Há algumas semanas, enquanto folheava a revista Activa do mês de agosto, dei com
um artigo intitulado "O Poder Secreto dos Introvertidos". Falava sobre um livro escrito por Susan Cain, intitulado, precisamente "Silêncio - O Poder dos Introvertidos num Mundo que não pára de falar". Mais tarde, quando pesquisei sobre o assunto, encontrei o vídeo acima das conferências TED, com um discurso da mesma Susan Cain. Essencialmente, tanto no livro como discurso, a autora desmonta todo o estigma das pessoas mais introvertidas, defendendo que o Mundo necessita de valorizar os mais solitários em vez de os marginalizar.
Sendo eu, desde tenra idade, uma pessoa introvertida, com predisposição para falar pouco e me isolar (palavra que, por motivos que explicarei mais à frente, ainda hoje possui, para mim, uma conotação negativa), não imaginam o bem que faz ao meu ego ouvir tais argumentos.
Entre os vários pontos fortes dos introvertidos, encontra-se a inteligência e a criatividade. Não vou falar da inteligência pois não concordo com muitas das ideias pré-concebidas que continuam a circular por aí - não acho que seja fixa, que seja algo com que nascemos e que nunca se altera; acredito plenamente que pode ser desenvolvida bem como pode regredir. Também acho que não se limita ao QI, aos resultados académicos, que existem vários tipos de inteligência, cada um com a sua utilidade.
No entanto, não me choca o facto de várias teorias e/ou descobertas científicas - de Charles Darwin, Albert Einstein - livros, peças musicais, enfim, todo o tipo de obras de arte, que hoje fazem parte do nosso quotidiano, da nossa cultura, tenham sido concebidas por pessoas apreciadoras de solidão. Atividades como a leitura, a escrita, o desenho, a pintura, a composição de música, não se realizam em grupo, geralmente. Defende-se que esta maior criatividade e eficácia se deve ao facto e estas pessoas "refletirem", serem capazes de ouvir, tomar decisões mais ponderadas e ter ideias inovadoras.
Eu diria mesmo que, da mesma forma, os introvertidos possuem um maior sentido crítico. Não apenas por serem bons ouvintes, por pensarem antes de falar, mas também por, não tendo tanta necessidade de conviver, não sentem tanto a pressão de agradar aos demais para serem aceites num grupo. E pelo o fenómeno que Susan Cain descreve no vídeo acima: a tendência de adotarmos a opinião do alfa do grupo.
Um dos aspetos que é realçado várias vezes é que, contrariamente ao que se pensa, não se pode dizer que os introvertidos não gostem do convívio. Os mais reservados acabam, aliás, por serem melhores ouvintes, por terem menos predisposição para inconfidências que os mais extrovertidos.
Não admira que, de vez em quando, me procurem para desabafos.
Susan Cain argumenta ainda que, surpreendentemente, os extrovertidos não são os melhores lideres. Podem ser melhores em termos de carisma e oratória, como já foi afirmado em cima em defender o seu ponto de vista, mas, se calhar, não são tão bons em conteúdo - faz-me lembrar a discussão lógica
versus retórica que estudei em Filosofia. Os extrovertidos gostam mais de mandar, entusiasmam-se com as suas próprias ideias, são impulsivos. Em contraste, os introvertidos são mais cautelosos e, tal como já foi dito anteriormente, são mais recetivos às ideias dos outros. Cain chega a invocar nomes com Elianor Roosevelt, Gandhi, Rosa Parks, Barack Obama, que na verdade são (ou foram) pessoas mais metidas nas suas conchas. É verdade que passam muito tempo no centro das atenções mas - pelo menos no caso dos três primeiros exemplos - faziam-o, não por gostarem, mas porque não tinham escolha. Para fazerem vingar os seus princípios, para, de facto, serem a mudança que desejavam ver no Mundo, tiveram de engolir a sua falta de à-vontade e falar às multidões, com os resultados que se conhecem.
Isto recorda-me uma citação do último livro do Harry Potter, uma das várias afirmações sábias de Dumbledore - de que os melhores líderes não são aqueles que ambicionam o poder pelo poder, mas sim aqueles para quem o poder, a liderança, é apenas uma ferramenta para concretizar as suas convicções.
De resto, conforme Susan Cain afirma, a subvalorização das pessoas reservadas é relativamente recente - ela dá o exemplo das religiões, cujos profetas testemunhavam as grandes revelações quando estavam sozinhos. Foi só a partir do século vinte, num mundo cada vez mais global, que a extroversão foi valorizada. Um mundo cada vez mais global, ironicamente graças a invenções dos chamados bichos-do-mato.
