menos um dos Digimon amnésicos questionando o seu propósito de vida.
No entanto, os Escolhidos são os últimos que merecem ser culpados por isso. Conforme assinalei antes, nenhum dos miúdos escolheu ir parar ao Mundo Digimon – foram literalmente atirados para lá. Pode-se argumentar que a afeição que desenvolveram pelo Mundo Digital é, pelo menos em parte, Síndrome de Estocolmo. Como disse antes, os companheiros Digimon são tudo o que os miúdos receberam como ajuda ou compensação. Sim, os Digimon é que são obrigados a arriscar a pele, mas não foram os Escolhidos que definiram as regras.
Aliás, fica cada vez mais claro que esta é uma luta (se não for guerra aberta) entre Yggdrasil e a Homeostase e os miúdos, os respetivos Digimon, Maki e talvez mesmo o Dark Gennai não passam de peças num tabuleiro de xadrez.
Voltaremos a falar sobre isso e muito mais na última parte desta análise. Continuem desse lado!