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Álbum de Testamentos

"Como é possível alguém ter tanta palavra?" – Ivo dos Hybrid Theory PT

Sobre a terceira temporada de Ted Lasso #3

Terceira e última parte da análise à terceira temporada de Ted Lasso. Podem ler as partes anteriores aqui e aquiSpoilers para toda a série de Ted Lasso.

 

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Temos, agora, de falar sobre outra das desilusões da temporada: Nate. Não que ache que não tenha havido nada que se aproveitasse da história dele mas, mesmo assim, as expectativas eram altas e, infelizmente, os guionistas não cumpriram. 

 

Da maneira como vejo, sempre existiram dois Nates. Já que Ted Lasso gosta de fazer paralelismos nada subtis com Star Wars, peguemos no tema e chamemos-lhe o lado bom/luminoso e o lado negro. O lado bom é o lado mais genuíno, mais vulnerável, mais gentil, mas que Nate considera uma fraqueza. O lado negro é o lado mais cruel e arrogante. 

 

A terceira temporada de Ted Lasso dá a entender que esta faceta terá sido provocada pela relação difícil de Nate com o pai. É possível que sim: Nate terá encontrado em Ted uma figura paterna e, quando se sentiu abandonado por ele, Nate trocou-o por Rupert. 

 

Não acho, no entanto, que tenha sido só esse o problema.  Acredito que Nate tenha sido influenciado pelo bullying que sofreu ao longo dos anos. Bullying esse que veio, em parte, de futebolistas, pessoas com estatuto que provavelmente Nate cresceu idolatrando. Daí ter internalizado que o lado negro – o lado mesquinho, o lado misógino, a masculinidade tóxica – era o lado desejável.

 

E esse lado esteve lá desde o início: veja-se a primeira reação dele a Ted e Beard, no piloto. Quando essas personagens, bem como Rebecca ou Keeley,. procuraram encorajá-lo, Nate deixa sair o lado errado, confunde agressividade com assertividade. Daí, por exemplo, na primeira temporada, apimentar os seus conselhos para os jogadores com insultos. E as ocasiões em que cospe no seu próprio reflexo.

 

A questão é precisamente essa. Pelo lado da luz, é-se gentil para toda a gente, começando-se por si mesmo. E pelo lado negro é-se cruel para toda a gente, começando-se por si mesmo. 

 

À semelhança de muitos, não adorei Jade quando apareceu pela primeira vez, na segunda temporada. Mesmo agora, após a terceira temporada, apesar de não a detestar, sabemos muito pouco sobre ela. Mas, justiça seja feita, Jade nunca foi à bola com o lado negro de Nate. Só começou a interessar-se por ele quando viu o seu lado genuíno. Mais especificamente, quando o ouviu tentando explicar o motivo pelo qual escolhera aquele restaurante em específico à companhia que Rupert lhe arranjara. 

 

 

É por isso que até gostei desta linha narrativa. A relação de Nate com Jade serviu de reforço positivo ao lado da luz. Conforme comentaram aqui, é difícil explicar a quem não veja Ted Lasso o quão emocionante é ver um homem olhando-se ao espelho e não cuspindo no próprio reflexo. 

 

Dito isto, gostava de ter visto esta jornada de (mais ou menos) redenção de Nate como treinador do West Ham. Gostava de ter visto Nate como treinador do West Ham, ponto – quase não vimos – e acho que teria sido possível fazê-lo sem roubar tempo de antena à vida amorosa dele. As duas linhas narrativas podiam ter decorrido em paralelo, influenciando-se uma à outra. 

 

Porque eu acredito que a redenção (mais ou menos) de Nate também se refletiu no seu trabalho no West Ham. No início da temporada, vemo-lo sendo uma besta para com os seus jogadores, bem como para os colegas do clube. Ainda assim, o West Ham sai-se bem no campeonato, rivalizando com o Richmond – ou seja, alguma coisa Nate estaria a fazer bem. Em episódios posteriores, vemo-lo tendo uma relação cordial, mesmo amigável com os colegas da equipa técnica. Podemos assumir que terá desenvolvido uma relação semelhante com os jogadores do West Ham.

