Digimon Adventure Tri – Bokura No Mirai #2
Segunda parte da análise a Bokura No Mirai. Podem ler a primeira parte aqui.
É nesta altura que Mirai revela finalmente o que aconteceu a Tai e a Daigo. Começamos por ver o primeiro recuperando a consciência, um pouco dorido mas, ao que parece, sem ferimentos. O homem mais velho, no entanto, aparece perante nós numa poça do seu próprio sangue.
Nem as Bestas Sagradas devem saber como é que os dois tiveram destinos tão diferentes. Ainda se aceitava se Mirai desse uma explicação, por fraquinha que fosse – não me chocava se, por exemplo, de alguma forma, Daigo tivesse protegido Tai do impacto. Mas assim, a seco, fica a ideia que Tai só se safou sem mazelas porque é o protagonista e tal.
E não havia necessidade – já ajudava se o jovem aparecesse com uns cortes na cara e talvez um pulso partido para a coisa se tornar mais credível.
De alguma forma, ao caírem no abismo, Tai e Daigo foram parar a uma espécie de laboratório tecnológico subterrâneo. Não se percebe se caíram diretamente para lá ou se alguém os transportou. De qualquer forma, quando as luzes se acendem e Tai olha através do vidro, vislumbramos cinco incubadoras, cada uma com uma silhueta familiar…
…e, quando os reconheci, festejei como um golo, com murros no ar e penso ter ouvido a audiência a explodir.
Depois de consultar os computadores, Daigo informa que Davis, Yolei, Ken, Cody e… o verdadeiro Gennai, aparentemente (embora eu, de início, tenha pensado que era Ryo, aquele miúdo que teria estado com Ken nas primeiras vezes que este foi ao Mundo Digimon), estão apenas em coma. O homem mais velho revela que, na verdade, há muito que sabia que os miúdos de 02 estavam desaparecidos. Pelos vistos, estes tinham sido feitos prisioneiros depois de descobrirem acerca dos planos de Yggdrasil.
Como víramos em Kokuhaku, Maki instruíra Daigo para guardar segredo acerca do desaparecimento dos miúdos. E tendo em conta que, em Kokuhaku, apareceu na posse do D3 e D-terminal de Ken, é possível que, se não tiver tido acesso direto a eles, pelo menos sempre soube onde estavam.
Acho que isto confirma, mais ou menos, a teoria que formulei após Saikai: Davis, Yolei, Cody e Ken terão ido ao Mundo Digimon tratar daquilo que pensavam ser um distúrbio menor. Nem sequer avisaram Kari nem T.K. De alguma forma, descobriram acerca da conspiração de Yggdrasil e não conseguiram pedir ajuda – como vimos em Soshitsu, os D-terminais não estavam a funcionar. Acabaram derrotados por Alphamon e aprisionados pelo Dark Gennai.
Não deixa de ter uma data de buracos. Continuo a achar que os Escolhidos mais velhos deviam ter detetado o desaparecimento de Davis e dos outros mais cedo e feito mais perguntas a Maki e a Daigo. Temos ainda a questão das famílias: que ameaças lhes terá feito Maki para manter os pais dos miúdos calados?
E o que terá acontecido ao V-mon, ao Wormmon e aos outros companheiros Digimon de 02?
No entanto, nesta altura do campeonato, depois de cinco filmes lidando pessimamente com a questão (quando lidavam), as minhas expectativas eram nulas. Eu receava que arrumassem a questão com duas linhas de diálogo. Por esse prisma, a maneira como encerraram esta parte da história até é aceitável.
Por muito que alguns de nós o desejassem (desejavam mesmo, no entanto?), Tri era a história dos oito Escolhidos originais. Não era a história dos miúdos de 02. E, no entanto, acabaram por ter um papel no enredo, por pequeno que tenha sido.
Dito isto, espero que um dia destes nos deem mais pormenores da aventura dos miúdos que acabou com eles aprisionados – nem que seja num CD drama ou algo do género. Também quero descobrir como é que os miúdos de 02 lidaram com o pós-Tri, mas isso é conversa para mais à frente.
Por outro lado, conforme referi acima, parece que o Gennai também esteve preso com os outros miúdos. Ou seja, o Dark Gennai não era o verdadeiro Gennai… o que é um alívio, sinceramente. Vou continuar a chamar-lhe Dark Gennai, no entanto.
