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Álbum de Testamentos

"Como é possível alguém ter tanta palavra?" – Ivo dos Hybrid Theory PT

Bryan Adams - Tracks Of My Years (2014)

 

O cantautor canadiano Bryan Adams editou no inicio de outubro o seu álbum de covers, Tracks Of My Years. Da tracklist fazem parte vários temas clássicos dos anos 60 e 70, ou seja, lançados aquando da juventude de Bryan. Segundo o cantautor, estes temas, não sendo os favoritos dele na altura (ele era fã de hard rock, o seu visual na capa do álbum demonstra-o bem), eram aqueles que dominavam a rádio no período em que decidira que o seu futuro residia na música. 

 

Pelas músicas escolhidas para as regravações e pela maneira como foram abordadas, Tracks Of My Years acaba por não diferir muito, quer em termos de temática quer em termos de sonoridade (com algumas exceções), de um típico álbum Bryan Adams, com músicas mais alegres alternando com baladas e o Amor como tema dominante.

 

Visto que, excetuando um caso (ou dois na versão Deluxe do CD), são versões de músicas alheias, não faz sentido analisar a letra e sonoridade música a música, como faria com outros álbuns. Ainda por cima, são temas clássicos do pop rock que, com uma única exceção, só conheci com este álbum. Não me sinto, portanto, com autoridade para analisar os originais nem determinar se as interpretações de Bryan lhes fazem justiça. Apenas posso dizer que, de uma maneira geral, tirando uma exceção ou outra, as músicas de Tracks of My Years são boas. Se o mérito parte das versões originais ou da produção para este álbum fica aberto a discussão. 

 

Nas entrevistas de promoção a este álbum, Bryan revelou que, para gravar os covers, ia tocando as músicas em questão de maneiras diversas até considerá-las suficientemente diferentes das versões originais. Dá para perceber que, em várias faixas, não lhe foi demasiado difícil chegar a esse ponto. Em músicas como Anytime At All, Rock And Roll Music e C'mon Everybody, basta serem interpretadas à maneira contemporânea para ficarem já a "saber a novo". Anytime At All dos Beatles, por exemplo, até conserva, quase nota por nota, o solo de guitarra da versão original mas acaba por se assemelhar a Back to You (o próprio Bryan reconhece-o). Rock And Roll Music (original de Chuck Berry) e C'mon Everybody (original de Eddie Cochran) também recebem uma produção "moderna" mas conservam aquele não sei quê de... bem, rock 'n' roll dos anos 60 e 70. Por outro lado, visto que Down on the Corner, na versão original, tem aquilo que penso que é um coro de gospel (enfim, é parecido com o de Ain't it Fun), bastou a Bryan cantar normalmente para personalizar a música. Na mesma linha, a principal diferença entre a Lay Lady Lay de Bod Dylan e a "de" Bryan Adams é a última ser cantada uma oitava acima do tom original (segundo Bryan, se cantasse no tom "certo", soaria demasiado parecido com Dylan - e, para mim, seria difícil cantá-la.)

 

 

Aproveito para dizer que Lay Lady Lay é a minha preferida deste álbum. É possível que isso se deva ao facto de ser a única versão original que eu conhecia antes deste álbum. Mesmo assim, acho que acertaram na produção, Bryan foi capaz de conservar a vulnerabilidade e doçura da versão original. Mas, lá está, este registo é um território que Bryan conhece como ninguém. 

 

Um território que ele talvez não conheça tão bem mas que não deixa de explorar neste álbum é o território dos blues. Em músicas como I Can't Stop Loving You e Kiss And Say Goodbye, Bryan não se distancia muito das versões originais, mas dá-lhes um twist algo roqueiro, com as notas de guitarra elétrica. Devo dizer que a sua icónica voz rouca é perfeitamente compatível com este género de música.

 

A voz de Bryan é, de resto, como o vinho do Porto: o tempo melhora-a. Este álbum é prova disso.

 

 

Julgo que o cover mais diferente do respetivo original é God Only Knows, dos Beach Boys. Recordo que esta é considerada uma das melhores músicas pop de todos os tempos, foi até recentemente homenageada pelas estrelas pop do momento. Ora, neste álbum, Bryan transformou aquilo que era uma triunfante e grandiosa música pop numa balada só com piano e ocasionais violinos. Esta sonoridade pode ser surpreendente, mas não deixa de ser compatível com a letra e melodia, revelando um lado diferente da música, mais vulnerável e misterioso. God Only Knows é outro ponto forte de Tracks of My Years e uma boa faixa de encerramento do álbum. 