 

Uma das grandes falhas da temporada.

 

Em contraste com Jade, Rupert é uma clara força negativa na vida de Nate. Aqui sim, vemos uma representação razoável de love bombing, de alternância entre distância e proximidade, como forma de mantê-lo sob controlo, de isolá-lo dos demais – tal como já tinha feito com Rebecca na verdade. Mais: Rupert atua como o diabo no ombro de Nate, estimula o seu lado negro. 

 

Veja-se, por exemplo, o quarto episódio. Nate faz múltiplas tentativas de falar com Ted – e cada uma delas é bloqueada por Rupert, de uma forma ou de outra. Vários episódios mais tarde, quando Nate está já numa relação com Jade, alguém que estimula o seu lado gentil e que não vai na conversa de Rupert, este último tenta levar Nate a traí-la. Ao que parece, este último evento é o que faz com que Nate finalmente perceba quem Rupert realmente é, pois quando voltamos a vê-lo já tinha apresentado a demissão como técnico do West Ham. 

 

Esta será talvez a decisão mais incompreensível em toda a terceira temporada, talvez mesmo em toda a série: não mostrarem a demissão de Nate. 

 

 

Estivemos a temporada toda… Não, ainda mais. Desde o final da segunda temporada que esperávamos o momento em que Nate se aperceberia do erro que cometeu e faria frente a Rupert. Não sabemos se Nate foi sincero com Rupert ou se inventou alguma desculpa para sair. Perdeu-se uma oportunidade para desenvolver tanto Rupert como Nate. 

 

Depois desta, o Wonder Kid passa algumas noites na casa dos pais. Chega a ter uma inveja aberta com o pai, censurando-o por sempre ter exigido demasiado dele. 

 

É um momento importante, não me interpretem mal. Resolve uma bia parte das inseguranças de Nate. Mas para mim não é suficiente pois, como expliquei antes, os chamados “daddy issues” não explicam tudo. 

 

Em todo o caso, resolvidas as coisas com o seu pai, Nate enfia-se à socapa no Richmond, faz o trabalho de Will e deixa um bilhete pedindo perdão – assinando como Wonder Kid. 

 

Ainda assim, Nate não regressa logo ao Richmond. Opta antes por trabalhar no mesmo restaurante que Jade. Seria de esperar que, depois de ter tido um bom desempenho ao comando do West Ham, houvessem clubes interessados em contratar Nate. É possível que ele tenha recebido propostas e que as tenha recusado – mantendo-se afastado do futebol para se castigar a si mesmo. 

 

É uma pena a série não o ter abordado. 

 

No início do penúltimo episódio da temporada, Will, Isaac e Colin aparecem no restaurante e pedem a Nate que regresse ao Richmond – um desejo unânime de todo o plantel.

 

 

Uma vez mais, os guionistas fizeram batota. Na última vez que Nate e a equipa do Richmond estiveram no mesmo contexto, Roy e Beard tinham exibido imagens de Nate rasgando o cartaz com “Believe” – um talismã para a equipa, já um símbolo do clube – como forma de motivar a equipa. Saiu-lhes o tiro pela culatra: os jogadores reagiram como touros enraivecidos e recriaram a Batalha de Nuremberga do Mundial 2006. Para ir disto a um desejo unânime de que Nate regresse são precisos vários passos que a série não mostrou.

 

E devia ter mostrado. Nem era preciso muito. Bastava vermos a conversa do plantel que resultou na decisão. Seria uma oportunidade de ouro para desenvolver a equipa em geral e os jogadores em particular. Sam obrigando Colin e Isaac a admitir que maltrataram Nate no passado – e que isso terá contribuído para a deserção. Jamie fazendo também o seu mea culpa: também ele, a certa altura, se voltou contra o Richmond, mas teve direito a uma segunda oportunidade. 