Daigo explica rapidamente a Tai o papel de Maki no Reinício, acabando por fazer um mea culpa pelas ações dela. Eu não sei, no entanto, até que ponto podemos responsabilizá-lo. Como vimos aquando de Soshitsu, Maki não é Oikawa, ela sabia perfeitamente o que estava a fazer. Daigo tentara ajudá-la a lidar com a dor. Ele não tem culpa que Maki tenha mentido e afastado-se dele.
O agente, no entanto, devia ter sido sincero com os Escolhidos em relação a Meicoomon e, sobretudo, em relação ao os miúdos de 02. Com a vida de crianças não se brinca.
Mas também Daigo está longe de ter sido a única personagem a esconder coisas e a cometer erros em Tri.
Havemos de falar melhor sobre Maki mais à frente. Daigo acaba por dar um conselho importante a Tai, quase sem dar por isso: “independentemente do quão difícil é, às vezes tens de tomar uma decisão. Mesmo que vá contra um amigo.”
Ou uma irmã, digo eu. Mas não nos adiantemos.
É nesse momento que aparece o Dark Gennai, rindo-se na cara dos seus prisioneiros (daqueles que estão conscientes, pelo menos). Este desliga os suportes de vida dos miúdos de 02, dizendo a Tai e a Daigo que podem enviá-los para o Mundo Real… mas o laboratório explodirá quando o fizerem. Existe uma sexta cápsula onde poderão entrar e partir também para o Mundo Real… mas só lá cabe uma pessoa.
Para alguém que passou cinco filmes e meio sem sequer pensar nos miúdos de 02, Tai fica genuinamente em pânico e procura desesperadamente uma maneira de reativar as incubadoras e de salvar toda a gente. O Izzy, se calhar, teria sido capaz de fazê-lo, se tivesse sido ele a cair no abismo, com Daigo.
Mas, por outro lado, talvez tivesse sido demasiado esperto para cair na “armadilha” de Daigo. Sendo Tai, o homem mais velho diz-lhe para investigar a cápsula vazia, a ver se existe maneira de contactar o Mundo Real através dela – o que até nem era um mau plano, se os miúdos de 02 não estivessem a morrer.
Assim, Daigo encerra Tai na cápsula e ativa o lançamento.
A despedida de Daigo é, sem sombra de dúvida, o meu momento preferido em todo o filme – lindo e de partir o coração ao mesmo tempo. A música ajuda é certo, mas eu tenho de incluir o último discurso de Daigo na íntegra, porque é demasiado… “Eu não desisti. Vocês ensinaram-me que existe sempre algo que eu posso fazer até ao fim. O futuro continuará e ligar-se-á. Eu deixo-a a vocês. A nossa… a nossa esperança… de crescidos.” “Ouve, Yagami. Não importa quão difícil seja a realidade, não desistas nunca! Vai e construam o futuro. Sonha… alto!”
Adeus Nishijima-sensei, inesperado herói de Tri, que se tornou a minha personagem preferida – entre as novas apresentadas em Tri, pelo menos. Conforme comentei antes, tirando o pai de Meiko e mesmo os outros familiares dos miúdos (que, de resto, tiveram um papel mais secundário), Daigo foi o único verdadeiro aliado dos Escolhidos. O único que não tentou usá-los como peões, o único que zelo, não apenas pela vida deles, também pelo seu bem-estar, mesmo pela sua felicidade.
Isto apesar de ter sido bastante maltratado pelo universo de Adventure. Foi uma Criança Escolhida, mas o seu papel na vitória final frente aos Mestres das Trevas foi insignificante. Huckmon deu mesmo a entender que a Homeostase considera as Primeiras Crianças Escolhidas como um fracasso. Maki usou-o, como vimos antes. A agência para quem trabalhava virou-lhe costas. Agora, o Dark Gennai troçava abertamente dele.
E, mesmo assim, Daigo não se resignou ao desprezo e ao ostracismo. Pelo contrário, lutou pelos Escolhidos mais novos até ao seu último suspiro. Deixou o seu contributo na luta contra Yggdrasil – maior do que, se calhar, o próprio Daigo pensava – e morreu como um herói.
Eu confesso que, há um ano ou dois, nunca imaginaria que a história dele terminaria assim. Não depois de ter passado a primeira metade de Tri na sombra de Maki.
Confesso que pensei muito no Daigo durante o resgate da equipa de futebol juvenil, que ficou presa numa gruta na Tailândia. Vi várias semelhanças entre Daigo e o treinador que velou pelas crianças, que sacrificou o seu bem-estar pelo delas – que não tinham mais ninguém – tendo sido determinante para que todos sobrevivessem. Um daqueles casos em que a realidade consegue ser ainda melhor que a ficção.
