Pokémon através das gerações - Grandes jogos em alicerces frágeis
A primeira geração de jogos Pokémon compreende as versões Green (exclusiva do Japão), Red, Blue e Yellow. Em fevereiro, comemoraram-se vinte anos desde o lançamento dos primeiros jogos. Estes estabeleceram a fórmula: três Pokémon iniciais (designados entre os fãs por starters); pelo menos um rival; uma região para explorar; oito líderes de ginásio a vencer de modo a obter a qualificação para a Liga Pokémon; uma organização criminosa, com o respetivo líder, para o jogador derrotar; a Liga Pokémon, constituída pela Elite 4 e um Campeão. Até os Pokémon, nas gerações seguintes, acabarão por seguir a fórmula definida por estes jogos: para além dos starters, temos sempre, perto do início do jogo, um Pokémon Voador, um do tipo Normal (geralmente pouco útil), uma ou duas linhas evolutivas de Insectos. Mais tarde no jogo, encontramos um chamado "clone do Pikachu": um Pokémon do tipo Elétrico, fofinho, mas pouco brilhante em termos de stats, um Pokémon inspirado em gatos, outro em cães e, claro, os Lendários.
Agora com Pokémon Go, tenho reparado que os primeiros 151 Pokémon possuem um charme muito próprio, que Pokémon de outras gerações não têm. Pode ser mera nostalgia, o facto de terem sido os primeiros (não tinham Pokémon anteriores com quem competir, ao contrário dos seus sucessores). Pode ser a simplicidade dos desenhos, em contraste com a complexidade dos designs de muitos Pokémon mais recentes. Não que essa simplicidade seja sempre uma virtude: vários Pokémon da primeira geração acabam por ser parecidos entre si (Rhydon parece-se imenso com Nidoking/Nidoqueen; Gastly e Cloyster têm praticamente a mesma cara); Ekans e Arbok pouco diferem de cobras normais; Grimer e Muk são meras massas disformes. Mas é inegável que os Pokémon da primeira geração têm um je ne sais quoi que os demais Pokémon não têm.
Os primeiros jogos foram um sucesso estrondoso quando foram lançados, como é do conhecimento geral, mas estes jogos possuem uma série de defeitos e glitches que só se tornam mais óbvios com o tempo. Não que isso não seja de esperar nos primeiros jogos de uma longa série. Os tipos diferentes de Pokémon tem vários desequilíbrios, com o Psíquico a ser o mais gritante. Em teoria, o tipo Psíquico seria vulnerável a Inseto e Fantasma. Na prática, o tipo Insecto demoraria várias gerações a ganhar ataques decentes; por um glitch, os ataques do tipo Fantasma não tinham efeito em Pokémon do tipo Psíquico e, mesmo sem este erro, os únicos Fantasmas da primeira geração eram também do tipo Veneno, que é vulnerável ao ataques Psíquicos. Existem outras coisas que funcionavam mal nestes jogos, aparentemente pequenas, mas que tornavam tudo mais complicado, sem necessidade: o facto de termos de abrir uma série de menus para usar HMs ou montar na bicicleta; o facto de o tema musical da bicicleta se sobrepor a todos os outros; o espaço limitado para itens; o facto de estes itens não estarem compartimentados (não imaginam a quantidade de Master Balls que eu e os meus irmãos perdermos, ao a selecionarmos por engano durante um combate); os sprites de vários Pokémon eram francamente feios (e os da versão Green, japonesa, eram piores), entre outras coisas.
De uma maneira paradoxal, os erros do jogo podem constituir um dos seus maiores apelos, para quem saiba manipulá-los a seu favor. O glitch que permite aos jogadores capturar um Mew de nível sete é um exemplo. No meu caso, o glitch que eu explorei foi o MissingNo. Em miúda, este fascinava-me e assustava-me ao mesmo tempo, pelas histórias que ouvia sobre os erros que poderia provocar ao jogo. Por esse motivo, nunca o capturei. No entanto, pura e simplesmente derrotá-lo permite multiplicar certos itens e eu abusei dessa possibilidade para obter infinitas Master Balls e Rare Candies. Acho que nunca joguei um único jogo em Red ou Blue em que não usei Rare Candies para fazer doping aos meus Pokémon, por pouco que tenha sido. Eis o meu mea culpa: eu fazia batota.
Existem muitos outros glitches que podem ser explorados, incluindo um que envolve Bulbasaurs explosivos, atravessar paredes, uma maneira de vencer o jogo em tempo recorde e uma cidade inteira toda desconjuntada, já denominada entre os fãs por Glitch City. Podem descobrir mais sobre este lado secreto dos jogos da primeira geração nestes vídeos.