 

Aliás, nesta parte da história, o problema não é Nate. Na minha opinião, este age com a contrição adequada. O resto do elenco é que o perdoa com demasiada facilidade.

 

Uma vez mais, da última vez que o assunto “Nate” viera à baila (tirando quando Nate e Beard levaram Henry a um jogo do West Ham), andava toda a gente em cima de Ted por este estar em negação no que toca ao que acontecera com Nate. Ted dizia que não estava magoado e ninguém acreditava nele – nem sequer Roy, de todas as pessoas. 

 

Ted nunca chega a refletir sobre os danos que Nate lhe provocou, nem chega a falar com ninguém sobre o assunto. Se isso aconteceu, não o mostraram. Logo, não faz sentido que toda a gente esteja a favor do regresso de Nate, quando a hipótese é levantada. Roy diz mesmo “I don’t give a fuck”, o que, na minha opinião, soou mais desprendido do que, se calhar, os guionistas queriam. 

 

 

Beard é o único a objetar – e na minha opinião o momento é mais cómico que dramático. Em compensação, mais tarde ele mesmo vai ter com Nate e oferece-lhe o emprego de volta. É outro ponto alto da temporada. Descobrimos finalmente o passado de Beard, que entre outras coisas também ele traiu a confiança de Ted no passado – e, na minha opinião, o que Beard fez foi pior. 

 

Aliás, é um bocadinho caricata a forma como Beard tem um passado tão retorcido e esta foi a primeira e a única vez que ouvimos falar dele. De qualquer forma, sim, se Beard teve direito a uma segunda oportunidade, Nate também tem. 

 

Ainda assim, ficou a faltar uma conversa aberta entre Ted e Nate, uma conversa de “thank you/fuck you” semelhante àquela que teria com a mãe. Sim, Nate pede desculpas a Ted, mas sabe a pouco. Outro aspeto que me incomodou foi a maneira como todos os crimes de Nate foram aglomerados num conjunto vago ou mesmo esquecidos. Nate foi uma besta para com Will, para com Colin, beijou Keeley sem o seu consentimento, deu com a língua nos dentes em relação aos ataques de pânico de Ted. Ainda agora, na preparação para este texto, revi a conversa entre os dois no último episódio da temporada e fiquei chocada – não me recordava de tanta crueldade.  

 

E no entanto a terceira temporada age como se o maior crime de Nate tenha sido rasgar um cartaz.

 

Adicionalmente, Nate nem sequer volta a falar de Rupert nem do tempo que passou a orientar o West Ham. O último jogo da temporada é precisamente perante eles. Ted Lasso tenta pintá-lo como o grande clímax da temporada, talvez mesmo de toda a série, mas não funciona. Nesta fase, os arcos narrativos de quase todo o elenco já tinham sido resolvidos – nomeadamente os de Rebecca e de Nate, as personagens mais antagonizadas por Rupert. Até trazem de volta George Cartrick, o antecessor de Ted no comando do Richmond, agora substituto de Nate. Calculo que a intenção da série era que o víssemos como um némesis de Ted e/ou do Richmond em geral. Concordo que Cartrick é a antítese de Ted em quase todos os aspetos. No entanto, na minha opinião, nunca foi um antagonista, apenas uma personagem secundária irritante.

 

Em suma, o último jogo da temporada não tem tensão praticamente nenhuma.

 

E o jogo em si foi muito mais ou menos. A cena do penálti que passa pela rede furada foi um bocado parva – daquelas coisas que, se acontecesse na vida real, sobretudo no futebol português, toda a gente se atiraria ao ar. Por outro lado, o golo da vitória, com alusões à primeira temporada, foi bem sacado. 

 

 

A certa altura Rupert desce ao banco do West Ham e ordena a Cartrick que diga aos jogadores para lesionar Jamie – ele que estava a ser o mais perigoso do Richmond. Quando Cartrick recusa, Rupert agride-o – deixando bem claro para toda a gente que perdeu a cabeça há muito. O público até se vira contra ele, recuperando o “Wanker!” que antes dirigia a Ted.