Por outro lado, na análise a Kyousei, referi que me identificava com Daigo, com o seu instinto protetor em relação aos miúdos. Seria eu capaz de dar a vida pelos Escolhidos?
Claro que sim! Por aqueles miúdos, tudo!
OK, romantismos à parte, acho que nenhuma pessoa decente deixaria um miúdo como Tai morrer no seu lugar – é certo que ele já não é uma criança, mas não deixa de ser um menor. Sobretudo se estivéssemos tão maltratados como Daigo, que se calhar nem sequer sobreviveria à viagem de regresso ao Mundo Real.
Eu seria capaz de passar o resto da análise a falar sobre Daigo, mas o filme não termina com ele. Ainda há muito sobre que escrever.
Entretanto, no Mundo Real, Kari desperta no quarto de Izzy (?) com desejos suicidas. T.K., à sua cabeceira, passa-se, como seria de esperar. Suplica-lhe que não guarde a dor para si – não vá a Escuridão invadi-la de novo ou, pior, a jovem passar das palavras aos actos.
Mirai, no entanto, quase estraga o momento de novo ao pôr Patamon subitamente envergonhado e a tapar os olhos.
Eu só dou graças por não terem feito uma dessas depois da cena do sacrifício de Daigo.
Em todo o caso, depois desta, Kari e T.K. vislumbram Ordinemon através da janela. A jovem resolve saltar da cama e ir juntar-se à luta, acompanhada por T.K. Mas antes dão de caras com uma data de Digimon invasores. Este prossegue com os seus jogos psicológicos com os Escolhidos, começando por atirar um Devimon ao MagnaAngemon – uma jogada brilhante de tão baixa.
O MagnaAngemon – uma forma Perfeita bastante forte, que, se bem se lembram, derrotou sozinho o Piedmon, um Mestre das Trevas – em teoria, seria mais do que capaz de derrotar Devimon – que é forte para um nível Adulto, mas não deixa de ser um Adulto. No entanto, tendo em conta o seu historial com o Devimon, compreende-se que tenha tido dificuldades. Não tanto por ele mesmo – ele foi Reiniciado, não se deve lembrar de Devimon – talvez por sentir o medo de T.K.
Como se não bastasse, o Dark Gennai ainda se vira para Kari e culpa-a pela “morte” do irmão – consequência de ter rejeitado a Homeostase, segundo ele.
Como disse acima, tão baixo que se torna brilhante.
Eu, nesta altura, gritava para o monitor:
– Defende-te, miúda! Dá-lhe um murro, ou assim! Faz qualquer coisa.
Mas Kari fica calada, deixando o Dark Gennai rir-se na cara dela. Tem de vir T.K. defendê-la.
Estão a ver? É por cenas como esta que esta rapariga me irrita, por muito que a adore! É tão passiva, pelas Bestas Sagradas! Quando foi Sora a ser assediada pelo Dark Gennai, ela não deixou de dar luta. O Joe, claro, não esteve com meias medidas e atirou-se mesmo a ele (eu não me canso desse momento…). Até Meiko, que tem ar de mosquinha-morta, tem mais coragem e espírito de luta do que parece.
Não vou implicar muito mais com Kari, pois esta toma, mais tarde, aquela que deverá ser a atitude mais corajosa da sua vida. De qualquer forma, as provocações do Dark Gennai fazem-na entrar numa espécie de dimensão telepática, cheia de cubos que, ao que parece, guardam memórias. Aqui, temos um cameo do Wizardmon – é uma pena não termos visto o verdadeiro Wizardmon, ressuscitado pelo Reinício, mas não acho que tenha sido por acaso que o subconsciente de Kari o escolheu como guia.
A jovem encontra, então, aquilo que penso ser as consciências de Meicoomon e Gatomon. A primeira chora como uma criança pequena que não percebe o que lhe está a acontecer, que só quer ir para junto da mãe ou figura equivalente. Gatomon confirma que Meicoomon é quem mais está a sofrer. Afirma ainda que “toda a luz está dentro de Meicoomon” – uma frase que já conhecíamos dos primeiros trailers e sinopses de Mirai.