Foi assim que se formou o estigma, que se torna cruel, por vezes. Como todos os estigmas o são, de resto. A obsessão com a vida social. As bocas do género: "
Ai e tal, eu não tenho tempo para ler, eu tenho uma vida". Em suma, a ideia de que a afinidade para a solidão é um defeito, quase uma deficiência.
E, no entanto, acho que o estigma já foi pior. Nos últimos anos, com o advento da Internet, dos blogues, do YouTube, das redes sociais, tornou-se mais fácil aos introvertidos expressarem a sua criatividade, as suas ideias, e encontrarem pessoas com interesses semelhantes. Há quem diga que estas tecnologias andam a promover o isolamento, a tornar as pessoas mais solitárias - mas eu penso o contrário. Penso que, com a Internet, já ninguém tem de se sentir sozinho. Porque uma pessoa pode estar rodeada de outros e estar sozinha. Mas não terá muita dificuldade em encontrar quem partilhe os seus ideais, as suas paixões, através da Internet.
Por outro lado, Jennifer Lawrence, uma das atrizes da moda, adorada por toda a gente por ser invulgarmente terra-à-terra (ou, pelo menos, representar bem esse papel), tem dito várias vezes que não é do género de sair à noite, que prefere passar os serões a ver televisão, que muitas vezes às onze da noite já só pensa em ir para a cama, provando que ser "fixe" não significa necessariamente levar o estilo de vida típico de Hollywood. Por fim, com as novas tecnologias, com pessoas como Steve Jobs, Mark Zuckerberg, os chamados
nerds ou
geeks, qualquer que seja a designação correta, começam a ganhar popularidade.
Aproveito, já agora, para dizer que, apesar de tudo, a sociedade continua a simplificar demasiado as pessoas. Já aqui falei que me irritam os rótulos em música - os rótulos em pessoas ainda me irritam mais. Susan Cain defende, precisamente, que o Mundo não se divide em introvertidos e extrovertidos. Que casa pessoa em a sua própria maneira de lidar com o contacto com os demais, a sua proporção de introversão e extroversão. Não me é difícil pensar em exemplos. Voltemos a Jennifer Lawrence, por exemplo: conforme já foi dito neste texto, ela não é do género de ir a muitas festas; no entanto, em entrevistas destaca-se pelo seu completo à-vontade, por ser alegre e bem humorada. Suponho que ela seja aquilo a que Cain chama, numa tradução possível,
ambivertidos. Aqueles que, nas palavras da autora, aproveitam o melhor de ambos os mundos.
Agora vou falar do meu caso. Tendo eu sido sempre reservada, tal como já revelei, a minha mãe sempre tentou corrigir-me esse "defeito", à semelhança do que, certamente, acontece com todos os introvertidos. Chegou mesmo a dizer-me que era má educação estar com outras pessoas e não falar - hoje, contudo, apercebo-me que as pessoas mais difíceis de aturar são aquelas que nunca se calam.
Não pensem, no entanto, que tudo o que a minha mãe conseguiu com isto foi reprimir-me. Ela também me ensinou a ser mais simpática e agradável para com as pessoas, capacidades que, sejamos francos, são essenciais, básicas, para vivermos em sociedade.
Pior para mim foi o Secundário. Na escola que frequentei, gostavam de pensar que cultivavam valores como a união, a amizade, e outras coisas muito bonitas em que, no entanto, bastava raspar à superfície para perceber que não passava de hipocrisia. Queriam à força que fôssemos todos amigos e nunca passava despercebido que eu gostava de isolar-me durante os intervalos. Na verdade, passava grande parte desse tempo fechada na casa de banho a escrever, a aprender a ser a escritora que sou hoje. Uma das piores coisas que me podem fazer é obrigar-me a conviver e era isso que me faziam. Eu só queria que me deixassem em paz. Se eu queria isolar-me, o "problema" era meu, a pressão deles apenas fazia com que me sentisse ainda mais marginalizada. Talvez eu tivesse sido mais feliz durante o Secundário se, entre outras coisas, me tivessem deixado integrar-me na turma à minha maneira. Até porque, quando não me pressionavam, eu até convivia normalmente, até conversava - e eles ficavam sempre tão surpreendidos!
E a verdade é que eu aprendi a gostar de conversar com as pessoas, de conviver. Já existiram situações em que eu me sentia deprimida e uma simples conversa sobre séries com colegas minhas foi suficiente para me consolar. E com pessoas da minha idade ou mais novas é fácil falar, o assunto "aulas" é suficiente para fazer uma conversa fluir. É claro que daí a confiar nas pessoas, a fazer amizades, vai um grande passo - porque hoje toda a gente tem segundas intenções.