 

 

Na versão Deluxe, no entanto, o álbum não acaba aqui. Uma das cinco músicas extra não é um cover, é You've Been a Friend to Me, uma faixa que Bryan compôs para o filme Old Dogs/Duas Amas de Gravata, tendo sido lançada em finais de 2009.

 

Apesar de já passarem quase cinco anos desde o seu lançamento, a versão de You've Been a Friend to Me nunca tinha sido lançada em CD antes - tínhamos apenas a versão Bare Bones no respetivo álbum. Se a memória não me falha, segundo o que li na altura, a ideia inicial era incluírem Summer of '69 na banda sonora do filme - foi de Bryan que partiu a ideia de contribuir com uma música inédita. Aquando do lançamento, o cantautor admitiu que a composição fora influenciada por quase dois anos de concertos Bare Bones (embora, na altura, ainda não os designasse assim). Desse modo, You've Been a Friend to Me é uma faixa dominada pela guitarra acústica, com a bateria, o piano e a guitarra elétrica assumindo papéis secundários. A letra é simples, sobre amizade como seria de esperar. Lembra-me o tema da série Friends, I'll Be There For You - partilha, até, algumas características em termos de sonoridade. A versão editada em Tracks Of My Years tem algumas diferenças em relação à lançada em 2009 (a do vídeo acima). A maior (e que mais me desagrada) foi terem retirado os backvocals a seguir ao solo de guitarra.

 

Tirando esta música e Help Me Make it Throught the Night, a versão Deluxe na minha opinião não tem muito a acrescentar. Não gosto muito de Many Rivers to Cross, arrasta-se demasiado. Inicialmente não achava muita piada a C'mon Everybody - já gosto mais, mas continuo a achá-la redundante depois de Rock And Roll Music. E o cover de You Shook Me, de Led Zeppelin, não foi bem conseguido na minha opinião. Bryan afirmou ter sido fã de hard rock enquanto jovem, deu a entender ter vontade de fazer mais covers dentro deste estilo mas, se You Shook Me foi uma amostra, ainda bem que não o fez. Não me parece que seja a praia dele. Isso ou eu, pura e simplesmente, não gosto da música. 

 

b-adams-2014.jpg

 

Tracks of My Years vale sobretudo pela nostalgia, pela homenagem aos clássicos. Não faz mais do que isso nem a isso aspira. O efeito nostálgico não funciona tanto em mim, já que as músicas não são do meu tempo - o próprio Bryan lamentou que alguns dos seus fãs mais jovens não reconhecessem as músicas, quando ele lhes colocou o CD a tocar - mas este álbum representa uma boa maneira de ficar a conhecer estes clássicos da música pop rock. Quem gosta deste CD são os meus pais (é raro eles gostarem da "minha" música). Quando ouviram o álbum pela primeira vez, o meu pai não demorou muito tempo a começar a cantarolar. Até parafraseou involuntariamente Bryan ao dizer que aquelas eram as músicas da sua juventude. Só isto faz com que este álbum tenha valido a pena.

 

Entretanto, já saiu a reedição de Reckless, com sete músicas novas. Para esse álbum farei uma crítica mais pormenorizada, em várias partes. Eu, aliás, já tenho em rascunho as análises às músicas que conhecia antes. Ainda não ouvi as músicas novas, tirando Play to Win e Reckless, que apareceram antes na Internet (só comprei o CD ontem). Para ser sincera, estou mais ansiosa pelo álbum de originais que Bryan tem vindo a prometer para o próximo ano. Pergunto-me, inclusivamente, se a produção de Tracks of My Years terá influência nesse disco - com os Within Temptation, pelo menos, a influência dos covers que lançaram em 2012 é notória em Hydra

 

No fundo estes dois álbuns (Trakcs of My Years e a reedição de Reckless) representam uma visita ao passado, provavelmente abrindo caminho, preparando terreno para o álbum inédito que, em princípio, sairá em 2015. E eu fico satisfeita por Bryan estar de novo debaixo dos holofotes (até pela exposição de fotografia que inaugurou em Cascais, no mês passado). Por, numa altura em que o sucesso dos artistas musicais parece tão efémero, as pessoas continuarem a reconhecer o valor de Bryan - incluindo jovens como eu, nascidos ao mesmo tempo sensivelmente que (Everything I Do) I Do It For You, ou mesmo depois. 

 

Mantenham-se ligados pois, como disse acima, em breve publicarei a crítica a Reckless. Não posso prometer uma data, mas vou tentar não me demorar. 

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