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Álbum de Testamentos

"Como é possível alguém ter tanta palavra?" – Ivo dos Hybrid Theory PT

Linkin Park – Hybrid Theory (2000) #1

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Hybrid Theory, o primeiro álbum de estúdio dos Linkin Park, completou na semana passada vinte anos bem contados desde a sua edição. Conforme o prometido, para assinalar o aniversário (ainda que com alguns dias de atraso), hoje vamos começar a examinar este álbum. Digo começar porque, como o costume, tinha muito a escrever e, assim, a análise terá três partes. Esta é a primeira.

 

Sendo Hybrid Theory um álbum de estreia, não podemos falar sobre ele sem falarmos sobre as origens da banda. Até porque, no passado dia 9 de outubro, saiu uma edição especial do álbum, comemorativa do vigésimo aniversário, com uma data de material adicional, parte dele completamente inédito, que vai até aos primórdios dos Linkin Park enquanto banda. 

 

Já que falo nisso, quero desde já avisar que esta análise focar-se-á sobretudo no alinhamento padrão do álbum, como já tinha dito antes. Isto porque, em primeiro lugar, é aquele com o qual estou mais familiarizada. Tirando um caso ou outro, no que toca aos Linkin Park, oiço sobretudo os álbuns de estúdio. Antes desta edição de Hybrid Theory, nunca liguei muito a B-sides, a demos ou mesmo a álbuns de remixes, como o Reanimation, o Collision Course ou o Recharge (exceto singles como Numb/Encore e A Light that Never Comes). Sou uma fã pouco hardcore

 

Em segundo lugar, esta nova edição de Hybrid Theory é constituída por nada menos que oitenta faixas, quatro horas e vinte e cinco minutos de música de acordo com o Spotify. É certo que uma parte parece ter sido para encher chouriços: algumas são versões ao vivo e, por exemplo, temos uma versão de One Step Closer literalmente igual à versão de estúdio, apenas sem os discos giratórios. Mas de qualquer forma, é demasiado material e esta análise já vai ser longa. Vou deixar algumas impressões sobre as B-sides mais perto do fim (tirando High Voltage e My December), e hei de referir algumas demos quando analisar as faixas principais do álbum. Mais nada.

 

Comecemos então pelo princípio. Mike Shinoda, hoje multi-instrumentista, vocalista/rapper e em geral cérebro dos Linkin Park, sempre mostrou aptidão para a música. Esta e o desenho são as suas grandes paixões. Aos seis anos já tocava piano. Em adolescente fazia misturas de música rock com hip-hop só pelo gozo, com equipamento de produção comprado por ele mesmo. Foi assim que aprendeu a produzir música.

 

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Quando estava no equivalente americano ao Secundário, Mike formou uma banda chamada Xero, juntamente com os seus amigos Brad Delson (atual guitarrista dos Linkin Park), Rob Bourdon (atual baterista) e Mark Wakefield, amigo de infância de Mike, como vocalista. Mais tarde, o grupo conheceu Joe Hahn (DJ) e Dave “Phoenix” Farrell (baixista) na faculdade e acolheu-nos nos Xero. Mark, no entanto, acabou por desistir da banda e, segundo Mike, acabou por seguir uma carreira como agente de bandas. 

 

Por esta altura, entretanto, Chester Bennington, cantor, tinha deixado a sua banda, Grey Daze. Esteve perto de desistir da música quando, no dia em que completava vinte e três anos, recebeu uma cassete com demos dos Xero. A edição de aniversário de Hybrid Theory inclui essas demos – segundo o que consegui averiguar com fãs mais bem informados do que eu, as faixas terão sido Pictureboard, Rhinestone (uma versão beta de Forgotten) e Essaul (uma versão beta de A Place For My Head). Chester terá faltado à sua própria festa de aniversário para gravar por cima das versões instrumentais destas faixas. 

 

Quando ouviram as músicas com a voz de Chester, Mike e os outros ficaram rendidos. Brad inclusivamente, a propósito do lançamento da edição de aniversário de Hybrid Theory, falou há pouco tempo sobre o momento em que ouviu Pictureboard cantada por Chester – o guitarrista quase chorou. 

 

Quem nunca?

 

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Brad e os outros pediram a Chester para vir, mas por algum motivo não lhes ocorreu desmarcarem as audições com outros cantores. Já estavam a ensaiar com Chester, mesmo a gravar com ele, mas oficialmente ainda estavam à procura de vocalista. As audições decorreram ao longo de três dias, com a banda a interromper os ensaios com Chester para ouvir outros candidatos.

 

Ora, Chester não estava a achar piada nenhuma à brincadeira. Eu, para ser sincera, reagiria da mesma forma, se tivesse sido comigo. Qual é a lógica de fazer audições se o vocalista já estava praticamente escolhido? Era muito mais honesto desmarcar as audições – ao menos não davam falsas esperanças aos candidatos. 

 

Consta que um desses recusou-se mesmo a fazer a audição depois de ouvir Chester a cantar, nos ensaios da banda. 

 

– Vocês são uns idiotas se não aceitarem este gajo [Chester] – terá ele dito. Depois voltou-se para Chester e disse – Se eles não te aceitarem, liga-me e começamos nós uma banda. 

 

Felizmente, Mike e os outros não foram idiotas. 

 

Assim, Chester juntou-se ao grupo e assumiram como nome “Hybrid Theory” – precisamente pela sua filosofia de fundirem géneros musicais. Como vimos antes, She Couldn’t foi uma das primeiras músicas a compôrem – embora não a tenham incluído no EP que gravaram de forma independente e começaram a enviar às editoras discográficas. Esse EP, também intitulado Hybrid Theory, foi incluído na edição de aniversário. Ao mesmo tempo, recorriam à Internet para fazerem a sua música chegar diretamente a possíveis fãs. 

 

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A Internet do final dos anos 90, há que sublinhar. Muito antes de o YouTube, o Soundcloud e afins existirem. Não deve ter sido fácil. 

 

De início tudo o que era editora os rejeitou, apesar de estarem a ter algum sucesso na Internet. Mesmo a Warner só aceitou assiná-los após os ter rejeitado três vezes – e a ideia com que fico é que o fez de má vontade, pois os primeiros tempos não foram fáceis para eles. Consta que o presidente da Warner não gostava deles, não queria lançar-lhes o álbum. Houve quem lhes dissesse para arranjarem algo que os distinguisse dos demais, tipo Joe Hahn usando bata de laboratório em palco (eu pessoalmente não me importava, mas pronto). 

 

O pior de tudo foi terem tentado meter Chester como protagonista da banda e despromoverem os outros membros a banda de apoio. Queriam mesmo expulsar Mike, o que seria uma blasfémia. Felizmente, Chester não era uma besta e disse-lhes onde podiam enfiarem essa ideia.

 

Até o produtor que trabalhou com eles, Don Gilmore (que mais tarde produziria algumas faixas de Under My Skin) lhes fez a vida negra. No entanto, fê-lo porque acreditava neles, não o contrário.  Consta que Don obrigou-os a comporem e gravarem uma grande parte do Hybrid Theory em dois meses – veja-se o facto de só A Place For My Head e Forgotten terem sobrevivido deste os tempos dos Xero até ao alinhamento final. Don obrigava-os a rescreverem letras umas trinta vezes, a regravarem instrumentais até ao infinito. A partir de certa altura, Mike e os outros já não podiam vê-lo à frente.

 

A meu ver, Don era como certos pais e professores muito exigentes com as crianças, não por maldade, antes por quererem extrair o melhor delas. Em pequenos não gostamos nada, mas mais tarde reconhecemos que a sua exigência nos tornou melhores. É claro que, com crianças, é preciso ter cuidado com tais pressões, podem ter o efeito oposto. Ao menos Mike e os outros já eram adultos – o que mesmo assim não os impediu de se irritarem com Don, ao ponto de escreverem uma letra sobre ele, como veremos adiante. E para sermos justos com Don, ele admitiu que sim, era exigente com Chester e os outros e estes irritavam-se, mas seguiam as suas instruções e os resultados estão à vista. 

 

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Chester contribuía para as letras baseando-se na sua vida difícil, com o divórcio dos pais, abuso sexual, toxicodependência, como todos sabemos – contrabalançando com a infância mais saudável de Mike e dos outros. Tentavam ser honestos, mas não demasiado específicos de modo a poder ressoar com a maioria da audiência. Consta que Don lhes ia dizendo:

 

– Não quero ouvir os vossos problemas, quero ser entretido!

 

Confesso que devo ser uma exceção à regra entre os fãs de Linkin Park porque, tirando alguns casos, no que toca a Hybrid Theory, ligo menos aos “problemas” e mais ao entretenimento: à sonoridade, à atitude, aos headbangs, ao mood. Como referi algumas vezes neste blogue, este género de música inspira-me quando escrevo cenas de ação, de luta, em ficção. Só há pouco tempo – e nalguns casos só agora, nas pesquisas para esta análise – é que comecei a prestar atenção à parte dos “problemas”.

 

Em todo o caso, os Linkin Park nunca tiveram problemas em combinar o seu lado autobiográfico com o lado do entretenimento.

 

Quando o álbum ficou pronto, toda a gente na editora se rendeu, esquecida de quaisquer problemas que pudessem ter com o grupo. O álbum passou a ser a prioridade número um. E, mais tarde, Don voltaria a colaborar com eles nos trabalhos de Meteora.

 

Não puderam, contudo, manter Hybrid Theory como nome da banda. A editora já tinha um grupo chamado Hybrid, ia criar muita confusão. E, aqui entre nós, Hybrid Theory não soa bem como nome de banda – é pouco fluido. Além de que, se quisessem algum dia criar música que não se encaixasse em teorias híbridas, estariam a contradizer o seu próprio nome. 

 

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Um dia Chester passou por um parque público chamado Lincoln Park. Consta que existe um em quase todas as cidades americanas. Tentaram adotá-lo como nome para a banda, mas quando tentaram criar um site o domínio “lincolnpark.com” já existia. Apropriarem-se dele sairia caro. Saiu mais barato mudarem para linkinpark.com – que, todos concordam, soa muito melhor.

 

Hybrid Theory ficou, deste modo, o nome do álbum. Eu, no entanto, não comecei por aí. Quando descobri os Linkin Park, estávamos em 2004/2005 – era de Meteora, quiçá de Collision Course. Mesmo assim, só fiquei a conhecê-los mais a fundo em 2007, na era Minutes to Midnight. No verão desse ano, o meu irmão foi passar férias com os meus padrinhos, que têm um filho pouco mais novo que ele. Regressou a casa com o MP3 cheio de música dos Linkin Park. Ele nunca me disse onde a obteve, mas estou certa de que foi legal. 

 

Na altura tinha dezassete anos. Gostava de rock, desde que não se afastasse demasiado do pop – embora já começasse a ouvir Green Day, também por influência do meu irmão. Sou uma exceção à regra no sentido em que comecei a ouvir música mais pesada como adulta (bem, adulta legal) e não como adolescente. Os Linkin Park foram, a par dos Green Day (que hoje em dia já praticamente não oiço), a banda que me ajudou a fazer a transição. 

 

Nesse primeiro ano, quando ouvia Linkin Park, ouvia as faixas todas em aleatório, sem querer saber a que álbum pertenciam. De início, as músicas que mais me atraíam eram as mais levezinhas – ou seja, Pushing Me Away e, mais tarde, In the End, no caso de Hybrid Theory. 

 

Vou admiti-lo desde já: o motivo pelo qual Pushing Me Away me atraiu diz respeito às semelhanças com Numb. O riff na introdução, as guitarras que se juntam, a estância cantada por Chester, umas frases em rap de Mike no pré-refrão. Isso na altura não pesou, mas outra semelhança é o facto de, tal como Numb, surgir no fim do alinhamento, depois de uma faixa instrumental. 

 

 

Mesmo a letra entra em territórios parecidos com Numb – no sentido em que o narrador se queixa de ter de suprimir emoções, uma parte de si, para agradar a outra pessoa. 

 

Sei que não é justo estar a comparar uma canção com outra composta mais tarde. Mas como ouvi Numb primeiro não consigo evitar – e, em minha defesa, a própria banda admitiu há pouco tempo que, se não tivessem criado Pushing Me Away, provavelmente não teriam composto Numb, que Numb é uma versão melhorada de Pushing Me Away. Esta faixa pode ter sido a primeira a cativar-me neste álbum, mas hoje considero-a a menos interessante. Isto sem deixar de ser uma boa canção. 

