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Álbum de Testamentos

"Como é possível alguém ter tanta palavra?" – Ivo dos Hybrid Theory PT

Paramore – This is Why (2023) #2

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Segunda parte da minha análise a This Is Why. Primeira parte aqui.

 

Agora falemos de Liar. Esta também tem muitos fãs, se bem que por motivos muito diferentes. Desde Brand New Eyes, todos os álbuns dos Paramore, incluindo o Singles Club, incluem um número acústico calminho. Em This is Why, esse número acústico é também a canção de amor – a tal que eu esperava que incluíssem.

 

Já não é a primeira vez que digo aqui que, por defeito, gosto sempre das canções de amor (claro que existem exceções). Mesmo sem o meu viés favorável, acho Liar uma música linda. É um número acústico sim, como Misguided Ghosts, In the Mourning e 26. Ao mesmo tempo é diferente, é única na discografia dos Paramore – eu pelo menos não me recordo de outro tema com este tom atmosférico.

 

Hão de reparar na bateria incrivelmente intricada de Zac. As pessoas tendem a dar mais importância à bateria em músicas mais agitadas, mas esta é igualmente importante em baladas como esta. Em Liar, então, a bateria casa lindamente com a melodia – Hayley deu a entender que a compôs em consonância com esse ritmo.

 

Por fim, não sei se foi de propósito, mas aquelas batidas depois do segundo refrão lembram-me batimentos cardíacos.

 

Aquilo de que toda a gente quer falar, no entanto, é da letra de Liar, claro. Esta é a primeira canção de amor que Hayley lança desde que foi confirmado aquilo que muitos suspeitavam há anos: ela e Taylor estão a namorar. Aliás, nesta altura já estarão a viver juntos.

 

 

Agora que já lá vai algum tempo desde a confirmação, tenho gostado da comunicação em torno do relacionamento: muito reduzida. Não surpreende, sobretudo depois de terem demorado três ou quatro anos a torná-la pública. Taylor é muito mais reservado que Hayley. A ideia com que fico é que é sobretudo por causa dele que Hayley não é mais aberta sobre o assunto. Ao mesmo tempo, a relação só pertence a eles. Eles não têm obrigação nenhuma de partilhar detalhes com os fãs – e nós não temos o direito de exigi-los.

 

Dito isto, eu – à semelhança de muitos outros – fico contente com as migalhas que eles vão deixando. Como as interações dos dois em palco. Ou Hayley usando uma alça de guitarra de Taylor como cinto (ela é um ícone da moda!). 

 

Só peço que nos digam qualquer coisa quando houver casório.

 

Liar pega em temas já explorados em Petals For Armor. Na letra, Hayley fala de negar aquilo que sente, reprimi-lo, mentir a si mesma e aos demais. Porque existiam imensas objeções ao que ela sentia. Porque Taylor é um colega de banda e isso costuma dar barraca. Já tinha dado barraca quando ela namorara com Josh em miúda. Porque ela tinha medo dos juízos de valor do público – mesmo a minha primeira reação, quando soube dos rumores, não foi das melhores. Porque a relação com Taylor era relativamente fácil, saudável, e Hayley não estava habituada a isso. Porque a relação anterior a esta ia dando cabo dela e Hayley, sem surpresas, tinha medo de se apaixonar outra vez. Porque a própria Hayley não se achava merecedora de Taylor e receava magoá-lo – “All the ways I keep you safe, I keep you safe from me”. Porque, em geral, apaixonar-se pode ser assustador.

 

Mas Hayley não conseguiu enganar Taylor. E ele nem sequer precisava de ser enganado.

 

Gosto muito da segunda estância. Começando pelos dois primeiros versos: “Got so good at fighting chemicals and dodging arrows I was asking for”. A sobreposição de duas visões diferentes sobre o amor. A mundana – porque há quem diga que o amor e a atração são apenas produto de hormonas e neurotransmissores. E a divina – as flechas de Cupido, de que Hayley se desviava.

 

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Por seu lado, os versos seguintes – “wading through the fog and then it disappeared, naked when I’m here” – recordam-me Naked, de Avril Lavigne, uma das minhas canções de amor preferidas de todos os tempos. Em particular os versos “Then you came around me, the walls just disappear, nothing to surround me, to keep me from my fears”. Hayley tentando proteger-se e não sendo capaz, dando por si numa posição vulnerável.

 

Na terceira estância, Hayley aceita finalmente os seus sentimentos, ama sem medo ou vergonha. E estimula os ouvintes a fazerem o mesmo.

 

Hayley diz que Liar é a sua preferida em This is Why neste momento. Também está entre as minhas, diria eu.

 

No entanto, a minha preferida neste álbum, pelo menos para já, é Crave. Penso que também é uma das mais populares, mas posso estar enganada.

 

Em termos de sonoridade, encaixar-se-ia bem no Self-Titled. Temos outro refrão circular, mas este incomoda-me menos que o de Big Man, Little Dignity. 

 

A letra de Crave fala sobre nostalgia, que é um assunto bastante universal, sobretudo na Internet. Eu pelo menos podia encher páginas e páginas sobre isso – vou fazer um esforço por me conter.

 

 

Hayley disse na entrevista ao Zane Lowe que, muitas vezes, tem dificuldades em desfrutar de um bom momento porque sabe que este vai acabar. Depois de acabar, fica com saudades, lamenta não ter aproveitado melhor.

 

Eu também muitas vezes não consigo aproveitar o momento, “estar presente” como agora se diz. Nem sempre é por saber que vai acabar. Muitas vezes estou demasiado presa à minha cabeça, sinto-me triste por algum motivo ou nenhum, sinto-me ansiosa por algum motivo ou nenhum, e estrago a experiência a mim mesma.

 

Outras vezes tenho grandes expectativas para um determinado evento e depois a realidade não consegue corresponder. Acho que é daquelas coisas que pioram com a idade. Quando somos novos tudo é especial, tudo é novidade, tudo é marcante. Vai-se tornando cada vez mais difícil recaptar essa sensação à medida que vamos vendo mais, vivendo mais.

 

Este é um tema mais ou menos recorrente nas letras de Hayley. Por exemplo, em First Thing to Go, de Flowers For Vases, que reza: “Why do memories glow the way real moments don’t?”. E sobretudo em All I Wanted, como assinalaram no podcast Still Into You (que recomendo vivamente): “I could follow you to the beginning, just to relive the start, maybe then we’d remember to slow down at all of our favorite parts”

 

Já não é a primeira vez que o digo: tenho muito a tendência de querer desesperadamente reviver o passado e negligenciar o presente. É algo que tento ativamente contrariar. Há um par de meses, por exemplo – e perdoem-me por falar disto outra vez – quando tive uma recaída nas minhas saudades de Chester Bennington (de que ainda não recuperei a cem por cento), só queria voltar atrás. Queria aproveitar melhor a curta vida dele: interessar-me mais cedo pelos Linkin Park e pelos Dead By Sunrise, ir a mais concertos dele, reviver aqueles a que fui.

 

Regressamos a Crave. Se a primeira estância fala de nostalgia por bons momentos, a segunda fala de nostalgia por maus momentos, o que não é comum. Não é a primeira vez que ouvimos Hayley falar de romantizar situações menos boas – e ainda agora vimos, a propósito de C’est Comme Ça, que ela tem afinidade para o caos. Em Crave, Hayley vai mais longe e diz mesmo que não mudaria nada.

 

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O que é… interessante, suponho eu. Arrojado. Afinal de contas, Hayley foi magoada a sério, magoou outras pessoas a sério, teve ideação suicida – algo a que a própria letra de Crave faz referência. 

 

Não se arrepender disso será a atitude mais saudável? Não sei. Por um lado, será fácil dizer agora que faria tudo de novo. Agora que está numa melhor fase da sua vida, agora que sabe que sobreviveu – e se orgulha disso, merecidamente.

 

Por outro lado, é aquela clássica: se Hayley não tivesse passado por aquilo que passou, se não tivesse cometido os erros que cometeu, não teria aprendido o que precisava de aprender, não estaria onde está hoje. Por exemplo, já antes referi este discurso, em que Hayley declarou que repetiria aquele que descreve como o pior ano da sua vida, só mesmo porque fez com que ela visse o quanto Taylor gostava dela. Mais tarde, em Taken, de Petals For Armor, Hayley reitera que passaria por tudo de novo: “Might’ve taken thirty years but I was always on my way to him”.

 

Lembra também Sharp Edges, dos Linkin Park. 

 

E, claro, o que não nos mata torna-nos mais fortes (bem… até certo ponto), dá-nos algo sobre que escrever, dá-nos algo sobre que cantar.

 

Isso de não acreditar em arrependimentos é daquelas filosofias a que subscrevo em teoria. Admito mesmo que tenho erros que não me arrependo de ter cometido, não por completo pelo menos. Porque deram-me oportunidades que não teria de outra forma.

 

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Na prática, no entanto, arrependo-me de muitas coisas – acabei de falar de algumas. Penso muitas vezes no que teria acontecido se tivesse tomado outras decisões. Mesmo sabendo que talvez fosse uma pessoa diferente hoje.

 

Ou não.

 

Apesar de tudo, sei que, tirando a parte de aprender com os erros, não serve de nada carregar arrependimentos. Não serve de nada nadar em águas passadas, pensar em cronologias alternativas, viver na Terra do Nunca de Kizuna. Para quê preocuparmo-nos com o que não podemos mudar? 

 

Se me permitem o exemplo aleatório, o futebolista Rúben Dias disse há um par de meses que “não jogava com ‘se’s” (já nem me lembro do contexto, terá sido na Seleção…?). Uma frase inesperadamente sábia – nem deve ter sido de propósito. O que uma pessoa tem de fazer é jogar o melhor que puder com o aqui e agora – o que remete para a primeira estância de Crave.

 

(Caso não tenham percebido, a mensagem do parágrafo anterior é para mim mesma.)

 

A terceira parte da música é a minha preferida, tanto em termos de sonoridade como de letra. Gosto do instrumental depois do segundo refrão, do pequeno solo de guitarra e da bateria de Zac. E Hayley exibe a sua voz impressionante.

 

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Na minha opinião, os versos “Any second feel the present, future and the past connecting” fala daqueles momentos, bons ou maus, que mudam a nossa vida, que se transformam em memórias centrais, como no Inside Out. O que acaba por ser paradoxal: quando estes momentos acontecem, regra geral só o percebemos à posteriori. Lá está, porque estamos presentes no momento, não estamos a pensar demasiado.

 

Adoro esta canção. Espero que seja lançada como single, com direito a videoclipe. Crave e A Praise Chorus passaram a ser as minhas músicas de dias de concerto: A Praise Chorus para antes, Crave para depois (talvez acrescente Long Live (Taylor’s Version). Afinal de contas, para mim concertos são das melhores coisas do mundo, sobretudo de músicos que adoro. São definitivamente daqueles momentos em que o passado, o presente e o futuro se unem. Não é por acaso que me fartei de dar rotação a Crave há poucas semanas – depois de ter voltado a ver os Hybrid Theory, na noite de 20 para 21 de julho. 

 

E, seguindo a mensagem do refrão, quero repetir o a experiência. Já estou a fazer planos para isso. 

 

Havemos de voltar a falar sobre concertos (oh sim). Para já, falta falarmos sobre Thick Skull – a última música do alinhamento de This is Why, mas que terá sido composta em primeiro lugar.

 

Esta é capaz de ser a faixa mais interessante em todo o álbum em termos de sonoridade. A banda cita dos Radiohead e o álbum A Rush of Blood to the Head dos Coldplay como inspirações, o que faz sentido. Algumas partes recordam-me um pouco Just a Lover, de Flowers For Vases. É um som algo sombrio, com um toque de jazz fora da caixa para os Paramore mas de que gosto imenso. Destaque-se a guitarra elétrica de Taylor. 

 

Por esta altura, qualquer fã de Paramore minimamente bem informado sabe que Hayley é considerada a cara da banda. Para o melhor e para o pior – ela tem as costas largas. Pelos membros que vão e vêm, pelas pessoas que ela namora, pelas letras pouco feministas, tudo à mistura com uma dose generosa de misoginia. O mais saudável seria ignorar, claro, mas Hayley é humana, interiorizou muitas destas críticas. Não é fácil libertar-se delas.

 

 

Hayley disse que escreveu a letra de Thick Skull fingindo que tudo o que as más-línguas têm dito sobre ela ao longo dos anos era verdade. Uma maneira de se libertar desses demónios de uma vez por todas, agora que o seu contrato com a Atlantic Records finalmente terminou. 

 

Não sei se acredito a cem por cento nessa explicação. A letra parece-me mais sincera do que isso.

 

I am a magnet for broken pieces, I am attracted to broken people”. Ainda há pouco vimos que Hayley tende a escolher pessoas tóxicas. Em Thick Skull, Hayley compara-as a cacos de vidro. Apanha-os do chão mas corta-se, é vista pelos demais com sangue nas mãos e estes assumem o pior em relação a ela – quando Hayley estava só a tentar ajudar. 

 

Agora é que compreendo a expressão anglosaxónica “caught red handed”.

 

Na segunda estância, Hayley fala em cadáveres enterrados que a assustam – poderá ser uma metáfora para erros que ela cometeu no passado e que lhe pesam na consciência. No refrão, Hayley admite ser incapaz de aprender e desafia os demais a dar-lhe sermões: “C’mon, give it to me, give it to me”.