 

Não gostei muito da cena. Para começar, foram longe demais com Rupert, transformando-o num vilão de desenhos animados – não ao nível de Afuko, mas não assim tão longe. Depois, não dá para perceber se a narrativa quer que simpatizemos ou não com Cartrick. Por um lado, fica com os genitais à mostra perante as câmaras depois de ser empurrado por Rupert. Por outro, por muitos defeitos que tenha, não desce ao ponto de intencionalmente lesionar um adversário. 

 

A cena teria tido outro impacto se nesta altura, Nate ainda estivesse a orientar o West Ham. Podia já ter feito as pazes com os antigos colegas do Richmond, podia estar já de pés atrás em relação a Rupert, mas cumpriria o seu contrato no West Ham. Assumindo que, como disse acima, nesta altura já teria uma relação amigável com os colegas, talvez Nate continuasse por lealdade para com eles. O jogo sujo de Rupert e a agressão seriam a gota de água para Nate – sobretudo quando os jogadores e restante equipa técnica do West Ham se voltassem contra Rupert, à semelhança do público. 

 

Esta seria a minha versão da história, se fizesse parte da equipa de guionistas. Vale o que vale. 

 

É dado a entender que Nate regressa à equipa técnica do Richmond no final da série. Roy, no entanto, toma o lugar de treinador principal. Alguns se calhar esperavam que fosse Nate a suceder a Ted. Eu aceito este desfecho – é possível que Nate ainda não se considere merecedor do lugar. Mas ele tem talento para ser mais do que adjunto de Roy. A longo prazo, não me custa imaginá-lo de novo orientando um clube. Se não o Richmond, outro qualquer após uma rescisão amigável. 

 

Em todo o caso, penso que todos concordamos que a redenção de Nate deixou muito a desejar. Perderam-se várias boas oportunidades aqui.

 

Falta só falar sobre o nosso protagonista: Ted. 

 

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Num dos vídeos que o canal de YouTube Cinema Therapy fez sobre Ted Lasso, Jon e Alan comentaram que a terceira temporada parece tão errática porque o próprio protagonista está a passar por uma fase mais deambulante da sua vida. A temporada começa com Ted vendo Henry, o seu filho, embarcando de volta a casa, no Kansas, depois de ter passado o verão em Londres, com o pai. 

 

Nesse mesmo episódio, Ted interroga-se algumas vezes sobre o que ainda está a fazer em Londres. Viera para o Richmond para tentar salvar o seu casamento – casamento esse que estava morto e enterrado. Agora Henry estava a crescer a um oceano de distância dele. 

 

Na minha opinião, perderam-se mais oportunidades aqui. Por exemplo, para fazer a ponte com a última conversa com Nate. Ted duvidando de si mesmo, das suas capacidades como treinador – talvez uma das motivações para a contratação de Zava, como referido antes. Ou então, colocando em prática a lição que passara aos jogadores nesse mesmo episódio, de ignorar insultos dos demais.

 

Temos agora de falar sobre uma das piores partes da temporada: a linha narrativa de Ted com Michelle e o seu novo parceiro, Jake. Na primeira temporada, um dos pontos altos foi a maneira como o divórcio de Ted e Michelle foi abordado. Uma separação civilizada, sem diabolizar nenhuma das partes, mesmo que o rescaldo tenha sido doloroso – sabemos que o foi para Ted, é possível que também o tenha sido para Michelle.

 

Pois bem, estragaram tudo.

 

Na altura em que a terceira temporada estava a ser exibida, li um artigo ou outro sobre Jason Sudeikis (o ator que dá a vida a Ted e que é um dos principais guionistas) e a sua turbulenta separação da atriz Olivia Wilde. Estes artigos alegavam que o divórcio dele se estava a refletir nesta linha narrativa. Não concordo com tudo o que escreveram, sobretudo aqui. No entanto, pela maneira como o protagonista de Ted Lasso ocupa uma larga fatia do tempo de antena com um casamento terminado cerca de dois anos antes e pelas coisas de que falaremos a seguir, pergunto-me se não haverá alguma verdade nas acusações.