 

A segunda música de Hybrid Theory a cativar-me foi In the End – isto quando já ouvia a amálgama de músicas dos Linkin Park há uns meses. Tornou-se rapidamente uma das minhas favoritas. 

 

Não é difícil compreender o motivo pelo qual esta canção se distinguiu das demais: é uma versão mais leve, mais pop, mais acessível, da fórmula rap sobre guitarra elétrica dos Linkin Park, sobretudo no início da carreira deles. In the End começa com uma sequência de piano, composta por Mike, que se repete várias vezes ao longo da música. As estâncias são acompanhadas por notas de guitarra e baixo e, de vez em quando, piano. Os acordes mais pesados – mesmo assim, não demasiado – só surgem no refrão e na terceira parte. In the End terá sido incluída em Hybrid Theory e lançada como single precisamente para servir de ponte entre o mainstream e o som mais pesado do resto do álbum.

 

E resultou. Pelo menos comigo resultou, mesmo tendo conhecido a música fora do contexto do álbum. E pela maneira como In the End é uma das canções mais populares da banda, acho que não fui caso único – se calhar, para muitos fãs, esta foi a primeira música dos Linkin Park que conheceram. 

 

In the End caracteriza-se pelo tom leve, de apatia, de frustração. A letra é simples, fala sobre algo pelo qual se lutou, se sacrificou mas que… no fim… falha e/ou não vale o esforço. Pode referir-se a qualquer coisa: uma relação, um projeto, um emprego um objetivo qualquer.  Consta que foi inspirada pelos conflitos entre a banda e a editora – aquelas pessoas que queriam promover Chester a protagonista à custa de Mike. Uma altura em que o grupo receava que o seu sonho de editar um disco fosse ao ar. 

 

 

In the End foi sempre um ponto alto nos concertos dos Linkin Park – falo por experiência própria. Quando a tocaram no concerto do Rock in Rio de 2008, marcou-me particularmente – por ter decorrido poucos meses depois de me ter deixado cativar por In the End. Nunca irei esquecer a emoção de ouvir toda a gente à minha volta cantando (“rapando”?) em altos berros, de ver Mike junto do público. Ainda hoje partilho este vídeo nas redes sociais quando Mike faz anos.

 

In the End sempre foi a canção dos fãs nos concertos. Tecnicamente Chester cantava o refrão, um ou outro verso do rap, a terceira estância. Na prática, era frequente a voz dele afogar-se no coro da audiência. E na segunda parte da terceira estância, Chester pura e simplesmente voltava o microfone para o público. Como tal, não surpreendeu que, no concerto do Hollywood Bowl, o convidado especial de In the End tenha sido o preferido da banda: a audiência. Nem que, durante a digressão de Post Traumatic, Mike tenha escolhido esta música para deixar palavras sábias sobre Chester – antes de tocar a música ao piano, com a audiência cantando as partes melódicas. 

 

Demorei alguns anos a ganhar apreciação pelo som mais pesado dos Linkin Park. Foi na altura em que saiu o Living Things. Passei uma boa parte desse ano e do seguinte a ouvir essas músicas, uma vez mais fora do contexto dos álbuns – à mistura com os excelentes temas do quinto disco. Só mais tarde – em 2017, poucas semanas antes do lançamento de One More Light, quando comprei o Hybrid Theory e Meteora em CD – é que me apercebi que a maior parte das músicas de que mais gostava vinham de Hybrid Theory.

 

Falemos então sobre elas. Começando pelo single de apresentação da banda, One Step Closer. 

 

Este tema é um enorme clássico dos Linkin Park, um bom exemplo da sua sonoridade mais pesada – destaquem-se as guitarras na introdução, mas também Hahn com os discos giratórios, na terceira parte da música. 

 

 

Consta que a letra de One Step Closer foi inspirada pela irritação que Mike e Chester sentiam com Don Gilmore – que, como referimos acima, era muito exigente com eles, raramente ficava satisfeito com o seu trabalho. O “Shut up!” da terceira parte era dirigido a Don. One Step Closer fala de frustração, de raiva, de se sentir puxado até ao limite. É uma letra simples, não demasiado específica, aplicável a milhentas situações. Talvez seja daí que venha o apelo para muitos fãs. 

 

Eu pessoalmente acho a letra algo básica – sobretudo a terceira parte. Os gritos de Chester, entre Hahn arranhando discos, são impressionantes, não me interpretem mal. No entanto, o “Shut up when I’m talking to you” soa-me a um professor a gritar com alunos mal comportados. 

 

Em suma, é uma boa canção, um clássico, presença obrigatória nos concertos – durante vários anos encerrou setlists. Eu em particular tenho uma boa recordação com ela: no início de 2017, no Coliseu dos Recreios, enquanto esperava pelo início do concerto dos Sum 41. Como o costume, estavam a dar-nos música, literalmente – vinda dos altifalantes, para nos entreter. Quando tocaram o One Step Closer, uma grande parte do público, eu incluída, cantou em coro. 

 

Não surpreendeu. Os Sum 41 e os Linkin Park surgiram mais ou menos na mesma altura, têm algumas semelhanças no estilo, partilham muitos fãs. Foi um momento bonito, que serviu de aperitivo para o que viria mais tarde.

 

Ah, as saudades que tenho de concertos…

 

Ainda assim, One Step Closer não está entre as minhas preferidas dos Linkin Park. Nem mesmo de Hybrid Theory.

 

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Quais é que são as minhas preferidas? A resposta fica para amanhã.

Hayley Williams – Petals For Armor (2020) #3

Terceira parte da análise a Petals For Armor. Podem ler as partes anteriores aqui e aqui

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Vamos agora começar a falar sobre a terceira parte do álbum, a tal que representa a fase da borboleta. Esta é a parte mais homogénea das três – tirando Watch Me While I Bloom, todas as faixas são canções de amor, todas sequelas maduras a The Only Exception, de uma forma ou de outra. Não surpreende que estas músicas tenham sido lançadas todas de uma vez, com o resto do álbum. São muito parecidas umas com as outras, talvez até demasiado parecidas, não fazia sentido individualizá-las.

 

Suponho que o elefante na sala seja o novo amor na vida de Hayley, depois do divórcio. Não se sabe se é o mesmo referido em Sudden Desire e Why We Ever – se ela conseguiu reparar a relação que sabotou – ou se é outro homem. Pessoalmente inclino-me para a primeira hipótese, mas é um mero palpite, não tenho nada em que me basear. 

 

Hayley tem explicado muito sobre as músicas deste álbum, mas não revelou a identidade do seu novo companheiro. Não tem essa obrigação. A filosofia Petals For Armor é muito bonita e tal, mas quando envolve outra pessoa o caso muda de figura (aqui entre nós, já é um bocadinho questionável não conhecermos a perspetiva do ex no que toca ao casamento falhado). 

 

Quase toda a gente diz que é o Taylor. Eu sinceramente espero que não. Em parte porque, da última vez que ela namorou um companheiro de banda, a coisa correu mal (é certo que Hayley e Taylor já não são adolescentes… mas mesmo assim).

 

Enfim. Quando Hayley e o namorado estiverem para aí virados (isto se não tiverem acabado entretanto), logo anunciam a relação. Eu pessoalmente não tenho pressa em saber.

 

 

Pure Love, que abre a terceira parte, parece uma resposta direta aos erros cometidos aquando de Why We Ever (isto é, segundo o contexto dado por Hayley). Uma vez mais, musicalmente é guiada pelo baixo e pela bateria, com um ritmo interessante. Quando começam os vocais começa também o teclado (é Hayley quem o toca, pelo menos uma parte. Gosto em particular das notas claras no refrão, a condizer com os agudos (menos polidos, sobretudo nos últimos refrões) de Hayley.

 

A letra de Pure Love é essencialmente a filosofia Petals For Armor aplicada ao romance. Essencialmente, para fazer o seu amor resultar, Hayley teve de aprender a deixar cair os muros, a ser vulnerável, a ser forte em vez de impermeável, como vimos antes. Hayley está disposta a fazer a sua parte para que a relação resulte (“I give a little, you give a little”).

 

No refrão, Hayley fala em ser “experimental”. Segundo ela, é no sentido de descobrir como é ter uma relação adulta e saudável – a primeira da sua vida – ultrapassando o seu medo de intimidade. Também admitiu que pode ser interpretado no sentido sexual, mesmo não tendo sido essa a sua intenção quando escreveu a letra – iria em linha com o tema de Sudden Desire, na minha opinião.

 

Quase todas as músicas desta parte do álbum andam à volta deste tema. Fazem-me lembrar o casal Emma e Hook em Once Upon a Time. Não foi por acaso que me lembrei dela, entre outras personagens, quando Hayley apresentou a filosofia Petals For Armor. Lá está, o romance Captain Swan foi apenas a faceta romântica da coisa – foi, aliás, o último muro a cair.

 

Taken é muito parecida com Pure Love, parecendo quase uma continuação desta última. A instrumentação é praticamente a mesma: baixo, percussão, teclados (ainda que estes últimos só apareçam no refrão). Tem no entanto notas de guitarra que lhe dão um toque de blues – eu gosto. A melodia é mais grave, sem os agudos de Pure Love.

 

 

Mesmo a letra acaba por entrar em territórios parecidos, de uma forma mais vaga até. Fala sobre acreditar de novo no amor, estar disposta a arriscar, tornar oficial: Hayley já não está o mercado. Acrescenta pouco a um álbum que já tem Pure Love e Crystal Clear.

 

Não me interpretem mal, eu gosto de Taken – gosto do ritmo e das influências de blues. No entanto, se tivesse de retirar uma faixa a Petals For Armor, retirava esta – na minha opinião, seria a única em que não se notaria a falta.

 

Sugar on the Rim é uma das músicas mais divertidas e experimentais de todo o álbum. Está entre as minhas preferidas. Claras influências disco nos sintetizadores, os vocais meio artificiais repetindo “sugar on the rim”, o tom algo sexy. Definitivamente nada compatível com o que os Paramore fariam.

 

O título da música vem de uma técnica de preparação de cocktails, em que se fixa açúcar na borda no copo para enfeitar ou alterar o sabor de uma bebida. Brian uma vez fez isso com uma margarita durante um almoço com Hayley (com margaritas é mais comum usar-se sal), dando a ideia para esta canção. 

 

Esse açúcar na borda do copo serve de metáfora (bem… comparação, se quisermos ser rigorosos) para o amor, a alegria que contrabalança com a infelicidade. Ao contrário do Rose Colored Boy, não ignora o lado negro da vida – pelo contrário, Hayley fala em brincar com as sombras, diz que não tem medo do escuro. As coisas boas são suficientes para aguentar as coisas más – no final, doce é o sabor que fica nos lábios (pode também ser uma referência ao amargo em Leave it Alone).

 

 

Por outro lado, Hayley revelou que esta canção também é dedicada à comunidade gay. Suponho que seja por causa do “rimming” (vão ao Google… não em público, atenção!). Mas também a parte da vergonha e de viver escondido é algo com que, infelizmente, muitos da comunidade LGBT se poderão identificar.

 

É um conceito original e uma música muito gira. Se algum dia Hayley conseguir levar este álbum aos palcos, Sugar on the Rim será um ponto alto.

 

Watch Me While I Bloom é a única música nesta parte do álbum que não é uma canção de amor. Funciona um pouco como uma sequela a Rose/Violet/Lotus/Iris no sentido em que usa de novo metáforas florais – sobretudo na parte do “I myself was a wilted woman (...) forgot my roots, now watch me bloom”

 

É sobretudo a canção de vitória de Hayley, que depois dos anos mais difíceis da sua vida, voltou a ser quem era, sente emoções boas de novo. Uma Tell Me It’s Okay mais madura. Hayley está pronta para sair do seu casulo, para desabrochar, para mostrar um novo lado de si mesma. 

 

A música começa precisamente com “How lucky I feel to be in my body again” – aquilo que falámos antes sobre contacto com o próprio corpo. Por outro lado, ninguém me convence que o verso “Big invisible spark” não é uma referência a Let the Flames Begin, Part II e em particular Last Hope.

 

Hayley tem chamado a atenção para os versos “If you feel like you’re never gonna reach the sky ‘til you pull up your roots, leave your dirt behind, you’ve got a lot to learn”. Temos muito a tentação de esperar que a nossa vida esteja perfeitamente resolvida, com as pontas todas atadas, antes de irmos atrás do que queremos. Ou de achar que o processo é linear, que nunca daremos passos atrás. 

 

 

Ora, a vida não funciona assim. Nunca seremos perfeitos, nunca teremos as respostas todas e não podemos ficar parados por causa disso.

