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Álbum de Testamentos

"Como é possível alguém ter tanta palavra?" – Ivo dos Hybrid Theory PT

Digimon Adventure: Last Evolution Kizuna #2

Segunda parte da minha análise a Digimon Adventure: Last Evolution Kizuna. Podem ler a primeira parte aqui

 

1) Spoilers: esta análise vai discutir extensamente os eventos do filme Digimon Last Evolution Kizuna e poderá também revelar detalhes dos enredos das três temporadas do universo de Adventure (Aventure, 02 e Tri). Leia por sua conta e risco.

 

2) Alguns conceitos próprios de Digimon têm traduções controversas – na língua portuguesa têm mais do que uma possível. Neste texto, vou adotar as traduções com que estou mais familiarizada e/ou que considero mais adequadas.

 

3) Conforme tinha dito que faria quando terminei as análises a Tri, para esta análise vou usar os nomes japoneses.

 

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Taichi e Yamato reagem à notícia de que os seus Digimon têm os dias contados (literalmente) da maneira que se esperava, sobretudo quando a contagem decrescente surge nos telemóveis.

 

As ações dos dois protagonistas de Kizuna depois, no entanto, são diferentes. Taichi pega em Agumon, leva-o a almoçar fora e, mais tarde, ao seu apartamento. Passa a maior parte do segundo acto do filme sentindo pena de si mesmo. Por sua vez, Yamato encontra Imura à saída do escritório de Koshiro, portando-se de forma suspeita. O jovem acaba por passar a maior parte do segundo acto do filme investigando o caso de Eosmon e espiando Imura.

 

Isto representa uma mudança em relação a Adventure. Pode-se argumentar que já se notava um pouco em 02. Define uma grande parte de Tri. E em Kizuna regressa em força. Taichi e Yamato sempre reagiram de maneiras diferentes a coisas más que acontecem. Mas, enquanto em Adventure, Taichi queria ir para a frente a todo o custo e Yamato queria tempo para processar as coisas, depois de Adventure é Taichi quem fica em contemplação, mesmo em autocomiseração, enquanto Yamato engole as suas emoções, cerra os dentes e mete-se ao trabalho – pondo inclusivamente os miúdos de 02 a mexer-se. É mesmo dado a entender, a certa altura, que Yamato faz uma direta. 

 

Existem momentos em Kizuna, aliás, em que é difícil simpatizar com Taichi – tal como já tinha acontecido nos dois primeiros filmes de Tri. Passa tanto tempo a lamber as suas próprias feridas que chega a parecer que está menos preocupado com os Escolhidos em coma, quando comparado com Yamato ou Koshiro.

 

Nada que não seja compreensível. Taichi é apenas humano. Alguns de nós, se calhar, reagiriam da mesma maneira.

 

E, para sermos justos, não se pode dizer que a maneira de Yamato lidar com o que está a acontecer seja a mais saudável. É possível que, depois dos eventos de Kizuna, o jovem se arrependa de ter passado os últimos dias de vida de Gabumon perseguindo uma pista que, mais tarde, se revelaria falsa. 

 

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Por outro lado, noutra curta-metragem de que falaremos melhor adiante, Gabumon mostra-se grato por andar a passar mais tempo do que o costume com Yamato. Espero que tenha tido a oportunidade de dizê-lo ao seu parceiro antes do fim.

 

Dizia eu que Taichi decide passar algum tempo com Agumon. Leva-o ao seu apartamento pela primeira vez. Momento impagável quando Agumon encontra os DVDs (serão DVDs?) pornográficos do seu parceiro – se me contassem essa há quinze ou dezasseis anos…

 

A certa altura, recebem a visita de Gennai (o verdadeiro!), que confirma tudo o que Menoa disse. Deixa também preto no branco, se dúvidas ainda existiam, que os Digimon desaparecem quando a contagem nos dispositivos chega a zero. Quando Taichi lhe pergunta porque ninguém os avisou antes, Gennai responde que foi pelo mesmo motivo pelo qual ninguém quer saber quando vai morrer.

 

Admito que não havia boas soluções aqui. É possível que pelo menos algumas das crianças se recusassem a cumprir o seu papel como Escolhidas, caso soubessem que o tempo de que dispõem com os seus Digimon é limitado – e sobretudo que as digievoluções aceleram o processo. É possível que alguns dos Escolhidos tentem, deliberadamente, não crescer, não (digi)evoluir – recusarem-se a estudar, a trabalhar, a saírem de casa dos pais. 

 

Por outro lado, os eventos de Kizuna podiam ter sido evitados – ou ter decorrido de forma diferente – caso Menoa tivesse sido avisada desta regra. 