Mas não é só de erros e glitches que são feitos estes jogos. Também são feitos de personagens e falas memoráveis: como o Professor Oak, que não se lembra do nome do neto; o velhote maldisposto por não ter bebido café (sim, eu sei que nos jogos originais eles está embriagado mas - falo por experiência - abstinência de cafeína também pode ser incapacitante), o treinador que gosta de calções ("Hi!I like shorts! They're confy and easy to wear!"). Mas penso que a personagem mais popular desta geração, e de quem os fãs têm mais saudades, é o rival, conhecido na comunidade por Blue Oak, ou Gary Oak, o seu homólogo na série animada. Numa altura em que os rivais nos jogos Pokémon são cada vez mais amigáveis (e mais fáceis...), muitos de nós suspiram por um adversário como Blue: que aparece para nos desafiar quando menos esperamos (com um tema inconfundível) , está sempre vários passos à nossa frente, trata-nos com arrogância e desdém. Não que gostemos, propriamente, de ser tratados assim, antes porque sabe muito melhor quando conseguimos vencê-lo. Não é por acaso que, para muitos, o melhor combate da série animada seja aqule que opõe Ash e Gary, em plena Liga Pokémon (em Johto). Depois de ser várias vezes tratado abaixo de cão por Gary - ainda que este vá melhorando com o tempo - Ash finalmente vence o seu rival e a audiência não podia ficar mais feliz. É como...
Bem, é como Portugal conquistar o Europeu à França. Agora que penso nisso, em termos de futebol, a França tem sido do Gary Oak da Seleção Portuguesa: sempre vários passos à nossa frente, de todas as vezes que nos cruzamos com eles em campeonatos de seleções; sempre tratando-nos com desdém; incrivelmente satisfatório finalmente vencê-los, na sua própria casa, arrebatando-lhes a Taça no processo.
(Por favor, não levem a mal eu estar sempre a falar do Euro 2016. Estive anos e anos à espera que Portugal ganhasse um título. Agora que finalmente o conseguiu, quero "dizê-lo cantando a toda a gente", celebrá-lo ao máximo. Até ao próximo Europeu, pelo menos. Esta não vai ser a última referência ao Euro 2016 nesta série de textos, sequer.)
Duvido que a Nintendo volte a criar um rival assim, contudo. Também admito que Blue é demasiado estereotipado e íamos cansar-nos depressa se todos os rivais fossem como ele. E nem todos os rivais amigáveis são desinteressantes... mas falaremos deles em textos futuros.
Para além destas personagens, a primeira geração não oferece muito em termos de enredo e história, tirando os confrontos com o Team Rocket. Esta é a organização criminosa original e, com uma única exceção, considero-a a mais consistente em termos de motivação. Enquanto outras organizações em jogos futuros têm objetivos muito complexos e um bocadinho parvos, por vezes, o Team Rocket é pura e simplesmente uma sociedade de ladrões com traços de Máfia. Não será por acaso que o seu líder se chama Giovanni. Já que falo dele, mencionar rapidamente que o líder do Team Rocket foi, durante muitos anos, o melhor vilão da franquia, na minha opinião - sobretudo pela maneira como o retrataram na série animada: o patrão de Jessie, James e Meowth, escondido por sombras nas suas primeiras aparições, financiando a criação de Mewtwo, entre outras coisas. Nos jogos da primeira geração, os Rockets são responsáveis pela morte da mãe do Cubone, cujo fantasma assombra Lavander Town, pelo Game Corner de Celadon e pelo assalto à Silph Company, em Saffron City - nada de muito excitante, tirando o primeiro caso. A história da mãe do Cubone é apenas uma de várias que contribui para que Lavender Town seja uma das cidades preferidas de toda a franquia como tema de lendas urbanas. Tirando isso e algumas pistas sobre as origens de Mewtwo, não temos muito mais em termos de enredo nestes jogos.
Quem dê uma olhadela aos meus blogues perceberá que a música é um denominador comum a quase todas as minhas paixões. Pokémon não é exceção. Considero mesmo as bandas sonoras como uma parte essencial da experiência dos jogos, ajudando a definir a emotividade de cada momento: seja ele familiar e reconfortante, inocente, misterioso, sinistro, intenso, super intenso, solene, eufórico, triunfante. Acredito, aliás, que a música composta por Junichi Masuda (não sei se ele ainda é o actual compositor) contribuiu para o sucesso dos jogos. Assim sendo, todos os textos desta série incluirão uma secção dedicada às bandas sonoras.
Sendo estes os jogos originais, era natural que os seus temas se tornassem icónicos. Alguns deles - como o tema de abertura (e de toda a franquia, na verdade), o dos Centros Pokémon, dos ginásios, da evolução, entre outros - regressariam em todas, ou quase todas as gerações seguintes, com as suas próprias variações. Pessoalmente, nesta geração o meu tema preferido é o intitulado The Road to Cerulean City from Mt. Moon. Ainda gosto mais da versão gravada para a série animada, com orquestra completa - tenho-a colocado a tocar enquanto jogo Pokémon Go. Estas e outras. Acho, de resto, incrível que Masuda tenha conseguido criar temas tão variados, com tanto carácter, com as limitações do sistema 8-bit.