 

Havemos de regressar a essa ideia. 

 

Chegamos finalmente a Crystal Clear, a faixa que encerra Petals For Armor, outra que está entre as minhas favoritas. Esta foi outra das poucas em que Hayley não participou na composição da parte musical. Desta feita foi Taylor quem criou este instrumental, com notas de órgão algo etéreas e batidas à Phil Collins. 

 

Uma vez mais temos uma canção romântica, que fala sobre arriscar de novo, acreditar no amor. Quer-me parecer, no entanto, que quando Hayley promete não ceder ao medo não se refere apenas ao romance – também se pode aplicar a outras áreas da sua vida.

 

O título, aliás, pode também aludir à filosofia Petals For Armor. Crystal Clear, transparência, honestidade, vulnerabilidade.

 

Hayley recorre de novo a metáforas aquáticas para falar de um relacionamento amoroso, desta feita numa luz muito mais positiva – o que condiz com a sonoridade, que faz pensar em águas calmas e transparentes, raios de luz atravessando o subaquático. Ao contrário do romance descrito em Pool, este dá-lhe oxigénio em vez de tirar-lho. Não tem medo de mergulhar até ao fundo porque a água continua transparente. Hayley está a arriscar de novo – pode ser que seja desta. 

 

 
 
 
 
 
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O pormenor delicioso desta canção ocorre na parte final, com versos cantados por Rusty Williams, o avô de Hayley – ela trata-o por “Grandat”. Rusty era um “crooner” quando era jovem (consta que era o nome dado a cantores masculinos que cantavam baladas, como Frank Sinatra por exemplo) e Hayley cresceu ouvindo-o cantando canções de amor compostas por ele mesmo. A sua preferida é uma chamada Friends or Lover. Um dia, Rusty tocou-a ao piano em casa de Taylor. Este gravou-a e, como surpresa para Hayley, incorporou uma parte dos vocais de Rusty em Crystal Clear.

 

O Taylor é um anjo.

 

Ficamos assim a saber a quem Hayley sai. A jovem fala muito sobre os avós, que começaram a namorar aos doze anos e ainda hoje estão juntos (isto é, dentro do possível, foi esta a avó que caiu das escadas e perdeu faculdades). É super amoroso, uma bonita homenagem àquela que será a história de amor preferida de Hayley.

 

E é isto Petals For Armor. Como fomos observando, este álbum começou sombrio e tornou-se gradualmente mais luminoso. Mas não nos deixemos enganar, nenhum destes casos ficou completamente resolvido. Hayley afirmou que a sua vida contiua uma confusão, que ainda passa por cada uma das músicas de Petals For Armor. Ainda sente raiva, luto, medo, dor, amor, tudo. Ainda não tem todas as pontas atadas, ainda tem lições por aprender. “As histórias são infinitas, cada uma delas entrelaçada com dor e esperança”, escreveu ela quando lançou o álbum.

 

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Confesso que foi este o meu erro durante a era do Self-Titled: achar que já sabíamos tudo, que nunca voltaríamos atrás, que de alguma forma tínhamos ficado prontos para enfrentar qualquer coisa. Daí o choque quando Jeremy saiu da banda e com os temas abordados em After Laughter. A vida não é assim tão simples, de facto – e se a atual pandemia provou alguma coisa foi que tudo pode mudar de um momento para o outro, quase sem darmos por isso.

 

Por estranho que pareça depois deste testamento todo, ainda estou a processar o álbum. Gosto de todas as faixas, algumas mais do que de outras, mas não consigo escolher uma única como favorita absoluta. As minhas opiniões estão sempre a mudar. Daqui a uns meses, se calhar, terei novas coisas a dizer sobre este álbum.

 

Posso adiantar desde já, de qualquer forma, que Petals For Armor é um belo trabalho. Em termos musicais, é razoavelmente consistente em termos de instrumentação, conforme assinalado ao longo deste texto, mas é bastante eclético em termos de estilos musicais. Temos pop, new wave, disco, baladas, um bocadinho de rock, um bocadinho de jazz, um bocadinho de blues… Hayley e Taylor tiveram uma oportunidade de sair do território habitual dos Paramore, divertir-se um bocadinho noutros estilos musicais. Eu gosto de músicos multifacetados, que conseguem criar música em vários géneros – até porque eu mesma sou multifacetada, nunca fui de me interessar por uma só coisa.

 

Petals For Armor assemelha-se a álbuns como Melodrama e Post Traumatic no sentido em que as músicas funcionam muito bem como conjunto. O álbum é melhor que apenas o somatório das suas partes: vale tanto pelas músicas individuais como pela história que contam em conjunto. Um capítulo da história de Hayley, que continuará no próximo disco que ela lançar (quer a solo ou, mais provável, juntamente com os Paramore). 

 

Tivemos, aliás, uma combinação de temas novos, com perspectivas diferentes, com temas já recorrentes no cânone dos Paramore e não só. Raiva, luto, desejo, feminilidade no primeiro caso. Amizade, esperança, redenção, desgostos românticos e acreditar de novo no amor no segundo. Há coisas que são clichés por algum motivo – há lições que temos de estar sempre a aprender. 

 

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Devo dizer, ainda, que foi divertido estar a olhar para as metáforas e temas recorrentes deste álbum, mesmo nem todos sendo super originais. E estou grata por Hayley ter dado tantas entrevistas, fornecido tanto material para esta análise. Demoro mais tempo a escrever, escrevo autênticos testamentos – gastei quase noventa páginas A5 com o primeiro rascunho manuscrito (é certo que a minha letra é grande), isto já vai em quase dez mil palavras – mas é uma delícia.

 

O que acontece agora? O plano de Hayley era ir em digressão, levar Petals For Armor aos palcos, mas isto é 2020, um péssimo ano para planos. Ela tenciona ir em 2021, mas sabe-se lá se será possível – até porque a situação está catastrófica nos Estados Unidos. Não dá para calcular quanto tempo durará a era Petals For Armor – talvez mais um ano, talvez mais dois. Talvez a pausa nos concertos se prolongue tanto que Hayley se canse de esperar e ela e Taylor comecem a trabalhar noutra coisa. 

 

Já que falamos nisso, Hayley tem deixado pistas em relação à direção tomada no próximo álbum dos Paramore. Para o júbilo de muitos fãs, a jovem admitiu que ela e Taylor têm saudades das guitarras pesadas dos álbuns pré-After Laughter. 

 

Eu devo ser a única fã da banda que não fazia questão de regressar a essa sonoridade. Adoro as músicas antigas deles, claro que adoro, mas fazem parte do passado – tal como o cabelo cor de chama de Hayley. Nunca lhes pediria para voltarem para trás – a uma altura em que, agora sabemos, eles não estavam assim tão felizes. Não quando, hoje em dia, continuam a fazer música de qualidade, melhor até nalguns aspetos.

 

Mas se eles mesmo quiserem regressar a esse estilo não me queixo. O mais certo é adorar à mesma – tenho adorado todos os álbuns até agora… 

 

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Na verdade, mais do que o género musical, estou curiosa em relação à influência de Petals For Armor nos próximos trabalhos dos Paramore. Irá Hayley contribuir para a composição dos instrumentais ou voltará ao hábito antigo de esperar pelo material composto por Taylor e Zac? Por falar em Taylor, irá ele produzir os próximos álbuns sozinho? (Tenho quase a certeza que sim.) Voltarão a compôr com Joey? Irão incorporar estilos de Petals For Armor na música da banda?

 

Eu espero que sim, espero que algumas coisas mudem. Na minha opinião, seria um desperdício não aproveitar o que aprenderam com Petals For Armor para enriquecer o som dos Paramore.

 

Eu, aliás, tenciono escrever em breve sobre All We Know is Falling e Brand New Eyes, os dois álbuns que me faltam analisar. Estes são daqueles textos que ando a adiar há anos mas, pelo menos neste caso, estou contente por ter esperado. Não só porque, como já é habitual no cânone dos Paramore, Petals For Armor fez com que olhasse de maneira diferente para esses álbuns. Mas também Hayley prestou novos testemunhos sobre esses períodos nas múltiplas entrevistas que deu, em particular nesta.

 

Não vou escrever já já sobre esses álbuns. Depois de tanto tempo à volta de Petals For Armor, preciso de uma pausa de tudo o que se relacione com os Paramore.

 

Os meus planos a curto, médio prazo para este blogue ainda estão um bocadinho incertos. Estou a pensar escrever uma entrada de Músicas Ao Calhas, um texto mais rápido e curto que estes últimos dois e, possivelmente, os textos seguintes.

 

É aí que as coisas estão um pouco indefinidas. Já revelei antes que quero escrever sobre Hybrid Theory e Meteora dos Linkin Park em breve. Queria no entanto que o primeiro saísse no dia em que completa vinte anos, ou seja lá para 24 de outubro. Provavelmente começo já a escrever sobre ele em agosto. Sei que o texto vai demorar e, como em setembro e outubro devo estar ocupada com o meu outro blogue (porque, se tudo correr bem, a Seleção irá regressar, fazendo de mim uma mulher feliz), mais vale deixar o trabalho adiantado.

 

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Pelo meio, gostava de escrever sobre o filme Digimon Adventure: Last Evolution Kizuna, quando conseguir vê-lo. Tecnicamente já dá para sacar na Internet, mas é uma versão de fraca qualidade, não me atrai. Talvez se surgir uma versão melhor entretanto… mas mesmo assim não sei. Supostamente o filme sairá nos cinemas portugueses a 12 de novembro – se isso se cumprir, eu quero ir ver, mesmo que já tenha visto o filme antes. E talvez espere por essa data para escrever e publicar a análise.

 

É assim que tenho sobrevivido a isto tudo: escrevendo, lendo, vendo Digimon (os episódios da nova versão de Adventure ao domingo e, quando esta esteve em pausa porque Covid, vi Frontier pela primeira vez), jogando Isle of Armor, a expansão de Pokémon Sword&Shield, recordando antigos jogos da Seleção Nacional, sobretudo no Euro 2016. Sempre foi mais ou menos assim, agora ainda mais. Como sempre, obrigada por lerem e por me aturarem. Até à próxima!

Hayley Williams – Petals For Armor (2020) #2

Segunda parte da análise a Petals For Armor. Podem ler a primeira parte aqui

 

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Hayley referiu que a divisão de Petals For Armor por partes se inspira também no ciclo de vida da borboleta: lagarta, casulo, borboleta. Uma vez mais, está longe de ser uma metáfora super original. Borboletas até têm sido um elemento recorrente no cânone dos Paramore (Brick by Boring Brick, a capa de Brand New Eyes, Part II, Still Into You…). Petals for Armor explora a sua simbologia mais comum: metamorfose. A trilogia de vídeos Simmer/Leave it Alone/Cinnamon parece inspirar-se nesse conceito. 

 

Falo sobre isto nesta fase da análise porquê? Porque a segunda parte de Petals For Armor corresponde à fase do casulo, a fase mais importante segundo Hayley – porque é quando ocorre a maior transformação. 

 

E de facto, tirando My Friend, todas as músicas da segunda parte de Petals For Armor representam transformação, mudança, de uma forma ou de outra. Dead Horse e Why We Ever ilustram etapas fulcrais na recuperação psicológica de Hayley, como veremos adiante. Por sua vez, Over Yet é uma canção motivacional, apelando à mudança. Por fim, um dos temas de Roses/Violet/Lotus/Iris é crescer e desabrochar. 

 

Falemos então sobre Dead Horse. Hayley foi dando pistas sobre esta música durante semanas, dizendo que estava com medo de lançá-la. Em parte por ser uma música mais pop, por ter medo que se tornasse a sua Hollaback Girl. Em parte porque traz partes negras do seu passado para a luz, é mesquinha tanto para o seu ex-marido como para si mesma. É a primeira da segunda parte da tracklist, mas foi a última a ser lançada. 

 

O instrumental de Dead Horse foi composto por Daniel James. Esta foi uma das poucas canções em Petals For Armor em que Hayley não participou na criação do instrumental – como costumava acontecer com os Paramore, o instrumental foi-lhe “dado”, ela “só” teve de compôr a letra e a melodia. 

 

A faixa, aliás, começa com uma mensagem de voz de Hayley para Daniel, quando lhe enviou os rascunhos em áudio – que foram partilhados no Instagram da jovem. Aparentemente atrasou-se no envio porque esteve deprimida. Fora desse contexto, no entanto, não é difícil ouvir a canção e imaginar que é um pedido de desculpas ao ex pelo que vai ouvir já de seguida.