 

O cenário pintado por Thick Skull faz-me ver o videoclipe de Playing God sob uma nova perspectiva. A protagonista desse vídeo é uma pessoa respeitável com um segredo sombrio. Havemos de falar melhor sobre isso quando escrever sobre Brand New Eyes, mas sempre me interroguei sobre em que é que os Paramore estavam a pensar quando criaram o conceito desse videoclipe. Sobretudo tendo em conta que este saiu poucas semanas antes do infame abandono de Zac e Josh. Sempre teorizei que a ideia para o vídeo partiu de Josh, indiciando as acusações que faria a Hayley mais tarde. Agora pergunto-me se não terá sido ideia de Hayley, já nesta altura gozando com a perceção que as pessoas tinham dela. 

 

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Se quiserem lançar algum videoclipe para Thick Skull, espero que façam uma versão noir do videoclipe de Playing God. Esqueçam os raptos, façam de Hayley uma serial killer perseguindo Zac e Taylor. Deem a entender que já apanhou Josh e Jeremy. Seria uma delícia. 

 

Esta dicotomia entre ser-se herói ou vilão, ser-se herói e vilão, remete para You First e na verdade é, para mim, o tema principal de This is Why. O discreto denominador comum de um álbum que, à primeira audição ou mesmo à segunda, parece algo desconjuntado. Sou herói ou sou vilão? Estou a fazer bem ou mal? Sou parte do problema ou parte da solução? 

 

E se for ambos? E se estes atributos não se excluírem uns aos outros?

 

Praticamente todas as músicas lidam com este tema. Em This is Why, “you’re either with us or you can keep it to yourself” – se concordas tudo bem, se discordas és cancelado. Em The News, se ligas as notícias, sofres com elas e pouco podes fazer para resolver o problema. Se desligas, és egoísta e nem sequer consegues alívio. Em Running Out of Time, até podes ter boas intenções, mas nem sempre consegues concretizá-las e, uma vez mais, ainda passas por egoísta. Em C’est Comme Ça, tenta-se ser bom para si mesmo, um herói para si mesmo, mas isso é uma seca – autodestruição é que é fixe. Em Figure 8 foram as circunstâncias e as outras pessoas que nos transformaram em vilões. 

 

Hayley referiu há pouco tempo que uma das lições de vida que está a tentar aprender nesta era é precisamente sobre dualidade. Sobre como muitas coisas na vida são algo e o seu completo oposto ao mesmo tempo. É a isso que se refere o poema que Hayley escreveu para o seu eu mais jovem e que tem servido de introdução aos concertos dos Paramore. 

 

 

Já dei com esta corrente de pensamento noutros sítios, na verdade. Em Once Upon a Time para começar, no episódio “We Are Both”. Mais recentemente neste vídeo, a propósito do memorável discursoThank you… and fuck you” num dos últimos episódios de Ted Lasso. O glorioso “e”, o glorioso “ambos”, o glorioso “tanto… como…”. É possível que isto se torne numa moda nova na psicologia pop, talvez como resposta à cultura de cancelamento que dominou os últimos anos. Não deixa de ser verdadeira. 

 

E estando eu numa altura da minha vida em que ando cheia de emoções contraditórias, a sentir mais do que o costume, isto é algo que também estou a aprender. Como, spoilers, a Barbie no fim do filme. 

 

Aquilo que nos acontece de mau nas nossas vidas faz de nós quem somos hoje, inspiram a nossa arte, dão-nos histórias para contar, e não deixam de ser coisas más, que não deviam ter acontecido. Pais criam os filhos da melhor forma que conseguem, com a melhor das intenções e quase todos cometem erros que os filhos carregam para o resto da vida. Pessoas tóxicas podem ter-nos feito felizes no passado e temos o direito de não querê-las mais na nossa vida, por causa do mal que nos fizeram. Sorrir porque aconteceu e chorar porque acabou – e vice-versa. Esperança, pensamento positivo e realismo, medo. 

 

Dando exemplos mais concretos, os Paramore têm luz e escuridão na sua música. Hayley tem um lado idealista e um lado cínico, um lado saudável e um lado avariado, passa noites a cantar, a dançar, a rir em palco e, na manhã seguinte, pode estar com uma depressão. Josh Farro é um homofóbico, Jeremy Davies terá tentado colar-se ao trabalho de Hayley e Taylor, não fazem falta nos Paramore e a banda não seria o que é hoje se não fossem eles. 

 

Noutros exemplos mais pessoais, os livros do Harry Potter foram altamente formativos na minha infância e adolescência e não tenho nem terei nada a ver com esse mundo enquanto a sua autora não parar de atacar a comunidade trans. A música dos Linkin Park fala de raiva, revolta, sofrimento interior, pensamentos e comportamentos autodestrutivos e, à luz da morte de Chester, nunca se livrará de um filtro triste e alguns dos melhores momentos da minha vida decorreram em concertos ao som dessa música – mesmo depois de perder Chester. 

 

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A morte dele, aliás, foi uma tragédia de que muitos de nós ainda estão a tentar recuperar seis anos depois e possibilitou muitas coisas boas que talvez não acontecessem noutras circunstâncias. A mudança de mentalidades em torno da saúde mental, que tem salvo vidas – ainda no outro dia dei com um exemplo disso. Mike Shinoda, amigo e colega de Chester nos Linkin Park, encontrou um novo propósito musical lançando música a solo e, mais tarde, compondo e produzindo música para outros artistas. Os membros dos Hybrid Theory encontraram o propósito musical deles como tributo aos Linkin Park, depois de outros projetos que não resultaram. 

 

Eu podia continuar. Importante realçar que há coisas que não deixam de ser más, que não têm de ser perdoadas, mesmo tendo aspetos que as redimam.

 

Isto é a minha faceta preferida dos Paramore, o motivo pelo qual são a minha banda preferida, empatados com os Linkin Park: a maneira como a música deles, direta ou indiretamente, apela à introspeção, a reflexões como estas e que marcam diferentes eras nas nossas vidas. This is Why precisou de algum tempo para isso, mas está a ter o mesmo efeito.

 

Dito isto, não coloco ainda This is Why ao mesmo nível que o Self-Titled e After Laughter ou mesmo Brand New Eyes. A minha opinião tem melhorado com o tempo, mas há falhas que não desaparecem. Continuo a achar que nos foi prometida uma coisa diferente. As faixas têm denominadores comuns entre si, mas o álbum continua algo inconsistente em termos de temáticas. Mesmo a questão da dualidade tem de ser um pouco arrancada a ferros nalgumas músicas. Também não ajuda o facto de o álbum ser curto – dez músicas é pouco. Com mais faixas talvez se conseguisse uma maior coesão, talvez alguns destes temas tivessem mais espaço para respirarem.

 

No fundo, sinto que falta qualquer coisa a This Is Why, embora não sabia precisar ao certo o quê. 

 

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De qualquer forma, não são falhas graves. Talvez This is Why seja apenas um ponto de partida – até porque Hayley diz que eles querem regressar ao estúdio, agora que têm um par de meses de pausa entre digressões. Mesmo que não o seja, This is Why continua a ser um bom álbum, respeitável, digno de figurar entre os seus antecessores. E pode ser que a minha opinião continue a melhorar com o tempo.

 

Com This is Why, Hayley cumpriu finalmente os termos do seu contrato com a Atlantic Records (oito álbuns). Os Paramore vão abrir um novo capítulo nas suas vidas, livres desta âncora. Não sei se vão arranjar uma editora nova, se vão lançar o resto da sua discografia através da Congrats, a gravadora independente de Zac. 

 

Estava à espera que tornassem a fazer uma pausa após o ciclo de This is Why. No entanto, como disse acima, eles querem criar mais música. Não sei se querem fazer mesmo um álbum novo, apenas um EP ou dois ou três singles – e quando pretendem lançá-los. Até porque eles já têm planos para 2024, como veremos já de seguida. 

 

O que parece mais ou menos certo é que não devemos ter de esperar seis anos de novo. Toda a gente agradece. 

 

A minha história com os Paramore já dura há uns anos valentes: mais de doze. O Self-Titled, que foi tão marcante, fez agora uma década. Às vezes ponho-me a pensar no primeiro concerto deles cá em Portugal, em 2011, no Optimus Alive (antecessor do NOS Alive), nos primeiros textos que escrevi sobre os Paramore cá no blogue, em tudo o que se passou na vida deles desde então. E na minha. Tem sido alucinante. 

 

E agora eles vão finalmente voltar a Portugal! E eu vou vê-los ao Estádio da Luz! Não nas circunstâncias ideais, infelizmente. Já me tinha inscrito para a Eras Tour porque Taylor Swift (que vem a Portugal pela primeira vez). Quando soube que os Paramore abririam o concerto dela, naturalmente passei-me. E fiquei ainda mais ansiosa por bilhetes.

 

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Felizmente consegui-os através de uma amiga da minha irmã. Dos de sessenta e oito euros – devemos ficar perto do quarto anel. Eu até tinha possibilidades de pagar um pouco mais (vá lá, cento e vinte euros no máximo), mas o meu lado mais ajuizado fica aliviado. Ficou mais barato que o bilhete diário para o Rock in Rio. 

 

Mas talvez seja boa ideia levar binóculos.

 

O facto de ser no Estádio da Luz é extra especial para mim. Para começar, será perto do sítio onde vivo, perto do sítio onde trabalho – e vai receber a visita de músicos que adoro mas que costumam estar a um oceano de distância de mim. Melhor do que isso, só recebendo-os em minha casa, ou encontrando-os no meu café habitual. 

 

Além disso, a Luz costuma ser palco de outra das minhas paixões. Os meus mundos vão colidir. Mas também jogos de futebol e concertos não são assim tão diferentes.

 

A parte chata no que toca aos Paramore é que não será o público deles. O concerto deles só deverá durar uns quarenta e cinco minutos. Eles já abriram a Eras Tour um par de vezes – não vou consultar os alinhamentos para evitar spoilers, mas calculo que toquem só singles. Nada de Last Hope ou All I Wanted ou outras preferidas dos fãs hardcore. E não convidarão ninguém para cantar Misery Business com eles em palco. 

 

Além disso, mesmo que hajam por aí fãs dispostos a pagar os preços exorbitantes dos bilhetes e a fazer o “sacrifício” de ver o concerto de Taylor, só para poder ver os Paramore… estes só foram anunciados depois do fecho do pré-registo. À hora desta publicação, ainda não abriram novas datas e, tanto quanto sei, só puseram à venda uns bilhetes extra dos mais caros. É desagradável. 

 

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Em todo o caso, continuam a ser os Paramore. Os Paramore e a Taylor Swift. A minha banda preferida e uma das minhas cantoras preferidas, sobretudo nos últimos anos. Melhor era difícil. E mesmo que sejam só singles da parte dos Paramore, isso inclui os singles dos álbuns que eles lançaram depois de 2011. Uma mão-cheia de músicas excelentes que irei ver ao vivo pela primeira vez.

 

Além disso, pode ser que os concertos da Luz sirvam para os Paramore se recordarem do quanto gostam de nós. O suficiente para, talvez, nos incluírem na rota, caso façam uma digressão europeia em nome próprio daqui a um par de anos. Ao mesmo tempo, vão apresentar-se a uma nova população, é uma oportunidade de ganharem novos fãs. Isso já está a acontecer com a música a solo de Hayley, depois de Castles Crumbling. 

 

Aliás, já compilei uma playlist para a minha irmã e para as amigas dela com aquilo que considero serem os essenciais dos Paramore – com algumas das minhas preferidas pelo meio.

 

Mais: estou a pensar escrever uma espécie de mini-biografia dos Paramore destinada a Swifties. Um guia com todo o “lore” por detrás da banda – os dramas desde a génese, a rotação dos membros, a vida amorosa de Hayley, etc. Se estivéssemos a falar de outro artista, talvez os respetivos fãs não tivessem paciência para estes pormenores todos. 

 

Mas estamos a falar de Swifties. Swifties vivem de easter eggs e mexericos. Quer-me parecer que vão gostar – até pelas semelhanças nas histórias de Hayley e Taylor.

 

Não a vou escrever já já. Em parte porque já passei muito tempo no universo Paramore enquanto escrevia este texto. Vou apontar para o primeiro trimestre do próximo ano. Definitivamente antes do início da Eras Tour na Europa. 

 

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E era isto que queria dizer por agora. Não sei quando regressarei aqui ao estaminé – como tenho vindo a dizer, existe vida fora deste blogue. Por um lado, fico triste por andar a publicar pouco. Por outro, estou muito satisfeita com os últimos textos que escrevi, sobretudo a análise a Meteora e os textos de fim de ano. 

 

Pode não haver quantidade, mas há qualidade. 

 

O plano era agora escrever sobre Pokémon Go mas, aqui entre nós, ando com pouca vontade. Por outro lado, o filme de Digimon 02, The Beginning, sai no Japão em finais de outubro. Se tiver oportunidade de vê-lo, depois escreverei sobre ele, talvez de imediato – a menos que o filme se arme em Kizuna e dê cabo do meu pobre coração, que já tem tido a sua dose.

 

Pode ser, também, que a qualquer altura um dos músicos do meu “nicho” lance música e eu queira escrever sobre ela. Estou a estranhar isso ainda não ter acontecido, aliás – quando parecia que toda a gente estava prestes a lançar música. Depois de Meteora20, tivemos “apenas” a Speak Now (Taylor’s Version) e The Loveliest Time, de Carly Rae Jepsen (só dei por esta na semana passada…). Sobre esses, e sobre 1989 (Taylor’s Version) provavelmente só escreverei nos textos de fim de ano – que em princípio serão mais curtos que o exagero do ano passado.