 

No terceiro episódio descobrimos, então, que Michelle está a namorar o antigo terapeuta de casais dela e de Ted e… meu Deus! 

 

 

Parece que os guionistas pesquisaram e, tecnicamente, como já teria passado um ano e meio, dois anos, desde o fim das consultas, não estavam a cometer nenhuma ilegalidade. Mesmo assim… isto é super retorcido. Uma pessoa olha para trás – para quando Ted se sentiu atacado na terapia de casais, para a decisão de “dar espaço” a Michelle – e é legítimo pensar se Jake não sabotou intencionalmente o casamento dos seus clientes enquanto exercia a sua profissão.

 

Esta linha narrativa tem uma consequência boa que é fazer Ted admitir abertamente a Michelle que não está contente com a situação, o que é um passo importante para ele. E nem é por Michelle namorar o antigo terapeuta: é por ter inserido um homem na vida de Henry sem falar primeiro com Ted. Legítimo.

 

Por outro lado, tivemos um episódio em que Ted vai muito além do aceitável: quando Michelle e Jack vão de viagem a Paris e Ted fica obcecado com a possibilidade de ficarem noivos. Chega a colocar a hipótese de contratar um investigador privado para descobrir. Felizmente Rebecca chama-o à razão, mas Ted não deixa de ficar muito mal na fotografia aqui. 

 

Saltando para o último episódio da temporada, vemos Michelle sem grande paciência para Jake. No fim, Ted regressa ao Kansas, para a casa dele – não se vê Jake em lado nenhum. Não é claro se Ted e Michelle pretendem reatar ou se o primeiro vai apenas ficar com ela e Henry até arranjar casa própria. Eu preferia a segunda hipótese.

 

Voltando atrás e deixando a vida pessoal de Ted de lado para já, uma coisa boa desta temporada foi finalmente ver o nosso protagonista mais envolvido na parte técnica do seu trabalho. 

 

Já não é a primeira vez que o escrevo: durante duas temporadas e meia Ted funcionou mais como um mental coach do que como um treinador principal. Um papel importante, sim, mas não o suficiente. Nate, Roy, mesmo Beard iam fazendo a maior parte do trabalho técnico. Ted deve-lhes muito do seu sucesso. E apesar de o nosso protagonista lhes dar o devido mérito, sempre achei que era uma dinâmica… questionável. Sobretudo sabendo o que sei do futebol na vida real. Sempre achei que foi um dos motivos para a deserção de Nate. 

 

 

No episódio de Amesterdão, no entanto, Ted tem uma epifania inspirada por uma transmissão de um jogo antigo de basquetebol dos Chicago Bulls. Toma o seu próprio caminho para chegar ao Futebol Total, ao tiki taka. Uma filosofia futebolística que, como o próprio texto assinala, é um reflexo da cultura que Ted implementou no Richmond – e, acrescento eu, é o oposto do Zava-mais-dez dos primeiros episódios da temporada. 

 

E, após um começo em falso, a filosofia dá resultados. Adiantando-me de novo, o Richmond termina o campeonato em segundo lugar. Teria sido mais bonito, mais épico, se o Richmond tivesse ganho o título, admito, mas talvez fosse um bocadinho para lá do realista. 

 

Ou não. Veja-se a história do Leicester em 2016

 

Terminar em segundo na Premier League não deixa de ser um grande feito para uma equipa como o Richmond: modesta, vinda da segunda divisão, que, mesmo nos seus melhores momentos, andara apenas pela metade inferior da tabela classificativa. Isto para não falar do seu treinador principal que, dois anos antes, não conhecia as regras mais básicas do desporto. 