 

 

Dead Horse tem uma sonoridade algo tropical, com notas de xilofone e batidas dançantes. Faz lembrar o estilo de After Laughter, embora se note que não foi Taylor a compôr este instrumental. Durante os trabalhos desse álbum, Hayley refilava por Taylor só lhe enviar música alegre quando ela se sentia na fossa. No entanto, nestas entrevistas Hayley admitiu que dançar enquanto cantava sobre temas difíceis a ajudava, tinha efeito terapêutico. O mesmo acontece com Dead Horse. 

 

Para falarmos da primeira estância, precisamos de falar sobre o elemento que falta: água. Hayley referiu em entrevista que este sempre foi um tema recorrente nos seus sonhos e pesadelos, daí ter composto algumas canções à volta do tema. Há uma referência breve em Proof, mas o maior exemplo é Pool. 

 

Esta é uma canção de After Laughter, mas Hayley, começou a trazê-la à baila em diversas entrevistas  – de forma algo inesperada na altura mas, depois de ouvirmos Dead Horse, fez sentido. Hayley revelou que Taylor compôs o – fantástico – instrumental, mas esta só conseguiu criar letras e melodias um ano depois. 

 

A jovem queria por força criar uma canção de amor, algo que provasse que o que ela e o ex-marido tinham era verdadeiro, que o casamento fora uma boa ideia. Aquilo que saiu foi uma música em que ela compara a relação a uma onda indomável, um mar agitado em que ela se está a afogar, mas em que ela insiste em mergulhar, à espera de um resultado diferente. E vocês sabem o que se diz de pessoas que fazem o mesmo outra e outra vez, à espera de resultados diferentes…

 

Para ser sincera, Pool é ainda uma das minhas preferidas em After Laughter e, antes disto, nunca me parecera assim tão sombria. A minha interpretação da água é diferente da de Hayley. A água é o meu elemento, representa liberdade, mistério, misticismo. Para mim o subaquático, mar agitado q.b., uma onda indomável, representam excitação, não perigo ou sofrimento. 

 

Mas, lá está, é a minha opinião, compreendo que nem todos vejam assim. 

 

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A primeira estância de Dead Horse é, assim, toda ela uma referência a Pool. A relação é de novo comparada a um afogamento, mas numa luz muito menos positiva. Da primeira vez que ouvi a música, os versos “Held my breath for a decade, dyed my hair blue to match my lips” deixaram-me de olhos arregalados durante o resto da faixa. Credo, Hayley… 

 

Quem não perceber, que vá ao Google e pesquise cianose.

 

A expressão “beat it like a dead horse” refere-se a insistir em algo que já não vai a lado nenhum. Como um casamento. A expressão “I sang along to a silly little song”  e suas variantes podem aludir a várias faixas antigas de Hayley. Toda a gente concorda que se refere às várias canções de amor que a jovem dedicou ao ex-marido – The Only Exception, Proof, Still Into You… – mas a mim também me recorda Stop This Song (Lovesick Melody), em que uma atração romântica e comparada a uma canção irresistível. 

 

Na segunda estância, então, sai a verdade feia: “I was the other woman first”. Hayley começou a andar com o ex quando este ainda estava casado com a primeira mulher, Sherri DuPree. 

 

Para ser sincera, ponho muito menos culpas em Hayley do que no ex. As facetas mais misóginas da nossa sociedade gostam de falar na “outra”, na mulher provocante que seduz um homem para o pecado mas, por amor de Deus, Hayley era uma miúda! Legalmente já era adulta, tinha dezoito ou dezanove anos, mas na prática gente dessa idade ainda mal deixou a adolescência.

 

Por sua vez, o ex já tinha vinte e seis anos, era um homem feito, casado, experiente – enquanto que, para Hayley, conforme referido acima, aquela seria provavelmente a primeira ou quando muito a segunda relação a sério. Acham mesmo que a iniciativa partiu dela?

 

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Hayley assume que estava numa posição vulnerável na altura em que começou a andar com o, agora, ex-marido. Ela e Josh tinham terminado a relação há pouco tempo e os Paramore enquanto banda estavam em guerra. Hayley sentia-se sozinha, provavelmente com a auto-estima em baixo, quando um músico como ela, mais velho, começou a mostrar interesse por ela, ela foi na cantiga.

 

Não quero com isto dizer que Hayley está isenta de culpas. Ela podia ser ainda nova, mas já tinha idade suficiente para saber o que estava a fazer, ao envolver-se com um homem casado. Não é a primeira a cometer este erro, não será a última. Eu mesma não posso garantir a cem por cento que dessa água não beberei – às vezes a paixão e o desejo falam demasiado alto. Mas não deixa de ser um erro, algo que magos profundamente as partes envolvidas. 

 

Hayley tem dado a entender que esteve muito tempo em negação, enterrando bem a fundo essa vergonha ("Held my breath for a decade"): o facto de ter roubado o marido a outra mulher. Tentou racionalizar a coisa, justificar o que fizera a Sherri, dizendo a si mesma e a toda a gente que o ex era o amor da vida dela, a sua… a sua única exceção. 

 

Mesmo quando a coisa começou a descambar, mesmo quando ele começou a trair Hayley (ainda há pouco tempo vimos que, regra geral, se ele ou ela traiu alguém contigo, mais cedo ou mais tarde vai trair-te também), ela insistiu, manteve o noivado, manteve o casamento. Hayley queria, ao mesmo tempo, imitar o casamento vitalício dos seus avós e queria evitar aqueles que, aos seus olhos, tinham sido os erros dos pais. Ao contrário deles, ela conseguiria manter um casamento, em vez desistir à primeira dificuldade. 

 

Ai Hayley, Hayley… 

 

O estado em que ela ficou nestes últimos anos não surpreende tendo em conta os sonhos de que teve de acordar, aquilo que teve de admitir a si mesma e ao mundo inteiro. Pode ter sido essa a batata quente a que After Laughter parece aludir, o piano que caiu em cima dela, conforme referiu no texto que escreveu há dois anos. Não admira que, hoje em dia, Hayley não queira nem ouvir falar de Misery Business (e aqui entre nós, quando descobri que a rapariga a quem a música chama p*ta tinha treze ou catorze anos nos eventos que inspiraram a letra… yep, cancelem Misery Business). 

 

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Sim, as botas que Hayley enche de cimento no videoclipe são as mesmas que usou no casório. Ela mesma o confirmou.

 

Há que dar crédito à Hayley – não é toda a gente que admite erros deste calibre assim, preto no branco. Faz parte da filosofia Petals For Armor: mostrar as partes feias. Deitar cá para fora a raiva, a vergonha, a mesquinhez para, depois, seguir em frente. 

 

Felizmente, consta que Hayley a certa altura entrou em contacto com Sherri e pediu-lhe desculpa. Continuo a achar que o maior culpado é o ex – que ainda por cima já arranjou uma terceira noiva, uma mulher ainda mais nova que Hayley. 

 

Em todo o caso, Dead Horse termina com "And now you get another song". Que seja a última. 

 

Não há muito a dizer sobre My Friend. Musicalmente, está dentro do estilo da maior parte do álbum: notas de guitarra, baixo e bateria leve nas estâncias, teclados no refrão. A letra é uma homenagem a Brian, melhor amigo de Hayley, seu esteticista e co-fundador de Good Dye Young. Conforme Hayley referiu quando lançou a música, eles conhecem-se desde o fim da adolescência, acompanharam-se um ao outro durante muitos altos e baixos (ambos se divorciaram no mesmo ano), são unha e carne. 

 

My Friend está longe de ser um grande destaque em Petals For Armor, mas não deixa de ser uma música bonita. É a World’s On Fire deste álbum – a música que homenageia as pessoas que ajudaram na recuperação emocional descrita em Petals For Armor. 

 

Over Yet é algo diferente da generalidade das músicas em Petals for Armor. É conduzida pelo baio, como várias outras, mas tem um ritmo mais rápido, uma sonoridade algo new wave, à anos 80 e 90 – não muito diferente de algumas faixas de After Laughter. É uma música estival – não admira, tendo em conta que Hayley a compôs, juntamente com Joey e Stephanie Marziano durante uma curta escapadinha de verão – muito gira, com uma mensagem de otimismo e motivação…

 

 

...que não tem nada a ver com o que tem vindo de Hayley nos últimos anos.

 

Lembro-me de ter estranhado logo no dia em que saiu. A letra parece ter sido escrita do ponto de vista do Rose Colored Boy, com o tom otimista irritante de que Hayley se queixava em After Laughter. Diz essencialmente “what doesn’t kill you makes you stronger”

 

Cheguei a perguntar-me se Hayley tinha sido raptada e Over Yet era a maneira que arranjara de pedir ajuda. 

 

Hayley revelaria mais tarde que, de facto, estranhara a letra otimista que lhe estava a sair da caneta. Para terminá-la teve de se imaginar na pele (pele é como quem diz…) de uma instrutora de aeróbica num universo distópico futurista que, a meio da canção, perde a pele revelando ser um robô (podia ser uma personagem de Sonic Underground). De uma maneira paradoxal, para escrever esta letra luminosa, Hayley teve de aceder a uma parte bastante sombria de si mesma.

 

Eu confesso que, de início, não adorei a letra. Em parte por causa do timing: saiu no início de abril, em pleno estado de emergência. It’s the right time to come alive? Qual quê! Aquela ela a altura perfeita para não nos levantarmos da cama – para quê, se nem sequer podíamos sair de casa? Mesmo quando Hayley publicou um vídeo de aeróbica (com o cabelo pintando de laranja. Não me parece que tenha sido coincidência), não me entusiasmei – para ser justa, apanhou-me num mau dia.

 

No dia seguinte, no entanto, lá experimentei fazer os exercícios do vídeo. Durante todo o mês de abril e parte do mês de maio fiz este vídeo quase todos os dias, para compensar pela falta de natação e de longos passeios a pé.

 

 

Este sim é o tipo de exercício, de dança, que está dentro das minhas capacidades. Não digo que fizesse todos os passos na perfeição, mas ao menos mexia-me. De início fazia os exercícios de calças de ganga porque nem sequer tinha calas de fato de treino – como nunca fui de ir ao ginásio, nunca tinham feito falta. Além disso, nunca gostei de leggings e, parva como sou, não me lembrei de calças de pijama. Eventualmente comprei um par online.

 

O vídeo de Over Yet tornou-se, assim, parte da minha rotina durante o estado de emergência. Infelizmente, quando retomei o horário normal do trabalho, deixei de ter tempo – e, sejamos sinceros, energia – para fazer o vídeo. Eu na verdade devia retomar esse hábito… mas está demasiado calor. Em todo o caso, fez com que me afeiçoasse à música. 

 

Como referido acima, Hayley alega que a mensagem de Over Yet não é completamente honesta, insinuando mesmo que é uma paródia. O que é estranho, tendo em conta o conceito deste álbum. 

 

Além disso, a letra não me parece tão pouco genuína quanto isso. Pode aproximar-se perigosamente do cliché, mas incorpora o estilo de escrita de Hayley, dando-lhe um carácter próprio. Frases como “make it a friend”, “get out of your head” (um conceito familiar em saúde mental) e, sobretudo “for every darkened part of me, there’s a light I can see, both belong, both are me”). 

 

Não é a primeira vez que refiro aqui, aliás, que Hayley tem dentro de si partes cínicas e partes sonhadoras e isso nota-se na música dela. Ela pode racionalizar como quiser mas a letra de Over Yet veio de algum lado.

 

E não há mal nenhum nisso. Às vezes precisamos mesmo de uma música motivadora, mesmo que não muito original, para nos dar energia. Ou, pelo menos, para fazermos aeróbica em confinamento. 

 

 

Num álbum chamado Petals For Armor, era de esperar pelo menos uma canção sobre flores. Essa é Roses/Violet/Lotus/Iris. De início não achei grande piada ao título comprido – não teria sido melhor chamar-lhe Flowers ou Garden? Mas acabei por me habituar – sobretudo depois de decorarmos a letra do refrão. 

 

Musicalmente temos de novo a prevalência do baixo, mas também temos guitarra acústica e violinos delicados. A mim soa-me um pouco a música de fundo, à banda sonora de um documentário sobre a Primavera – o que até condiz com a letra. Confesso que precisei de algum tempo para tomar-lhe o gosto. A faixa conta com a participação das cantoras Julien Baker, Phoebe Bridger e Lucy Dacus, que formam o grupo boygenius. 