 

Ainda assim, não culpo Gennai por não ter querido dizer nada aos Escolhidos. No que toca à Homeostase, no entanto, se antes já a questionava, depois desta… 

 

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Sempre foi moralmente discutível pegar em crianças, atirá-las para um mundo desconhecido, dar-lhes Digimon e exigir-lhes que salvem esse mundo. Pensava eu que aquilo que ela (?) fizera com Maki (e as outra primeiras Crianças Escolhidas, se bem que em menor grau) e Meiko fora suficientemente mau. Mas aparentemente ela faz o mesmo com todos os que Escolhe, em graus diferentes. Cria Digimon compatíveis com os humanos que Escolhe, programa-os para protegerem esses humanos. E, quando os Escolhidos já não lhes são úteis, a Homeostase pura e simplesmente descarta os Digimon, indiferente aos danos que provoca aos parceiros humanos. 

 

Em Watching As I Fall, Mike Shinoda reza “Nothing is forever, don’t be mad at the design”. O que é essencialmente uma das mensagens de Kizuna e uma grande verdade em todos os universos e aspetos da vida. No entanto, no universo de Adventure os desígnios têm um nome e podemos perfeitamente revoltarmo-nos. 

 

Não procurem mais. A Homeostase é o maior vilão do universo de Adventure. O verdadeiro vilão. 

 

Regressando a Yamato, tal como já tínhamos assinalado, ele mete os miúdos de 02 a trabalhar. Os três rapazes – Daisuke, Ken e Iori – estavam em Nova Iorque fazendo pesquisa de mercado para o futuro carrinho de ramen de Daisuke (ou pelo menos é essa a desculpa) antes de Yamato lhes ligar. Miyako rapidamente se junta a eles. Os quatro têm tirado proveito da capacidade dos D3 de darem passagem para o Mundo Digital e, daí, para diferentes pontos do Mundo Real.

 

Como alguém que não gosta de andar de avião e ainda menos das burocracias relacionadas, não imaginam a minha inveja.

 

 

Yamato pede aos Escolhidos mais novos que investiguem Menoa e Imura. Ken sabe quem Menoa Bellucci é – o jovem sabe uma coisinha ou outra sobre ser uma criança-prodígio. Os quatro assaltam o laboratório de Menoa. Enquanto o revistam, o Amardimon fica fascinado com uma imagem afixada na parede – mais tarde identificam-na como Aurora, a deusa no amanhecer segundo a mitologia romana. Homóloga de Eos, portanto.

 

Tomem nota. 

 

Entretanto, Yamato segue Imura, observa enquanto este recebe uma arma de um tipo com mau aspeto – o que não condiz com o perfil de um assistente de laboratório. 

 

Gosto desta versão de Yamato. Um Yamato adulto, street-smart (não existe uma boa tradução para essa expressão em português, eu bem procurei), astuto, capaz de se desenrascar no Mundo Real, não apenas no Digital. É certo que esta primeira (?) tentativa não é muito bem sucedida mas, com alguma prática… Eu via esse spin-off: Yamato o detetive, com o Gabumon como assistente. 

 

No dia seguinte (será o dia seguinte? A cronologia de Kizuna é um bocadinho confusa nesse aspeto), Joe dá o alerta: Mimi dera entrada no hospital onde ele trabalha depois de ter sido encontrada sem sentidos num armazém. É a primeira do grupo de Adventure a entrar em coma. 

 

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A cena é um bocadinho dolorosa para mim, confesso. Custa ver uma personagem que cresceu comigo numa cama de hospital e as outras à volta, sem saberem o que fazer. 

 

Yamato traz Taichi e Koshiro para a casa de banho masculina para fazerem o ponto da situação – é o único sítio onde as paredes não têm ouvidos. Yamato oferece-lhes, inclusivamente, telemóveis descartáveis para poderem conversar entre si com segurança – tal como diz Taichi, como se estivessem num filme de espiões.

 

Yamato revela o que descobriu: Menoa fora uma Criança Escolhida e a sua companheira Digimon era Morphomon. Koshiro estranha o facto de ainda não a terem conhecido. Por sua vez, Imura tornara-se assistente de Menoa na altura em que esta publicou os resultados da sua investigação.

 

É durante esta reunião na casa de banho que decorrem os eventos da curta-metragem intitulada “Um Buraco no Coração”. Nela, Agumon e Gabumon conversam sobre a sua iminente separação dos seus companheiros. 

 

No fundo, esta curta explora o conflito emocional de Kizuna na perspetiva dos Digimon. Agumon sente-se mais distante de Taichi, que está mais velho, vive sozinho, bebe cerveja e vê pornografia (para sermos justos, ele provavelmente já o faz desde a adolescência). Ao mesmo tempo, como assinalámos antes, Gabumon sente-se feliz por andar a passar os últimos dias na companhia de Yamato, mesmo que seja espiando Imura. 

 

Os dois chegam à conclusão de que estão gratos por tudo por que passaram, não apenas com os respectivos companheiros, mas também com os outros Escolhidos e os seus Digimon. Aquilo que viveram, as recordações que formaram, isso nunca desaparecerá. E prometem apoiar Taichi e Yamato independentemente do que eles decidirem. 

 

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Havemos de regressar a essa ideia.

 

No hospital, Taichi manifestara a vontade de resolver este caso. No entanto, a primeira coisa que o vemos fazer depois desta cena é pegar no seu antigo dispositivo, nos óculos de aviador e vestir uma camisola da mesma cor da t-shirt que usou em Adventure.