Depois de sair daquela espécie de transe, Kari e T.K. telefonam logo a Izzy para lhes contar – este, claro, desvenda logo o mistério. Os três vão ter com os outros Escolhidos (não chegamos a descobrir como acaba o combate do MagnaAngemon com Devimon), numa altura em que estes estão outra vez a apanhar uma tareia da Ordinemon.
Huckmon volta a falar do Reinício, o que tira os miúdos do sério – sobretudo Matt. O jovem está determinado a liderar os Escolhidos para que salvem o mundo à maneira deles, contra tudo e contra todos, o que é muito bonito e inspirador… mas a verdade é que o que estavam a fazer não estava a resultar.
Felizmente, Izzy tem uma ideia. Lembram-se do campo de dados que Izzy criou em Kokuhaku, para preservar as memórias dos companheiros Digimon, antes do Reinício? Bem, parece que o plano dele não foi completamente mal-sucedido. De alguma forma, no combate com os outros companheiros Digimon, imediatamente antes do Reinício, o campo de dados ficou incorporado em Meicrackmon. Assim, depois do Reinício, Meicoomon tem guardado em si as memórias, não só dos companheiros Digimon.
No meio disto tudo, as boas recordações que Meicoomon guardava de Meiko foram trancadas, daí ela ter-se tornado instável e agressiva, sobretudo quando se sente ameaçada.
Se acho isto rebuscado e um bocadinho Deus Ex-Machina? Sim. Se acho isto mais rebuscado e mais Deus Ex-Machina que, por exemplo, os dispositivos digitais terem-se ativado sozinhos para imobilizar VenomMyotismon e para travar a explosão do Apocalymon, em Adventure? Não de todo.
Sempre achei que Izzy podia ter impedido os Digimon de serem Reiniciados se tivesse tido mais tempo. Que, afinal, ele tenha conseguido cumprir uma parte do seu propósito é aceitável, na minha opinião.
No que diz respeito às recordações dos companheiros Digimon, pelo menos. Que o campo de dados tenha guardado as memórias de todos os Digimon, no entanto, já me parece demais.
Mesmo a parte de Meicoomon possuir as suas boas recordações bloqueadas é um bocadinho confusa. Meicoomon sempre teve um comportamento errático. Mais durante a segunda metade de Tri, é certo, mas não me pareceu que a ligação entre Meiko e Meicoomon tenha chegado a desaparecer. Afinal de contas, Raguelmon protegeu a jovem a certa altura, durante Kyousei – isso seria possível se Meicoomon não recordasse os seus bons momentos com a jovem?
Enfim.
O plano de Izzy é, então, desbloquear essas memórias – na esperança de que, quando se recordasse de Meiko, Meicoomon estabilizasse, Ordinemon se desfizesse e todos vivessem felizes para sempre. As memórias, no entanto, estão protegidas por palavra-passe – Izzy calcula que essa palavra seja um termo significativo para Meicoomon.
Não se demora muito a descobri-la: “dandan”, um termo do dialeto de Tottori (a terra natal de Meiko), a primeira palavra que ouvimos Meicoomon pronunciar em Tri, a primeira palavra que Meiko lhe ensinou.
Isto remete para Aikotoba, a música dos créditos de Kyousei, reutilizada pela Crunchyroll para encerrar os episódios de Bokura No Mirai, tirando o último. O refrão reza algo como “Mesmo que o tempo nos separe, estaremos sempre unidos pelas nossas palavras secretas de amor”. A chave para as memórias dos Digimon estavam debaixo do nosso nariz desde Kyousei.
Bem jogado, Tri. Bem jogado.
De resto, palavras podem ser, de facto, uma prova de intimidade, de cumplicidade: alcunhas, diminutivos, fala à bebé, piadas privadas, referências. Foi um bom toque aplicá-lo a um laço entre Escolhido e companheiro Digimon.
Antes da estreia de Mirai, cheguei a desejar que os comapnheiros Digimon não chegassem a recuperar as memórias pré-Reinício. Na altura, antecipava um final um pouco mais cor-de-rosa para Tri. Se os Digimon permanecessem amnésicos, teriam boas relações com os companheiros à mesma, mas não seria a mesma coisa. Os Escolhidos teriam de viver para sempre com aquela consequência do Reinício – que, por sua vez, resultara dos seus próprios erros. E tornaria as cenas do “último dia no Mundo Real” ainda mais poderosas.
No entanto, Mirai teve um final mais triste do que estava à espera. Assim sendo, reverter os efeitos do Reinício é aceitável.