 

Roses/Violet/Lotus/Iris usa flores como metáfora para feminilidade e resiliência, força e vulnerabilidade em simultâneo. Uma analogia que, a própria Hayley admite, é tão velha como o tempo. Flores representam a jornada emocional de Hayley, de “mulher murcha”, abrindo caminho através da terra até desabrochar à superfície. Flores crescem a ritmos diferentes, sem se prejudicarem umas às outras, por vezes com a ajuda uma das outras.

 

O lótus em particular, referido no refrão, cresce em lama ou em águas estagnadas. Daí que, em várias culturas, simbolize beleza interior, pureza, renascimento, visto ser capaz de se alhear do ambiente feio e hostil onde nasce e desabrochar à superfície com grande beleza. 

 

Flores silvestres em geral, que adoro ver nos campos, sobretudo durante a primavera, nascem onde querem, quando querem, segundo as suas próprias regras. A papoila vermelha, a minha flor preferida, livre para crescer num campo qualquer. 

 

Roses/Violet/Lotus/Iris possui, assim, uma mensagem feminista sobre resiliência, rebeldia e solidariedade feminina. Um dos temas recorrentes nas entrevistas disse respeito à misoginia que teve de enfrentar ao longo de toda a sua carreira. 

 

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Ao mesmo tempo, nem sempre terá tido as melhores relações com outras mulheres. Veja-se a misoginia internalizada de Misery Business e também a história contada em Dead Horse. Uma das coisas que Hayley aprendeu nos últimos anos foi, então, a abraçar a sua própria feminilidade e a cultivar amizades com outras mulheres. Roses/Violet/Roses/Iris é uma homenagem a isso.

 

Segundo Hayley, Why We Ever reflete um ponto de viragem na sua vida. Conforme Sudden Desire dera a entender, Hayley entrara noutra relação após o seu divórcio. Até estaria a correr bem mas, segundo o que consigo deduzir das declarações de Hayley, o seu medo de ser magoada de novo levou a que sabotasse a relação – magoando o parceiro, ironicamente.

 

Uma coisa é Hayley sofrer por causa do seu passado, pelos múltiplos divórcios dos pais, pela falta de estabilidade na infância, pela relação tóxica que durou uma década. Outra coisa é quando outras pessoas, entes queridos de Hayley, saem magoados. 

 

Terá sido nesta altura que Hayley percebeu que os seus traumas, o seu medo de abandono, afetavam todas as suas relações, nem sequer apenas as românticas (eu pergunto-me mesmo se terão contribuído, pelo menos em parte, para os múltiplos conflitos nos Paramore). Atraía pessoas tóxicas e alienava pessoas boas. Estava na altura de mudar isso, de Hayley tomar responsabilidade pela sua própria saúde mental, identificar os seus maus hábitos e tentar mudá-los, aprender a amar melhor. 

 

Isto é tudo muito bonito (não estou a ser irónica), mas se ouvíssemos a música por si só, sem contexto, não chegávamos ao significado oficial. Why We Ever parece apenas sobre uma relação falhada, sobre saudades e arrependimento, em que a narradora quer uma oportunidade para pedir desculpa e consertar as coisas. Tudo muito vago – o que é uma pena. Se Why We Ever refletisse a história por detrás dela como deve ser, teria uma letra muito diferente. 

 

 

Musicalmente, Why We Ever é conduzida pelo teclado, a que mais tarde se junta o baixo, a bateria e notas de guitarra. Terá sido a primeira música que Hayley gravou sozinha em sua casa, usando o ProTools e equipamento que comprou em finais de 2018 – embora a primeira tentativa não tenha saído grande coisa. Dá para ver vídeos dessa experiência no seu Instagram

 

A mim recorda-me o cover de Nineteen, de Tegan e Sara, que Hayley gravou em 2017. Esta é uma versão minimalista, apenas com sintetizadores e voz. Tem um tom mais intimista e vulnerável que a versão original, parecido ao de Why We Ever.


Em retrospetiva, não admira que Hayley tenha gravado este cover naquela altura. A jovem teria, de facto, dezanove anos no início da relação com o, agora, ex-marido. E este cover saiu poucos meses após o anúncio do divórcio. Pergunto-me a quem se dirige o verso que Hayley acrescentou, “Could you blame me?”. Ao ex, a Sherri ou a si mesma?

 

E com isto chegámos ao fim da segunda parte de Petals For Armor, ou seja, ficamos por aqui hoje. Regressem amanhã para a terceira parte. 

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Hayley Williams, mais conhecida como vocalista dos Paramore, lançou no passado dia 8 de maio o seu primeiro álbum a solo, intitulado Petals For Armor.

 

Este álbum foi lançado três anos quase certinhos depois do último álbum dos Paramore, After Laughter. Como vimos na altura, este álbum fala sobre o que acontece quando a batata quente explode nas nossas mãos – aspetos da vida de quem lida com problemas de saúde mental ou que, pura e simplesmente, passa por… bem, tempos difíceis (desculpem-me, eu sei que é a terceira vez, não torno a repetir). 

 

Por incrível que pareça agora em retrospetiva, durante os trabalhos de After Laughter e mesmo durante quase todo o ciclo do álbum, Hayley nunca admitiu preto no branco, nem sequer a si mesma, que sofria de depressão. Deixava pistas numa entrevista ou outra, mas hesitava em chamar-lhe pelo nome – em parte para evitar títulos clickbait, em parte porque ainda não fora diagnosticada oficialmente. 

 

Hoje a jovem admite que estava em negação, a reprimir questões, emoções (sobretudo raiva) com que mais tarde teria de lidar. As letras de After Laughter foram apenas dos primeiros sinais.

 

Aliás, antes do lançamento de Petals For Armor, estive a ouvir todos os álbuns dos Paramore, em jeito de preparação. Reparei que After Laughter fala, de facto, de dor, de tristeza, mas não sobre as causas de tais emoções – tirando músicas como Forgiveness (que mesmo assim é muito vaga, falando apenas de ter sido magoada e não conseguir perdoar) e Tell Me How. 

 

Sabendo o que sabemos agora, dá para ver que After Laughter – ou seja, Hayley – não estava a contar a história toda. Foi apenas o começo.

 

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Praticamente toda a era After Laughter foi difícil para Hayley. Esta anunciou o divórcio de Chad Gilbert depois de apenas um ano de casamento poucas semanas após o lançamento do álbum. A certa altura, Hayley deixou de comer, começou a beber em excesso como auto-medicação para a sua depressão (e eu acho que também terá tido o seu quê de rebeldia à adolescente, pois o ex-marido é “straight edge”, não bebe álcool), deixou mesmo de ter ciclo menstrual.

 

Uma coisa boa dessa fase má foi que os seus amigos – membros oficiais da banda, membros acompanhantes, equipa técnica (é esse o termo?) em torno da banda – se uniu protetoramente em torno de Hayley, tomou conta dela. 

 

Eventualmente a saúde mental de Hayley melhorou um pouco. De qualquer forma, só quando o ciclo de After Laughter terminou é que a jovem começou a lidar a sério com os problemas que adiara durante meses, mesmo anos. Foi nessa altura que Hayley foi finalmente diagnosticada com depressão e stress pós-traumático, chegando mesmo a ser internada durante um breve período. 

 

Durante os tratamentos psicológicos, Hayley foi encorajada a compôr música para fins terapêuticos, apesar de os Paramore estarem em pausa por decisão conjunta. De início, Hayley queria pura e simplesmente lançar as músicas no Spotify sob um pseudónimo (duvido que resultasse, a voz dela é demasiado reconhecível), mas isso não faria justiça ao material. Daí Petals For Armor.

 

As primeiras músicas deste projeto foram lançadas no início d-e 2020 (parece que foi há anos). Na altura, analisei as primeiras duas, Simmer e Leave it Alone. Numa boa parte desse texto escrevi longamente sobre os anos anteriores a Petals For Armos em jeito de contexto. 

 

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Desde que publiquei essa análise, no entanto, Hayley deu muitas – mesmo muitas – entrevistas sobre os últimos anos, fornecendo muitos mais pormenores. Em vez de estar a reescrever a introdução da análise com base nessas entrevistas, só mencionarei essas informações quando estas forem relevantes para a análise das músicas. 

 

Até foi bom, por um lado, ter escrito esse texto antes dessas entrevistas todas. Permitiu-me o exercício de fazer as minhas próprias interpretações, com apenas o artigo no L’odet e pouco mais em que me basear e, mais tarde, ver onde tinha acertado ou não. 

 

Na verdade, Hayley lançou mais três músicas – Cinnamon, Creepin’ e Sudden Desire – poucos dias após eu publicar a minha análise. Anunciou também que o álbum sairia em três tranches (podia ter avisado logo que saiu Simmer, eu teria esperado pela primeira parte toda antes de escrever). A ideia era lançar a primeira parte no inverno (e assim aconteceu), a segunda no início da primavera, a terceira no dia 8 de maio (dia do lançamento oficial do álbum), perto do verão.

 

No entanto, o Coronavirus mexeu com esses planos – como mexeu com os planos de toda a gente para este ano. Numa altura em que ficou toda a gente em confinamento, Hayley decidiu lançar as músicas da segunda parte de Petals For Armor individualmente, mais ou menos uma por semana. A terceira parte, por sua vez, saiu toda no dia 8, à mesma.

 

Acabou por ser melhor assim. As músicas que iam saindo foram um bom consolo, um bom entretenimento durante o estado de emergência, uma altura em que praticamente não acontecia nada que não fosse Covid. Esperei pelo lançamento do álbum antes de escrever sobre as músicas, dando tempo a mim mesma para ir apreciando a espera.

 

Por outro lado, todas as entrevistas, todas as informações que Hayley forneceu sobre as quinze faixas deste álbum deram-me imensa matéria-prima para esta análise. Daí eu ter demorado tanto a escrevê-la, daí esta ter chegado às dez mil palavras. Assim, resolvi dividi-la em três partes – tal como Hayley fez com este álbum. Esta é a primeira parte, as outras duas saem amanhã e depois.

 

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Esta maneira de lançar o álbum fez-me lembrar o que aconteceu com Post Traumatic, de Mike Shinoda. Mike também começou por lançar três músicas no início de 2018, perto do fim de janeiro. Ao longo dos meses seguintes foi lançando outras, concluindo com o álbum completo em junho. O objetivo era criar uma ilusão de tempo real com o lançamento das canções. A própria tracklist segue uma ordem mais ou menos cronológica. 

 

O mesmo aconteceu com Petals for Armor. Também aqui as faixas estão organizadas por ordem cronológica. Hayley procurou lançá-las mais ou menos na mesma altura em que as compusera, no ano passado. As partes, aliás, correspondem todas a uma estação do ano. A primeira ao inverno (daí, como vimos acima, as músicas terem saído em finais de janeiro, princípios de fevereiro), a segunda à primavera, a terceira ao verão. 

 

O pior foi que 2020 não está a ser de todo o melhor ano para esse modelo. A primavera devia ser uma altura de maior leveza, mais luz, de esperança após os rigores do inverno. Só que, este ano, coincidiu com a chegada do Coronavírus a Portugal. Naquela que costuma ser a minha altura preferida do ano, com mais vontade de sair de casa – dias mais compridos, tempo mais quente, flores silvestres em todo o lado – tivemos de ficar em confinamento. 

 

Mais sobre isso adiante. 

 

Uma coincidência engraçada é o facto de os vocalistas das minhas três bandas preferidas da atualidade lançaram álbuns a solo como forma de lidar com momentos difíceis das suas vidas. Sharon den Adel, vocalista dos Within Temptation, criou My Indigo quando o pai adoeceu (acabando por falecer). Mike Shinoda criou Post Traumatic enquanto se tentava adaptar à vida sem o seu melhor amigo e co-vocalista dos Linkin Park, Chester Bennington (e tenho vindo a descobrir que várias das canções desse álbum se aplicam à pandemia, nomeadamente Nothing Makes Sense, Promises I Can’t Keep e World’s On Fire). E agora Hayley criou Petals For Armor após anos em depressão. Os três sentiram necessidade de se separarem das respectivas bandas para estes projetos em específico. 

 

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Os motivos são diferentes em cada um dos casos, contudo. My Indigo tem uma sonoridade bastante diferente da discografia de Within Temptation, tirando um elemento ou outro. Post Traumatic não está muito muito longe do território dos Linkin Park mas, para além de ser muito mais pessoal que o costume com a música da banda, foi criado no primeiro ano após a morte de Chester – demasiado cedo para os Linkin Park voltarem ao ativo. 

