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Álbum de Testamentos

"Como é possível alguém ter tanta palavra?" – Ivo dos Hybrid Theory PT

Paramore – This is Why (2023) #2

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Segunda parte da minha análise a This Is Why. Primeira parte aqui.

 

Agora falemos de Liar. Esta também tem muitos fãs, se bem que por motivos muito diferentes. Desde Brand New Eyes, todos os álbuns dos Paramore, incluindo o Singles Club, incluem um número acústico calminho. Em This is Why, esse número acústico é também a canção de amor – a tal que eu esperava que incluíssem.

 

Já não é a primeira vez que digo aqui que, por defeito, gosto sempre das canções de amor (claro que existem exceções). Mesmo sem o meu viés favorável, acho Liar uma música linda. É um número acústico sim, como Misguided Ghosts, In the Mourning e 26. Ao mesmo tempo é diferente, é única na discografia dos Paramore – eu pelo menos não me recordo de outro tema com este tom atmosférico.

 

Hão de reparar na bateria incrivelmente intricada de Zac. As pessoas tendem a dar mais importância à bateria em músicas mais agitadas, mas esta é igualmente importante em baladas como esta. Em Liar, então, a bateria casa lindamente com a melodia – Hayley deu a entender que a compôs em consonância com esse ritmo.

 

Por fim, não sei se foi de propósito, mas aquelas batidas depois do segundo refrão lembram-me batimentos cardíacos.

 

Aquilo de que toda a gente quer falar, no entanto, é da letra de Liar, claro. Esta é a primeira canção de amor que Hayley lança desde que foi confirmado aquilo que muitos suspeitavam há anos: ela e Taylor estão a namorar. Aliás, nesta altura já estarão a viver juntos.

 

 

Agora que já lá vai algum tempo desde a confirmação, tenho gostado da comunicação em torno do relacionamento: muito reduzida. Não surpreende, sobretudo depois de terem demorado três ou quatro anos a torná-la pública. Taylor é muito mais reservado que Hayley. A ideia com que fico é que é sobretudo por causa dele que Hayley não é mais aberta sobre o assunto. Ao mesmo tempo, a relação só pertence a eles. Eles não têm obrigação nenhuma de partilhar detalhes com os fãs – e nós não temos o direito de exigi-los.

 

Dito isto, eu – à semelhança de muitos outros – fico contente com as migalhas que eles vão deixando. Como as interações dos dois em palco. Ou Hayley usando uma alça de guitarra de Taylor como cinto (ela é um ícone da moda!). 

 

Só peço que nos digam qualquer coisa quando houver casório.

 

Liar pega em temas já explorados em Petals For Armor. Na letra, Hayley fala de negar aquilo que sente, reprimi-lo, mentir a si mesma e aos demais. Porque existiam imensas objeções ao que ela sentia. Porque Taylor é um colega de banda e isso costuma dar barraca. Já tinha dado barraca quando ela namorara com Josh em miúda. Porque ela tinha medo dos juízos de valor do público – mesmo a minha primeira reação, quando soube dos rumores, não foi das melhores. Porque a relação com Taylor era relativamente fácil, saudável, e Hayley não estava habituada a isso. Porque a relação anterior a esta ia dando cabo dela e Hayley, sem surpresas, tinha medo de se apaixonar outra vez. Porque a própria Hayley não se achava merecedora de Taylor e receava magoá-lo – “All the ways I keep you safe, I keep you safe from me”. Porque, em geral, apaixonar-se pode ser assustador.

 

Mas Hayley não conseguiu enganar Taylor. E ele nem sequer precisava de ser enganado.

 

Gosto muito da segunda estância. Começando pelos dois primeiros versos: “Got so good at fighting chemicals and dodging arrows I was asking for”. A sobreposição de duas visões diferentes sobre o amor. A mundana – porque há quem diga que o amor e a atração são apenas produto de hormonas e neurotransmissores. E a divina – as flechas de Cupido, de que Hayley se desviava.

 

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Por seu lado, os versos seguintes – “wading through the fog and then it disappeared, naked when I’m here” – recordam-me Naked, de Avril Lavigne, uma das minhas canções de amor preferidas de todos os tempos. Em particular os versos “Then you came around me, the walls just disappear, nothing to surround me, to keep me from my fears”. Hayley tentando proteger-se e não sendo capaz, dando por si numa posição vulnerável.

 

Na terceira estância, Hayley aceita finalmente os seus sentimentos, ama sem medo ou vergonha. E estimula os ouvintes a fazerem o mesmo.

 

Hayley diz que Liar é a sua preferida em This is Why neste momento. Também está entre as minhas, diria eu.

 

No entanto, a minha preferida neste álbum, pelo menos para já, é Crave. Penso que também é uma das mais populares, mas posso estar enganada.

 

Em termos de sonoridade, encaixar-se-ia bem no Self-Titled. Temos outro refrão circular, mas este incomoda-me menos que o de Big Man, Little Dignity. 

 

A letra de Crave fala sobre nostalgia, que é um assunto bastante universal, sobretudo na Internet. Eu pelo menos podia encher páginas e páginas sobre isso – vou fazer um esforço por me conter.

 

 

Hayley disse na entrevista ao Zane Lowe que, muitas vezes, tem dificuldades em desfrutar de um bom momento porque sabe que este vai acabar. Depois de acabar, fica com saudades, lamenta não ter aproveitado melhor.

 

Eu também muitas vezes não consigo aproveitar o momento, “estar presente” como agora se diz. Nem sempre é por saber que vai acabar. Muitas vezes estou demasiado presa à minha cabeça, sinto-me triste por algum motivo ou nenhum, sinto-me ansiosa por algum motivo ou nenhum, e estrago a experiência a mim mesma.

 

Outras vezes tenho grandes expectativas para um determinado evento e depois a realidade não consegue corresponder. Acho que é daquelas coisas que pioram com a idade. Quando somos novos tudo é especial, tudo é novidade, tudo é marcante. Vai-se tornando cada vez mais difícil recaptar essa sensação à medida que vamos vendo mais, vivendo mais.

 

Este é um tema mais ou menos recorrente nas letras de Hayley. Por exemplo, em First Thing to Go, de Flowers For Vases, que reza: “Why do memories glow the way real moments don’t?”. E sobretudo em All I Wanted, como assinalaram no podcast Still Into You (que recomendo vivamente): “I could follow you to the beginning, just to relive the start, maybe then we’d remember to slow down at all of our favorite parts”

 

Já não é a primeira vez que o digo: tenho muito a tendência de querer desesperadamente reviver o passado e negligenciar o presente. É algo que tento ativamente contrariar. Há um par de meses, por exemplo – e perdoem-me por falar disto outra vez – quando tive uma recaída nas minhas saudades de Chester Bennington (de que ainda não recuperei a cem por cento), só queria voltar atrás. Queria aproveitar melhor a curta vida dele: interessar-me mais cedo pelos Linkin Park e pelos Dead By Sunrise, ir a mais concertos dele, reviver aqueles a que fui.

 

Regressamos a Crave. Se a primeira estância fala de nostalgia por bons momentos, a segunda fala de nostalgia por maus momentos, o que não é comum. Não é a primeira vez que ouvimos Hayley falar de romantizar situações menos boas – e ainda agora vimos, a propósito de C’est Comme Ça, que ela tem afinidade para o caos. Em Crave, Hayley vai mais longe e diz mesmo que não mudaria nada.

 

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O que é… interessante, suponho eu. Arrojado. Afinal de contas, Hayley foi magoada a sério, magoou outras pessoas a sério, teve ideação suicida – algo a que a própria letra de Crave faz referência. 

 

Não se arrepender disso será a atitude mais saudável? Não sei. Por um lado, será fácil dizer agora que faria tudo de novo. Agora que está numa melhor fase da sua vida, agora que sabe que sobreviveu – e se orgulha disso, merecidamente.

 

Por outro lado, é aquela clássica: se Hayley não tivesse passado por aquilo que passou, se não tivesse cometido os erros que cometeu, não teria aprendido o que precisava de aprender, não estaria onde está hoje. Por exemplo, já antes referi este discurso, em que Hayley declarou que repetiria aquele que descreve como o pior ano da sua vida, só mesmo porque fez com que ela visse o quanto Taylor gostava dela. Mais tarde, em Taken, de Petals For Armor, Hayley reitera que passaria por tudo de novo: “Might’ve taken thirty years but I was always on my way to him”.

 

Lembra também Sharp Edges, dos Linkin Park. 

 

E, claro, o que não nos mata torna-nos mais fortes (bem… até certo ponto), dá-nos algo sobre que escrever, dá-nos algo sobre que cantar.

 

Isso de não acreditar em arrependimentos é daquelas filosofias a que subscrevo em teoria. Admito mesmo que tenho erros que não me arrependo de ter cometido, não por completo pelo menos. Porque deram-me oportunidades que não teria de outra forma.

 

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Na prática, no entanto, arrependo-me de muitas coisas – acabei de falar de algumas. Penso muitas vezes no que teria acontecido se tivesse tomado outras decisões. Mesmo sabendo que talvez fosse uma pessoa diferente hoje.

 

Ou não.

 

Apesar de tudo, sei que, tirando a parte de aprender com os erros, não serve de nada carregar arrependimentos. Não serve de nada nadar em águas passadas, pensar em cronologias alternativas, viver na Terra do Nunca de Kizuna. Para quê preocuparmo-nos com o que não podemos mudar? 

 

Se me permitem o exemplo aleatório, o futebolista Rúben Dias disse há um par de meses que “não jogava com ‘se’s” (já nem me lembro do contexto, terá sido na Seleção…?). Uma frase inesperadamente sábia – nem deve ter sido de propósito. O que uma pessoa tem de fazer é jogar o melhor que puder com o aqui e agora – o que remete para a primeira estância de Crave.

 

(Caso não tenham percebido, a mensagem do parágrafo anterior é para mim mesma.)

 

A terceira parte da música é a minha preferida, tanto em termos de sonoridade como de letra. Gosto do instrumental depois do segundo refrão, do pequeno solo de guitarra e da bateria de Zac. E Hayley exibe a sua voz impressionante.