E é uma cena lindíssima, diga-se – começando com a espetacular versão de Shouri Zen No Theme. Só é uma pena que, nas memórias dos Digimon, só tenham usado cenas de Tri – podiam ter recriado uma ou outra cena de Adventure ou 02, tal como fizeram em filmes anteriores.
O desbloqueio das recordações faz com que os Digimon regressem às formas Extremas e com que Gatomon desperte e lute para se libertar de Ordinemon. Ao mesmo tempo, ao recuperarem as memórias, os Digimon invasores começam a bater em retirada, regressando ao Mundo Digital.
Vendo que a recuperação das memórias está a afetar Ordinemon, que esta está a tentar ganhar controlo sobre si mesma, Huckmon digievolve para Jesmon e liberta Gatomon. Kari dá finalmente uma para a caixa ao mergulhar no rio para salvar a sua companheira. O Reinício é cancelado.
Meicoomon, no entanto, continua sob a forma de Ordinemon. Os miúdos não têm nem cinco segundos para respirar – Yggdrasil começa de imediato o vazio deixado por Gatomon.
Perante isto, Meiko, farta de assistir à tortura da sua companheira, entra no rio aos protestos. Acaba por se colocar na rota dos tentáculos, ou lá o que são, de Ordinemon. Da primeira vez, Matt consegue desviá-la. Da segunda (ou terceira?), a jovem tropeça e Agumon tenta protegê-la.
É nesse momento que alguém, regressado dos mortos, desvia-os no último segundo.
Este miúdo sempre soube como fazer uma entrada.
Tal como acontecera quando Tai caíra no abismo, quando este reaparece, os outros Escolhidos demoram um minuto a reagir. O próprio Tai olha para cada um deles, como que certificando-se de que estão todos bem. Ele e Matt olham-se longamente. No fim, o segundo atira-lhe os óculos, resmungando:
– Estás atrasado!
Não tens emenda, pois não Ishida?
Tai põe os óculos na testa pela primeira vez em Tri, forma-se o Omegamon. Preparavam-se todos para acabar com o problema à moda antiga, de uma vez por todas…
…até Kari, de todas as pessoas, meter um travão naquilo.
A jovem dirige-se ao irmão, faz-lhe ver que Ordinemon não é um inimigo como todos os outros, é uma companheira Digimon, uma vítima, não merece morrer daquela forma.
Não surpreende que seja Kari a lembrar-lhes daquilo. Ela desbloqueou a sua primeira digievolução graças ao sacrifício de Wizardmon. Nos seus primeiros dias no Mundo Digimon, viu imensos aliados morrerem pelas Crianças Escolhidas. Em 02, teve como colegas miúdos particularmente escrupulosos no que tocava a matar Digimon. E, cinco minutos antes, tinha Gatomon presa em Ordinemon.
O que é de surpreender é que, para defender este ponto de vista, Kari tenha enfrentado Tai. Tai, o onii-chan que acabara de recuperar dos mortos. A jovem chega a tocar-lhe no ombro, fazendo-lhe um bocadinho de chantagem emocional.
Tai, no entanto, não se deixa manipular. Ele acabara de ver Daigo dando a vida por ele e de enviar os Escolhidos mais novos para o hospital – coisas que aconteceram porque Daigo tivera demasiado medo de ir contra Maki. Toda a situação com Meicoomon só chegara àquela fase, aliás, porque vários deles (começando por Tai, até certo ponto, passando por T.K. e os companheiros Digimon, acabando em Meiko) tiveram demasiado medo de fazer o que era certo. Em parte, porque não queriam magoar aqueles que amavam.
Tai não podia deixar o problema de Ordinemon por resolver só para não magoar a irmã, por muito que a amasse.
Matt afirma mesmo que eles já não eram os Escolhidos, agora em eles quem Escolhia. Já não eram as crianças que tinham sido atiradas para o Mundo Digital, sem lhes perguntaram se era isso que queriam, para travarem as batalhas que a Homeostase não conseguia travar sozinha. A Homeostase, aliás, andava a dar provas de que, às vezes, toma decisões questionáveis e já nem sequer precisava da ajuda de humanos.
Os Escolhidos já tinham ido contra a vontade tanto de Yggdrasil como da Homeostase, queriam afirmar-se como um poder independente – mas, como diria o tio Ben, quanto maior o poder, maior a responsabilidade. Se os Escolhidos não queriam ser peões, tinham de ser líderes e tomar decisões difíceis.