 

Logo se vê. Não prometo nada.

 

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Paramore – This is Why (2023) #1

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No passado dia 10 de fevereiro, os Paramore lançaram o seu sexto álbum de estúdio, intitulado This is Why – o sucessor ao excelente After Laughter

 

As expectativas estavam altas para este álbum. No entanto, quando This is Why saiu, confesso que não me entusiasmou muito. Não que não tenha gostado, mas estava à espera de gostar mais.

 

Talvez tenha sido por, lá está, a fasquia estar demasiado alta – depois de os seus dois antecessores e mesmo Petals For Armor, o primeiro álbum a solo da vocalista Hayley Williams, terem sido tão marcantes para mim, cada um à sua maneira. Talvez estivesse à espera de um álbum diferente. Em minha defesa, pelas entrevistas que os membros da banda foram dando antes e depois da edição de This is Why, pelos dois primeiros avanços, não era a única que estava à espera de um trabalho um pouco mais político/social, mais voltado para o exterior e para a atualidade, pois não?

 

É certo que demorei algum tempo a dar a devida atenção a This is Why. Como tem sido a regra comigo, o timing não foi o ideal. Sobretudo no que toca aos meus músicos preferidos, como os Paramore, a minha maneira de digerir música é escrevendo sobre ela aqui no blogue – e todo o trabalho de análise e pesquisa que isso implica. O que demora. This is Why foi editado no mesmo dia que Lost dos Linkin Park, o primeiro avanço da edição de vigésimo aniversário de Meteora, que saiu daí a dois meses. Dei prioridade a Meteora20 – podem ler aqui como é que isso correu.

 

E a verdade é que a minha opinião em relação a este álbum melhorou imenso quando tive oportunidade de examiná-lo mais de perto. This is Why continua a ter os seus problemas e iremos falar sobre isso. No entanto, acho que é daqueles que precisa de tempo para ser apreciado. 

 

Como o costume, temos imenso sobre que falar, logo, esta análise virá em duas partes. Publico a segunda amanhã.

 

Comecemos pelo princípio. Agora que penso nisso, já lá vai quase um ano desde que surgiram as primeiras pistas relativas a This is Why, o single e o álbum. Às vezes parece-me que já se passou imenso tempo, às vezes parece que tudo se passou na semana passada. Por estes dias, sempre que oiço esta música, regresso ao momento em que esta saiu e em que estava a escrever sobre ela para o blogue: de finais de setembro até meados de outubro, um período muito excitante da minha vida, como referi na altura.

 

 

Mesmo tirando esse aspeto, continuo a gostar imenso de This is Why por si mesma. Continuo a achar que foi uma boa escolha para primeiro avanço.

 

O segundo avanço, The News, foi lançado dois meses depois de This is Why, o single e dois meses antes da edição do álbum completo. Como já muitos assinalaram, musicalmente parece saída de Brand New Eyes – depois de lhe aplicarem um filtro mais moderno, mais rítmico, à Taylor York (guitarrista, co-compositor e a pessoa mais importante dos Paramore). Zac Farro, o baterista, deu-lhe super forte, é uma coisa parva. Uma das minhas partes preferidas são dos acordes de guitarra na terceira parte. 

 

Por outro lado, não sei se aparece nos créditos, mas Zac também canta no pré-refrão, não é? Canta a expressão “the news”, certo?

 

Como na larga maioria das músicas dos Paramore, a letra é a parte mais interessante da música. Hayley escreveu-a aquando da invasão da Rússia à Ucrânia, no ano passado – quando a Comunicação Social e as redes sociais não falavam de outra coisa (no contexto deste álbum, vou assumir sempre que Hayley é a narradora nestas letras). Na verdade, a letra de The News podia ser sobre uma infinidade de eventos da última meia dúzia de anos: a pandemia, obviamente, as alterações climáticas, o #MeToo, O Black Lives Matter, as dificuldades económicas, as transições de poder de Donald Trump para Joe Biden, de Jair Bolsonaro para Lula da Silva, etc. 

 

Nestas alturas, sentimo-nos pressionados a estar informados sobre tudo, a preocuparmo-nos com tudo, a ter uma opinião sobre tudo, a indignar-nos em relação a tudo – o que remete para This is Why. À Comunicação Social interessa manter-nos presos, de modo a obterem mais audiência, mais cliques, mais interações nas redes sociais que estimulam os algoritmos – daí usarem e abusarem do sensacionalismo e do clickbait (“Exploitative, performative, informative”). 

 

Uma pessoa tenta desligar-se para proteger a sua sanidade mental, mas depois sente-se culpada pela apatia, por poder, nalguns casos, dar-se ao luxo de desligar, de não querer saber, de não ter a sua vida diretamente afetada pelo que está a acontecer (“I’m far, so far, from the frontline, quite the opposite, I’m safe inside”). Embora na prática, muitas vezes haja muito pouco que uma pessoa possa fazer, tirando, lá está, fazer donativos quando pode, votar quando há eleições ou participar em manifestações. 

 

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E depois temos o nosso retângulo português, em que por vezes as notícias são só estúpidas. Veja-se o tempo que se gastou com aquilo a que gosto de chamar o Galambagate. O que não deixa de ser outra maneira de nos manipular – desta feita por alienação.

 

A frase “all along we called it normal” reflete a maneira como muitos destes eventos que motivam grandes coberturas noticiosas expõem falhas da sociedade atual que poucos haviam questionado. O #MeToo e o Black Lives Matter são exemplos óbvios. 

 

Pena Hayley não ter desenvolvido esta ideia para além deste único verso, nem mesmo noutra canção deste álbum. É a única falha que tenho a apontar a The News.

 

Algumas notas rápidas sobre o videoclipe. Hayley é fã de filmes de terror e já os tinha usado como inspiração para os vídeos de Petals For Armor. Ao mesmo tempo, a estética do vídeo – quase tudo em tons escuros ou mesmo negros, contrastando com o cabelo cor-de-laranja de Hayley – faz lembrar o vídeo de Ignorance. Só reforça as semelhanças de The News com Brand New Eyes. 

 

A terceira música que ouvimos de This is Why foi C’est Comme Ça. Existem muitos fãs que não gostam desta música, mas eu gosto. Não digo que esteja entre as minhas preferidas, mas não estará muito longe.

 

Compreendo porque é que muitos não gostam. Aquele refrão foi uma jogada arriscada. Consigo ver como alguns poderão considerá-lo repetitivo, esquisito, mesmo irritante. Mas também me pergunto quantos destes fãs serão americanos que não estão habituados a ouvir uma língua que não o inglês. No entanto, acho que resulta muito bem na música: com um toque maníaco que condiz com o tema da letra. 

 

 

Toda a sonoridade é bastante caótica – de uma maneira deliberada, claro. Dizem que é influência dos Bloc Party. Só sei que gosto imenso das guitarras, sobretudo durante o solo. Também gosto das estâncias faladas em vez de cantadas – um elemento até agora inédito na discografia dos Paramore.

 

A expressão “c’est comme ça” traduz-se para “é o que é”. Do género, “é o que é, o que é que se pode fazer?”. Desde que a música saiu, sempre que oiço alguém dizer essa expressão, ou algo semelhante, digo “c’est comme ça” – nem que seja só para mim mesma.

 

A primeira quadra da letra (tirando o refrão) é toda uma referência à vida em pandemia. Todos nós envelhecemos demasiado depressa, todos sofremos e atrofiámos com o confinamento – eu em menor escala, pois pude/tive de trabalhar fora de casa.

 

O resto da letra é mais interessante e específico para Hayley, falando de algo que ela mesma já falou em diferentes ocasiões, incluindo numa publicação no Discord. Hayley tem uma relação estranha com conforto. Tende a romantizar e a desejar conflito e instabilidade. Chegou mesmo a admitir numa entrevista recente que tem um certo vício em adrenalina. 

 

E eu tenho de dizê-lo: sempre tive muitas semelhanças com Hayley, mas nisto não podíamos ser mais diferentes. Não gosto de instabilidade nem de incerteza, não lido bem com adrenalina. Claro que sei que às vezes é inevitável, que uma pessoa tem de sair da sua zona de conforto para evoluir, blá blá blá Whiskas saquetas. 

 

Nem sequer discordo. Diria mesmo que, vá lá, nove em cada dez vezes que faço coisas que me assustam, sou narrativamente recompensada por isso. Tudo bem. Não tenho de gostar.

 

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Regressando a Hayley, a apetência dela para o caos não surpreende pois a vida dela sempre foi assim – e eu falo do alto do meu privilégio, a minha vida tem sido bem mais fácil por comparação. Como já muitos sabem, a infância dela não foi fácil, entre os múltiplos divórcios dos pais e a mudança para Nashville quando ela tinha doze anos. A sua adolescência foi igualmente caótica com os Paramore. A vida de uma banda de rock já de si é instável – e esta em particular passou os seus primeiros dez anos em guerra uns com os outros (com algumas pausas pelo meio, assumo eu). Pelo meio, Hayley teve uma relação tóxica que durou uma década. 

 

Por isso sim, o caos terá sido o normal de Hayley durante muito tempo. Ela dá muitas vezes o exemplo do início da era After Laughter, em que tinha acabado de se divorciar, andava em digressão, bebia em excesso e “festejava” todas as noites. Bem como a sua tendência para se envolver com pessoas tóxicas. Acredito que Hayley, de vez em quando, sinta a tentação de reverter para esse modo.

 

Só que, claro, há meia dúzia de anos, o caos quase deu cabo dela. Dela e não só – conforme vimos em Petals For Armor, Hayley chegou a boicotar o seu namoro com Taylor porque não sabia lidar com uma relação saudável.

 

Por isso, Hayley teve de adotar hábitos mais saudáveis, apesar de uma parte de si resistir aos mesmos. E isto de resto é algo mais ou menos universal. Sobriedade, ter uma alimentação saudável, dormir oito horas, tudo isso é uma seca. Beber a mais e outros hábitos auto-destrutivos é que são fixes – pelo menos é o que dizem. 

 

Hayley pode lamentar ser demasiado dependente de conflitos para ser verdadeiramente saudável, ser demasiado movida a mesquinhez – algo a que iremos regressar. No entanto, não acho que seja uma falha, pelo contrário. Saber funcionar no meio do caos é uma grande vantagem – porque, sejamos realistas, nem sempre é possível ter estabilidade. Ainda por cima, volta e meia os Paramore vão em digressão, uma vida claramente instável. Um dos temas da era This is Why é dualidade e iremos falar sobre isso mais à frente. Uma das grandes vantagens de algo multifacetado é a capacidade de se adaptar – algo que a seleção natural favorece, segundo Darwin.

 

Por tudo isto sim, gosto de C’est Comme Ça. E fico feliz por a auto-depreciação de After Laughter não ter ido a lado nenhum.

 

 

Running Out of Time foi lançada como single, com direito a videoclipe e tudo, mais ou menos na mesma altura em que o álbum todo foi editado. Esta música, no entanto, no contexto de This is Why fica esquisita. Sobretudo tendo em conta a sua posição no alinhamento do álbum. Passamos de The News, um tema inspirado pela guerra na Ucrânia, como vimos antes, para um tema sobre a tendência de Hayley para se atrasar para tudo.

 

Não me interpretem mal, eu identifico-me com isso. Também não sou das melhores a gerir o meu tempo. Sobretudo no último ano, ano e meio, em que tenho tido imensas coisas a acontecer ao mesmo tempo na minha vida. É raro atrasar-me mesmo – na maior parte dos casos, chego em cima da hora ou, quanto muito, cinco minutos depois. Por outro lado, dá para ver que demoro séculos a publicar aqui no blogue. 

 

Aliás, Running Out of Time descreve bem o dia em que This is Why foi editado. Na véspera tive uma insónia, logo, aproveitei para ouvir o álbum pela primeira vez na cama. Como adormeci mais tarde, acordei mais tarde do que planeara e passei a manhã a correr. 

 

E sim, muitas vezes é egoísmo. Quero ficar mais uns minutinhos na cama, quero escrever mais um bocadinho durante a minha hora de almoço, quero fazer uma última festinha à Jane antes de sair para o trabalho. Quem nunca?

 

O problema é que a letra de Running Out of Time é demasiado trivial. É o equivalente dos Paramore à Runaway de Avril Lavigne. Noutro álbum e/ou noutras circunstâncias não me importaria, mas logo a seguir a The News? Num álbum que inclui temas como Figure 8 e Thick Skull? Não encaixa.

 

O pior é que não tinha de ser assim. A propósito desta música e de não ter tempo para nada, Hayley comentou que, hoje em dia, “tudo é uma emergência”. Existem demasiadas causas a precisarem de atenção, uma pessoa não sabe para onde se virar e ainda tem de arranjar tempo para cuidar de si mesma – o que remete para The News.

 

 

Ao mesmo tempo, nesta altura do campeonato, já toda a gente saberá acerca dos problemas de saúde mental de Hayley. É possível que estes estejam por detrás dos constantes atrasos – há quem ache que o videoclipe remete para isso. E faz sentido: se uma pessoa nem sempre se consegue levantar da cama, claro que se irá atrasar para muitas coisas. 