 

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Na minha opinião, os versos “Any second feel the present, future and the past connecting” fala daqueles momentos, bons ou maus, que mudam a nossa vida, que se transformam em memórias centrais, como no Inside Out. O que acaba por ser paradoxal: quando estes momentos acontecem, regra geral só o percebemos à posteriori. Lá está, porque estamos presentes no momento, não estamos a pensar demasiado.

 

Adoro esta canção. Espero que seja lançada como single, com direito a videoclipe. Crave e A Praise Chorus passaram a ser as minhas músicas de dias de concerto: A Praise Chorus para antes, Crave para depois (talvez acrescente Long Live (Taylor’s Version). Afinal de contas, para mim concertos são das melhores coisas do mundo, sobretudo de músicos que adoro. São definitivamente daqueles momentos em que o passado, o presente e o futuro se unem. Não é por acaso que me fartei de dar rotação a Crave há poucas semanas – depois de ter voltado a ver os Hybrid Theory, na noite de 20 para 21 de julho. 

 

E, seguindo a mensagem do refrão, quero repetir o a experiência. Já estou a fazer planos para isso. 

 

Havemos de voltar a falar sobre concertos (oh sim). Para já, falta falarmos sobre Thick Skull – a última música do alinhamento de This is Why, mas que terá sido composta em primeiro lugar.

 

Esta é capaz de ser a faixa mais interessante em todo o álbum em termos de sonoridade. A banda cita dos Radiohead e o álbum A Rush of Blood to the Head dos Coldplay como inspirações, o que faz sentido. Algumas partes recordam-me um pouco Just a Lover, de Flowers For Vases. É um som algo sombrio, com um toque de jazz fora da caixa para os Paramore mas de que gosto imenso. Destaque-se a guitarra elétrica de Taylor. 

 

Por esta altura, qualquer fã de Paramore minimamente bem informado sabe que Hayley é considerada a cara da banda. Para o melhor e para o pior – ela tem as costas largas. Pelos membros que vão e vêm, pelas pessoas que ela namora, pelas letras pouco feministas, tudo à mistura com uma dose generosa de misoginia. O mais saudável seria ignorar, claro, mas Hayley é humana, interiorizou muitas destas críticas. Não é fácil libertar-se delas.

 

 

Hayley disse que escreveu a letra de Thick Skull fingindo que tudo o que as más-línguas têm dito sobre ela ao longo dos anos era verdade. Uma maneira de se libertar desses demónios de uma vez por todas, agora que o seu contrato com a Atlantic Records finalmente terminou. 

 

Não sei se acredito a cem por cento nessa explicação. A letra parece-me mais sincera do que isso.

 

I am a magnet for broken pieces, I am attracted to broken people”. Ainda há pouco vimos que Hayley tende a escolher pessoas tóxicas. Em Thick Skull, Hayley compara-as a cacos de vidro. Apanha-os do chão mas corta-se, é vista pelos demais com sangue nas mãos e estes assumem o pior em relação a ela – quando Hayley estava só a tentar ajudar. 

 

Agora é que compreendo a expressão anglosaxónica “caught red handed”.

 

Na segunda estância, Hayley fala em cadáveres enterrados que a assustam – poderá ser uma metáfora para erros que ela cometeu no passado e que lhe pesam na consciência. No refrão, Hayley admite ser incapaz de aprender e desafia os demais a dar-lhe sermões: “C’mon, give it to me, give it to me”.

 

O cenário pintado por Thick Skull faz-me ver o videoclipe de Playing God sob uma nova perspectiva. A protagonista desse vídeo é uma pessoa respeitável com um segredo sombrio. Havemos de falar melhor sobre isso quando escrever sobre Brand New Eyes, mas sempre me interroguei sobre em que é que os Paramore estavam a pensar quando criaram o conceito desse videoclipe. Sobretudo tendo em conta que este saiu poucas semanas antes do infame abandono de Zac e Josh. Sempre teorizei que a ideia para o vídeo partiu de Josh, indiciando as acusações que faria a Hayley mais tarde. Agora pergunto-me se não terá sido ideia de Hayley, já nesta altura gozando com a perceção que as pessoas tinham dela. 

 

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Se quiserem lançar algum videoclipe para Thick Skull, espero que façam uma versão noir do videoclipe de Playing God. Esqueçam os raptos, façam de Hayley uma serial killer perseguindo Zac e Taylor. Deem a entender que já apanhou Josh e Jeremy. Seria uma delícia. 

 

Esta dicotomia entre ser-se herói ou vilão, ser-se herói e vilão, remete para You First e na verdade é, para mim, o tema principal de This is Why. O discreto denominador comum de um álbum que, à primeira audição ou mesmo à segunda, parece algo desconjuntado. Sou herói ou sou vilão? Estou a fazer bem ou mal? Sou parte do problema ou parte da solução? 

 

E se for ambos? E se estes atributos não se excluírem uns aos outros?

 

Praticamente todas as músicas lidam com este tema. Em This is Why, “you’re either with us or you can keep it to yourself” – se concordas tudo bem, se discordas és cancelado. Em The News, se ligas as notícias, sofres com elas e pouco podes fazer para resolver o problema. Se desligas, és egoísta e nem sequer consegues alívio. Em Running Out of Time, até podes ter boas intenções, mas nem sempre consegues concretizá-las e, uma vez mais, ainda passas por egoísta. Em C’est Comme Ça, tenta-se ser bom para si mesmo, um herói para si mesmo, mas isso é uma seca – autodestruição é que é fixe. Em Figure 8 foram as circunstâncias e as outras pessoas que nos transformaram em vilões. 

 

Hayley referiu há pouco tempo que uma das lições de vida que está a tentar aprender nesta era é precisamente sobre dualidade. Sobre como muitas coisas na vida são algo e o seu completo oposto ao mesmo tempo. É a isso que se refere o poema que Hayley escreveu para o seu eu mais jovem e que tem servido de introdução aos concertos dos Paramore. 

 

 

Já dei com esta corrente de pensamento noutros sítios, na verdade. Em Once Upon a Time para começar, no episódio “We Are Both”. Mais recentemente neste vídeo, a propósito do memorável discursoThank you… and fuck you” num dos últimos episódios de Ted Lasso. O glorioso “e”, o glorioso “ambos”, o glorioso “tanto… como…”. É possível que isto se torne numa moda nova na psicologia pop, talvez como resposta à cultura de cancelamento que dominou os últimos anos. Não deixa de ser verdadeira. 

 

E estando eu numa altura da minha vida em que ando cheia de emoções contraditórias, a sentir mais do que o costume, isto é algo que também estou a aprender. Como, spoilers, a Barbie no fim do filme. 

 

Aquilo que nos acontece de mau nas nossas vidas faz de nós quem somos hoje, inspiram a nossa arte, dão-nos histórias para contar, e não deixam de ser coisas más, que não deviam ter acontecido. Pais criam os filhos da melhor forma que conseguem, com a melhor das intenções e quase todos cometem erros que os filhos carregam para o resto da vida. Pessoas tóxicas podem ter-nos feito felizes no passado e temos o direito de não querê-las mais na nossa vida, por causa do mal que nos fizeram. Sorrir porque aconteceu e chorar porque acabou – e vice-versa. Esperança, pensamento positivo e realismo, medo. 

 

Dando exemplos mais concretos, os Paramore têm luz e escuridão na sua música. Hayley tem um lado idealista e um lado cínico, um lado saudável e um lado avariado, passa noites a cantar, a dançar, a rir em palco e, na manhã seguinte, pode estar com uma depressão. Josh Farro é um homofóbico, Jeremy Davies terá tentado colar-se ao trabalho de Hayley e Taylor, não fazem falta nos Paramore e a banda não seria o que é hoje se não fossem eles. 

 

Noutros exemplos mais pessoais, os livros do Harry Potter foram altamente formativos na minha infância e adolescência e não tenho nem terei nada a ver com esse mundo enquanto a sua autora não parar de atacar a comunidade trans. A música dos Linkin Park fala de raiva, revolta, sofrimento interior, pensamentos e comportamentos autodestrutivos e, à luz da morte de Chester, nunca se livrará de um filtro triste e alguns dos melhores momentos da minha vida decorreram em concertos ao som dessa música – mesmo depois de perder Chester. 

 

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A morte dele, aliás, foi uma tragédia de que muitos de nós ainda estão a tentar recuperar seis anos depois e possibilitou muitas coisas boas que talvez não acontecessem noutras circunstâncias. A mudança de mentalidades em torno da saúde mental, que tem salvo vidas – ainda no outro dia dei com um exemplo disso. Mike Shinoda, amigo e colega de Chester nos Linkin Park, encontrou um novo propósito musical lançando música a solo e, mais tarde, compondo e produzindo música para outros artistas. Os membros dos Hybrid Theory encontraram o propósito musical deles como tributo aos Linkin Park, depois de outros projetos que não resultaram. 

 

Eu podia continuar. Importante realçar que há coisas que não deixam de ser más, que não têm de ser perdoadas, mesmo tendo aspetos que as redimam.

 

Isto é a minha faceta preferida dos Paramore, o motivo pelo qual são a minha banda preferida, empatados com os Linkin Park: a maneira como a música deles, direta ou indiretamente, apela à introspeção, a reflexões como estas e que marcam diferentes eras nas nossas vidas. This is Why precisou de algum tempo para isso, mas está a ter o mesmo efeito.

 

Dito isto, não coloco ainda This is Why ao mesmo nível que o Self-Titled e After Laughter ou mesmo Brand New Eyes. A minha opinião tem melhorado com o tempo, mas há falhas que não desaparecem. Continuo a achar que nos foi prometida uma coisa diferente. As faixas têm denominadores comuns entre si, mas o álbum continua algo inconsistente em termos de temáticas. Mesmo a questão da dualidade tem de ser um pouco arrancada a ferros nalgumas músicas. Também não ajuda o facto de o álbum ser curto – dez músicas é pouco. Com mais faixas talvez se conseguisse uma maior coesão, talvez alguns destes temas tivessem mais espaço para respirarem.