 

Os motivos de Hayley para lançar um álbum a solo são um híbrido dos dois acima. Se por um lado as letras dos Paramore foram sempre escritas por Hayley, segundo o seu ponto de vista, em termos musicais existe em Petals For Armor uma certa simplicidade e experimentalismo que talvez não ficasse bem na discografia da banda. Para começar, a maior parte dos vocais são baixos – algo que já tinha acontecido nos momentos mais vulneráveis de After Laughter. Hayley admitiu que não aquecia a voz antes das gravações e isso nota-se em vários dos agudos – Hayley soa mais rouca que o habitual.

 

Em termos de instrumentais, tirando um caso ou outro, estas músicas também não ficariam bem num álbum dos Paramore. A maior parte das faixas de Petals For Armor tem carácter próprio, distinto umas das outras, mas existem instrumentos comuns à quase todas. Nomeadamente a prevalência do baixo – já que muitas das músicas foram co-compostas por Joey Howard, baixista acompanhante. Havemos de ver com maior detalhe adiante. 

 

Além de que alguns dos temas abordados em Petals For Armor, como sexualidade e feminilidade, talvez não se encaixassem muito bem na discografia de uma banda com dois homens. 

 

Por outro lado, apesar de isto ser tecnicamente um projeto a solo de Hayley, os seus companheiros de banda não ficaram de fora. Taylor co-compôs várias faixas – apesar de Hayley ter contribuído mais do que antes para o instrumental – e produziu o álbum todo. Zac contribuiu menos mas sempre tocou bateria nalgumas faixas e realizou o vídeo de Dead Horse. 

 

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No outro dia dei com um meme que troçava das pessoas que acham que os Paramore são só Hayley. Eu ri-me em duplicado porque nem sequer Hayley a solo é apenas Hayley. Por outro lado, li algumas críticas a Petals For Armor dizendo coisas como “Hayley Williams liberta-se das restrições dos seus companheiros de banda” – só prova que o autor não fez o trabalho de casa. Como reza esta entrevista, Hayley está a solo, mas nunca sozinha.

 

Petals For Armor, na verdade, é um álbum de estreias, não apenas para Hayley. É o primeiro álbum a solo dela, é o primeiro em que é creditada na instrumentação, mas também é o primeiro álbum produzido a solo por Taylor. É também o primeiro em que Joey Howard compôs. E essa simplicidade e relativa ingenuidade dá carácter a Petals For Armor.

 

Como vimos acima, este álbum está dividido em três partes e um dos temas dessa divisão são estações. Hayley também afirmou que a divisão também se relaciona com elementos: a primeira parte representa o fogo, a segunda representa a terra, a terceira representa a água.

 

Com a primeira parte concordo, e explicá-lo-ei adiante. Com as outras não. A meu ver, a água e sobretudo a terra aparecem um pouco por todo o álbum, não se limitam apenas à segunda e terceiras partes.

 

O segundo, aliás, relaciona-se com os principais temas de Petals For Armor. Flores que emergem da semente, abrem caminho através da terra para florescerem à superfície. A definição de feminilidade segundo Hayley: mãos na terra, coisas ao mesmo tempo nojentas e belas, como menstruar e dar à luz.

 

Não é uma metáfora propriamente original, a própria Hayley admite-o. A figura da Mãe Terra, Mãe Natureza está presente em muitas culturas. 

 

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Na minha opinião, a imagem das mãos na terra também significa contacto com o próprio corpo. Na cultura judaico-cristã tenta-se fazer uma separação entre o corpo e a mente, mas estarão assim tão desligados um do outro? Afinal de contas, vários problemas de saúde mental, como depressão, estão ou podem estar relacionados com desequilíbrios químicos e/ou hormonais. 

 

Uma das lições, aliás, que Hayley aprendeu, conforme explica nesta entrevista, nestes últimos anos foi que os nossos corpos não mentem. A entrevistadora deu um exemplo de um amigo que percebeu que já não estava apaixonado pelo seu parceiro quando deixou de gostar do cheiro dele. 

 

O que, a mim, me recordam os primeiros meses com a minha Jane, por estranha que seja a comparação. Quem tenha lido este texto saberá que não foi um vínculo instantâneo, que as primeiras semanas não foram fáceis. No entanto, lembro-me que, na altura em que comecei a afeiçoar-me a ela, comecei a gostar do cheiro da cabeça dela, da textura do seu pêlo.

 

Por outro lado, Hayley revelou sofrer de dores de estômago constantes durante imenso tempo. Há uns anos referiu em entrevista ter surtos de acne durante as piores crises dos Paramore. E, como já referimos antes, a perda do seu ciclo menstrual por causa do stress do casamento.

 

Existem várias referências a contacto com o corpo em Petals For Armor. Em Simmer, Hayley fala sobre sentir o rubor da raiva no rosto. Em Cinnamon fala sobre tomar o pequeno-almoço nua. Em My Friend, o amigo em questão (Brian, o esteticista de Hayley e co-fundador da Good Dye Young) viu-a “de todos os lados”. Em Roses/Violet/Lotus/Iris promete não comparar o seu corpo, a sua beleza, com os dos demais (sobretudo os das demais). 

 

Também aborda o lado sexual do contacto com o próprio corpo: veja-se Sudden Desire e a cena da banheira e das ostras no videoclipe de Cinnamon.

 

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Por fim, não é por acaso que Watch Me While I Bloom, o mais parecido com uma canção de vitória em Petals For Armor, abre com "How lucky I feel to be in my body again". 

 

Mas falemos então sobre a primeira parte do álbum. Durante algum tempo não tive a certeza sobre qual das músicas abriria o álbum: Simmer ou Leave it Alone. Acabou por ser Simmer, o que faz sentido: pela introdução com o som de perigo, os fôlegos simbolizando alívio de tensão, a poderosa primeira frase: "Rage is a quiet thing".

 

Como referido antes, escrevi sobre Simmer na altura em que saiu. Fico feliz por ter acertado nas minhas interpretações no que toca à raiva no feminino. E, de certa forma, na parte de a segunda estância ser difícil para Hayley. Esta revelou em entrevistas que quando tentou gravar estes versos pela primeira vez teve de interromper a meio. 

 

Simmer de resto adequa-se ao ano em que saiu, sobretudo pelos protestos do #BlackLivesMatter. Não tenham dúvidas, estes resultam de raiva que borbulhou durante anos, mesmo décadas, até finalmente servir de combustível a estas manifestações. E já teve o efeito de, entre outras coisas, pôr a sociedade portuguesa a falar sobre racismo como nunca falara antes. Não é suficiente, mas é um começo. 

 

 

Continuo a gostar imenso de Simmer, acho que é uma das melhores em Petals For Armor. Quando uma pessoa pensar em raiva, o mais certo é pensar em algo exuberante, barulhento, agressivo. No entanto, por vezes uma raiva explosiva, que se pode confrontar diretamente, assusta menos que uma raiva controlada, que borbulha sob a superfície – porque pode entrar em erupção a qualquer momento. Simmer representa bem essa ideia, com a instrumentação relativamente minimalista e os vocais contidos, magnéticos, de Hayley.

 

Além disso, esta música ensinou-me uma maneira de lidar com a raiva e seus derivados (irritação, impaciência): respirar fundo e sussurrar para mim mesma “simmer simmer simmer simmer simmer… Simmer simmer simmer simmer simmer”, como no vídeo de interlúdio. Tendo em conta o número de covidiotas com que tive de lidar ao longo dos últimos meses, o truque veio em boa altura.

 

Em relação a Leave it Alone, as minhas opiniões não mudaram. Depois de ter de ouvi-la em loop para escrever sobre ela, durante muito tempo não quis ouvi-la pelos motivos que expliquei nessa análise. Em minha defesa, a própria Hayley admite que nem sempre lhe é fácil ouvir Leave it Alone – é uma música pesada em termos de emoções.

 

No entanto, ouvindo-a no contexto do álbum não deprime tanto. 

 

Nesse sentido, o lançamento de Cinnamon, poucos dias depois de concluir a minha análise, veio mesmo a calhar: o sabor doce e amadeirado da canela para contrabalançar com a amargura deixada na língua por Leave it Alone. 

 

Cinnamon é uma das minhas preferidas em Petals For Armor, deliciosamente esquisita – com uma letra que fala de coisas deliciosamente esquisitas e um videoclipe deliciosamente esquisito. Esta crítica descreveu-o de forma soberba: é como se tivesse sido composta do ponto de vista da velhota com cinco gatos (embora Hayley pareça gostar mais de cães). 

 

 

Segundo Hayley, Cinnamon começou com ela brincando na bateria de Taylor. A jovem, aliás, toca vários instrumentos nesta: guitarra, teclados, parte da bateria. É este último instrumento que, de resto, conduz a música: os outros pura e simplesmente vão-se juntando.

 

É um exemplo da simplicidade e ingenuidade que referimos acima, de que Hayley falara na nota de apresentação de Petals For Armor.

 

Em termos de letra, Cinnamon é uma ode à casa de Hayley. A mesma que estava infestada de morcegos, tal como amplamente comentei na análise a Simmer e Leave it Alone. Fiquei aliviada por saber que Hayley pagou a uma empresa para se livrar dos morcegos (dez mil dólares, o que não é nada barato mas, meu Deus… morcegos numa casa!). Eventualmente Hayley começou a decorá-la a seu gosto a pouco e pouco, e a casa tornou-se o seu refúgio.

 

Não admira que Hayley esteja tão apegada à sua casa, tendo em conta que, em criança, nunca teve uma morada fixa. Pais divorciados quando ela era muito pequena. Anos mais tarde ela e a mãe tiveram de fugir do companheiro desta: mudaram-se do Mississipi para Franklin, viveram em hotéis, numa caravana, em casas de amigos, num apartamento com móveis doados. 

 

Entretanto, Hayley juntou-se aos Paramore, passou os últimos anos da sua adolescência em digressão. Mesmo quando arranjara as suas próprias casas, era já tendo em consideração o, agora, ex-marido. 

 

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Esta é a primeira casa que é verdadeiramente sua. Onde é livre para exprimir o seu lado feminino, o seu lado estranho, para acender as luzes todas, para andar nua. Um pouco como Party For One, de Carly Rae Jepsen – Cinnamon é também um hino de introvertidos.

 

A letra de Cinnamon faz também referência a Alf, o cão de Hayley, que também faz vezes de psicólogo. Queria tirar uns parágrafos para falar da coisinha peluda de Hayley. No momento mais doloroso da primeira entrevista com Zane Lowe, a jovem revelou que o motivo pelo qual ela não sucumbiu à depressão foi porque sabia que Alf ficaria à espera que ela regressasse a casa. 

 

Não vou dizer que não compreendo. Quem tem cão – ou mesmo quem conheça a história do Hachiko – compreende. Pode parecer algo frio falar de um animal antes de falar dos seus pais, dos seus avós, de Taylor, Brian, Zac, etc, mas acho que consigo perceber o raciocínio toldado pela depressão de Hayley. Os seus entes queridos humanos conseguiriam compreender o que acontecera, racionalizar, seguir em frente.

 

O que é um disparate. Se eu ainda não consegui aceitar o que aconteceu a Chester e nem sequer conhecia o homem… Mas pronto, depressão.

 

Alf, por sua vez, nunca saberia o que acontecera, ficaria sempre à espera. 

 

Nunca tive pensamentos suicidas assim tão graves, felizmente, mas posso testemunhar que ter um cão, como a minha Jane, dá motivo para viver. E de facto dão bons psicólogos. Ainda há uns tempos estava eu a chorar – stress do trabalho e do Coronavírus – e a Jane deixou-me abraçá-la (algo que nem sempre deixa).

 

*pausa para sessão de festinhas à Jane*

 

 

Regressando à casa em si, Hayley assume mesmo que esta é uma metáfora de si mesma. Assustadora, cheia de morcegos, despida em 2017, melhorando ao longo dos anos seguintes, ganhando carácter e beleza à sua maneira.

 

O videoclipe reflete essa metáfora: o último da trilogia que inclui Simmer e Leave it Alone. Hayley emerge do casulo e explora a casa onde fora parar. Uma casa habitada por figuras sem rosto – personificações da própria casa, da mobília, da decoração. Mesmo dos demónios de Hayley, dos seus lados esquisitos, da sua feminilidade. Como acontecera na vida real com a casa verdadeira, de início Hayley teve medo, mas começa a rever-se nas estranhas figuras e decide ficar.

 

O momento mais inesperado do vídeo de Cinnamon é a coreografia. Hayley alega que esta é a primeira vez que dança oficialmente desde que teve aulas de hip-hop antes de se juntar aos Paramore. No entanto, fãs que foram aos concertos da digressão de After Laughter não ficaram surpreendidos, garantem que Hayley sempre soube dançar.