 

Tudo isto podia ter dado uma ou duas camadas de profundidade a Running Out of Time, mas nada disto foi traduzido para a letra. Isto já tinha acontecido com algumas músicas dos trabalhos a solo de Hayley: as explicações dela sobre as letras são mais interessantes que as letras em si. 

 

Tendo isto em conta, não consigo gostar muito de Running Out of Time – embora reconheça que é uma boa música. 

 

E de qualquer forma, esta sempre tem alguns detalhes interessantes. O instrumental é irrepreensível, para começar. Além disso, acho graça ao segundo e terceiro refrões, quando Hayley muda para a terceira pessoa: “She’s always running out of time”. É um tropo relativamente comum, a voz do coro nas tragédias gregas, que comunica as mensagens da história para a audiência. Lorde usou-a muito em Melodrama, como explicaram neste vídeo

 

Acho curiosa a explicação de Hayley, no entanto. Referiu que se inspirou nos Oompa Loompas do filme Willy Wonka e a Fábrica de Chocolate, que desempenham um papel semelhante: ir dizendo verdades. Tem piada, diferentes caminhos para chegar ao mesmo conceito. 

 

Dito isto, teria sido mais giro se tivessem posto o Zac e o Taylor a cantar “She’s always running out of time”. Sempre seriam múltiplas vozes, reforçando as semelhanças com os coros ou com os Oompa Loompas. E teria a piada adicional de ouvirmos os colegas de banda queixando-se daquilo que parece ser um problema antigo de Hayley. 

 

 

Vou passar agora de uma música de que não gosto tanto para uma música de que gosto ainda menos. Big Man, Little Dignity é, na minha opinião, uma grande oportunidade perdida. 

 

A instrumentação é suave, mesmo bonita, mas não se adequa de todo ao tema da canção. Eu sei que os Paramore têm várias músicas em que o instrumental tem o carácter oposto ao da letra – veja-se a larga maioria de After Laughter – mas nessa a dissonância funciona. Aqui não. 

 

Em parte porque a letra acaba por ser igualmente suave, não havendo verdadeiramente um contraste. Para uma música criticando o patriarcado e/ou a masculinidade tóxica, Big Man, Little Dignity precisa desesperadamente de acutilância.

 

O refrão então é o pior. Nos últimos anos, e depois dos dois últimos álbuns de Avril Lavigne, ganhei alergia a refrões circulares, logo, isto poderá ser um viés meu. Até porque os Paramore também têm alguns: That’s What You Get, por exemplo. Mas o de Big Man, Little Dignity soa particularmente forçado. Sobretudo o último verso, quando Hayley se põe com o “li-li-li-li-little dignity”.

 

E podemos falar sobre o verso “No offense but you got no integrity”? O que é isto? É suposto isto ser ofensivo? A mulher que escreveu a letra de Dead Horse não conseguiu escrever nada melhor aqui?

 

Dito isto, Big Man, Little Dignity sempre tem algumas qualidades redentoras. A segunda estância faz-me lembrar Dominoes de Lorde: “Must feel good being Mr. Start Again”. Também eu comecei a reparar na maneira como certos homens poderosos embarcam em mudanças de imagem, como forma de fugir às responsabilidades por aquilo que fizeram. Veja-se quando o Facebook mudou o seu nome para Meta como forma de se dissociar das acusações de promoção de desinformação e de discurso de ódio. Mais recentemente, o Twitter mudou o seu nome para X – pergunto-me se terá sido por motivos semelhantes. 

 

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Ao mesmo tempo, é de facto frustrante ver como estes homens conseguem escapar-se às consequências pelos seus actos. Como Donald Trump, por exemplo. Andamos há anos à espera que ele seja preso, mas ainda ninguém conseguiu fazer nada. Como uma barata grande e nojenta que ninguém consegue matar.

 

Enfim. Estou com algumas esperanças relativamente a esta última acusação que lhe fizeram.

 

Big Man, Little Dignity é a música de que menos gosto em This is Why. O resto do álbum é melhor, felizmente.

 

You First e Figure 8 são as músicas mais pesadas neste álbum, logo, estão entre as mais populares. Das duas gosto mais de You First – uma música que Taylor não queria incluir no álbum, coitado, depois de ter stressado imenso com ela.

 

Não compreendo porquê. O instrumental ficou fantástico. Penso que será uma daquelas situações em que, por vezes, uma pessoa está demasiado perto do quadro para conseguir ver a imagem completa.

 

Hayley começa por admitir que não é o tipo de pessoas que perdoa e segue em frente. Os anglo-saxónicos têm uma expressão que se traduz sensivelmente para “a melhor vingança é viver bem” – e eu até concordo. Mas também concordo com Hayley quando esta diz que viver bem é apenas um privilégio. Como vimos a propósito de Big Man, Little Dignity, demasiadas vezes os perpetradores de crueldades escapam às consequências e continuam a fazer mal a outros. 

 

 

E se pensarmos, por exemplo, no ex-marido de Hayley, ela não dependia financeiramente dele, não teve nenhum filho com ele, pôde sair daquela situação com relativa facilidade. Tem dinheiro e disponibilidade para ser acompanhada psicologicamente enquanto lida com os traumas do seu passado e para adotar hábitos de vida saudáveis. Há muitos que não têm tais possibilidades. 

 

É refrescante ouvir alguém como Hayley reconhecendo a sua posição privilegiada. 

 

No fundo, You First é uma continuação dos temas de Simmer: não só o conflito entre raiva e misericórdia, o conflito entre instintos benévolos e malévolos. Hayley admite ceder demasiadas vezes ao seu lado negro – como um animal vadio a quem ela dá comida todos os dias, logo, ele continua a aparecer. Ao ponto de Hayley se tornar parte do problema e isso voltar-se contra ela. 

 

É a isso que se refere o muito citado verso “I’m living in a horror film where I’m both the killer and the final girl”. Para mim, é também uma referência ao vídeo de Simmer. 

 

O refrão fala de carma – que Hayley espera que apanhe primeiro os demais do que a ela. Se eu acredito em carma? Mais ou menos. De certa forma sim: não tanto como uma força cósmica, mais pela lógica do “Não faças aos outros aquilo que não queres que façam a ti”. Se uma pessoa trata mal os outros, é menos provável que os outros a tratem bem. Pode ser até que os outros procurem retribuição. 

 

Há anos que sei que Hayley tem um lado mesquinho. Desde Dead Horse, com o “When I said goodbye, I hope you cried” – não que eu tenha pena do visado. Por outro lado, Hayley tem dado o exemplo de quando interrompe concertos por causa de pessoas à bulha na audiência. Dá sermões aos visados como se fosse uma professora (palavras dela!), mas depois diz que se arrepende. Como se ela fosse melhor. Pensa que, se calhar, aquelas pessoas não têm dinheiro ou disponibilidade para ir ao psicólogo e aquela é a única forma que têm de lidar com o que se passa nas suas vidas.

 

 

Eu diria que Hayley tem, vá lá, noventa por cento de razão nos seus ralhetes. Nos Estados Unidos, para além de os bilhetes serem caríssimos, as empresas que os vendem têm umas práticas muito manhosas para inflacionar os preços (para mais informações, vejam este vídeo). Ao ponto de os fãs de Taylor Swift terem processado a Ticketmaster no final do ano passado. Por outras palavras, aquela gente terá gasto dinheiro e anos de vida para estar num concerto dos Paramore. Ou seja, não será por falta de capital que eles não são acompanhados. Quanto muito andou a gastá-lo no sítio errado – parecendo que não, concertos não substituem o psicólogo.

 

E, como a própria Hayley disse, concertos devem ser um escapismo, um lugar seguro, das melhores experiências da nossa vida (mais sobre isso adiante). Sobretudo depois de dois anos de pandemia e de muitas outras desgraças. Para quê estar a passar por tantos obstáculos para arranjar bilhetes para, depois, estragar a noite a si mesmo e aos outros andando à porrada?

 

Além de que os ralhetes de Hayley chegam a ter piada. Por exemplo, um em que ela disse mesmo “Momma’s pissed, y’all” e outra em que ela ameaçou os desordeiros com uns chutos no rabo com os seus “sapatinhos de bailarina”.

 

Se bem que ameaçar pessoas violentas com violência contraria ligeiramente a mensagem do sermão. 

 

Por outro lado, a propósito de outra zaragata, Hayley acabou por pedir desculpa nas redes sociais após ter expulso um casal do concerto. Achou que o ralhete se transformou em humilhação pública. Vendo este vídeo, ela de facto soa um bocadinho cruel sem necessidade. Hayley também pediu desculpa por andar a dizer coisas como “se voltarem no Partido Republicano, estão mortos para mim”. Como se isso convertesse alguém. Até remete para a “cancel culture” que a própria Hayley critica em This is Why: “You’re either with us or you can keep it to yourself”

 

Também eu gosto de pensar em mim mesma como uma boa pessoa, mas tenho os meus momentos. Tenho um lado egoísta, egocêntrico e arrogante. Irrito-me facilmente com outras pessoas, impaciento-me no trabalho com a ignorância e a exigência de certos utentes – quando eu mesma também não sei tudo, também cometo erros e passo por estúpida de vez em quando. Quando devia praticar a máxima do Ted Lasso e ser curiosa antes de tecer juízos de valor. 

 

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É um dos temas deste álbum: a dualidade de tudo, de herói e de vilão todos temos um pouco. Havemos de regressar a esse assunto. 

 

Depois de You First, temos Figure 8 – que, em linha com o que acabámos de dizer, explora o lado mais vilanesco. A letra é, se calhar, um pouco vaga demais, demasiado abstrata. Pelo que consigo deduzir da entrevista da banda a Zane Lowe, a letra falará da indústria musical, do próprio estilo de vida dos Paramore em digressão ou quando lançam um álbum. A maneira como essa vida os explora até ao tutano e os transformam em algo de que Hayley não gosta. 

 

Não digo que eles não tenham razão de queixa, mas esta mensagem pode cair mal. Pode parecer que eles estão a cuspir no prato que os alimenta – ainda por cima quando Hayley se põe a dizer “all for your sake”. Sim, a indústria musical não é meiga, mas existem por aí muitos músicos que não têm nem metade dos benefícios de que os Paramore gozam. 

 

Para ser justa, não se pode dizer que eles não reconhecem os seus próprios privilégios. E, de qualquer forma, quando Hayley canta “all for your sake”, pode estar a dirigir-se à comunicação social. Esses sim, fartam-se de lucrar à custa de músicos como os Paramore. Hayley de vez em quando refere as entrevistas agressivas que teve de dar durante a era de After Laughter, quando ela se encontrava numa situação particularmente vulnerável.

 

A expressão “figure 8” refere-se ao número 8 que, na horizontal, é também símbolo do infinito – representando o ciclo vicioso em que os três entram quando entram em modo Paramore. 

 

 

No Genius, no entanto, descobriram referências a um episódio de Schoolhouse Rock, um programa educacional americano dos anos 70 e 80. A expressão “spinning in an endless figure 8” parece ter inspirada pela cena da criança a patinar no gelo. De facto, na terceira estância, Hayley compara-se a si mesma a gelo fino, o que pode significar duas coisas. Ou que ela, lá está, se encontra numa posição vulnerável e pode ser magoada facilmente. Ou, ao contrário, Hayley é uma armadilha e, se a outra pessoa não tiver cuidado, pode sair magoada.

 

Não surpreende que Figure 8 esteja entre as mais populares neste álbum.

 

E ficamos por aqui hoje. Amanhã vem o resto. Como sempre, obrigada pela vossa visita. Espreitem a página de Facebook deste blogue. Até amanhã!

Lorde – Solar Power (2021) #2

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Segunda parte da análise a Solar Power. Podem ler a primeira parte aqui. Como poderão ler, a primeira parte desta análise terminou com uma canção de amor. Esta vai começar com outra canção de amor, ainda que menos convencional. Pelo menos no que toca ao seu destinatário: o seu cãozinho Pearl, entretanto falecido. 

 

Tenho de confessar que gosto desta música mais do que devia, mais do que esta merece – por motivos óbvios. Musicalmente, tem problemas semelhantes a The Man with the Axe: a instrumentação é minimalista no mau sentido, sem presença. Os vocais são um bocadinho melhores em Big Star, mas não muito – o refrão sobretudo precisa desesperadamente de intensidade.

 

A sorte de Big Star é que o assunto da letra apela diretamente ao meu coração – e ao de muitas pessoas, aposto. Quando Lorde compôs a música, Pearl ainda estava vivo. Ela referiu inclusivamente ter o cãozinho aos seus pés enquanto ela estava ao piano.

 

A letra fala de muitas coisas que se aplicam a mim como dona da Jane: os nossos cães sendo melhores pessoas do que nós mesmos, dando-nos uma nova razão para apreciar o ar livre, ponderando os prós e contras na hora de viajar, ou mesmo de sair à noite. Pela parte prática de saber quanto tempo conseguem ficar sozinhos em casa e de arranjar quem tome conta deles, mas também porque teremos saudades deles. O refrão é basicamente o meu Instagram. 

 

De notar que a letra usa uma linguagem simplista, inocente, o que faz sentido. É assim que falamos com os nossos cães, como se fossem crianças pequenas. 