 

No fundo, sinto que falta qualquer coisa a This Is Why, embora não sabia precisar ao certo o quê. 

 

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De qualquer forma, não são falhas graves. Talvez This is Why seja apenas um ponto de partida – até porque Hayley diz que eles querem regressar ao estúdio, agora que têm um par de meses de pausa entre digressões. Mesmo que não o seja, This is Why continua a ser um bom álbum, respeitável, digno de figurar entre os seus antecessores. E pode ser que a minha opinião continue a melhorar com o tempo.

 

Com This is Why, Hayley cumpriu finalmente os termos do seu contrato com a Atlantic Records (oito álbuns). Os Paramore vão abrir um novo capítulo nas suas vidas, livres desta âncora. Não sei se vão arranjar uma editora nova, se vão lançar o resto da sua discografia através da Congrats, a gravadora independente de Zac. 

 

Estava à espera que tornassem a fazer uma pausa após o ciclo de This is Why. No entanto, como disse acima, eles querem criar mais música. Não sei se querem fazer mesmo um álbum novo, apenas um EP ou dois ou três singles – e quando pretendem lançá-los. Até porque eles já têm planos para 2024, como veremos já de seguida. 

 

O que parece mais ou menos certo é que não devemos ter de esperar seis anos de novo. Toda a gente agradece. 

 

A minha história com os Paramore já dura há uns anos valentes: mais de doze. O Self-Titled, que foi tão marcante, fez agora uma década. Às vezes ponho-me a pensar no primeiro concerto deles cá em Portugal, em 2011, no Optimus Alive (antecessor do NOS Alive), nos primeiros textos que escrevi sobre os Paramore cá no blogue, em tudo o que se passou na vida deles desde então. E na minha. Tem sido alucinante. 

 

E agora eles vão finalmente voltar a Portugal! E eu vou vê-los ao Estádio da Luz! Não nas circunstâncias ideais, infelizmente. Já me tinha inscrito para a Eras Tour porque Taylor Swift (que vem a Portugal pela primeira vez). Quando soube que os Paramore abririam o concerto dela, naturalmente passei-me. E fiquei ainda mais ansiosa por bilhetes.

 

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Felizmente consegui-os através de uma amiga da minha irmã. Dos de sessenta e oito euros – devemos ficar perto do quarto anel. Eu até tinha possibilidades de pagar um pouco mais (vá lá, cento e vinte euros no máximo), mas o meu lado mais ajuizado fica aliviado. Ficou mais barato que o bilhete diário para o Rock in Rio. 

 

Mas talvez seja boa ideia levar binóculos.

 

O facto de ser no Estádio da Luz é extra especial para mim. Para começar, será perto do sítio onde vivo, perto do sítio onde trabalho – e vai receber a visita de músicos que adoro mas que costumam estar a um oceano de distância de mim. Melhor do que isso, só recebendo-os em minha casa, ou encontrando-os no meu café habitual. 

 

Além disso, a Luz costuma ser palco de outra das minhas paixões. Os meus mundos vão colidir. Mas também jogos de futebol e concertos não são assim tão diferentes.

 

A parte chata no que toca aos Paramore é que não será o público deles. O concerto deles só deverá durar uns quarenta e cinco minutos. Eles já abriram a Eras Tour um par de vezes – não vou consultar os alinhamentos para evitar spoilers, mas calculo que toquem só singles. Nada de Last Hope ou All I Wanted ou outras preferidas dos fãs hardcore. E não convidarão ninguém para cantar Misery Business com eles em palco. 

 

Além disso, mesmo que hajam por aí fãs dispostos a pagar os preços exorbitantes dos bilhetes e a fazer o “sacrifício” de ver o concerto de Taylor, só para poder ver os Paramore… estes só foram anunciados depois do fecho do pré-registo. À hora desta publicação, ainda não abriram novas datas e, tanto quanto sei, só puseram à venda uns bilhetes extra dos mais caros. É desagradável. 

 

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Em todo o caso, continuam a ser os Paramore. Os Paramore e a Taylor Swift. A minha banda preferida e uma das minhas cantoras preferidas, sobretudo nos últimos anos. Melhor era difícil. E mesmo que sejam só singles da parte dos Paramore, isso inclui os singles dos álbuns que eles lançaram depois de 2011. Uma mão-cheia de músicas excelentes que irei ver ao vivo pela primeira vez.

 

Além disso, pode ser que os concertos da Luz sirvam para os Paramore se recordarem do quanto gostam de nós. O suficiente para, talvez, nos incluírem na rota, caso façam uma digressão europeia em nome próprio daqui a um par de anos. Ao mesmo tempo, vão apresentar-se a uma nova população, é uma oportunidade de ganharem novos fãs. Isso já está a acontecer com a música a solo de Hayley, depois de Castles Crumbling. 

 

Aliás, já compilei uma playlist para a minha irmã e para as amigas dela com aquilo que considero serem os essenciais dos Paramore – com algumas das minhas preferidas pelo meio.

 

Mais: estou a pensar escrever uma espécie de mini-biografia dos Paramore destinada a Swifties. Um guia com todo o “lore” por detrás da banda – os dramas desde a génese, a rotação dos membros, a vida amorosa de Hayley, etc. Se estivéssemos a falar de outro artista, talvez os respetivos fãs não tivessem paciência para estes pormenores todos. 

 

Mas estamos a falar de Swifties. Swifties vivem de easter eggs e mexericos. Quer-me parecer que vão gostar – até pelas semelhanças nas histórias de Hayley e Taylor.

 

Não a vou escrever já já. Em parte porque já passei muito tempo no universo Paramore enquanto escrevia este texto. Vou apontar para o primeiro trimestre do próximo ano. Definitivamente antes do início da Eras Tour na Europa. 

 

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E era isto que queria dizer por agora. Não sei quando regressarei aqui ao estaminé – como tenho vindo a dizer, existe vida fora deste blogue. Por um lado, fico triste por andar a publicar pouco. Por outro, estou muito satisfeita com os últimos textos que escrevi, sobretudo a análise a Meteora e os textos de fim de ano. 

 

Pode não haver quantidade, mas há qualidade. 

 

O plano era agora escrever sobre Pokémon Go mas, aqui entre nós, ando com pouca vontade. Por outro lado, o filme de Digimon 02, The Beginning, sai no Japão em finais de outubro. Se tiver oportunidade de vê-lo, depois escreverei sobre ele, talvez de imediato – a menos que o filme se arme em Kizuna e dê cabo do meu pobre coração, que já tem tido a sua dose.

 

Pode ser, também, que a qualquer altura um dos músicos do meu “nicho” lance música e eu queira escrever sobre ela. Estou a estranhar isso ainda não ter acontecido, aliás – quando parecia que toda a gente estava prestes a lançar música. Depois de Meteora20, tivemos “apenas” a Speak Now (Taylor’s Version) e The Loveliest Time, de Carly Rae Jepsen (só dei por esta na semana passada…). Sobre esses, e sobre 1989 (Taylor’s Version) provavelmente só escreverei nos textos de fim de ano – que em princípio serão mais curtos que o exagero do ano passado.

 

Logo se vê. Não prometo nada.

 

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Paramore – This is Why (2023) #1

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No passado dia 10 de fevereiro, os Paramore lançaram o seu sexto álbum de estúdio, intitulado This is Why – o sucessor ao excelente After Laughter

 

As expectativas estavam altas para este álbum. No entanto, quando This is Why saiu, confesso que não me entusiasmou muito. Não que não tenha gostado, mas estava à espera de gostar mais.

 

Talvez tenha sido por, lá está, a fasquia estar demasiado alta – depois de os seus dois antecessores e mesmo Petals For Armor, o primeiro álbum a solo da vocalista Hayley Williams, terem sido tão marcantes para mim, cada um à sua maneira. Talvez estivesse à espera de um álbum diferente. Em minha defesa, pelas entrevistas que os membros da banda foram dando antes e depois da edição de This is Why, pelos dois primeiros avanços, não era a única que estava à espera de um trabalho um pouco mais político/social, mais voltado para o exterior e para a atualidade, pois não?

 

É certo que demorei algum tempo a dar a devida atenção a This is Why. Como tem sido a regra comigo, o timing não foi o ideal. Sobretudo no que toca aos meus músicos preferidos, como os Paramore, a minha maneira de digerir música é escrevendo sobre ela aqui no blogue – e todo o trabalho de análise e pesquisa que isso implica. O que demora. This is Why foi editado no mesmo dia que Lost dos Linkin Park, o primeiro avanço da edição de vigésimo aniversário de Meteora, que saiu daí a dois meses. Dei prioridade a Meteora20 – podem ler aqui como é que isso correu.

 

E a verdade é que a minha opinião em relação a este álbum melhorou imenso quando tive oportunidade de examiná-lo mais de perto. This is Why continua a ter os seus problemas e iremos falar sobre isso. No entanto, acho que é daqueles que precisa de tempo para ser apreciado. 

 

Como o costume, temos imenso sobre que falar, logo, esta análise virá em duas partes. Publico a segunda amanhã.

 

Comecemos pelo princípio. Agora que penso nisso, já lá vai quase um ano desde que surgiram as primeiras pistas relativas a This is Why, o single e o álbum. Às vezes parece-me que já se passou imenso tempo, às vezes parece que tudo se passou na semana passada. Por estes dias, sempre que oiço esta música, regresso ao momento em que esta saiu e em que estava a escrever sobre ela para o blogue: de finais de setembro até meados de outubro, um período muito excitante da minha vida, como referi na altura.

 

 

Mesmo tirando esse aspeto, continuo a gostar imenso de This is Why por si mesma. Continuo a achar que foi uma boa escolha para primeiro avanço.