 

Confesso que esta parte está além das minhas capacidades. Também tive aulas de hip-hop, mais ou menos na mesma idade que Hayley. Não tinha jeito absolutamente nenhum para aquilo. Gosto de dançar, mas à parva, sem coreografia – ou então coreografias muito simples, muito básicas, estilo… aeróbica (mais sobre isso adiante).

 

A música seguinte no álbum é Creepin’. À semelhança de muitas neste álbum, é conduzida pelo baixo. Hayley toca guitarra, teclado, mas a faixa conta também com a participação de Mike Weiss, guitarrista dos MewithoutYou, a banda preferida de Hayley. A faixa tem um tom sombrio mas também vagamente dançante. 

 

 

A letra fala sobre vampiros de energia. Para quem não sabe (eu não sabia), vampiros de energia são pessoas tóxicas, egoístas, egocêntricas, que sugam a felicidade, a energia emocional, das pessoas que as rodeiam. Tais pessoas são incapazes de empatia, o mundo gira à volta delas, deixam os demais exaustos só de lidar com elas. 

 

Não sei se alguma vez conheci pessoas que se encaixem perfeitamente nesta definição, mas conheci parecidas – colegas de escola ou de faculdade, utentes da farmácia… Uma delas nem sequer posso descrever como má pessoa, mas exigia sempre atenção, metia-se em conversas e assuntos que não lhe diziam respeito, nunca percebia quando não era desejada, fazia-se sempre de vítima. 

 

Outra é uma utente da farmácia, tão egoísta, tão tóxica, que eu e as minhas colegas suspeitamos que afastou toda a gente da sua vida. Nós somos as únicas que a aturamos porque não podemos dizer-lhe “não” – por enquanto. 

 

Eu na verdade tenho vindo a aperceber-me, nestes últimos meses, que os verdadeiros vampiros de energia são as redes sociais, nomeadamente o Twitter e o Facebook. Esses sim, sugam a energia e a vontade de viver de nós, com tanto sensacionalismo e discussões estúpidas (embora hajam alturas piores do que outras). Nos tempos mortos tenho tentado trocar essas redes pelo Kindle e pelo TV Tropes. 

 

Em Creepin’, Hayley usa imagens vampirescas para dizer que ela e os seus já não se deixam afetar pela toxicidade (“We bleed holy water”, “I’m a moon in daylight”). No refrão diz que basta baixar a guarda por um bocadinho para o vampiro cravar os dentes e não largar mais. E se o bicho quer sugar parte dela, que sugue as recordações do ex-marido. 

 

É uma música gira, mas não está entre as minhas preferidas.

 

 

Uma que está, no entanto, é Sudden Desire. Esta é outra conduzida pelo baixo, num tom intimista que ganha intensidade no refrão, acompanhando os vocais impressionantes de Hayley. Na altura em que esta música saiu, era a primeira vez em muito tempo que ouvíamos Hayley a atingir tais agudos – After Laughter teve poucos momentos assim, infelizmente, embora seja compreensível porquê.

 

A meu ver, Sudden Desire é o equivalente a Simmer mas para outro pecado capital segundo o cristianismo: a luxúria. Esta no entanto é diferente da raiva. Toda a gente sabe que o cristianismo sempre teve uma relação complicada com a sexualidade. 

 

Durante séculos a Igreja pregou que o sexo fora do casamento era pecado (isto apesar de terem havido papas sexualmente ativos durante o seu pontificado, um rei português cuja amante preferida era uma freira e, pior de tudo, inúmeros praticantes de pedofilia no seio da Igreja). A nossa sociedade é cada vez mais laica, o que é uma coisa boa, mas ainda não conseguimos libertar-nos por completo de tais crenças.

 

Pegando de novo no conceito de contacto com o próprio corpo, eu penso que este desconforto da Igreja com o erótico poderá ter a ver com a separação do corpo e da mente. Acho também que, na prática, a diabolização da sexualidade serviu, sobretudo, para manter as mulheres sob controlo, para reprimir a sua libido, de modo a que os homens não tivessem dúvidas sobre a paternidade dos seus filhos. 

 

E isto nem sequer é um exclusivo do cristianismo. Vejamos a mutilação genital feminina, que afeta 200 milhões de mulheres e meninas no mundo inteiro.

 

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Admito que não sou a melhor pessoa para escrever sobre libertação sexual ou mesmo sobre sexo, ponto. Em todo o caso, na minha opinião, no que toca ao erótico, o importante é haver respeito, consentimento das partes envolvidas e maturidade para lidar com as consequências – sejam elas biológicas (gravidez no caso de pénis-em-vagina, doenças sexualmente transmissíveis, etc) ou emocionais.

 

Sudden Desire parece, aliás, falar sobre isso: sobre o desejo físico e sobre o medo das consequências emocionais. Hayley começou a namorar com o, agora, ex-marido quando tinha dezoito ou dezanove anos. Provavelmente foi o seu primeiro parceiro sexual, ou um dos primeiros. Como se sabe agora, essa relação não era das mais saudáveis e Hayley admitiu, sem dar pormenores, que isso afetou a maneira como olhava para o seu corpo, para os seus desejos.

 

Depois do divórcio, Hayley chegou a achar que ficaria celibatária até ao fim dos seus dias. No entanto, o seu corpo continuava a ter necessidades. Ela conheceu alguém, desejava-o – o que, ao mesmo tempo, excitava-a e aterrorizava-a porque, da última vez que se envolvera sexualmente com alguém, queimara-se. 

 

A linguagem que Hayley usa é particularmente violenta: "Your fingerprints on my skin, a painful reminder" 

 

A letra usa um elefante como metáfora. Confesso que, da primeira vez que a ouvi falar de segurar um elegante com a mão, passou-me pela cabeça uma imagem mais… explícita. No entanto, deverá ser uma metáfora para a luxúria em geral. 

 

É interessante o facto de Hayley não se referir à sexualidade como uma serpente, como na mitologia judaico-cristã, com como um qualquer animal selvagem, feroz. Em vez disso descreve-a como um gigante gentil, amigável, sem malícia, que não sabe a força que tem. Da mesma forma, fala de andar de mãos dadas com ele, ouvir o que ele tem para dizer, em vez de reprimi-lo por completo ou de ser dominada por ele (“Better to walk beside it than underneath”).

 

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Gosto imenso desta música, tanto pela sonoridade como pela forma diferente como fala sobre sexualidade.

 

Sudden Desire encerra a primeira parte de Petals For Armor. Como referido acima, o elemento que representa esta secção é o fogo. Simmer e Sudden Desire são óbvias – o fogo é uma metáfora comum para raiva e desejo sexual. Em relação a Cinnamon, canela, a especiaria que dá o título à música, se ingerida durante o tempo frio, produz uma sensação de calor (embora também produza o efeito contrário: induzindo uma sensação de frescura durante o tempo quente). No que toca a Creepin’, que fala sobre vampiros de energia e usa metáforas vampirescas, o sol é uma conhecida fraqueza dos vampiros. Mesmo o próprio fogo pode ser usado contra vampiros nalguns cânones.

 

Por hoje ficamos por aqui. Acho que faz sentido fazermos a divisão da análise coincidindo com a divisão oficial do álbum. Hoje foi a primeira parte, amanhã será a segunda e, no domingo, a terceira.

 

Acabo de me aperceber que se completam hoje oito anos desde que estreei este blogue. Oito anos.... Eu sabia que já tinha começado há algum tempo mas oito anos... 

 

Muito orgulhosa do que tenho feito até agora com este blogue. Calha bem estar a publicar a primeira parte desta análise hoje – um texto que andava a preparar há semanas, que ansiava partilhar com vocês desde fevereiro ou março. 

 

Fica aqui uma palavra de agradecimento pelo vosso apoio e companhia ao longo destes anos. Quero continuar a publicar bons textos neste blogue, mesmo que estes demorem um bocado. A muitos anos de blogue! Amanhã há mais!

 

Linkin Park – One More Light (2017) #2

Segunda parte da minha análise a One More Light. Podem ler a primeira parte aqui.

 

ALERTA: Este texto irá abordar temas pesados como depressão, suicídio e causas de suicídio. Se estes temas forem um gatilho mental ou, como dizem os anglo-saxónicos, triggers no sentido de evocarem recordações traumáticas ou outras formas de sofrimento psicológico aconselho-vos a não o lerem. 

 

Se vocês se debatem com pensamentos suicidas ou desejos se fazerem mal a vocês mesmos, por favor, não o façam, peçam ajuda. Deixo aqui linhas de apoio tanto em Portugal como no Brasil. Quem conhecer mais linhas, por favor, deixe nos comentários. O mundo precisa de vocês, peçam ajuda!

 

 

Falemos, agora, sobre os temas cantados por Chester (isto é, tirando aqueles que analisámos na primeira parte). Começando por Nobody Can Save Me, que abre o álbum. Este é outro caso em que não gosto muito do acompanhamento musical mas gosto da melodia e interpretação. A letra fala de sintomas depressivos, de “soluções falsas” – podem ser toxicodependência ou pura e simplesmente isolamento, solidão – mas de uma forma algo vaga. Um pouco como Battle Symphony. 

 

Uma coisa devo dizer, no entanto: numa das vezes que ouvi esta música nas primeiras semanas, ou meses, após a morte de Chester, senti um nó na garganta ao ouvir o refrão. “Tell me it’s alright. Tell me I’m forgiven tonight”. Como se fosse o próprio Chester a pedir perdão por ter partido.

 

Vou mesmo dizê-lo: o desempenho vocal de Chester é a melhor parte deste álbum. Chester era conhecido sobretudo pelos seus gritos inigualáveis, mas One More Light deixou provado que ele também sabia cantar.

 

Halfway Right é, para além de Heavy, a única música em One More Light em que Chester é creditado como compositor. Dá para notar um pouco na letra que, ao contrário de outras neste álbum, pinta cenários mais ou menos específicos em vez de metáforas vagas. Chester fala de se drogar em adolescente com outros miúdos, de certa noite ter ido tão longe que, quando deu por si, estava ao volante de um carro.

 

Medo…

 

Na segunda parte, a letra fala sobre ignorar os conselhos dos mais velhos – de se rir na altura e, agora, reconhecer que tinham razão. Havemos de regressar a esse tema.

 

 

Em suma, gosto da letra, mas a instrumentação diz-me pouco. Não gosto muito da melodia, apesar de Chester a interpretar bem. Por fim, acho o final demasiado repetitivo.

 

Agora vamos falar sobre aquelas que, na minha opinião, são as melhores músicas do álbum, tanto pela letra como por, ao contrário das restantes, terem uma instrumentação decente, mesmo boa.

 

Talking to Myself é a música mais pesada em todo o One More Light – apesar de poder ser descrita como “apenas” pop rock. Gosto imenso da introdução com as notas de órgão e, depois, a guitarra elétrica e a bateria. 

 

A letra de Talking to Myself tem um conceito interessante. Como vimos antes, foi escrita da perspectiva de Talinda, a esposa de Chester, enquanto o marido passava pelas suas piores fases. Fala da solidão que ela terá sentido, do comportamento alterado dele (consta que é um dos sintomas de toxicodependência), a tendência dele para se isolar das pessoas de quem gosta (um sintoma de depressão), a incapacidade de comunicar.

 

É daí que vem o título da canção. Talking to Myself, falando conosco mesmos, falando para uma parede. 

 

Como vimos antes, não terá sido Chester a escrever esta letra. No entanto, pergunto-me quanto disto terá vindo da própria experiência de Mike, Brad e os outros, que acompanharam os altos e baixos do amigo durante duas décadas.

 

 

Depois de Chester morrer, a canção ganhou um significado adicional, pelo menos para mim. Nós, os fãs, que temos falado e falado sobre Chester desde aquela quinta-feira três vezes maldita. Chorado por ele, gritado por ele, dizendo o quanto o adoramos, as saudades que temos dele… 

 

...e não sabemos se ele nos consegue ouvir. Não sabemos se não estamos, lá está, a falar connosco mesmos, para uma parede, para o vazio.

 

A música de que vamos falar a seguir é a melhor e a mais dolorosa de todo o álbum. One More Light, que também dá o nome ao disco.

 

Musicalmente é perfeita. Minimalista, apenas com órgão, piano, guitarra e pouco mais – contribuindo para o tom intimista, casando bem com a melodia e letra tristes. A interpretação de Chester é igualmente irrepreensível – eu destacaria os vocais agudos de “I do” no fundo, durante o solo. 