Para além da minha escrita, um dos motivos que me levam a procurar a solidão - ou uma das desculpas que dou a mim mesma - é, também, sentir que as pessoas não têm pachorra para os meus interesses, as coisas de que falo nos meus blogues, as minhas manias. Daí que a minha irmã seja uma das minhas pessoas preferidas - porque partilhamos vários interesses e, sobretudo, aturamos as maluquices uma da outra.
Depois, tenho as pessoas que conheci na Internet, através das redes sociais, do Fórum Avril Portugal, dos meus blogues. Algumas, há já vários anos. Admito que podem não ser consideradas relações verdadeiras, podem ser só "amigos do Facebook" mas a quem, por vezes, me sinto mais próxima do que a quem vejo quase todos os dias. Porque, tal como um desses amigos me disse há pouco tempo, conhecem o nosso interior antes de conhecerem o nosso exterior. Antes de estarem sujeitos aos enganos da aparência. Da mesma forma, muita gente da minha família ficou surpreendida quando eu, no ano passado, fui convidada para ir ao A Tarde É Sua, Especial Seleção, (pormenores
AQUI) e aparentava perfeito à-vontade, estava alegre e comunicativa. Chegaram mesmo a dizer:
- Aquela não é a Sofia!
Na verdade, estava de facto nervosíssima, mas também me sentia bem, feliz - porque aquelas pessoas tinham gostado do meu blogue ao ponto de fazerem questão de me trazerem ao programa, de me ouvirem falar sobre ele. Fizeram-me sentir aceite, mesmo admirada, graças a algo que era muito importante para mim - e que, na minha família, é frequentemente objeto de desdém.
As únicas alturas em que me sinto em perfeita harmonia com as multidões é, de resto, em concertos ou em jogos de futebol. Porque, para além da escrita e de outras atividades mais intimistas, duas das melhores sensações do Mundo são gritar "GOLO!" em uníssono com um estádio inteiro e cantar as nossas músicas preferidas em altos berros, em coro com dezenas de milhares de pessoas.
Susan Cain não diz, contudo, que devemos todos deixar de conviver. Até porque o isolamento em excesso torna-se prejudicial. Noto, aliás, uma certa contradição nos argumentos dela, quando diz que os introvertidos são mais abertos às opiniões dos outros. Ora, se uma pessoa se isola demasiado, tem maiores probabilidades de se tornar egoísta, de perder empatia. Da mesma maneira, os mais extrovertidos, por contactarem frequentemente com outras pessoas, podem perfeitamente tornar-se mais conhecedores da natureza humana, mais tolerantes. E o convívio também é importante para o sentido crítico - toda a gente precisa de ser questionada de vez em quando ou corre o risco de ficar demasiado preso às suas ideias. As conversas, os debates, podem, deste modo, ser extremamente enriquecedores ao ajudarem-nos a ver as questões sob diferentes prismas, prismas que, se calhar, nunca nos tinham ocorrido. Nestes assuntos aprendi que não se pode generalizar. Em linha com o que disse há pouco, as pessoas não são assim tão simples, cada caso é um caso e, que diabo, somos sete mil milhões! Como podemos ter a arrogância de julgar saber como é que todas as pessoas são?
O que se pede, no fundo, é tolerância, equilíbrio. Não que deixemos de estimular (sem as forçar) as pessoas a conviverem, a socializarem, porque isso também é importante, mas que se acabe com os estigmas todos contra os introvertidos, que se tente "curá-los" do mal. O que se quer é que se respeite a personalidade de cada pessoa, que lhe seja dado espaço, caso seja esse o seu desejo, para abraçar a solidão. O Mundo só tem a ganhar com isso. No meu caso, na maior parte do tempo, abraço a solidão para me dedicar à minha escrita, seja ela para os meus livros ou para os meus blogues Não me arrogo ao pensar que o Mundo perderia caso eles não existissem mas são uma parte de mim que tenciono cá deixar antes de morrer. E isso para mim é o suficiente para ir deixando se me sentir mal comigo mesma por me achar diferente de toda a gente, em vários aspetos. E para dizer "Não!" a pessoas como a minha mãe ou a minha antiga diretora de turma que me pressionem para ser menos "antissocial", para lhes esfregar no nariz que a introversão não é defeito, é feitio, podendo mesmo ser, por todos os motivos aqui listados, uma força.