 

Não era suposto esta ser uma música triste. Passou a sê-lo depois de Pearl ter falecido. O verso “I’ve got so much to tell you and not enough time to do it” dói particularmente. Lorde diz que ainda hoje sente saudades de Pearl (se bem me recordo, estará a fazer dois anos desde a morte dele nesta altura). Eu compreendo. Aliás, nem posso pensar nisto demasiado a fundo sem que me venham lágrimas aos olhos.

 

*pausa para sessão de festinhas à Jane*

 

 

Olhemos agora para a outra faixa extra. Hold No Grudge, uma das minhas preferidas. Tem uma sonoridade algo diferente do resto do álbum: usa a tal guitarra Fender, alguma guitarra acústica mas, ao contrário do resto do álbum, a percussão é eletrónica. Não são as mesmas batidas fortes de Pure Heroine e algumas músicas de Melodrama. São mais discretas, mas são uma alternativa agradável às múltiplas faixas sem percussão no resto de Solar Power. Gosto muito dos vocais, sobretudo os backvocals no segundo refrão e no fim da música.

 

Em termos de letra, é uma música de separação – de uma relação que, aparentemente, terá terminado há alguns anos. Lorde invoca recordações felizes, contrastando com o presente: já não se recorda de como o amado cantava, já não se recorda do aniversário dele e ele agora namora com outra.

 

Lorde não leva nada disso a mal, no entanto – um contraste claro com Melodrama, sobretudo Hard Feelings. Pontos para o amadurecimento, até porque é possível que esta seja a mesma relação explorada no segundo álbum. Lorde não o odeia, perdoa-lhe e deseja que ele seja feliz. Ella soa particularmente terna no refrão e nos versos finais. 

 

Hold No Grudge merecia fazer parte da edição padrão. Era assim que a maioria de Solar Power devia ser.

 

Falemos agora sobre músicas que fazem comentário social. Começando por Fallen Fruit. Esta é das melhores músicas da segunda categoria em termos de instrumental: não tem percussão, mas tem duas guitarras, a Fender e a acústica, com o tal tom psicadélico que referi antes. Em termos de vocais, é uma das melhores, um belo exemplo de Lorde harmonizando consigo mesma. 

 

A única coisa de que não gosto é de uma espécie de apito que soa de vez em quando. Irrita um bocadinho.

 

 

A letra tem uma mensagem ambientalista, acusando as gerações anteriores à nossa de terem arruinado o planeta para os seus filhos e netos. A Terra é comparada a fruta caída – algo com um prazo de validade curto, obviamente. 

 

Era inevitável este tema surgir num álbum (que se diz) inspirado pela natureza, sobretudo depois de Lorde ter estado na Antárctida. Ella admite que não é uma ativista climática, que não tem autoridade para andar por aí a pregar. No entanto, está a fazer um esforço para reduzir a sua pegada ecológica. Trocando o lançamento de CDs por “music boxes” de cartão com códigos para download, planeando uma digressão mais pequena e amiga do ambiente, entre outras coisas.

 

As próximas duas músicas de que vamos falar pertencem à segunda categoria, mas deixam muito a desejar em termos de qualidade. Uma delas é Dominoes.

 

Na semana em que saiu o álbum, esta era uma das músicas em torno da qual se estava a criar algum hype. Na altura fiquei com a ideia de que iam lançar um videoclipe para Dominoes durante a madrugada de sexta-feira, 20 de agosto. De tal forma que dormi mal nessa noite, com a excitação. No entanto, de manhã vi que o vídeo era apenas uma apresentação com Jack Antonoff na guitarra. E quando a ouvi, tive a mesma reação que tive quando saiu a primeira versão de Find Me Here:

 

– ...só isto?

 

 

Dominoes é uma faixa curtinha, guiada apenas pela guitarra Fender. Tem um tom mais animado do que as outras músicas da segunda categoria, mas isso acaba por se virar contra si mesma. Mais ainda do que músicas como Big Star e The Man with the Axe, Dominoes pede um instrumental mais completo.

 

Um elemento nesta música de mau gosto, na minha opinião, são sirenes. Consta que esta música foi gravada no estúdio Electric Lady, em Nova Iorque, num verão em que houveram vários protestos – ou seja, é possível que tenha sido em 2020, embora ela não o tenha confirmado preto no branco. Se foi de facto no verão no ano passado, terá coincidido com os protestos do Black Lives Matter. Ella deixou a porta do estúdio aberta para que os microfones captassem “o som do verão”.

 

Sou a única que acha isto uma falta de noção gritante? Ainda se a música em si fosse inspirada, direta ou indiretamente, pelo que estava a acontecer… Mais do que as queixas sobre o peso da fama, isto é coisa mesmo à menina branca e privilegiada: tratando um movimento contra a violência policial, algo que mata seres humanos, como um pormenor engraçado para incluir numa música. Estou surpreendida por não ter havido mais polémica em torno disto.

 

Enfim, passemos à letra. Dominoes fala sobre um sujeito que não presta, mas que se vai esquivando às críticas embarcando em correntes, como por exemplo a dos hippies nos anos 60. Do género “eu já não sou a mesma pessoa que magoou a minha ex. Agora estou numa de “new age”, de “peace and love”, planto flores e tudo!”

 

Este é um tema recorrente em Solar Power – ou pelo menos é o que Lorde diz, que na prática não é bem assim. Ella revelou que tem encontrado paralelismos entre a cultura hippie dos anos 60 e 70, de fugir ao mundo moderno e abraçar a natureza e a paz, e alguns movimentos dos dias de hoje. O cottagecore (assumo eu) e a cultura de wellness, como veremos já de seguida. 

 

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O videoclipe de Solar Power parece explorar esse conceito: uma comunidade que vive na praia, aparentemente sem nenhuma das tecnologias do mundo moderno. Lorde tinha referido que o álbum decorre todo numa ilha, que inclui essa praia. Tenho andado desapontada por ainda não termos visto esses videoclipes, tirando Mood Ring – que decorre num cenário diferente, embora não seja difícil imaginar que fique nessa mesma ilha.

 

Ainda dentro deste assunto, temos Leader of A New Regime. A letra pinta um cenário pós-apocalíptico em que a narradora – que será uma avatar da própria Lorde – foge para uma comunidade onde estarão os últimos sobreviventes. Um pouco como aconteceu nos anos 60, a situação está caótica devido ao consumo de drogas e à falta de autoridade em geral. Procura-se, lá está, alguém que lidere esta nova sociedade.

 

Este até seria um conceito interessante se fosse explorado como deve ser. Voltamos a ter uma música demasiado curta – é a mais curta do álbum, só um minuto e meio, ridículo.  Voltamos a ter instrumentação escassa – só guitarra e vocais. Para ser justa, é de novo Lorde harmonizando consigo mesma, criando um efeito psicadélico que condiz com o tema.

 

O facto de, nesta parte do álbum, ser a quarta música neste estilo, com os mesmos problemas, não ajuda. É um alívio quando, depois, ouvimos as primeiras notas de Mood Ring. Finalmente, alguma vida neste álbum!

 

Mood Ring é uma das minhas preferidas neste álbum. Começando pela sonoridade: um tema da primeira categoria, combinando elementos mais etéreos – os vocais de Lorde, sobretudo – com a bateria e as guitarras acústicas. Um pouco como uma colaboração entre Enya e Natalie Imbruglia.

 

 

No que toca a letra, Mood Ring é daquelas músicas que se pode aplicar a múltiplas situações. Segundo Lorde, é uma sátira. A narradora é uma personagem ficcional, diferente de Ella, mais velha, que pinta o cabelo de loiro, será um bocadinho Karen (“the whole world is letting me down”) e tem dinheiro para gastar. Lorde admite que partilha algumas características com esta personagem – e, de facto, pode-se discutir onde é que Ella acaba e a narradora começa. Ao mesmo tempo, apesar de ser uma sátira, Lorde diz sentir compaixão pela personagem que criou.

 

No fundo, isto é algo que Lorde sempre fez, sobretudo com Melodrama: comentário a uma determinada tendência enquanto participa na mesma. 

 

Mood Ring pode aplicar-se, assim, a vários movimentos dos dias de hoje. Desde a ditadura do pensamento positivo (já abordada em Fake Happy e Rose Colored Boy), astrologia, certas medicinas alternativas, a cultura de wellness em geral, as Gwyneth Paltrow e Gustavos Santos desta vida, a filosofia do livro “Comer, Orar e Amar”, que estava na moda há coisa de uma década, mesmo o culto do sol e da natureza praticado por Lorde em Solar Power. 

 

Por acaso – ou não – desde que a música saiu, tenho encontrado uns quantos artigos e vídeos sobre estes assuntos – alguns dos quais tenho partilhado na página de Facebook deste blogue. Temos este excelente vídeo do The Take, que desmonta Goop, de Gwyneth Paltrow – embora se tenham esquecido de referir que muitas destas práticas foram apropriadas de culturas asiáticas, africanas e sul-americanas. 

 

Por outro lado, este artigo do The Guardian fala sobre negacionistas e/ou anti-vacinas nestas comunidades de wellness. Inclui a história chocante de uma mulher com cancro da mama terminal, a quem convenceram que a sua doença era culpa dela, porque supostamente reprimiu a sua sexualidade ou uma treta qualquer do género. 

 

Não vou dizer que não compreendo o apelo destas práticas. Pelo menos as coisas mais soft. Acredito que coisas como ioga e meditação possam trazer benefícios. Também compreendo o apelo do tarot, por exemplo, mais pelos simbolismos e referências culturais ​​– afinal de contas, as cartas de tarot terão sido no século XV como cartas de jogo. Só a partir do século XVIII é que começaram a ser usadas como futurologia. Mesmo essa parte, eu encará-lo-ia mais como um exercício de auto-reflexão do que realmente uma leitura do futuro.

 

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Por outro lado, sou uma mulher de ciências e estou numa carreira científica, mas tenho colegas que levam os signos mais a sério do que esperava. Admito que já me tenha influenciado um pouco mas, para mim, acaba por ser o equivalente àqueles testes do Buzzfeed que determinam que personagem de Friends vocês seriam ou assim: algo para entreter ou, quanto muito, para auto-reflexão, mas não para levar demasiado a sério. 

 

Em todo o caso, o denominador comum a praticamente todas estas práticas é o desejo dos participantes de encontrarem um propósito para as suas vidas, controlo sobre aspetos que, muitas vezes, são incontroláveis. É aqui que Lorde se identifica com a narradora de Mood Ring.

 

A narradora, no fundo, sabe que nada daquilo funciona, mas quer desesperadamente que funcione. Quer desesperadamente ver as roupas do rei que vai nu. O anel do humor, que dá o título à música, é um símbolo dessa mentalidade: algo que toda a gente com dois dedos de testa sabe que não funciona, mas toda a gente finge que funciona. Acaba por me lembrar, um pouco, Perfect Places, sobretudo nos versos “Take me to some kind of place”, já que também fala em procurar respostas nos sítios errados.

 

Em suma, Mood Ring é a música mais interessante em Solar Power.

 

Chegamos, finalmente, a Oceanic Feeling, que encerra a edição padrão do álbum. Lorde diz que é a sua preferida, mas apenas porque foi a última a ser composta.

 

De uma maneira estranha, vejo Oceanic Feeling menos como uma canção normal, por si só, mais como banda sonora, música de fundo no bem sentido. Uma “vibe”, como se diz hoje em dia. É pouco provável que a oiça fora do contexto deste álbum ou de uma playlist de verão, como a minha

 

 

Musicalmente, começa minimalista, quase só com vocais de Lorde. Sobretudo nas primeiras vezes que a ouvi, lembrava-me de músicas como Bravado e a reprise de Liability e ficava à espera de batidas à Pure Heroine (o mesmo acontecia com The Path). Aqui, no entanto, ouvem-se cigarras (que Lorde quis incluir no álbum por fazerem parte da banda sonora do verão neozelandês. Também fazem parte do nosso) e, mais tarde, bateria ao vivo.

 

Faz-me lembrar Edge of the Ocean, de Ivy, que acaba por ter um tema semelhante.

 

Oceanic Feeling é uma das poucas músicas neste álbum que se encaixa no conceito de “ode ao sol e à natureza”, que Lorde insiste que é o tema principal. Funciona como uma continuação temática de Solar Power, a música: Lorde fala sobre passar o dia à beira-mar com a sua família, pescando ou mergulhando do Bulli Point (um penhasco na Nova Zelândia), imaginando o pai fazendo o mesmo na sua juventude e os seus futuros filhos, no seu tempo.

 

Voltamos ao tema da renúncia à vida de estrela pop. O batôn preto, símbolo da era de Pure Heroine, esquecido numa gaveta qualquer. Nos últimos versos da música ​​– que me recordam a mensagem de Perfect Places ​​– Lorde refere que ainda não encontrou todas as respostas, mas vai continuar a procurá-las na praia e na natureza. E brinca com a ideia de, um dia, virar definitivamente as costas ao mundo da música.

 

E é isto Solar Power. É o segundo álbum editado este ano por uma cantora que adoro que, não sendo mau, ficou abaixo das minhas expectativas. O caso de Solar Power foi pior pois, ao contrário de Flowers For Vases, um lançamento surpresa, estávamos à espera do terceiro álbum de Lorde há um par de anos.

 

Solar Power, aliás, tem alguns problemas em comum com Flowers For Vases: o minimalismo mal executado, faixas incompletas quase todas de seguida, fazendo com que o álbum se arraste. E Lorde não tem a desculpa de ter criado o álbum completo praticamente sozinha, ao contrário de Hayley Williams. Há quem culpe Jack Antonoff pela produção fraquinha. Eu não sei o suficiente sobre o trabalho dele para opinar, mas não me surpreendia se a era dele estivesse a chegar ao fim.