 

O segundo avanço, The News, foi lançado dois meses depois de This is Why, o single e dois meses antes da edição do álbum completo. Como já muitos assinalaram, musicalmente parece saída de Brand New Eyes – depois de lhe aplicarem um filtro mais moderno, mais rítmico, à Taylor York (guitarrista, co-compositor e a pessoa mais importante dos Paramore). Zac Farro, o baterista, deu-lhe super forte, é uma coisa parva. Uma das minhas partes preferidas são dos acordes de guitarra na terceira parte. 

 

Por outro lado, não sei se aparece nos créditos, mas Zac também canta no pré-refrão, não é? Canta a expressão “the news”, certo?

 

Como na larga maioria das músicas dos Paramore, a letra é a parte mais interessante da música. Hayley escreveu-a aquando da invasão da Rússia à Ucrânia, no ano passado – quando a Comunicação Social e as redes sociais não falavam de outra coisa (no contexto deste álbum, vou assumir sempre que Hayley é a narradora nestas letras). Na verdade, a letra de The News podia ser sobre uma infinidade de eventos da última meia dúzia de anos: a pandemia, obviamente, as alterações climáticas, o #MeToo, O Black Lives Matter, as dificuldades económicas, as transições de poder de Donald Trump para Joe Biden, de Jair Bolsonaro para Lula da Silva, etc. 

 

Nestas alturas, sentimo-nos pressionados a estar informados sobre tudo, a preocuparmo-nos com tudo, a ter uma opinião sobre tudo, a indignar-nos em relação a tudo – o que remete para This is Why. À Comunicação Social interessa manter-nos presos, de modo a obterem mais audiência, mais cliques, mais interações nas redes sociais que estimulam os algoritmos – daí usarem e abusarem do sensacionalismo e do clickbait (“Exploitative, performative, informative”). 

 

Uma pessoa tenta desligar-se para proteger a sua sanidade mental, mas depois sente-se culpada pela apatia, por poder, nalguns casos, dar-se ao luxo de desligar, de não querer saber, de não ter a sua vida diretamente afetada pelo que está a acontecer (“I’m far, so far, from the frontline, quite the opposite, I’m safe inside”). Embora na prática, muitas vezes haja muito pouco que uma pessoa possa fazer, tirando, lá está, fazer donativos quando pode, votar quando há eleições ou participar em manifestações. 

 

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E depois temos o nosso retângulo português, em que por vezes as notícias são só estúpidas. Veja-se o tempo que se gastou com aquilo a que gosto de chamar o Galambagate. O que não deixa de ser outra maneira de nos manipular – desta feita por alienação.

 

A frase “all along we called it normal” reflete a maneira como muitos destes eventos que motivam grandes coberturas noticiosas expõem falhas da sociedade atual que poucos haviam questionado. O #MeToo e o Black Lives Matter são exemplos óbvios. 

 

Pena Hayley não ter desenvolvido esta ideia para além deste único verso, nem mesmo noutra canção deste álbum. É a única falha que tenho a apontar a The News.

 

Algumas notas rápidas sobre o videoclipe. Hayley é fã de filmes de terror e já os tinha usado como inspiração para os vídeos de Petals For Armor. Ao mesmo tempo, a estética do vídeo – quase tudo em tons escuros ou mesmo negros, contrastando com o cabelo cor-de-laranja de Hayley – faz lembrar o vídeo de Ignorance. Só reforça as semelhanças de The News com Brand New Eyes. 

 

A terceira música que ouvimos de This is Why foi C’est Comme Ça. Existem muitos fãs que não gostam desta música, mas eu gosto. Não digo que esteja entre as minhas preferidas, mas não estará muito longe.

 

Compreendo porque é que muitos não gostam. Aquele refrão foi uma jogada arriscada. Consigo ver como alguns poderão considerá-lo repetitivo, esquisito, mesmo irritante. Mas também me pergunto quantos destes fãs serão americanos que não estão habituados a ouvir uma língua que não o inglês. No entanto, acho que resulta muito bem na música: com um toque maníaco que condiz com o tema da letra. 

 

 

Toda a sonoridade é bastante caótica – de uma maneira deliberada, claro. Dizem que é influência dos Bloc Party. Só sei que gosto imenso das guitarras, sobretudo durante o solo. Também gosto das estâncias faladas em vez de cantadas – um elemento até agora inédito na discografia dos Paramore.

 

A expressão “c’est comme ça” traduz-se para “é o que é”. Do género, “é o que é, o que é que se pode fazer?”. Desde que a música saiu, sempre que oiço alguém dizer essa expressão, ou algo semelhante, digo “c’est comme ça” – nem que seja só para mim mesma.

 

A primeira quadra da letra (tirando o refrão) é toda uma referência à vida em pandemia. Todos nós envelhecemos demasiado depressa, todos sofremos e atrofiámos com o confinamento – eu em menor escala, pois pude/tive de trabalhar fora de casa.

 

O resto da letra é mais interessante e específico para Hayley, falando de algo que ela mesma já falou em diferentes ocasiões, incluindo numa publicação no Discord. Hayley tem uma relação estranha com conforto. Tende a romantizar e a desejar conflito e instabilidade. Chegou mesmo a admitir numa entrevista recente que tem um certo vício em adrenalina. 

 

E eu tenho de dizê-lo: sempre tive muitas semelhanças com Hayley, mas nisto não podíamos ser mais diferentes. Não gosto de instabilidade nem de incerteza, não lido bem com adrenalina. Claro que sei que às vezes é inevitável, que uma pessoa tem de sair da sua zona de conforto para evoluir, blá blá blá Whiskas saquetas. 

 

Nem sequer discordo. Diria mesmo que, vá lá, nove em cada dez vezes que faço coisas que me assustam, sou narrativamente recompensada por isso. Tudo bem. Não tenho de gostar.

 

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Regressando a Hayley, a apetência dela para o caos não surpreende pois a vida dela sempre foi assim – e eu falo do alto do meu privilégio, a minha vida tem sido bem mais fácil por comparação. Como já muitos sabem, a infância dela não foi fácil, entre os múltiplos divórcios dos pais e a mudança para Nashville quando ela tinha doze anos. A sua adolescência foi igualmente caótica com os Paramore. A vida de uma banda de rock já de si é instável – e esta em particular passou os seus primeiros dez anos em guerra uns com os outros (com algumas pausas pelo meio, assumo eu). Pelo meio, Hayley teve uma relação tóxica que durou uma década. 

 

Por isso sim, o caos terá sido o normal de Hayley durante muito tempo. Ela dá muitas vezes o exemplo do início da era After Laughter, em que tinha acabado de se divorciar, andava em digressão, bebia em excesso e “festejava” todas as noites. Bem como a sua tendência para se envolver com pessoas tóxicas. Acredito que Hayley, de vez em quando, sinta a tentação de reverter para esse modo.

 

Só que, claro, há meia dúzia de anos, o caos quase deu cabo dela. Dela e não só – conforme vimos em Petals For Armor, Hayley chegou a boicotar o seu namoro com Taylor porque não sabia lidar com uma relação saudável.

 

Por isso, Hayley teve de adotar hábitos mais saudáveis, apesar de uma parte de si resistir aos mesmos. E isto de resto é algo mais ou menos universal. Sobriedade, ter uma alimentação saudável, dormir oito horas, tudo isso é uma seca. Beber a mais e outros hábitos auto-destrutivos é que são fixes – pelo menos é o que dizem. 

 

Hayley pode lamentar ser demasiado dependente de conflitos para ser verdadeiramente saudável, ser demasiado movida a mesquinhez – algo a que iremos regressar. No entanto, não acho que seja uma falha, pelo contrário. Saber funcionar no meio do caos é uma grande vantagem – porque, sejamos realistas, nem sempre é possível ter estabilidade. Ainda por cima, volta e meia os Paramore vão em digressão, uma vida claramente instável. Um dos temas da era This is Why é dualidade e iremos falar sobre isso mais à frente. Uma das grandes vantagens de algo multifacetado é a capacidade de se adaptar – algo que a seleção natural favorece, segundo Darwin.

 

Por tudo isto sim, gosto de C’est Comme Ça. E fico feliz por a auto-depreciação de After Laughter não ter ido a lado nenhum.

 

 

Running Out of Time foi lançada como single, com direito a videoclipe e tudo, mais ou menos na mesma altura em que o álbum todo foi editado. Esta música, no entanto, no contexto de This is Why fica esquisita. Sobretudo tendo em conta a sua posição no alinhamento do álbum. Passamos de The News, um tema inspirado pela guerra na Ucrânia, como vimos antes, para um tema sobre a tendência de Hayley para se atrasar para tudo.

 

Não me interpretem mal, eu identifico-me com isso. Também não sou das melhores a gerir o meu tempo. Sobretudo no último ano, ano e meio, em que tenho tido imensas coisas a acontecer ao mesmo tempo na minha vida. É raro atrasar-me mesmo – na maior parte dos casos, chego em cima da hora ou, quanto muito, cinco minutos depois. Por outro lado, dá para ver que demoro séculos a publicar aqui no blogue. 

 

Aliás, Running Out of Time descreve bem o dia em que This is Why foi editado. Na véspera tive uma insónia, logo, aproveitei para ouvir o álbum pela primeira vez na cama. Como adormeci mais tarde, acordei mais tarde do que planeara e passei a manhã a correr. 

 

E sim, muitas vezes é egoísmo. Quero ficar mais uns minutinhos na cama, quero escrever mais um bocadinho durante a minha hora de almoço, quero fazer uma última festinha à Jane antes de sair para o trabalho. Quem nunca?

 

O problema é que a letra de Running Out of Time é demasiado trivial. É o equivalente dos Paramore à Runaway de Avril Lavigne. Noutro álbum e/ou noutras circunstâncias não me importaria, mas logo a seguir a The News? Num álbum que inclui temas como Figure 8 e Thick Skull? Não encaixa.

 

O pior é que não tinha de ser assim. A propósito desta música e de não ter tempo para nada, Hayley comentou que, hoje em dia, “tudo é uma emergência”. Existem demasiadas causas a precisarem de atenção, uma pessoa não sabe para onde se virar e ainda tem de arranjar tempo para cuidar de si mesma – o que remete para The News.