 

Com o segundo lugar, o Richmond ganha acesso aos milhões da Champions League. Se conseguirem arranjar bons reforços, segurar jogadores como Jamie ou Sam, bem como a equipa técnica atual, o Richmond tem todas as possibilidades de continuar a lutar pelo título nas épocas seguintes e, eventualmente, ganhá-lo. 

 

Ainda assim, o sucesso do Richmond não é suficiente para contrariar a infelicidade de Ted na sua vida pessoal.

 

No penúltimo episódio da temporada, Ted recebe a visita inesperada da mãe. Vemos logo que o nosso protagonista tem muitas semelhanças com ela – uma pessoa calorosa, que cuida de toda a gente, que usa a sua atitude positiva como um mecanismo de defesa. Ainda mais do que Ted.

 

 

Já escrevi aqui no blogue sobre o “thank you/fuck you”, sobre o “both/and”, noutros contextos mas inspirada precisamente pela conversa que Ted tem com a mãe no final do episódio. O mesmo que se foca na relação de Jamie com o seu pai. James Tartt foi uma besta para com o filho mas Dottie, na minha opinião, é muito mais parecida com a maior parte dos pais na vida real. Fez o melhor que pôde pelo filho, mas é humana, a vida é difícil, cometer erros como todos os pais cometem. E não esquecer que o fez enquanto lidava com uma situação impossível: a morte do marido por suicídio. 

 

O que não muda o efeito que tais erros tiveram no filho. 

 

Em defesa de Dottie, esta aceita as críticas como uma mulher adulta, sem se colocar na defensiva, sem criticar de volta. Melhor do que muitos pais, mesmo dos bons. E a conversa serve para Ted tomar a decisão que queria tomar toda a temporada: regressar ao Kansas, para junto de Henry, no fim da época.

 

Não vou fingir que isto foi uma surpresa. Pelo contrário, sempre soube que a série terminaria assim: o Manic Pixie Dream Coach retirando-se depois de ver o seu trabalho concluído. Deu para ver ao longo desta temporada que o Richmond tem uma atmosfera completamente diferente da que tinha no início da série – e existem ocasiões em que Ted nem sequer precisa de intervir. 

 

Um dos exemplos ocorre logo no primeiro episódio: os jogadores indignando-se com os insultos de Nate numa conferência de imprensa, Beard impedindo Ted de se meter ao barulho, indicando Jamie que repete a lição que o próprio Ted ensinara antes. Outros casos foram quando a equipa tem a iniciativa de ir arranjar o restaurante de Sam e, mais tarde, de convidar Nate a regressar ao Richmond (mesmo com todos os asteriscos que assinalei acima). 

 

É por isso que concordo com o título do livro de Trent Crint: “The Richmond Way” em vez de “The Lasso Way”. Porque nesta altura já não é só Ted, o espírito estendeu-se ao clube inteiro. 

 

Além disso, ficou claro ao longo de toda a temporada que Ted nunca seria feliz com o filho crescendo noutro continente. 

 

 

Dito isto tudo… tirando Henry, Dottie ou, quanto muito, Michelle (mesmo não reatando, acredito que se mantenham amigos), para que é que Ted vai voltar no Kansas? Para quem? A família que ele arranjou ficou toda em Londres: Rebecca, Nate, Roy, Higgins, Trent, os jogadores… mesmo Beard, o amigo mais antigo que lhe conhecemos, escolhe ficar em Londres para casar com Jane. É possível que Ted tenha outros amigos no Kansas, mas não os conhecemos. 

 

Quando a série ainda estava a decorrer, ainda pensei que Ted pudesse encontrar um clube em Kansas – quer de futebol americano, quer de futebol “a sério”. A série podia dar a entender que Ted iria começar de novo noutro clube em dificuldades, transformá-lo também numa família – mas desta feita com Henry por perto. Um cenário destes far-me-ia aceitar melhor um final em que Ted deixa quase todos os seus amigos noutro continente. 