Em suma, os jogos da primeira geração causaram um grande impacto aquando do seu lançamento, merecidamente, ainda que tenham sido construídos em alicerces frágeis e o tempo não tem sido meigo para com eles. No entanto, quase todos os defeitos que apontemos a Red e Blue podem ser justificados pelo facto de terem sido os primeiros jogos. Os criadores estavam a criar tudo do zero, às cegas, ainda sem saber ao certo o que resultava ou não. E, se a franquia conseguiu ter tanto sucesso nessa altura, lançar várias sequelas, sobreviver vinte anos e continuar popular, esses jogos originais fizeram alguma coisa bem. Mais: podem passar mais vinte anos, podem lançar mais dez gerações de jogos e eu suspeito que uma grande parte da comunidade de fãs da franquia continuará a manter Kanto e os primeiros 151 Pokémon no coração.
Irei terminar cada um dos textos desta série com os Pokémon de que mais gosto e menos gosto de cada geração. O número poderá variar, mas vou tentar limitá-los a três. Assim, sem mais de longas...
Pokémon preferidos:
- Eevee e Vaporeon
Esta vem com uma história da primeira vez que joguei um jogo Pokémon - a versão Blue - até ao fim. Tinha onze anos. Nessa altura, já tinha descoberto o Missigno mas acho que ainda não o tinha usado para multiplicar Rare Candies ou, se tinha, tinha-os usado muito pouco - lembro-me de ter vários Pokémon em nível 51 quando cheguei à Elite 4, era óbvio que não estava a aproveitar-me dos infinitos Rare Candies! A Elite 4 estava a correr-me bem (mais ou menos: aquele Aerodactyl do Lance, com o seu Hiper Beam, ainda assustou...), até chegar ao Blastoise de nível 65 do rival. Consegui reduzi-lo a mais ou menos 1 HP mas ele, de repente, desata a usar Hydro Pumps, cada um deles abatendo os meus Pokémon com um só golpe. No fim, só me restava um Vaporeon, um dos tais de nível 51. Ao contrário dos meus outros Pokémon, o Vaporeon sobreviveu ao Hydro Pump (claro que um Pokémon de Água vai resistir a ataques do tipo Água mas eu ainda era muito verde nestas coisas, naquela altura) e, com um Surf, derrotou o Blastoise e ganhou-me o título de campeã. Eu fiquei histérica na altura e de imediato fiz de Vaporeon o meu Pokémon preferido, estatuto que mantém até hoje. Tal fez com que olhasse para o Eevee e para outras Eeveelutions de outra maneira - mais sobre isso adiante. Também ajuda o facto de o Eevee ser um dos Pokémon mais queridos de sempre.
- Charizard
Yep. Sou uma dessas pessoas nada fixes que gosta do Charizard, que escolhe quase sempre o Charmander. Pior ainda, muita dessa afeição ao Charizard deriva da série animada. Mas eu avisei que sou sentimental. Todos concordam, mesmo assim, que o relacionamento entre Ash e Charizard é um dos mais interessantes. Ash resgata-o, ainda sob a forma de Charmander, depois de o teu treinador original o ter abandonado, quase lhe provocando a morte. No início, os dois dão-se bem. No entanto, Charmander evoluiu para Charmeleon e depois para Charizard antes que Ash estivesse preparado para isso e o Pokémon deixa de lhe obedecer. Especula-se se esta rebeldia de Charizard é inspirada na mecânica dos jogos, em que um Pokémon obtido por troca deixa de obedecer a partir de um certo nível, a menos que o jogador já tenha conquistado um determinado número de crachás de ginásio - se, de uma maneira semelhante, Charizard considera que Ash não é suficientemente competente como treinador para merecer obediência. Ash demora imenso tempo a ganhar controlo sobre Charizard e paga caro por isso. Consegue, finalmente, renovar o laço com Charizard depois de, como já tinha referido antes, passar a noite inteira a cuidar dele após Charizard se ferir num combate. Depois disso torna-se, inquestionavelmente um dos melhores Pokémon de Ash, tendo protagonizado alguns dos melhores combates da série animada: o já referido com Gary, contra o seu Blastoise; contra o Blaziken de Harrison; contra o Articuno de Noland.
Eu concordo que o Charizard foi sempre muito sobrevalorizado e que a própria franquia o tem favorecido descaradamente em relação a outros Pokémon (ele precisava mesmo de duas Mega Evoluções?). O Venusaur e o Blastoise em nada são inferiores a Charizard, na minha opinião. No entanto, continuo a gostar imenso de Charizard por ser a estrela da equipa de Ash.
Pokémon de que menos gosto:
- Jynx
Este Pokémon sempre causou muita controvérsia por, alegadamente, ter sido baseado num estereótipo racista. A Game Freak acabou por lhe mudar a cor da pele de negro para roxo, mas o desenho Jynx continua a causar-me impressão. Com os seus olhos, boca e seios exagerados, parece-me uma caricatura às mulheres, negras e não só. Não gosto mesmo nada.
- Grimer e Muk
Já os tinha referido quando falei dos desenhos pouco inspirados de certos Pokémon desta geração. Estes Pokémon são constituídos por poluentes tóxicos, encontrados em esgotos industriais, que tornam a terra estéril à sua passagem. Não me atrai em nada.