 

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Em junho e julho não me imaginava dizendo isto, mas o tema Solar Power é um dos meus preferidos e gostava que o resto do álbum fosse mais parecido com ele. Aliás, os singles neste álbum ​​– Solar Power, Stoned at the Nail Salon, Mood Ring ​​– foram bem escolhidos, no sentido em que quase todas as outras estão uns quantos furos abaixo (exceto as faixas extra). 

 

Alguns fãs têm acusado Solar Power de ser um álbum demasiado alegre para o gosto dos demais. Não concordo por dois motivos. Primeiro, ao contrário de muitos, não acho que música alegre seja inerentemente inferior a música triste. O estereótipo do artista torturado, como Van Gogh, é um conceito perigoso (mas isso daria azo a um texto à parte). E, como disse antes, ando com falta de música mais animada.

 

Segundo… este não é um álbum assim tão alegre quanto isso. Não que chegue a ser propriamente pesado ou deprimente mas, lá está, as músicas lentas e incompletas roubam vida a um álbum que se queria animado, de verão.

 

O meu problema não é o estilo nem o conceito de Solar Power. O que eu queria era mais das partes boas e menos das partes más. E queria também aquilo que nos foi prometido: um álbum de celebração do sol, do verão e da natureza, não Lorde queixando-se de ser estrela pop música sim música não.

 

Mas pronto, foi o que tivemos. Entretanto, consta que Lorde tem andado a criar música e tem brincado com a ideia de lançar um álbum em breve. Não teríamos de esperar mais quatro anos pelo próximo. Se realmente vier outro, esse deverá ser mais triste que Solar Power ​​– possivelmente processando mais a fundo a morte de Pearl, algo que não coube no terceiro álbum.

 

Ou então, Lorde pode decidir hibernar outra vez durante dois ou três anos. Não me admirava.

 

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De qualquer forma, espero que o próximo trabalho de Lorde seja um bocadinho melhor, mesmo que fique aquém dos primeiros dois álbuns dela. 

 

E é tudo por hoje. Agora tenho de tratar da análise a Fronteira, mas ainda não terminei a segunda maratona. Esta temporada é bem menos cativante que as anteriores, revê-la tem sido custoso. Vou fazer um esforço a partir de agora, mas ainda assim deve demorar. Obrigada pela vossa visita.

Lorde – Solar Power (2021) #1

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Quatro anos depois do último álbum, mais de dois anos depois de se ter escondido das luzes da ribalta, a cantora neozelandesa Ella Yelich-O’Connor, mais conhecida por Lorde, lançou finalmente o sucessor ao excelente Melodrama no dia 20 de agosto: Solar Power. Nesta altura, os fãs já conheciam três músicas do álbum. Falei sobre a primeira, com o mesmo nome, aqui. Agora vamos falar sobre o álbum inteiro. Como o costume, tenho bastante para dizer, assim, este texto virá em duas partes. Publico a segunda amanhã.

 

Vou dizê-lo já, sem rodeios: Solar Power não chega aos calcanhares nem de Pure Heroine nem de Melodrama. Eu não estava à espera que chegasse – pelo menos não aos de Melodrama. Tinha a esperança de que Lorde fizesse um brilharete pela terceira vez, mas seria sempre difícil.

 

Ainda assim, esperava algo um pouco melhor do que isto. 

 

Comecemos pela sonoridade. Alguns fãs não gostaram do corte com o som mais eletrónico e a percussão dos álbuns anteriores, sobretudo do primeiro. Eu pessoalmente não me importo, mas existem músicas melhor conseguidas do que outras.

 

Eu dividiria as faixas de Solar Power em dois grupos. Na primeira categoria temos números folk pop, guiados por guitarras acústicas à Natalie Imbruglia com bateria ao vivo. Na segunda categoria temos músicas sem percussão, guiadas por uma guitarra Fender Jaguar tocada como se fosse uma guitarra acústica, focadas nos vocais, muitas vezes com um tom sonhador e vagamente psicadélico, à anos 60 e 70. Nem todas as faixas se encaixam perfeitamente nestas categorias, mas por uma questão de simplicidade vou recorrer várias vezes a estas designações. 

 

 

Vou, aliás, começar por uma música com características de ambos os grupos: The Path, que também abre o álbum e é uma das minhas preferidas. Esta começa com a guitarra Fender e Lorde harmonizando consigo mesma nos vocais. Mais tarde entra a bateria, depois a guitarra acústica e a música ganha uma nova vida. 

 

Antes de falarmos da letra, devo referir uma das minhas principais críticas a Solar Power. O facto de este não ser o que nos foi prometido. Lorde descreve Solar Power como um álbum de celebração do sol e da natureza, mas isso só se aplica a três canções no máximo. Daquilo que eu oiço, mais do que outra coisa, Solar Power é Lorde dizendo que não quer ser uma estrela pop.

 

Nesse aspeto, The Path é uma boa introdução àquele que é o principal tema de Solar Power. Funciona, aliás, como a Idle Worship de Lorde, ainda que menos sombria e ressentida. “If you’re looking for a saviour, well that’s not me”. Refere ainda que tem “pesadelos com flashes de câmaras”, que fugiu a tudo para o sol e para a natureza e não atende chamadas “da editora ou da rádio”. 

 

Outra música que explora a fuga à fama é California. A letra descreve o estilo de vida de Hollywood: o luxo, a bebida, as pessoas bonitas, muitas delas antigas crianças-prodígio, mas também a falta de privacidade e os juízos de valor – tendo sido isso que a fez fugir para o sol da sua terra. Noutra música, The Man with The Axe, Lorde refere ansiedade só de pensar em concertos – ao ponto de ter tido um ataque de pânico aquando de uma atuação perante a família real norueguesa.



É curioso estas músicas terem saído nesta altura, quando ser uma estrela pop, sobretudo no feminino, nunca teve tão pouco apelo. Veja-se o que aconteceu com duas das maiores cantoras dos últimos vinte anos. Britney Spears foi praticamente escravizada pelo próprio pai e só agora é que conseguiu recuperar o controlo sobre a sua própria vida. Taylor Swift, por comparação, teve mais sorte. Mas ainda assim, para além do habitual escrutínio e falta de privacidade, perdeu os direitos da sua própria música, estando agora a regravar os seus primeiros álbuns. 

 

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Depois temos Billie Eilish, cujo álbum mais recente descreve o lado negro dessa vida, com paparazzi, stalkers, relações tóxicas e pressões externas em relação ao seu visual. E, claro, a Internet, as redes sociais agravam ainda mais estes problemas. Não surpreende que, não apenas Lorde, mas também qualquer artista com popularidade e juízo só use as respectivas contas para assuntos oficiais, como lançamentos de projetos. Taylor Swift, Billie Eilish, Beyoncé, mesmo Hayley Williams. 

 

Além disso, mesmo os fãs hoje em dia são um campo minado. Posso estar enganada, mas, da minha experiência dos últimos anos, as comunidades de fãs online estão piores agora. Vão muito a extremos: os artistas ou são Deus na Terra ou são cancelados. Os stans – ninguém percebeu que a música do Eminem é uma chamada de atenção – veneram automaticamente tudo o que o artista produz, sem sentido crítico, e quem não o faça corre o risco de ser ostracizado. Nunca aconteceu comigo, felizmente, mas também já não sou muito ativa nestas comunidades. Mas já vi acontecer com Jon, um dos meus YouTubers preferidos, que faz crítica musical – só porque ele, como eu, não gostou muito de Flowers For Vases!

 

Há um certo tipo de comentário que me faz comichão. Pessoas que escrevem coisas como “esta música curou-me a depressão”. Das duas uma, ou estão a trivializar a saúde mental, ou estão a ser sinceros, o que é preocupante.

 

Contra mim falo, pois eu não era muito diferente aqui há uma década, mais coisa menos coisa. Colocava quase todo o sentido da minha vida no álbum seguinte de Avril Lavigne. E embora não me arrependa de ter feito parte – e ainda faço, de certa forma – dessa comunidade… eu exagerei um bocadinho no tempo que lhe dediquei. Hoje em dia os meus interesses são muito mais diversificados e tenho uma relação muito mais saudável com cada um deles. Tenho pena que isso não tenha acontecido mais cedo.

 

Em todo o caso, esta mentalidade coloca os artistas numa posição difícil – o que nos leva de volta a The Path.

 

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Lorde chegou a dizer que tem dinheiro suficiente para se sustentar para o resto da sua vida. Pontos para a honestidade – é uma das poucas figuras públicas que o admite com todas as letras, apesar de nós, simples mortais, sabermos que muitas estão numa situação semelhante. Ella regressou porque continua a gostar de fazer música, mas esta não é a sua vida real. São umas férias estranhas da vida que leva na Nova Zelândia, com a família e os amigos, onde as pessoas não a reconhecem na rua e os paparazzi são praticamente inexistentes. 

 

E sinceramente? Quem não faria o mesmo se estivesse no lugar dela? Quem não passaria os seus dias a nadar, a pescar, a passear na praia, a jardinar, tendo possibilidades para isso? Aliás, é mais ou menos o que muitos estão a optar fazer em países como os Estados Unidos na chamada Grande Demissão. O trabalho não é tudo na vida!

 

E no entanto…

 

Para uma artista que diz estar farta da vida de estrela pop, Lorde faz bastantes referências a momentos marcantes da sua vida de estrela pop neste álbum. The Path refere um dos Met Galas em que participou (sou a única aqui que não percebe o propósito do Met Gala?). California refere o Grammy que ganhou com Royals. The Man With the Axe refere as “centenas de vestidos” e “quadros emoldurados” que Lorde possui. Helen of Troy refere os Grammys de 2018, em que Lorde foi a única nomeada para álbum do ano que não pôde atuar em palco.

 

É como se dissesse:

 

– Olhem para mim, ser famosa é horrível! Estive nesta festa de pessoas ricas, ganhei este prémio, tenho montes de coisas bonitas mas ah! Não gosto nada!

 

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Por outras palavras, é um bocado “pobre menina rica”, um bocado falta de noção. A própria Lorde admitiu que fala de uma posição de privilégio… mas estará assim tão consciente desse privilégio?

 

Uma das mensagens de Lorde tem pregado, aliás, tem me dado um certo mal-estar. A citação que tem repetido, de “como passamos os nossos dias é como passamos as nossas vidas”, a “arte de não fazer nenhum”, menos redes sociais e Netflix e mais ar livre. 

 

Eu percebo a intenção, mas… Lorde acha que todos conseguimos escolher como passamos os nossos dias e as nossas vidas? É fácil para Ella fugir a tudo e passar os dias  na praia. Vive na Nova Zelândia – país infame pelas suas paisagens e por ter sido dos melhores a lidar com o Coronavírus – e pode dar-se ao luxo de escolher quando trabalha.

 

Não tenho nada contra a maneira como Lorde passa os seus dias. Nem sequer me queixarei se ela decidir hibernar de novo durante anos, antes de lançar mais música. Mas ela tem de ter um pouco mais consideração por quem não pode fazer o mesmo. 

 

E em defesa de Lorde… ela tem dúvidas. Talvez as referências todas sejam um reflexo disso mesmo, da sua ambivalência. California, que como vimos critica o estilo de vida de Hollywood, não deixa de incluir a frase “But everytime I smell tequila, the garden grows out in my mind again”. Mas o maior exemplo disso é Stoned at the Nail Salon. 

 

Esta é outra das minhas preferidas neste álbum. Não sei se é considerada o segundo single oficial, mas foi a segunda música que ouvimos, quase um mês antes do resto do álbum.

 

 

Na minha opinião, Stoned at the Nail Salon é a melhor das músicas da segunda categoria e uma das melhores letras neste álbum. Funciona como uma sequela a Ribs – embora Lorde refira outra como sequela a esse tema – ao refletir sobre a passagem do tempo, o envelhecimento, a nossa própria mortalidade. Ao mesmo tempo, uma vez mais, fala sobre a necessidade de deixar a vida de estrela pop para trás… mas questiona-se se essa é a decisão certa. 

 

Tenho uma teoria no que diz respeito à discografia de Lorde, à luz de Solar Power. Pure Heroine representa a vida mais calma, terra-à-terra, por vezes entediante que Lorde levava na Nova Zelândia em miúda, antes de lançar música. Melodrama, por sua vez, como toda a gente sabe, representa um estilo de vida mais intenso e frágil, de excessos e hedonismo – Lorde nunca o associou, preto no branco, ao estilo de vida do mundo da música, mas penso que se pode fazer esse paralelismo.

 

De uma maneira engraçada, em Solar Power, Lorde está a renegar Melodrama e a voltar a Pure Heroine. Em Royals, ela dizia que não queria saber das jóias, dos hotéis, etc – embora não deixasse de fantasiar com Cadillacs e com a realeza. Em California, ela já experimentou as jóias e os hotéis, mas fartou-se. Em Still Sane, Lorde receava entrar no mundo da música. Em Bravado, estava disposta a engolir esses medos para poder perseguir as suas ambições. Músicas como The Path e The Man with the Axe indicam que essas ambições já não valem o esforço. 