 

 

Ao mesmo tempo, nesta altura do campeonato, já toda a gente saberá acerca dos problemas de saúde mental de Hayley. É possível que estes estejam por detrás dos constantes atrasos – há quem ache que o videoclipe remete para isso. E faz sentido: se uma pessoa nem sempre se consegue levantar da cama, claro que se irá atrasar para muitas coisas. 

 

Tudo isto podia ter dado uma ou duas camadas de profundidade a Running Out of Time, mas nada disto foi traduzido para a letra. Isto já tinha acontecido com algumas músicas dos trabalhos a solo de Hayley: as explicações dela sobre as letras são mais interessantes que as letras em si. 

 

Tendo isto em conta, não consigo gostar muito de Running Out of Time – embora reconheça que é uma boa música. 

 

E de qualquer forma, esta sempre tem alguns detalhes interessantes. O instrumental é irrepreensível, para começar. Além disso, acho graça ao segundo e terceiro refrões, quando Hayley muda para a terceira pessoa: “She’s always running out of time”. É um tropo relativamente comum, a voz do coro nas tragédias gregas, que comunica as mensagens da história para a audiência. Lorde usou-a muito em Melodrama, como explicaram neste vídeo

 

Acho curiosa a explicação de Hayley, no entanto. Referiu que se inspirou nos Oompa Loompas do filme Willy Wonka e a Fábrica de Chocolate, que desempenham um papel semelhante: ir dizendo verdades. Tem piada, diferentes caminhos para chegar ao mesmo conceito. 

 

Dito isto, teria sido mais giro se tivessem posto o Zac e o Taylor a cantar “She’s always running out of time”. Sempre seriam múltiplas vozes, reforçando as semelhanças com os coros ou com os Oompa Loompas. E teria a piada adicional de ouvirmos os colegas de banda queixando-se daquilo que parece ser um problema antigo de Hayley. 

 

 

Vou passar agora de uma música de que não gosto tanto para uma música de que gosto ainda menos. Big Man, Little Dignity é, na minha opinião, uma grande oportunidade perdida. 

 

A instrumentação é suave, mesmo bonita, mas não se adequa de todo ao tema da canção. Eu sei que os Paramore têm várias músicas em que o instrumental tem o carácter oposto ao da letra – veja-se a larga maioria de After Laughter – mas nessa a dissonância funciona. Aqui não. 

 

Em parte porque a letra acaba por ser igualmente suave, não havendo verdadeiramente um contraste. Para uma música criticando o patriarcado e/ou a masculinidade tóxica, Big Man, Little Dignity precisa desesperadamente de acutilância.

 

O refrão então é o pior. Nos últimos anos, e depois dos dois últimos álbuns de Avril Lavigne, ganhei alergia a refrões circulares, logo, isto poderá ser um viés meu. Até porque os Paramore também têm alguns: That’s What You Get, por exemplo. Mas o de Big Man, Little Dignity soa particularmente forçado. Sobretudo o último verso, quando Hayley se põe com o “li-li-li-li-little dignity”.

 

E podemos falar sobre o verso “No offense but you got no integrity”? O que é isto? É suposto isto ser ofensivo? A mulher que escreveu a letra de Dead Horse não conseguiu escrever nada melhor aqui?

 

Dito isto, Big Man, Little Dignity sempre tem algumas qualidades redentoras. A segunda estância faz-me lembrar Dominoes de Lorde: “Must feel good being Mr. Start Again”. Também eu comecei a reparar na maneira como certos homens poderosos embarcam em mudanças de imagem, como forma de fugir às responsabilidades por aquilo que fizeram. Veja-se quando o Facebook mudou o seu nome para Meta como forma de se dissociar das acusações de promoção de desinformação e de discurso de ódio. Mais recentemente, o Twitter mudou o seu nome para X – pergunto-me se terá sido por motivos semelhantes. 

 

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Ao mesmo tempo, é de facto frustrante ver como estes homens conseguem escapar-se às consequências pelos seus actos. Como Donald Trump, por exemplo. Andamos há anos à espera que ele seja preso, mas ainda ninguém conseguiu fazer nada. Como uma barata grande e nojenta que ninguém consegue matar.

 

Enfim. Estou com algumas esperanças relativamente a esta última acusação que lhe fizeram.

 

Big Man, Little Dignity é a música de que menos gosto em This is Why. O resto do álbum é melhor, felizmente.

 

You First e Figure 8 são as músicas mais pesadas neste álbum, logo, estão entre as mais populares. Das duas gosto mais de You First – uma música que Taylor não queria incluir no álbum, coitado, depois de ter stressado imenso com ela.

 

Não compreendo porquê. O instrumental ficou fantástico. Penso que será uma daquelas situações em que, por vezes, uma pessoa está demasiado perto do quadro para conseguir ver a imagem completa.

 

Hayley começa por admitir que não é o tipo de pessoas que perdoa e segue em frente. Os anglo-saxónicos têm uma expressão que se traduz sensivelmente para “a melhor vingança é viver bem” – e eu até concordo. Mas também concordo com Hayley quando esta diz que viver bem é apenas um privilégio. Como vimos a propósito de Big Man, Little Dignity, demasiadas vezes os perpetradores de crueldades escapam às consequências e continuam a fazer mal a outros. 

 

 

E se pensarmos, por exemplo, no ex-marido de Hayley, ela não dependia financeiramente dele, não teve nenhum filho com ele, pôde sair daquela situação com relativa facilidade. Tem dinheiro e disponibilidade para ser acompanhada psicologicamente enquanto lida com os traumas do seu passado e para adotar hábitos de vida saudáveis. Há muitos que não têm tais possibilidades. 

 

É refrescante ouvir alguém como Hayley reconhecendo a sua posição privilegiada. 

 

No fundo, You First é uma continuação dos temas de Simmer: não só o conflito entre raiva e misericórdia, o conflito entre instintos benévolos e malévolos. Hayley admite ceder demasiadas vezes ao seu lado negro – como um animal vadio a quem ela dá comida todos os dias, logo, ele continua a aparecer. Ao ponto de Hayley se tornar parte do problema e isso voltar-se contra ela. 

 

É a isso que se refere o muito citado verso “I’m living in a horror film where I’m both the killer and the final girl”. Para mim, é também uma referência ao vídeo de Simmer. 

 

O refrão fala de carma – que Hayley espera que apanhe primeiro os demais do que a ela. Se eu acredito em carma? Mais ou menos. De certa forma sim: não tanto como uma força cósmica, mais pela lógica do “Não faças aos outros aquilo que não queres que façam a ti”. Se uma pessoa trata mal os outros, é menos provável que os outros a tratem bem. Pode ser até que os outros procurem retribuição. 

 

Há anos que sei que Hayley tem um lado mesquinho. Desde Dead Horse, com o “When I said goodbye, I hope you cried” – não que eu tenha pena do visado. Por outro lado, Hayley tem dado o exemplo de quando interrompe concertos por causa de pessoas à bulha na audiência. Dá sermões aos visados como se fosse uma professora (palavras dela!), mas depois diz que se arrepende. Como se ela fosse melhor. Pensa que, se calhar, aquelas pessoas não têm dinheiro ou disponibilidade para ir ao psicólogo e aquela é a única forma que têm de lidar com o que se passa nas suas vidas.

 

 

Eu diria que Hayley tem, vá lá, noventa por cento de razão nos seus ralhetes. Nos Estados Unidos, para além de os bilhetes serem caríssimos, as empresas que os vendem têm umas práticas muito manhosas para inflacionar os preços (para mais informações, vejam este vídeo). Ao ponto de os fãs de Taylor Swift terem processado a Ticketmaster no final do ano passado. Por outras palavras, aquela gente terá gasto dinheiro e anos de vida para estar num concerto dos Paramore. Ou seja, não será por falta de capital que eles não são acompanhados. Quanto muito andou a gastá-lo no sítio errado – parecendo que não, concertos não substituem o psicólogo.

 

E, como a própria Hayley disse, concertos devem ser um escapismo, um lugar seguro, das melhores experiências da nossa vida (mais sobre isso adiante). Sobretudo depois de dois anos de pandemia e de muitas outras desgraças. Para quê estar a passar por tantos obstáculos para arranjar bilhetes para, depois, estragar a noite a si mesmo e aos outros andando à porrada?

 

Além de que os ralhetes de Hayley chegam a ter piada. Por exemplo, um em que ela disse mesmo “Momma’s pissed, y’all” e outra em que ela ameaçou os desordeiros com uns chutos no rabo com os seus “sapatinhos de bailarina”.

 

Se bem que ameaçar pessoas violentas com violência contraria ligeiramente a mensagem do sermão. 

 

Por outro lado, a propósito de outra zaragata, Hayley acabou por pedir desculpa nas redes sociais após ter expulso um casal do concerto. Achou que o ralhete se transformou em humilhação pública. Vendo este vídeo, ela de facto soa um bocadinho cruel sem necessidade. Hayley também pediu desculpa por andar a dizer coisas como “se voltarem no Partido Republicano, estão mortos para mim”. Como se isso convertesse alguém. Até remete para a “cancel culture” que a própria Hayley critica em This is Why: “You’re either with us or you can keep it to yourself”

 

Também eu gosto de pensar em mim mesma como uma boa pessoa, mas tenho os meus momentos. Tenho um lado egoísta, egocêntrico e arrogante. Irrito-me facilmente com outras pessoas, impaciento-me no trabalho com a ignorância e a exigência de certos utentes – quando eu mesma também não sei tudo, também cometo erros e passo por estúpida de vez em quando. Quando devia praticar a máxima do Ted Lasso e ser curiosa antes de tecer juízos de valor. 

 

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É um dos temas deste álbum: a dualidade de tudo, de herói e de vilão todos temos um pouco. Havemos de regressar a esse assunto. 

 

Depois de You First, temos Figure 8 – que, em linha com o que acabámos de dizer, explora o lado mais vilanesco. A letra é, se calhar, um pouco vaga demais, demasiado abstrata. Pelo que consigo deduzir da entrevista da banda a Zane Lowe, a letra falará da indústria musical, do próprio estilo de vida dos Paramore em digressão ou quando lançam um álbum. A maneira como essa vida os explora até ao tutano e os transformam em algo de que Hayley não gosta. 