 

Agora a letra. One More Light foi inspirada pela morte de Amy Zaret, uma amiga da banda, que morreu em outubro de 2015 após uma curta batalha com um cancro. O co-compositor, Eg White, também tinha perdido um amigo. Suponho que os outros membros dos Linkin Park se terão inspirado em perdas suas – Chester, por exemplo, tinha perdido o padrasto. Poucas coisas são mais universais, infelizmente.

 

A letra descreve bem as diferentes manifestações do luto, sobretudo na segunda parte: a raiva, a sensação de injustiça, o lugar vazio à mesa, os momentos em que a dor vem do nada e tira-nos o tapete debaixo dos pés. O refrão e o título reforçam a ideia de que é apenas uma pessoa entre mil milhões, uma insignificância se olharmos para o planeta como um todo, mas que afeta profundamente as pessoas mais próximas.

 

 

Faz pensar duas vezes sobre coisas como as estatísticas do Coronavírus, por exemplo. “Só” morreram trinta pessoas hoje? Bem, são só trinta famílias, trinta grupos de amigos e conhecidos cujas vidas nunca mais serão as mesmas depois disto. Morrem pessoas todos os dias, sim. Mas é sempre uma grande perda para alguém.

 

Por outro lado, o verso “who cares if one more light goes out? Well I do” foi usado para evitar uma morte por suicídio no ano passado. É apenas um exemplo das vidas que a morte de Chester pode ter salvo, ao inspirar uma mudança de mentalidades sobre a saúde mental.

 

O que me leva à primeira estância da canção. Acreditem ou não, dois ou três dias antes da morte de Chester, estive a ver a apresentação de One More Light no Jimmy Kimmel (abaixo). Se não me engano, foi no dia em que o álbum saiu. A ideia era tocarem Heavy, o primeiro single. No entanto, a banda decidiu tocar One More Light em homenagem a Chris Cornell, um grande amigo de Chester, morrera por suicídio na véspera – fez ontem três anos. Ontem, aliás, saiu uma entrevista inédita de Chester falando sobre Chris.

 

Consta que, nos ensaios, Chester mal conseguia cantar. Mesmo na apresentação ao vivo, em direto, dá para ver que ele (à semelhança dos outros, na verdade) estava à beira das lágrimas. E aquela falha a meio do verso, no último refrão.

 

Dizia eu que, para aí na segunda-feira da semana fatídica, estava eu a ver esta apresentação. A pensar e a anotar no meu caderno que os primeiros versos de One More Light falam de sofrimento invisível aos demais – podia ser sofrimento físico, associado a uma doença como o cancro, podia ser sofrimento psicológico, por depressão, como aquilo que matara Chris Cornell.

 

Ah, se eu soubesse…

 

 

Na quinta-feira seguinte, quando ainda estava a tentar processar a notícia, pus-me a ouvir a música, esta mesma apresentação. Quando chegou à parte do “Can I help you not to hurt anymore?” chorei pela primeira vez. Eu teria tentado ajudar se pudesse, teria feito o possível para evitar aquele desfecho, mas não pude fazer nada. Ninguém pôde.

 

Os Linkin Park referiram antes que tinham escolhido esta música para dar o título ao álbum – quando nenhum dos álbuns anteriores partilhara o nome com uma das suas faixas – precisamente por a considerarem o centro de gravidade emocional do álbum. E foi isso que aconteceu… mas não da maneira que previram. One More Light foi a canção em volta da qual fãs enlutados se uniram depois da perda de Chester – meros dois meses após a música ser lançada. Chester cantou o seu próprio requiem.

 

Eu adoro a música mas não a oiço muitas vezes. Lembra-me as primeiras semanas após a tragédia. É demasiado dolorosa, sobretudo se não estiver à espera.

 

Talvez devesse ter deixado One More Light para o fim, mas não queria terminar esta análise numa nota tão triste. Assim, vamos encerrar com Sharp Edges, que também encerra o álbum.

 

Esta tem uma sonoridade que no início, confesso, estranhei: mais folk do que estava à espera. E também nunca tinha imaginado Chester cantando algo como “Momma always told me…”. Mas não demorei a entranhar e, hoje, gosto bastante desta música.

 

 

A letra de Sharp Edges lembra-me um pouco Into You, do projeto lateral de Chester, Dead By Sunrise. À semelhança de Into You, Sharp Edges explora o paradoxo da vida de Chester. E, na verdade, na vida de toda a gente, em diferentes graus. Na maneira como educamos crianças.

 

Eu não tenho filhos, mas sei que existe uma linha ténue que separa proteger as nossas crias e deixá-las ganhar independência. Todos preferíamos que jogassem pelo seguro, que não saíssem dos limites, que optassem pelos livros em vez das drogas. Mas também já está mais que provado que proteger as crianças em demasia acaba, mais cedo ou mais tarde, por ter o efeito oposto.

 

Além de que, da experiência que tenho, há coisas que os mais velhos não nos conseguem ensinar, por muito que tentem. Há coisas que temos de aprender por nós mesmos. Conheço gente que, por exemplo, se arrepende de não ter estudado mais quando era jovem – e que agora tem filhos que estão a cometer os mesmos erros. 

 

Mesmo eu, que sempre fui uma menina certinha, me arrependo de muitas coisas que fiz (ou não fiz) no início da minha vida adulta. Se tiver filhos, vou tentar evitar que cometam os mesmos erros – mas será que eles ouvirão? Eu não ouvi os meus pais.

 

Falando especificamente de Chester, toda a gente sabe que ele teve uma infância e adolescência horríveis que o marcaram para a vida toda. Devia ter sido mais protegido pelos adultos da sua vida. Ao mesmo tempo, tal como admitiu em Halfway Right, o próprio Chester terá tomado uma série de más decisões e sofreu as consequências.

 

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E no entanto… seria ele o Chester que conhecíamos e adorávamos sem esse passado? Seria ele capaz de criar a música que criou e tocou tanta gente – salvando vidas, tanto em vida como em morte, sentando-se no escuro ao lado dos seus ouvintes, como escrevem aqui – teria ele tido os seus seis filhos, conhecido Talinda? Talvez fosse uma pessoa mais saudável, mais feliz, talvez ainda estivesse entre nós – mas seria o mesmo?

 

Os próprios Linkin Park escreveram na sua mensagem de despedida que sempre souberam que os demónios que levaram Chester faziam parte do pacote. Eu demorei um bocadinho mais a chegar aí. 

 

Isso significa que a morte de Chester era inevitável? É uma das perguntas por responder que se têm mantido nestes últimos três anos: se haveria maneira de evitar isto, o que se podia ter feito.

 

Eu recuso-me a acreditar que era inevitável. Pura e simplesmente recuso-me – tal como não acredito que a morte por suicídio alguma vez seja solução. Vale sempre a pena pedir ajuda e/ou ajudar uma pessoa em dificuldades. Mesmo que só sirva para adiar o desfecho.

 

Consta que Chester podia ter morrido por suicídio mais cedo, algures em 2005 ou 2006. Eu só me tornei fã em 2007. Se ele tivesse morrido nessa altura não estaria aqui a escrever este texto. Estou grata por aqueles dez anos extra. 

 

Torno a repetir a mensagem do início do texto: peçam ajuda. Vocês são importantes, vocês fazem falta, o mundo não é o mesmo sem vocês. Cada dia que passam com aqueles que gostam e que gostam de vocês é um dia ganho. Não deixem de pedir ajuda. 

 

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Por outro lado, só o facto de a perda de Chester ter motivado Talinda, Mike e os outros membros da banda a fazerem campanha pela saúde mental, contribuindo para a mudança na linguagem em torno do tema, só o facto de, como vimos acima, um verso de One More Light ter salvo uma vida, torna tudo isto menos insuportável. Chester continua a salvar vidas. 

 

E é isto One More Light. Como veem, deixa muito a desejar mas não é tão mau como muitos o pintam. Quando estava a planear esta análise antes de Chester morrer, uma das minhas notas para as conclusões era, parafraseando, “A coisa boa no meio disto tudo é que os Linkin Park estão sempre a mudar de estilo. Mesmo que não gostemos deste trabalho, o próximo será diferente”.

 

Pois…

 

Tecnicamente, Mike lançou um álbum a solo no ano seguinte e esse foi, de facto, diferente. Mas não sei se conta

 

De qualquer forma, no fim disto tudo, eu aceitaria vinte ou trinta anos de álbuns piores que One More Light se isso significasse que Chester ainda estaria vivo. Quanto mais não fosse porque os Linkin Park tocariam sempre os velhos êxitos em concerto. Mais: eu aceitaria que os Linkin Park se dissolvessem como banda, que Chester nunca mais criasse música. Ao menos eu saberia que ele estava por aí, com a esposa, com os filhos, com os amigos. 

 

No cômputo geral das coisas, um álbum menos conseguido está longe de ser o fim do mundo. Perder pessoas, perder heróis, é que é horrível. Bolas, uma pandemia como a que estamos a viver, que condiciona as nossas vidas de uma maneira inédita, é que é horrível. Se todos os nossos problemas fossem álbuns maus dos nossos artistas ou bandas…

 

Linkin-Park-Chester-One-Year-Gallery-5.jpg

 

Ao menos já escrevi sobre One More Light. Agora já posso escrever sobre Hybrid Theory e Meteora, como desejo há imenso tempo. Não assim tão cedo, quero aproveitar o vigésimo aniversário do primeiro álbum dos Linkin Park. E um dia destes dou uma nova oportunidade a A Thousand Suns. 

 

Foi doloroso escrever partes deste texto mas, no geral, a perda de Chester já não dói tanto. Parecendo que não, já passaram quase três anos, já aconteceu tanta coisa desde então. E, como já referi em textos anteriores, de uma maneira estranha, escrever sobre isso faz com que, mais tarde, doa menos. Só com este texto, passá-lo a computador custou bem menos do que escrever o primeiro rascunho.

 

Não sei se conhecem a teoria da bola numa caixa com o botão da dor. No início do luto, a bola ocupa a caixa quase toda, não é preciso muito para que esta pressione o botão. Com o tempo a bola tende a diminuir – a um ritmo diferente para cada pessoa e podem existir alturas em que cresce de novo. Uma bola mais pequena prime o botão menos vezes. A bola nunca chega a desaparecer mas, regra geral, o tempo torna a situação mais fácil.

 

No meu caso, acho que tenho algum controlo sobre a bola. Sei antecipar as situações em que a bola carrega no botão: quando oiço One More Light, a música, quando penso muito no assunto (como tive de pensar para escrever este texto), quando me ponho a ver vídeos dos Linkin Park no YouTube – sobretudo deles, Chester, Mike, fazendo palhaçadas. Assim, procuro evitar estas situações. 

 

O futuro dos Linkin Park continua incerto. No entanto, ficou mais definido nas últimas semanas. Phoenix revelou que, antes de a pandemia ter tomado esta dimensão, a banda andava a criar música. Quando entraram em quarentena suspenderam os trabalhos, naturalmente, mas ainda hoje, de vez em quando, falam sobre o assunto, discutem ideias, no Zoom.

 

Aqui entre nós, eu estava com medo deste momento. A revelação de que os Linkin Park estão a criar música outra vez, o eventual anúncio de um álbum novo, o primeiro sem Chester. 

 

148642.jpg

 

Não me interpretem mal, eu sempre disse deste o início que apoiaria a banda no que quisessem fazer a seguir. Não significa que seja fácil para mim – pelo contrário, agora é que vai doer como o catano. 

 

Quando se fala nisso, repito para mim mesma “Ainda não estou pronta, ainda não estou pronta, ainda não estou pronta… Lido com isso na altura, lido com isso na altura, lido com issso na altura…”. É o que tenciono fazer. Ainda vai demorar até chegar esse momento, com o Coronavírus e tudo mais. Porém quando for mesmo oficial, tirarei um momento para processar, para lidar com as minhas neuroses, talvez desabafe aqui no blogue, mas, no fim, ficarei contente. 

 

A curto prazo, aqui no blogue o próximo texto será a análise a Petals For Armor, o álbum a solo de Hayley Williams, que saiu há coisa de dez dias. Já estou a escrevê-lo – andava a antecipar este texto há meses, quase desde que publiquei a análise às primeiras músicas, Simmer e Leave it Alone. Neste momento vou em cerca de trinta páginas A5 de notas (OK, com letra grande), ou seja, tenho muito a dizer sobre este álbum. Devo demorar um bocadinho... mas vou divertir-me imenso!


Continuem por aí.

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