 

Regressando a Stoned At the Nail Salon, a segunda estância é uma referência bastante clara a Melodrama. Alguns fãs viram um paralelismo na primeira frase (“Got a memory of waiting in your bed wearing only my earrings”) com The Louvre (“Half of my wardrobe is on your bedroom floor”) e Lorde confirmou que estes se referem à mesma relação. 

 

Por outro lado, o verso “We’d go dancing all over the landmines under our town” parece-me uma referência a Homemade Dynamite. Stoned at the Nail Salon (e também Secrets From a Girl (Who’s Seen it All)) coloca um ponto final definitivo neste capítulo da vida de Ella – embora esta admita que ainda nutre sentimentos pelo amado em questão. 

 

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Na verdade, soa um pouco mais como se Lorde estivesse a tentar convencer-se a si mesma que, de facto, está na hora de abrandar, de assentar. É um daqueles casos de, como a própria Ella diz “the grass is always greener on the other side” – esta expressão não tem uma equivalente em português. Só mesmo a canção do António Variações “Estou bem aonde eu não estou, porque eu só quero ir aonde eu não vou”. É uma coisa muito humana, eu mesma sou culpada disto.

 

Ou então, como diz a letra, isto pode ser apenas Lorde ganzada. Não sei se é para levarmos o título da música à letra – acho que ambas as hipóteses são válidas. Podem ser simples devaneios existenciais, ou se calhar Ella costuma fumar um charro enquanto lhe arranjam as unhas. Houve quem tenha imaginado a cena

 

Gosto muito da sonoridade de Stoned at the Nail Salon. A interpretação de Lorde lembra-me Joan Baez em certos momentos – também gosto dos vocais em coro. A instrumentação é simples, mas resultou bem (pena não poder dizer o mesmo de outras músicas da segunda categoria neste álbum…). Gosto das notas de guitarra que soam de vez em quando – por exemplo, depois do primeiro refrão – dando à música um tom sonhador que condiz com a letra. 

 

Obviamente.

 

Já fui falando aqui e além sobre a letra de California, falta falar sobre a sonoridade. Esta até é interessante: parecida com muitas da segunda categoria, embora tenha percussão, umas notas de piano aqui e ali, aquelas notas de guitarra sonhadoras como em Stoned at the Nail Salon. Ainda assim, não chega para me entusiasmar.

 

Para encerrar o tema da fama em Solar Power, falemos sobre Helen of Troy, uma faixa que não faz parte da edição-padrão do álbum. 

 

 

Mas devia fazer. Ambas as faixas extra deviam fazer. 

 

Instrumentalmente, não tenho muito a dizer. Inclui-se na segunda categoria, não é das melhores, mas evita a maior parte das falhas desse grupo. Não soa incompleta ou enfadonha, como outras que veremos adiante.

 

Sendo uma faixa extra, Lorde nunca falou sobre ela até agora – tanto quanto sei, pelo menos. Não existe nenhuma interpretação “oficial” da letra. Para mim, Helen of Troy é sobre o poder disruptor do estatuto de Lorde como celebridade – tanto para ela como para os demais. 

 

Como vimos antes, a letra começa por referir a nega que recebeu nos Grammys. Dá a entender, de seguida, que virou as coisas a essa vida, pelo menos em parte, por causa de indignidades como essa. Refere também ocasiões em que Lorde concentra as atenções em si mesma, mesmo sem o desejar, dando azo a ciúmes e ressentimentos. Lá está, cidades viradas do avesso por causa dela, como Helena de Tróia. 

 

Existe espaço em Helen of Troy para Lorde dar conselhos a si mesma: para não descarregar nos demais, para não ser demasiado dura consigo mesma. E falando sobre isso…

 

Lorde tem falado de Secrets From a Girl (Who’s Seen it All) como uma sequela a Ribs – ao ponto de ter pegado em dois acordes dessa música e trocado a ordem, para criar este tema novo. Mais: Secrets é uma carta da Ella atual à versão de si que escreveu a letra Ribs.

 

 

Temos novamente uma referência aos temas de Melodrama – para dizer que Lorde já não comete os excessos de antes (“Dancing with my girls, then having two drinks and leaving”) e encorajando o seu eu passado a fazer o mesmo. A outra estância, por outro lado, é toda ela uma referência à morte de Pearl, o cão de Lorde. Ella terá escrito esta letra pouco depois da perda e, nesta parte, tenta consolar-se a si mesma. 

 

Musicalmente, é uma música da primeira categoria. Tem momentos mais minimalistas, mas depois surgem as guitarras acústicas e as baterias, criando um som luminoso. Exatamente aquilo que esperaríamos de um álbum inspirado pelo sol. 

 

Ainda assim, não consigo gostar muito de Secrets. Compreendo a intenção, até encontro alguma sabedoria na letra – o verso “everybody wants the best for you, but you gotta want it for yourself” aplica-se demasiado bem à minha vida – mas soa um bocadinho lamechas, sobretudo para Lorde. Suponho que seja inevitável em qualquer forma de carta ao nosso eu do passado – quando eu mesma o fiz, também saiu lamechas. 

 

Na verdade, eu até era capaz de gostar da música se cortassem a narração de Robyn, na parte final. Esforça-se um bocadinho de mais para entrar na moda da saúde mental dos últimos anos. Muitos fãs têm comentado que, se era para ter Robyn na música, que fosse um dueto a sério, cantado. Eu não conheço o trabalho da cantora, não posso opinar, mas se resultasse em algo melhor…

 

Outra música de que não gosto é The Man with the Axe, sobretudo por causa da sonoridade. Lorde referiu que este tema começou por ser um poema – mais valia que ela o tivesse declamado. A maneira como ela o cantou é uma seca. É outra música da segunda categoria, quase só com guitarra, mas os vocais são demasiado graves e lentos, sem nada que cative o ouvinte. 

 

 

Esta música precisa de intensidade, de vida: vocais mais fortes e um tudo nada mais rápidos e instrumentação mais completa, reforçando os discretos elementos de jazz e blues que noto. 

 

Ao menos a letra é semi-interessante. Tirando os aspetos que já fomos referindo, sobre a sua vida de estrela pop, The Man with the Axe é uma canção de amor para o atual parceiro (possivelmente noivo) de Lorde. A letra confirma que é um homem bastante mais velho – segundo os rumores já estará na casa dos quarenta. 

 

A mim faz-me confusão, confesso. Depois do divórcio de Hayley e das múltiplas situações que terão inspirado Your Power, de Billie Eilish, romances entre mulheres jovens e homens muito mais velhos fazem soar alarmes. Ella, ainda por cima, é apenas um ano mais velha que a minha irmã e eu não estou a ver a minha irmã namorando ninguém com quarenta anos ou mais.

 

Aliás, nem eu me vejo a mim própria namorando ninguém com quarenta anos ou mais. E já tenho trinta e um.

 

Dito isto, conheço casais com uma grande diferença de idade do homem para a mulher e que funcionam. Costuma-se dizer que as mulheres amadurecem mais depressa – eu tenho as minhas dúvidas. Acho que, na verdade, a sociedade é muito mais indulgente para rapazes e homens do que para raparigas e mulheres. 

 

No caso específico de Lorde, ela sempre se caracterizou por ser madura para a idade (ao ponto de ter circulado uma teoria da conspiração que defendia que Ella, na verdade, está na casa dos quarenta). Além disso, recentemente, a jovem queixou-se que a fama obrigou-a a crescer demasiado depressa. Diz mesmo que os amigos a veem hoje como uma mãe ou mesmo como uma avó. 

 

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Nesse aspeto, faz sentido que ela prefira uma relação com alguém mais velho.

 

Enfim, se resulta com ela…  Só espero que, daqui a uns anos, Lorde não esteja a cantar a sua versão de Your Power.

 

Muito bem, ficamos por aqui para já. Amanhã continuo. Obrigada pela vossa visita.

Paramore – All We Know Is Falling (2005) #2

Segunda parte da minha análise a All We Know Is Falling. Podem ler a primeira parte aqui.

 

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Here We Go Again é outro clássico dos Paramore, outro destaque em All We Know is Falling. À semelhança de Conspiracy, à primeira vista parece referir-se a conflitos entre os membros da banda, nomeadamente aquando da partida de Jeremy – sendo também aplicável a crises posteriores. “Cá vamos nós outra vez” é certamente aquilo que nós, fãs, pensamos sempre que aparece o mais leve indício de problemas nos Paramore. 

 

No entanto, a sua história de origem é ainda mais indefinida que a de Conspiracy. Supostamente Here We Go Again foi uma das músicas que cativou as editoras, juntamente com Hallelujah (suponho que o seu tom otimista não encaixasse neste álbum, daí ter sido guardada para Riot!). Ou seja, terá sido composta antes de Jeremy se ter ido embora – a partida dele não terá sido inspiração para a letra. 

 

Em todo o caso, a letra de Here We Go Again aplica-se facilmente a qualquer corte de relações, seja entre amigos, amantes, familiares – no que toca a isso, Hayley não terá falta de exemplos em que se basear, coitada.

 

Começa por falar em palavras duras, ditas no calor do momento. Uma pessoa acaba por se arrepender e tenta retirar o que disse, mas nem sempre é possível. O mal já está feito. Dá-se mesmo a entender que tais palavras levaram ao fim da relação. 

 

No refrão, a narradora diz que está satisfeita com a separação – ou pelo menos aprendeu a viver com ela. Por outro lado, na segunda estância põe-se a pensar no que teria acontecido se o relacionamento não tivesse terminado. É uma reação tipicamente humana – vemos Hayley explorando ideias semelhantes em Flowers For Vases, por exemplo. E aposto que não existe nenhum fã mais hardcore dos Paramore que nunca tenha tentado imaginar o percurso da banda caso Zac e Josh não tivessem saído em 2010, e/ou se Jeremy não tivesse saído em 2015.

 

Musicalmente, não há muito a dizer. Não existe nenhum elemento de grande destaque no instrumental, mas no seu todo é bastante sólido. Evita as armadilhas em que outras músicas deste álbum caem. 

 

 

Por outro lado, quando tocada ao vivo torna-se interessante, pois no fim da música põem-se a brincar com excertos de outras músicas. Eles experimentaram vários no ciclo de All We Know is Falling e um fã deu-se ao trabalho de compilar no vídeo acima. 

 

Pequeno aparte só para a delícia de ver quatro cabeças abanando com sincronia perfeita. 

 

Falemos sobre alguns destes outros, então. O de Sk8er Boi era alegadamente para responder a uns armados em engraçados que chamavam Avril à Hayley. De todos os nomes que terão chamado à jovem (entre os quais “tiny hot topic bitch), este não estará entre os piores. Mas compreendo a irritação: naquela altura qualquer rapariga cantando por cima de guitarras era um clone da Avril. 

 

A própria Avril será um clone da Avril, segundo consta...

 

De que estávamos a falar? Ah, certo, Here We Go Again. 

 

Um dos encerramentos mais engraçados, na minha opinião, é com Incomplete dos Backstreet Boys – uma música que ficou em 2005, em termos de memória colectiva. Uma rara ocasião em que Josh e Hayley harmonizam nos vocais (deviam tê-lo feito mais vezes) e com um screamo bem sacado.

 

 

Eventualmente decidiram tornar o outro com One Armed Scissor, de At the Drive-in, o definitivo. E de facto é o que melhor se encaixa em termos de letra. Gosto em particular do verso “I write to remember” – quem também é escritor sabe do que falo.

 

Never Let This Go é outra que, à primeira vista, podia ser sobre a partida de Jeremy, mas é pouco provável que o seja. Hayley terá dito certa vez que é sobre quando o amor corre mal.

 

O que não esclarece muito. 

 

Devo dizer que Never Let This Go é a de que menos gosto em All We Know is Falling. Instrumentalmente, tirando as notas introdutórias, que me recordam Decode e I Caught Myself, não é nada de especial. A letra também deixa muito a desejar – muito curta, vaga, cheia de clichés emo. Eles têm bem melhor, conseguem fazer bem melhor. 

 

Admito que Whoa está longe de ser a melhor música dos Paramore. O refrão é demasiado cliché, quase reproduzindo o chamado Millenial Whoop, um truque barato para cativar o ouvinte, sobretudo ao vivo… mas resulta. É o tipo de música que agrada ao meu eu de quinze, dezasseis anos.

 

Por outro lado, a introdução está bem sacada, com aqueles acordes de guitarra pesados mas dançantes.

 

 

Uma vez mais, a letra não é nada de especial. Parece falar sobre a banda, faz o ponto da situação no caminho para a glória. Não dá para ter a certeza, é demasiado vaga. Em todo o caso, é a faixa mais alegre num álbum bastante (emo) melancólico.

 

Regressando a esse registo, falemos sobre Emergency, o segundo single deste álbum e, na minha opinião, a melhor em All We Know is Falling e uma das melhores dos Paramore – merecia muito mais apreciação. 

 

Em termos de musicalidade, é a melhor em All We Know is Falling: como que a duas vozes, com o instrumental a acompanhar, os riffs acelerando e abrandando, o ligeiro crescendo imediatamente antes do refrão.

 

Queria no entanto destacar a letra. Hayley baseou-se nas suas experiências com os múltiplos divórcios dos seus pais e na ideia que tinha do amor em geral. É fascinante examiná-la agora, após Petals For Armor. Após a própria Hayley ter passado por um divórcio. Até porque, a meu ver, as opiniões que Hayley exprime em Emergency são uma das razões pelas quais se manteve tanto tempo numa relação tóxica.