Em sua defesa, Kari reage como uma mulher adulta. Provavelmente nunca perdoará Tai por isto, mas percebe que o irmão não toma esta decisão de ânimo leve. Assim, em vez de lavar as mãos do assunto, a jovem aceita fazer a sua parte – fazendo Gatomon digievoluir para Magnadramon.
À semelhança de muitos fãs, eu estava à espera de abraços e lágrimas aquando do reencontro dos irmãos. Nesse aspeto, foi duro ouvi-los falando tão desapaixonadamente um com o outro. No entanto, foi m momento significativo para ambos. Tínhamo-los visto, sobretudo nos dois primeiros filmes de Tri, pisando ovos à volta um do outro, com medo de falarem abertamente. Sempre me pareceu, por exemplo, que o discurso de Kari perante Joe, em Ketsui, era essencialmente aquilo que a jovem queria dizer ao seu onii-chan mas não tinha coragem.
É nestas alturas que compreendo Albus Dumbledore, quando dizia que é preciso muito mais coragem para fazer frente a amigos do que a inimigos.
Este é um momento de viragem na relação de Tai e Kari, portanto. Será que ela, de facto, guardará ressentimento para sempre por causa disto? Essa possibilidade parte-me o coração um bocadinho. Estou certa, aliás, de que os Escolhidos interrogar-se-ão durante muito tempo, talvez para sempre, se poderiam ter feito as coisas de maneira diferente. Talvez acabem por descobrir que, afinal, até havia uma forma de salvarem Meicoomon.
Espero, no entanto, que todos eles, sobretudo Kari, cheguem à conclusão de que tomaram a melhor decisão que podiam naquelas circunstâncias e que se perdoem, tanto uns aos outros, como a si mesmos.
Mas estamos a adiantar-nos um bocadinho.
Quando nem mesmo Omegamon, acompanhado pelos seis outros Digimon em nível Extremo, chegam para derrotar Ordinemon, o dispositivo digital de Meiko ativa-se, fazendo com que os outros seis Digimon cedam o seu poder a Omegamon, dando-lhe uma nova forma: Omegamon Merciful Mode. este desenvolvimento não chega a ser explicado, mas eu tenho uma teoria: é uma mensagem de Ordinemon, talvez mesmo da própria Meiko, pedindo-lhes que terminem o seu sofrimento.
E é precisamente isso que Omegamon faz: um ato de misericórdia. As reações dos Escolhidos, imediatamente antes do golpe final, são de partir o coração. Vários deles mal conseguem controlar as emoções. T.K. nem sequer consegue olhar. Destaque para o ligeiro toque de Tai na mão de Matt – faz-me lembrar o clímax de Saikai, em que fora Matt a amparar o amigo.
É impossível, aliás, não reparar na evolução de Tai desde esse filme. O jovem passara a primeira metade de Tri quase toda sem saber o que fazer. Mas agora era o mais firme e determinado de todos. Agora tomara, finalmente, uma decisão e levá-la-ia até ao fim, doesse a quem doesse.
Após o golpe final, Meiko tem uma visão de Meicoomon. Vêmo-la feliz como nunca a tínhamos visto, despedindo-se de Meiko com um último “dandan”. A jovem descontrola-se por um segundo, mas consegue recompôr-se o suficiente para retribuir a despedida. Meicoomon partia, não renasceria porque morrera no Mundo real, mas estava finalmente em paz.
Só depois de a sua companheira Digimon se desfazer em partículas digitais é que Meiko deixa as lágrimas escorrer livremente.
Entretanto, no Mundo Real, com a morte de Ordinemon, a Escuridão desvanece do céu, as distorções desaparecem – mas os danos de Ordinemon permanecem nos edifícios e infraestruturas.
Na verdade, Mirai não nos dá nem um minuto para respirarmos de alívio por o problema Meicoomon estar, finalmente, resolvido. Somos logo brindados com o irritante evil laugh do Dark Gennai que, de alguma forma, apoderara-se da partícula de Apocalymon – a tal que infetou Meicoomon quando ela ainda estava no Digiovo. Vêmo-lo desaparecendo através de um portal, falando em Daemon ou Diaboromon.
Bem, obrigadinho Tri por não teres demorado a informar-nos que tudo isto foi em vão – ou quase! Não dava para guardar o óbvio sequel bait para depois dos créditos, ou assim?
Havemos de regressar a isto.
Já estamos perto do fim do filme, mas ainda há muito para dizer. Não saiam daí, vou tentar publicar a terceira parte logo à noite. Até lá...