 

Não digo que eles não tenham razão de queixa, mas esta mensagem pode cair mal. Pode parecer que eles estão a cuspir no prato que os alimenta – ainda por cima quando Hayley se põe a dizer “all for your sake”. Sim, a indústria musical não é meiga, mas existem por aí muitos músicos que não têm nem metade dos benefícios de que os Paramore gozam. 

 

Para ser justa, não se pode dizer que eles não reconhecem os seus próprios privilégios. E, de qualquer forma, quando Hayley canta “all for your sake”, pode estar a dirigir-se à comunicação social. Esses sim, fartam-se de lucrar à custa de músicos como os Paramore. Hayley de vez em quando refere as entrevistas agressivas que teve de dar durante a era de After Laughter, quando ela se encontrava numa situação particularmente vulnerável.

 

A expressão “figure 8” refere-se ao número 8 que, na horizontal, é também símbolo do infinito – representando o ciclo vicioso em que os três entram quando entram em modo Paramore. 

 

 

No Genius, no entanto, descobriram referências a um episódio de Schoolhouse Rock, um programa educacional americano dos anos 70 e 80. A expressão “spinning in an endless figure 8” parece ter inspirada pela cena da criança a patinar no gelo. De facto, na terceira estância, Hayley compara-se a si mesma a gelo fino, o que pode significar duas coisas. Ou que ela, lá está, se encontra numa posição vulnerável e pode ser magoada facilmente. Ou, ao contrário, Hayley é uma armadilha e, se a outra pessoa não tiver cuidado, pode sair magoada.

 

Não surpreende que Figure 8 esteja entre as mais populares neste álbum.

 

E ficamos por aqui hoje. Amanhã vem o resto. Como sempre, obrigada pela vossa visita. Espreitem a página de Facebook deste blogue. Até amanhã!

Músicas Não Tão Ao Calhas – Solar Power

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No passado dia 10 de junho houve um eclipse solar – que infelizmente mal se viu em território português. A cantora neozelandesa Ella Yelich-O'Connor, mais conhecida pelo seu nome artístico Lorde, aproveitou a ocasião para lançar Solar Power, o primeiro single do seu terceiro álbum de estúdio com o mesmo nome, que sairá a 20 de agosto.

 

Solar Power sucede a Melodrama, que saiu em 2017. Este é um álbum que, já na altura em que escrevi sobre ele, reconheci ser espetacular e o tempo só o melhorou. Dois, três, quatro anos após o seu lançamento e continuo a descobrir significados novos – mas não tantos como a autora desde excelente vídeo. Melodrama não se saiu grande coisa em termos comerciais, mas ganhou um culto de seguidores devotos, nos quais me incluo.

 

Por sua vez, Melodrama sucedia a Pure Heroine. Pessoalmente, gosto menos e compreendo menos este álbum, mas todos concordam que é também excelente e francamente revolucionário.

 

Ou seja, a fasquia está altíssima para Solar Power. Mais sobre isso adiante.

 

O primeiro single do álbum com o mesmo nome não se encaixaria nem em Pure Heroine e Melodrama. Dá para notar, no entanto, as impressões digitais de Lorde.

 

 

Uma das novidades é o facto de ser conduzida pela guitarra acústica. É apenas a segunda canção de Lorde conduzida por esse instrumento – a primeira foi The Louvre. Em entrevista ao The Guardian, Ella confessou que, durante os trabalhos de Pure Heroine, não achava as guitarras fixes. Eram demasiado “meio dos anos 2000” para o seu gosto, mais adequadas a serem cantadas à volta de uma fogueira, num acampamento.

 

Nisso não éramos parecidas.

 

Os acordes que guiam Solar Power nas estâncias têm um tom grave e contido – que se obtém quando se prende ligeiramente as cordas no braço na guitarra e só se toca as de alumínio. No refrão, as cordas de nylon soltam-se, emitindo um som mais luminoso.

 

Eu falo em refrão mas, para ser rigorosa, Solar Power não tem um refrão convencional. A melodia é semelhante, mas a letra é diferente. Depois do segundo refrão, a música explode para um som ainda mais luminoso, mesmo tropical, que se adequa à letra. 

 

Muitos têm-na comparado a Freedom, de George Michael. Eu concordo que é parecida, mas não tanto como algumas pessoas parecem achar. Pelo menos não ao ponto de ter pensado que era um “sample”. De qualquer forma, os herdeiros do falecido cantor já deram a benção a Lorde e a Solar Power.

 

Em termos de vocais, Lorde não faz nada de extraordinário, mas canta com a sua típica cadência, com o seu típico tom grave. Por outro lado, temos Clairo e Phoebe Bridgers nos backvocals – faz-me lembrar Roses/Violet/Lotus/Iris, nesse aspeto. 

 

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Tirando algumas particularidades de que vamos falar de seguida, Solar Power é uma música de verão pura e dura – o que pode ser interpretado como um passo atrás, depois da maneira como Lorde explorou a dicotomia verão/inverno, calor/frio em Melodrama. Segundo Ella, Solar Power é sobre a “energia namoradeira” que surge quando o tempo aquece e as roupas se reduzem.

 

Nada de muito original aqui. É basicamente o conceito das temporadas de verão dos Morangos com Açúcar.

 

E na verdade, este é um dos casos em que aquilo que o artista diz sobre a música não bate muito certo com o que a música parece dizer. Existem poucas referências a romance ou sexualidade em Solar Power: só mesmo em “my boy behind me, he’s taking pictures” e “are you coming, my baby?” e mesmo assim.

 

A letra é menos Morangos com Açúcar e mais Eu Gosto é do Verão (se bem que menos tola, no bom sentido). Está cheia de frases pedindo para serem transformadas em legendas do Instagram ou do Tik Tok (algo que tenciono fazer com fotos da minha cadela na praia). Solar Power fala sobre encontrar… bem, os seus sítios perfeitos na praia e sentir as mágoas e as preocupações derretendo com a luz do sol.

 

A narradora, aliás, assume-se um pouco como uma profeta, uma deusa solar ensinando ao povo as maravilhas do verão – “Lead the boys and girls onto the beaches. Come one, come all, I’ll tell you my secrets, I’m kinda like a prettier Jesus”. Suponho que a narradora seja a mesma personagem que Ella descreveu na carta de apresentação do álbum – mais sobre isso já a seguir.

 

O videoclipe explora bem essa ideia, mostrando Lorde na praia, líder de uma espécie de tribo ou seita, vestida de amarelo vivo – em contraste com os tons mais terra, mais discretos dos demais (tendo em conta que Ella sofre de sinestesia, esse pormenor foi cem por cento intencional, não duvidem). Lorde sempre representou esse papel de certa forma na sua música – mais a porta-voz da sua geração do que propriamente um guia, é certo. 

 

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Já que falamos do videoclipe, consta que este foi a introdução ao universo cinemático deste álbum. Se Melodrama decorria todo numa única noite, durante uma festa, Solar Power decorre numa praia – ou pelo menos os videoclipes. Lorde não revelou a praia exata onde decorreram as filmagens por motivos óbvios (e mesmo assim, acho que no Reddit já descobriram). Ella disse para imaginarmos que decorre na nossa praia preferida.

 

Na Meia-Praia de Lagos, portanto. Naquela zona não concessionada, mais perto do pontão, com menos pessoas, onde a Jane pode correr à vontade. 

 

Têm circulado piadas na Internet sobre o facto de Solar Power ter começado com Lorde admitindo que “odeia o frio”, quando uma das poucas coisas que soubemos dela, nos últimos anos, foi a sua viagem à Antártida. Eu acho que faz sentido – depois de tanto tempo num dos lugares mais frios do planeta, qualquer um sairia de lá sedento de calor e de verão. 

 

Em suma, Solar Power está longe de ser a melhor música de Lorde. Não sendo propriamente fútil, não tem grande profundidade e a mensagem não é muito original. Sobretudo se compararmos com Pure Heroine e Melodrama. Quem estava à espera de algo mais intenso e revolucionário, apanhou um balde de água fria. 

 

No entanto, mesmo no seu… não vou dizer “pior”, porque Solar Power não é uma música má, mas pronto, menos bom, Lorde continua acima da média. O tom descontraído sabe bem, sobretudo depois do último ano e meio – a própria Ella revelou que essa foi uma das razões pelas quais lançou a música nesta altura. 

 

Como vi na Internet, aliás, a única música alegre deste ano só podia vir da Nova Zelândia.

 

 

Consta que, de resto, apesar de não deixar de incluir algumas faixas mais sérias e introspectivas, Solar Power deverá ser um álbum no geral alegre e despreocupado. Pelo menos é essa a ideia com que fico. Isso agrada-me. Em parte por aquilo que referi sobre o último ano e meio, mas também porque dois dos álbuns que mais tenho ouvido nos últimos meses são o folklore e o evermore de Taylor Swift. Não me interpretem mal, são excelentes álbuns mas são emocionalmente desgastantes (ele é my tears ricochet, ele é seven, ele é august, ele é illicit affairs, ele é this is me trying, ele é ‘tis the damn season, ele é champagne problems, ele é marjorie…). Um álbum mais leve saber-me-á bem.

 

Este será também um trabalho mais focado na natureza – segundo Lorde, em momentos de “desgosto, luto, profundo amor ou confusão”, o mundo natural é o seu abrigo, é o seu sítio perfeito (não se limita à praia). O heterónimo dela neste ciclo será a personagem que ela descreveu na apresentação do álbum: uma mulher “sexy, brincalhona, selvagem e livre”, com múltiplos amantes, ligada à terra e ao passado, mas ao mesmo tempo moderna e de olhos no futuro.

 

Uma vez mais, nada disto é inédito ou particularmente original. Nos últimos anos estes movimentos de regresso à natureza têm estado na moda. Veja-se, lá está, folklore e evermore, por exemplo, bem como a estética cottage core, mesmo Petals For Armor até certo ponto. O heterónimo de Lorde que descrevi acima, aliás, lembra-me a Mulher Selvagem de Mulheres que Correm com os Lobos. 