 

Em defesa dela, estas eram opiniões populares nos anos 2000. O número de divórcios estava em alta, diziam, porque as pessoas não se queriam comprometer a longo prazo, além da fase de lua-de-mel. Desistiam à primeira dificuldade, não percebiam que os casamentos exigiam esforço (“So you give up every chance you get, just to feel new again”).

 

Existe verdade nestas ideias, mas estas ignoram um princípio importante: antes só que mal acompanhado.

 

 

Hayley chega a acusar os pais de não saberem o que é o amor (“And you do your best to show me love, but you don’t know what love is”), mas hoje fica claro que eles sabiam mais do que ela. Por estes dias, Hayley fala em traumas geracionais, em como ela e a mãe fugiram com companheiro abusivo dela ao virem para Franklin – mas saberia a jovem a verdade na altura, quando tinha onze ou doze anos? Talvez ela só o tenha descoberto muito mais tarde e, até lá, pensava que era apenas a mãe a divorciar-se outra vez.

 

E anos mais tarde, quando Hayley ficou noiva e o noivo se envolveu com outra mulher, a jovem casou-se à mesma com ele. Em parte porque, como já tínhamos comentado noutra ocasião, queria mostrar aos pais que ela, ao contrário deles, conseguiria manter uma relação. 

 

Os resultados estão à vista, conforme temos vindo a comentar extensamente neste blogue.

 

A frase mais importante da letra, no entanto, é “No one cares to talk about it”. Quando a toca ao vivo, Hayley acrescenta mesmo “So can we talk about it?”. E a parte mais triste é que Hayley e a mãe só começaram a falar sobre os divórcios há poucos anos – já depois de a jovem tem passado pelo seu.

 

Compreende-se que Cristi não tenha querido falar sobre isso antes. Não será fácil admitir os seus erros, as suas vergonhas, as armadilhas em que caiu, a uma filha adolescente. Além disso, uma coisa é falar sobre estas coisas com uma miúda de dezasseis anos e falar com uma mulher de trinta.

 

Ainda assim, Hayley podia ter-se poupado a muito sofrimento se os pais tivessem sabido comunicar melhor com ela sobre estes assuntos. Até porque, segundo Hayley, ela e Cristi cometeram os mesmos erros nas suas vidas amorosas: envolveram-se em relações abusivas porque queriam alguém que não as abandonasse. Estavam dispostas a aceitar tudo desde que se sentissem desejadas.

 

 

Tudo isto é compreensível, tudo isto é humano, tudo isto é triste, tudo isto é fado. Felizmente, nesta altura Cristi está num casamento feliz e Hayley, aparentemente, também estará numa relação saudável (com o Taylor?).

 

Uma última palavra para o chamado Crab Mix, lançado no EP The Summer Tic, em 2006 – em que Josh contribui com screamos. É uma versão fixe. Não vou ao ponto de desejar que tivessem usado esta como versão oficial, mas podiam ter incluído screamo no último refrão, em jeito de elemento-surpresa. 

 

Brighter é outra das minhas preferidas neste álbum. Musicalmente é das mais rápidas em All We Know is Falling. Pontos para a bateria de Zac (recordo que ele tinha treze ou catorze anos quando gravou isto). Também Hayley impressiona com a sua voz – reparem no crescendo antes do refrão, em “that you shine brighter than anyone”.

 

A letra não é muito consistente. Penso que nenhum dos membros da banda alguma vez revelou a inspiração por detrás dela. No entanto, All We Know is Falling é dedicado a Lanie Kealhofer, juntamente com a fase “you shine brighter than anyone”. Lanie era uma amiga de Hayley, de quando ela vivia no Mississipi, que morreu num acidente de barco poucas semanas antes da edição deste álbum. Assim, assume-se que Brighter é sobre a morte dela.

 

Existem partes da letra que se encaixam nessa teoria. Outras, nem tanto – em particular o refrão. Não dá para ter a certeza, por isso. Mas também já lá vão mais de quinze anos. É pouco provável que venhamos a descobrir a verdade.

 

 

Em todo o caso, pessoalmente, Brighter é uma das músicas que me faz pensar em Chester Bennington, no que lhe aconteceu (tenho uma playlist delas). “And I’ll wave goodbye watching you shine bright” descreve bem a minha segunda metade de 2017

 

Franklin é uma música mais interessante do que, se calhar, soa à primeira vista, sobretudo em termos de letra. Musicalmente, destaca-se do resto do álbum por ser uma balada com vocais mais suaves, menos gritados, e com um fascinante padrão de bateria. Josh e Hayley cantam juntos no refrão – é uma pena não o terem feito mais vezes quando podiam. Os últimos versos de Franklin, então, soam particularmente bonitos. 

 

Houve uma altura há uns anos em que me perguntava como teria sido se Josh tivesse sido oficialmente co-vocalista dos Paramore. Talvez a banda tivesse tido um percurso mais pacífico. Hoje no entanto, depois de saber mais sobre as origens dos Paramore, acho que nunca resultaria. É possível, até, que fosse esse o plano inicial e que a editora tenha vetado. 

 

Além disso, acho que Hayley e Josh seriam sempre tratados de maneira diferente – por serem de géneros diferentes, por ela ser (na minha opinião mas não só) mais carismática e mais talentosa vocalmente.

 

Mas regressemos a Franklin. A música recebeu o nome da terra onde os membros da banda viviam antes de serem descobertos. No entanto, como veremos de seguida, a letra da música tem uma mensagem bastante universal. Funcionaria com qualquer nome de localidade – Franklin, Napanee, Massamá.

 

À primeira, a letra de Franklin parece falar apenas sobre ter saudades de casa. Porém, se formos a ver, não é tanto de casa que a narradora tem saudades – é das pessoas que ela e os amigos eram antes de partirem. De tal forma que a narradora admit que regressar não é solução – não é a mesma coisa.

 

 

A mim faz-me pensar em Frodo Baggins regressando ao Shire no final d’O Senhor dos Anéis e percebendo que já não pertence lá. No entanto, não é preciso ter percorrido quilómetros e quilómetros a pé, atravessado reinos em guerra e levado o Anel Um até à cratera de Mordor para se identificar com a letra de Franklin. Nem sequer é preciso ter saído da terra natal.

 

No fundo, a letra de Franklin é sobre crescer. Sobre a maneira como as coisas mudam, as pessoas mudam e não é possível voltarmos a ser quem éramos antes, por muito que o desejemos. 

 

Finalmente, encerrando o álbum, temos My Heart, outro clássico adorado pelos fãs. 

 

Que atire a primeira pedra (see wbat I did there?) quem nunca achou antes que isto era uma canção de amor – de amor romântico, isto é. My Heart é, na verdade, uma carta de amor para Deus.

 

Este é outro aspeto que faz parte do ADN dos Paramore: a fé. Não que alguma vez tenham andado por aí tentando converter os seus fãs. Mesmo as referências ao cristianismo na sua música, tirando, vá lá, o outro de Let the Flames Begin, são discretas. Mas é uma parte da identidade da banda, sobretudo durante os seus primeiros anos. 

 

E, à boa maneira dos Paramore, a certa altura foi fonte de discórdia.

 

 

Nos últimos anos, a banda tem deixado o cristianismo um pouco mais de lado. Numa entrevista recente, aliás, Hayley revelou que hoje questiona muitos dos princípios religiosos que lhe foram impingidos durante a infância e a adolescência. Ainda acredita em Deus, mas não no Deus que lhe ensinaram.

 

Eu compreendo. E aqui entre nós, com o historial do cristianismo no que toca às mulheres, às comunidades LGBTQ+, à pedofilia na Igreja Católica, nenhuma pessoa decente pode levar aquilo demasiado a sério. Nestas alturas, costumo parafrasear o sábio Eli Gold de The Good Wife: a religião é como um medicamento; em doses baixas é terapêutica, em doses altas é tóxica. 

 

Regressando a My Heart, o momento-chave da música é o screamo de Josh na terceira parte. Este é um elemento que não devia resultar – My Heart é uma balada, é uma canção de amor a Deus – mas resulta. Em versões ao vivo, então, soa espetacular – sobretudo quando eles acrescentavam um outro.

 

Infelizmente Josh foi-se embora. Desde então, esta música só é tocada em acústico. Soa bonita à mesma, não me interpretem mal, mas não é a mesma coisa.

 

Na verdade, gosto um pouco mais de My Heart fora do contexto de All We Know is Falling. No álbum é a terceira música seguida neste registo mais sentido. Ainda por cima, a terceira parte da faixa repete a fórmula de Franklin – com o acompanhamento a diminuir de intensidade, Hayley cantando a mesma frase duas ou três vezes, seguindo-se uma “explosão”. 

 

É um dos problemas de All We Know is Falling como um todo. Na primeira metade ficaram as músicas mais rápidas, na segunda ficaram as mais lentas. Teria ajudado se a ordem das faixas fosse diferente? Um bocadinho, talvez, mas acho que não chegaria para mascarar as falhas do álbum. All We Know is Falling é, na minha opinião, demasiado curto, demasiado homogéneo, com muitas arestas por limar em termos de letras e instrumentais. 

 

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Dito isto, All We Know is Falling está numa situação parecida com a de Flowers For Vases: por si só deixa a desejar, mas as falhas aceitam-se para as circunstâncias. 

 

Estamos a falar de adolescentes compondo e gravando um disco! Zac tinha treze ou catorze anos durante os trabalhos de All We Know is Falling! Na idade deles, o meu maior feito fora entrar no Quadro de Honra no nono ano – algo que não me valeu de muito, tirando o orgulho da família (que desapareceria em poucos meses, quando cheguei ao décimo ano e tive dificuldades) e um livro oferecido pela escola (O Que Todas as Raparigas (Exceto eu) Sabem, de Nora Raleigh Baskin. Até gostei.). 

 

E mesmo sendo o pior álbum dos Paramore, está longe de ser mau – ainda que eu tenha demorado anos a apreciar muitas das coisas boas que fui assinalando ao longo desta análise.  Tem músicas que, como vimos, ainda hoje são adoradas pelos fãs – e uma ou duas que, na minha opinião, estão entre as melhores da banda. 

 

O próprio Josh admitiria numa entrevista posterior que o álbum seguinte teria mais energia. E teve. Os Paramore, aliás, são um caso raro no mundo da música em que cada álbum é melhor que o anterior. Pela lógica seria de esperar que fosse sempre assim, mas todos conhecemos artistas ou bandas com excelentes álbuns de estreia e/ou segundos álbuns e que nunca mais conseguiram chegar ao mesmo nível.

 

Se bem que, muitas vezes, estas opiniões são influenciadas por fãs teimosos que fazem birra se os seus artistas ou bandas mudam o seu estilo com o tempo. 

 

No que toca aos Paramore, acho que quase todos concordamos que Riot! É melhor que All We Know is Falling e Brand New Eyes é melhor que Riot!. Pode haver quem argumente que a tendência se mantém com os álbuns seguintes – mas eu acho que os três álbuns mais recentes dos Paramore estão mais ou menos ao mesmo nível. Cada um tem a sua personalidade, qual deles é o melhor depende do gosto de cada um. 

 

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A ver onde é que o sexto álbum dos Paramore se encaixará nesta classificação. Nesta altura, já está mais do que confirmado que a banda já está a trabalhar nisso. No outro dia, Hayley anunciou inclusivamente que vai-se manter afastada das redes sociais para, em parte, escrever letras. 

 

Eu no entanto acho que ainda vai demorar um bocadinho. Aponto para 2022 ou, quanto muito, finais de 2021. Os fãs estão com pressa (e alguns têm sido bastante indelicados nas internetes), mas vocês já sabem que eu lido bem com esperas – sobretudo depois de Hayley ter lançado dois álbuns a solo em menos de um ano. A banda, aliás, faria bem em ter calma e dar tempo à pandemia para passar – se é para lançar música nova, que o façam de um palco.

 

A mim até me dá jeito a pausa já que, depois de escrever sobre Flowers For Vases e All We Know is Falling, fiquei saturada. Preciso de me ausentar no universo Paramore/Hayley Williams. A menos que a banda demore mesmo muito nos trabalhos, só tornarei a escrever sobre os Paramore quando começar o ciclo do sexto álbum. Provavelmente quando lançarem o primeiro single.

 

Isso quer dizer que só escreverei sobre Brand New Eyes depois do sexto disco dos Paramore. Esse não será um texto nada fácil. Em parte por causa dos conflitos na banda, ainda mais complicados que aquando de All We Know is Falling. Em parte porque eu mesma tenho tido uma relação difícil com Brand New Eyes – tanto com as músicas individualmente como com o álbum como um todo. 

 

A prazo mais curto, receio que este blogue vá ficar em pausa durante as próximas semanas, se não forem meses. O Euro 2020 está à porta e vou estar mais ocupada com o meu outro blogue. Depois do Europeu, planeio ver a dobragem portuguesa de Digimon Frontier e começar, finalmente, a escrever sobre essa temporada. A análise não deverá ser tão longa como a de Tamers, mas ainda deverá demorar um pouco.

 

Em todo o caso, continuo à espera de música nova de Bryan Adams e de Avril Lavigne – os meus pais musicais deverão lançar álbuns novos ao mesmo tempo outra vez. A menos que eles me troquem as voltas e lancem os singles em pleno Euro 2020, em princípio teremos as respectivas crónicas de Músicas Não Tão Ao Calhas. 

 

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