 

Os guionistas, no entanto, tinham outras ideias. Ted fica a orientar uma equipa infantil de futebol, na qual Henry joga. Pode-se argumentar que é onde a personalidade calorosa e otimista de Ted melhor se encaixa: entre crianças. E talvez estar perto do filho seja suficiente para Ted.

 

Mas não sei se, a médio/longo prazo, não começará a faltar algo.

 

E pronto, era isto que tinha a dizer sobre Ted Lasso. Esta última temporada deixou muito a desejar, mas continuo a achar que o balanço final é positivo. Sempre fui fã de histórias sobre esperança, redenção, crescimento, famílias de escolha. Temas que Ted Lasso aborda, com algum idealismo e fantasia, mas sem deixar o realismo completamente de lado. A série começou em 2020, numa altura em que as suas mensagens nunca tinham feito mais falta. Eu não apanhei logo esse comboio. Só vi as duas primeiras temporadas em 2022. Mas posso dizer, sem exageros, que (como já aludi noutro texto deste blogue) uma das suas mensagens – pior que estar infeliz é estar sozinho e infeliz – mudou a minha vida. 

 

A cereja no topo do bolo é o facto de ser sobre futebol – sobre o romance do futebol, sobre a humanidade do futebol. Como referi antes, é uma das minhas partes preferidas em Ted Lasso, mesmo que nem todos concordem comigo. Farto-me de citá-la em ambos os meus blogues – blogues esses que não costumam ter muitos denominadores comuns. 

 

 

Quando a terceira temporada terminou, em 2023, todos assumimos que seria o fim de Ted Lasso. Os próprios criadores tinham deixado bem claro que a história tinha sido pensada para três temporadas – algo que fica evidente olhando para a série em geral. Não existiam planos para ir além disso.

 

Desde o verão passado, no entanto, têm surgido rumores apontando para uma continuação da história. De início até fiquei entusiasmada. No entanto, fui pensando melhor no assunto e tenho as minhas reservas. Afinal de contas, a qualidade caiu na terceira temporada. Quem me garante que não irá continuar a diminuir? Sobretudo quando não havia planos para mais temporadas. Por exemplo, como vão tirar Ted do Kansas?

 

Um spin-off até poderia resultar, se fosse bem feito – um grande "se". Um reboot, como já vi sugerido, no entanto, é que não quero de todo. 

 

A ver o que o tempo dirá. O que quer que seja ainda estará numa fase muito embrionária. Se sempre houver mais Ted Lasso, em princípio vejo. Nem que seja só por causa deste elenco. Uma das coisas boas de ter escrito esta análise foi ter passado mais tempo com estas personagens, ter enganado as saudades. 

 

E passei muto tempo mesmo. Quase um ano, contando com a preparação. Com pausas pelo meio, sim, mas não deixa de ser um recorde. Foi um texto difícil de escrever: conforme previ, eram músculos que não exercitava há muito tempo. Precisei de várias tentativas para acertar com a estrutura. As inúmeras vezes que deixei o texto em banho-maria, bem como o pouco tempo que tenho tido para escrever, não ajudaram. Não escrevi nenhum texto de fim de ano até agora precisamente porque não queria adiar esta análise de novo – sobretudo quando esta estava finalmente a encarreirar. 

 

E de uma maneira muito típica pela parte que me toca, ficou mais comprida do que estava à espera. 

 

Mas finalmente está terminada e estou satisfeita com ela. O meu próximo texto será um apanhado dos concertos a que fui em 2024 (alerta spoiler: foram muitos. Mesmo muitos). Espero não me demorar muito – quero publicá-lo antes do concerto dos Hybrid Theory com os Grey Daze no próximo mês – mas nesta fase as minhas promessas valem o que valem. 

 

Também já sei quais serão os dois textos que se seguirão a esse. Só espero conseguir concluí-los este ano.

 

Obrigada pela vossa visita. Visitem a página do blogue no Facebook. Até à próxima!

 

EDITADO: Obrigada, Sapo, pelo destaque. 

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