 

Tudo isto faz sentido como resposta ao mundo atual: cada vez mais tecnológico e, claro, com uma pandemia. Solar Power, aliás, fala mesmo em atirar o telemóvel para a água – e Lorde já veio avisar que não vai voltar para as redes sociais. 

 

Como li algures – ironicamente na Internet – há dez anos vínhamos para as internetes para fugir ao mundo real. Agora fugimos para o mundo real para escapar às internetes.

 

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Solar Power sai então a 20 de agosto – um tudo nada demasiado perto do fim do verão para o meu gosto, se é um álbum estival. Bem, eu este ano também não vou ter férias de verão, só posso desfrutar da época ao fim-de-semana, por isso…

 

Fica para o ano. 

 

Estou a fazer por não elevar demasiado as minhas expectativas para este álbum. É muito difícil que Solar Power seja melhor que Melodrama ou Pure Heroine. Consta que esse terá sido um dos motivos para Ella ter demorado tanto tempo a cozinhar este trabalho. Eu pelo menos não levarei a mal se não conseguir atingir o mesmo nível estratosférico – parecendo que não, a miúda é humana!

 

Dito isto, continua a ser Lorde. Não baixo assim tanto a fasquia. 

 

É possível que Ella lance outro single antes de 20 de agosto. Há rumores de que Stoned at the Nail Salon poderá sair nos próximos dias. Deveria ter esperado? Deveria ter escrito sobre as duas músicas no mesmo texto? Talvez, mas não me apeteceu ficar à espera: o blogue já estava parado há muito tempo. Além disso, aqui o estaminé faz nove anos hoje, queria assinalá-lo com um texto novo.

 

Logo vejo se escrevo sobre Stoned at the Nail Salon ou sobre qualquer outro single que venha a ser lançado antes do álbum. Em princípio não o farei: quero começar a trabalhar noutros projetos e escrever sobre outras coisas no próximo texto deste blogue. Posso desde já adiantar que este será um texto de Músicas Ao Calhas sobre uma personagem recorrente aqui no estaminé. Não quero ter pressa com este (já tenho stress que chegue noutras áreas da minha vida), mas não devo demorar muito. 

 

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Um brinde rápido a este blogue, um dos orgulhos da minha vida – e um agradecimento a todos os que o têm visitado. Encerro este texto com uma pequena playlist baseada em Solar Power – que poderá vir a crescer com o tempo. Agora que acabaram de ler, se tiverem possibilidades para isso, ide aproveitar o sol... mas não se esqueçam do protetor solar!

 

Lorde - Melodrama (2017)

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A cantora neozelandesa Ella Yelich-O’Connor, mais conhecida por Lorde, lançou o seu segundo de estúdio, Melodrama, no passado dia 16 de junho. Se acompanham o meu blogue, saberão que só no ano passado é que ouvi o seu primeiro álbum, Pure Heroine – no entanto, cativou-me logo. Quando se soube que vinha aí Melodrama, fiquei, naturalmente, interessada – sobretudo depois de ouvirmos Green Light e Liability. Pure Heroine é um álbum excelente a todos os níveis, sem falhas significativas. Será que Melodrama consegue atingir a fasquia deixada pelo seu antecessor?

 

Bem, sim. Lorde tem apenas vinte anos de idade, mas já conseguiu a proeza de ter dois álbuns excelentes no seu currículo. A miúda não é deste planeta!

 

É muito difícil dizer qual dos dois álbuns é o melhor. No entanto, uma das coisas que prefiro em Melodrama é a instrumentação. Pure Heroine caracteriza-se pela produção minimalista. As músicas são conduzidas pela voz, só com batidas e um ou outro instrumento ou sintetizador, tudo muito discreto.

 

Não estou a dizer que isso seja defeito ou que as músicas pedissem mais instrumentos – pelo contrário, faz parte do carácter do álbum. Eu, no entanto, sempre gostei de instrumentos em música. Como tal, fiquei feliz por instrumentos como, por exemplo, o piano (em várias canções), o clarinete (em Sober), os violinos (em Sober II/Melodrama e Writer in the Dark), participarem em Melodrama – e de forma inteligente, como veremos a seguir.

 

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Tínhamos comentado, a propósito de Green Light, que a narradora desta faixa parecia ser uma miúda embriagada, acabada de se separar, que sai à noite para esquecer o ex-namorado; que se esforça desesperadamente por se divertir e mostrar que está a seguir em frente, mas que sofre em silêncio. Na verdade, o mesmo parece acontecer com o resto de Melodrama. O álbum reflete as diferentes fases, as diferentes emoções, pelas quais uma pessoa passa enquanto recorre ao estilo de vida festeiro – sexo, álcool, drogas, as chamadas party-bangers – para ultrapassar uma separação. Lorde referiu mesmo, em entrevista, que todas as canções decorrem na mesma noite.

 

Ora, quem me conheça minimamente saberá que esse estilo de vida pouco ou nada me diz. Contam-se pelos dedos das mãos as vezes que fui a uma discoteca – das vezes que me diverti, foi por causa da companhia e não do ambiente. Se é para chegar trôpega a casa a altas horas da noite, prefiro que seja após um concerto ou festival de música.

 

Além disso, nunca fui grande fã de party bangers.

 

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No entanto, sei perfeitamente que muitos apreciam este estilo de vida – ou, pelo menos, passam por uma fase em que o apreciam. Aos dezanove/vinte anos, como a Lorde, às vezes antes, às vezes mais tarde. Como tal, não me vou armar em moralista nesta análise – até porque o álbum Melodrama acaba por desmistificar este estilo de vida, obriga-nos a olhar além do glamour, dos filtros do Instagram.

 

Uma das características de Melodrama, aliás, é a auto-consciencialização: a noção de que nada daquilo é real e/ou duradouro. Nem a festa, nem os romances mais ou menos sérios. É tudo melodrama: um exagero, mesmo uma paródia da realidade.

 

Falemos, então, das canções em si. Green Light funciona bem como introdução a Melodrama. Na tracklist seguem-se duas músicas que se centram no ponto alto da festa. Das duas, a minha preferida é Sober.

 

 

Esta, de início, segue o estilo típico de Lorde, com batidas e instrumentação mínima. Ressaltar a repetição de “Night, midnight, lose my mind”, marcando o ritmo. Quando chega o refrão, a partir do meio, os versos são pontuados por notas de clarinete (ou de corneta? Não sei, é um instrumento de sopro de metal) – um dos exemplos da instrumentação inteligente em Melodrama.

 

Faz-me desejar, aliás, que tivéssemos mais clarinetes ou instrumentos do género na música pop.

 

A letra de Sober parece falar sobre um caso de uma noite só – ou, pelo menos, um caso que se limita à parte física, à euforia. A narradora compara-o a um delírio febril, ao efeito de uma droga. Na verdade, é dado a entender que a outra parte parece mais investida na relação que a narradora – que, por sua vez, parece ter perfeita noção de que aquilo não sobreviverá à ressaca: “But what will we do when we’re sober?”.

 

Essa pergunta será, aliás, respondida mais à frente no álbum. Antes, temos Homemade Dynamite. Esta é a música de que menos gosto em Melodrama. Não que seja uma música má – este álbum, ou melhor, Lorde não tem músicas más – ou mesmo que não goste de todo. Apenas não a acho tão interessante como o resto de Melodrama.

 

 

Segundo terá dito a própria Lorde, Homemade Dynamite marca, essencialmente, o momento na festa em que as drogas começam a fazer efeito. Em termos de letra e tema, acaba por não ser muito diferente de Sober, visto que até fala de um possível caso de uma noite só. Musicalmente, não difere muito da típica sonoridade de Lorde, embora com um ritmo mais dançante. Consta que deverá ser single a certa altura. Não é de surpreender – composta com Tove Lo, Homemade Dynamite é a mais parecida em Melodrama com a típica party banger.

 

No entanto, preferia Sober como single. Ou então Supercut.

 

The Louvre é o mais parecido que temos em Melodrama com uma canção de amor. A letra supostamente descreve a relação de Lorde com o, agora, ex-namorado. Ao contrário de uma típica canção de amor, a descrição que esta faz do romance não é propriamente idílica: temos referências a ilusão, obsessão, vício, mesmo estupidificação. A narradora admite mesmo que negligencia os amigos a favor do amante. Ao mesmo tempo, descreve aquela fase em que o casal se considera superior aos simples mortais, dignos de figurar no Louvre (na parte de trás, mas o Louvre é o Louvre). Amam, assim, perdidamente e dizem-no cantando a toda a gente (“Broadcast the boom boom boom boom and make’em all dance to it”).

 

Musicalmente, The Louvre é conduzida por acordes de guitarra graves e discretos, aos quais vão sendo acrescentados elementos deliciosos aqui e ali: como as batidas no refrão e as notas de guitarra elétrica (ou órgão? Não consigo perceber ao certo…) no fim.

 

  

 

No entanto, Melodrama também mostra o lado menos bonito, tanto das festas como dos romances. Sober II (Melodrama) é uma das minhas músicas preferidas neste álbum e também uma das mais interessantes. Funciona bem como sequela a Sober pois as melodias são parecidas e a letra responde à pergunta deixada pela prequela: o que acontece depois das drogas. Naturalmente, em Sober II (Melodrama) temos referências a arrependimento, censura, consequências inesperadas – gosto particularmente dos versos “They’ll talk about us and discover how we kissed and killed each other”. Repete-se muito a frase “We told you this was melodrama” – não foi falta de aviso, eles sabiam no que se estavam a meter.

 

A instrumentação nesta música é perfeita. A abertura com os violinos frios, dolorosos, implacáveis, evocam na perfeição as dores de cabeça e fotofobia típicas de uma manhã de ressaca. Não será por acaso que a música quase homónima da P!nk, Sober, usa violinos de maneira semelhante, sobretudo no final da faixa.

 

Passemos, então, às chamadas break up songs, para além de Green Light. Uma delas é uma faixa com duas partes: Hard Feelings/Loveless. Em termos de sonoridade, não divergem muito do estilo habitual de Lorde. A primeira parte é lenta, suave, conduzida por batidas leves e um sintetizador discreto, que se vão tornando mais intensos. A segunda parte, por sua vez, é bem mais dançante, conduzida por batidas, com notas de piano apimentando os vocais.

 

Em termos de letra, Hard Feelings parece começar no rescaldo imediato da separação, num momento de grande vulnerabilidade, em que a ferida é ainda recente. Lorde referiu mesmo que esta música é a calma após a grande discussão, a grande separação. Em consonância com o tema geral do álbum, temos referências a ressaca, a pós-melodrama.

 

  

Há uma ideia de passagem do tempo à medida que a canção decorre. Na segunda estância, assim, a narradora procura manter-se ocupada, aprender a estar sem o ex-namorado. A dor permanece, mas a narradora está determinada a esquecê-lo, a ultrapassar a separação.

 

É tão eficaz, na verdade, que a segunda parte da canção, L.O.V.E.L.E.S.S. é a completa antítese de Hard Feelings. Aqui temos uma Lorde em modo vingativo, anti-romântico, troçando abertamente do ex-namorado e do amor em geral. Lorde chama mesmo ao seu grupo “A geração sem amor”, que gozam com os respetivos amantes (ela descreve-o de forma mais colorida…). Nesse aspeto, a versão do vídeo acima, que ela filmou com um grupo coral e uma boombox à anos 90, faz todo o sentido.

 

E é muito fixe!

 

  

Writer in the Dark, por sua vez, é uma balada de piano, à semelhança de Liability, acompanhada por violinos no refrão e no final da música. Não posso deixar de assinalar os vocais agudos de Lorde, no refrão: meu. Deus. Como é que ela faz aquilo?

 

Em termos de tema, Writer in the Dark é muito parecida com Hard Feelings: ambas exprimem amargura e ressentimento pela separação e, ao mesmo tempo, manifesta o desejo de seguir em frente com a sua vida. Assumindo que a letra é verídica, descobrimos que o ex-namorado não era homem suficiente para aceitar o sucesso de Lorde. Esta, assim, sentiu-se obrigada a diminuir-se, a tirar pedaços de si mesma, para não ferir o orgulho dele.

 

Não nego que o facto de a música ter “escritora” no título me agrada particularmente. No entanto, neste contexto, acho que significa mais “artista” do que outra coisa qualquer. Alguém que, se calhar, sente as coisas com demasiada intensidade e que imortaliza as suas emoções na sua arte.

 

  

Consta que Supercut é uma favorita entre os fãs. Não é difícil perceber porquê. Musicalmente, é como se Green Light e Ribs se juntassem e tivessem um filho: riffs de piano parecidos com os da primeira, batidas parecidas com as da segunda, o ritmo dançante de ambas.

 

O termo “Supercut” refere-se a uma montagem de vídeos que, geralmente, se focam num elemento único – tipo isto. É isto que passa na mente da narradora: um greatest hits da relação que terminou, sem as partes menos boas, em constante repetição. O verso “In my head I do everything right” soa-me particularmente triste – é muita mágoa e arrependimento numa única frase.

 

Gostava de chamar a atenção para o verso “In your car, the radio up”. É um tema recorrente que Lorde e Avril Lavigne têm em comum: no carro com os interesses românticos. No caso da Avril, o exemplo mais flagrante é Complicated: “I like you the way you are, when we’re driving in your car”. Carros voltam a aparecer, em contexto semelhante, no quinto álbum, com as músicas 17 (“My favorite place was sitting in his car”) e You Ain’t Seen Nothin’ Yet (“Your car, I’m sitting right beside you”).

 

É possível, no entanto, que estas sejam referências propositadas a Complicated.

 

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Por sua vez, Lorde já explorara esse tema em 400 Lux. Em Melodrama, para além de Supercut, Green Light aborda-o de passagem (ao falar do “carro de outro”) e, em Hard Feelings, serve de metáfora à relação que tem os dias contados.

 

Já falámos sobre Liability antes. Ouvindo-a no contexto do resto do álbum, encaixa-se bem no contexto de Melodrama. Existem, mesmo, várias interpretações possíveis que se encaixariam. Para além de poder referir-se à relação que terminou, poderia referir-se a alguém que não gostou da festa e culpa a narradora por o(a) ter arrastado para a mesma. Ou então o contrário: alguém que se aproveitou do espírito festeiro da narradora e a descartou na manhã seguinte, depois de obter o que queria.

 

Liability tem, no entanto, uma reprise, mais à frente em Melodrama. Não sei ao certo qual é a diferença entre uma reprise e uma sequela ou segunda parte. Esta, no entanto, parece funcionar como uma correção à música original. Ao contrário de Liability propriamente dita, que é uma balada de piano, Liability (Reprise) aproxima-se mais do som habitual de Lorde, ao limitar-se a batida e vocais.

 

  

Na letra, a narradora percebe que ela não é um risco, não é o problema, nem no que toca a relação que terminou nem no que toca à desta. Começa, aliás, a aperceber-se nos efeitos nocivos deste estilo de vida. Que a rapariga embriagada na festa, tentando esquecer o namorado, não é a sua verdadeira identidade. Que aquilo é tudo melodrama, como referimos acima: não é real.

 

E assim se abre caminho para o epílogo do álbum: Perfect Places.

 

Esta é a minha música preferida em Melodrama e talvez mesmo em 2017, até agora. Em termos de sonoridade, de início, não difere muito do estilo habitual de Lorde, com a batida e o sintetizador discreto. Entretanto, ouvem-se algumas notas de piano, o sintetizador ganha intensidade. Por fim, Lorde faz “tch-tch”, como quem engatilha uma arma ou ativa uma bomba, e a música explode com um dos melhores refrões dos últimos anos – um híbrido do refrão de Team com Midnight City, dos M83, com notas de piano e sintetizadores à anos 80.

 

  

A letra de Perfect Places faz um resumo dos temas recorrentes em Melodrama e ainda acrescenta coisas. Vemos a narradora recorrendo às festas como escapismo: não apenas no que toca à separação, esmiuçada no resto do álbum, mas também à atualidade, ao clima, ao desaparecimento de heróis, ao controlo excessivo por parte dos demais. A própria Lorde admitiu que era esse o caso para si e para os amigos, sobretudo durante o verão do ano passado – que procurava uma fuga à realidade, que tinha medo de estar a sós com os seus pensamentos (“Now I can’t stand to be alone”).

 

Este verão tenho percebido um pouco de que Lorde fala em Perfect Places. O verso “I hate the headlines and the weather”, por exemplo, faz-me pensar na tragédia dos incêndios. E o verso “All of our heroes fading”, que Lorde admitiu referir-se às mortes de David Bowie e Prince, no ano passado, faz-me pensar no Chester.

 

Por outro lado, a perda de ídolos, a humanização das pessoas e instituições que venerávamos em miúdos, é uma das etapas do crescimento. Eu, pelo menos, passei por uma fase assim quando tinha aproximadamente a idade da Lorde.

 

Posso não me identificar com o estilo de vida descrito em Melodrama, mas identifico-me definitivamente com o desejo de um escape, a procura de um sentido, de algo que transcenda a realidade. Mas procuro esses sítios perfeitos noutros lugares: na praia onde passo férias desde miúda, num concerto, num jogo da Seleção, num encontro do Pokémon Go ou do Odaiba Memorial Day ou, pura e simplesmente, numa jantarada com familiares e/ou amigos.

 

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Curiosamente, no outro dia, o modo aleatório do Spotify tocou Innocence, de Avril Lavigne, a seguir a Perfect Places. E, de facto, parece que Lorde estava à procura daquilo que Avril encontrou em Innocence.

 

Perfect Places, de resto, faz-me lembrar I Still Haven’t found What I’m Looking For, dos U2, e See the Light, dos Green Day. Não só por funcionar bem como um epílogo para Melodrama, mas também por transmitir aquela sensação agridoce de quem está à espera e/ou à procura de uma resposta. Ao longo de Melodrama, Lorde procurou-a numa pista de dança, no fundo de um copo, numa droga qualquer, nos braços de um estranho. Até perceber, em Perfect Places, que a resposta não está ali.

 

Onde a procurará a seguir? Descobriremos no próximo álbum, suponho eu.

 

Melodrama é prova de que é possível fazer música pop, música de festa/party bangers que não seja vazia de sentido ou de qualidade duvidosa. Não que isso seja de surpreender: Pure Heroine já tinha provado mais ou menos o mesmo. Lorde, pura e simplesmente, joga num campeonato diferente em relação aos simples mortais, não há comparação possível.

 

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Gostava que Melodrama estivesse a ter mais rotação, no entanto. Ainda não ouvi nem Green Light nem Perfect Places nas rádios portuguesas. Também não me parece que, lá por fora, Melodrama esteja a ter o mesmo impacto que Pure Heroine teve, na altura (posso estar enganada). Acho que será uma questão de tempo, contudo.

 

Quanto a mim, gosto imenso de Melodrama. Acho que vou passar muito tempo, ainda, a decifrar estas canções – tal como ainda acontece com Pure Heroine. Talvez até escreva uma análise ao primeiro álbum de Lorde – não para lá, antes a médio/longo prazo.

 

Apesar de reconhecer que Ella é uma excelente cantora e compositora, ainda não tenho um vínculo emocional com ela como os que tenho com outros artistas de quem gosto. Mas também isso é uma questão de tempo – sobretudo se ela vier em digressão a Portugal, em breve.

 

Quanto a nós, vou fazer uma pausa nos textos sobre música aqui no blogue. A única exceção será quando Bryan Adams lançar duas músicas novas no outono, juntamente com um álbum Best Of, tal como anunciou aqui (pensava que já ninguém lançava álbuns Best Of...). Tenciono escrever sobre Once Upon a Time a seguir – mas deverá ser um texto mais curto que o último. Até lá...

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