 

Não é preciso dizer mais nada, pois não?

 

Taichi vai falar com Menoa – algo que não sei se Yamato ou Koshiro aprovariam. Menoa fala-lhe de Morphomon, diz-lhe abertamente que não queria que outros Escolhidos passassem pela mesma perda (uma vez mais, tomem nota), que é nisso que se foca a sua investigação. Espera, também que Taichi e os seus companheiros de aventura ajudem a chegar à solução.

 

Da primeira vez que vi Kizuna, ainda tinha a esperança de que os Escolhidos arranjasse uma maneira de travar este processo. Esperança essa que durou até ao último minuto. Em visualizações posteriores, é nesta parte que me sinto como o Joey de Friends e quero enfiar o filme no congelador. Não quero que ele continue, não quero que aconteça aquilo que sei que vai acontecer. 

 

Entretanto, Yamato invade o escritório de Imura e encontra um daqueles típicos painéis que vemos na televisão e no cinema, com recortes de jornais e fotografias tiradas à distância. Neste caso, o painel foca-se tanto em Menoa como nos Escolhidos de Adventure. É também nesse momento que os miúdos de 02 lhe telefonam e confirmam que Kyotaro Imura não existe, é um nome falso. 

 

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Eu ainda assim vou continuar a tratá-lo por Imura neste texto, por uma questão de simplicidade.

 

Adicionalmente, o seu computador tinha dados sobre Eosmon que foram, posteriormente, apagados. Yamato brinca com a ideia de Menoa estar a ser manipulada por ele. 

 

Por outro lado, Armadimon não se cala com a imagem de Aurora no laboratório e Yamato ouve a conversa. O termo “aurora” é curioso, sobretudo neste contexto. Como vimos antes, é o nome da deusa do amanhecer na mitologia romana e, na língua portuguesa, é sinónimo de amanhecer (aparentemente também o é na língua inglesa). Mas também é o nome dado ao fenómeno metereológico conhecido como aurora boreal – como o que vimos no início do filme e que, como veremos adiante, desencadeou os eventos de Kizuna.

 

Pergunto-me se foi intencional. É provável que tenha sido. Mais à frente regressaremos a este conceito. Em todo o caso, a imagem de Aurora é uma pista que aponta para a verdade por detrás de Eosmon.

 

Entretanto, Koshiro recebe um email com um vídeo que mostra Hikari e Takeru inconscientes e amarrados, cada um num sítio diferente. Naturalmente, alerta os respectivos onii-chans – ameaçar os irmãozinhos mais novos é a maneira mais simples de atingir Taichi e Yamato (e indiretamente a audiência) mesmo no coração. Ao mesmo tempo, Joe não atende as chamadas – ou seja, Eosmon já o apanhou.

 

Nem Taichi nem Yamato chegam a tempo de impedir que os irmãozinhos entrem em coma. Provavelmente já estavam assim quando Koshiro recebeu o vídeo. O rapto serve apenas para manter os dois protagonistas ocupados enquanto Koshiro recebe uma visita de Menoa. 

 

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Antes de irmos aí, foquemo-nos em Yamato, que encontra Imura no armazém onde está Takeru. Imura soubera sempre que o homem mais novo estivera a espiá-lo – ou a tentar. 

 

Decide então abrir o jogo. Revela-se como um agente do FBI, encarregado de espiar Menoa e de encontrar provas contra ela. É nesta fase de Kizuna que descobrimos que fora Menoa quem criara Eosmon e quem roubara as consciências a trezentos Escolhidos. 

 

Por outro lado… Imura diz que o FBI andava atento às atividades de Menoa há “vários anos”, mas havia motivo para isso? O foco da sua investigação era a preservação dos vínculos entre Escolhidos e parceiros Digimon. Nada de criminoso nisso por si só. Só muito recentemente é que começara a usar o Eosmon para atacar pessoas. Excesso de zelo da parte do FBI?

 

Enfim. Americanos…

 

Menoa vai, então, ao escritório pedir-lhe a lista com as identidades dos Escolhidos. O jovem confronta-a com o que descobriu ao analisar os fragmentos de Eosmon que sobraram do combate no ciberespaço: dados que apontam para a investigação de Menoa.

 

É aí que cai a máscara. 

 

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Quando Yamato, Imura e, uns minutos mais tarde, Taichi chegam ao escritório de Koshiro, já este estava sem sentidos, já Tentomon tinha desaparecido, bem como Menoa. Koshiro, no entanto, conseguira enviar as coordenadas da localização de Eosmon a Taichi por SMS.

 

Resta a ele e a Yamato irem atrás de Menoa e Eosmon – mesmo sabendo que, se tiverem de digievoluir, reduzirão o tempo de vida de Agumon e Gabumon. 

 

Não que haja grande escolha da parte deles. Os dois estão encostados à parede. Em nenhuma circunstância iriam Taichi e Yamato sacrificar trezentos Escolhidos, incluindo amigos de infância, incluindo os seus irmãos mais novos, apenas para terem mais um bocadinho com os seus Digimon. Apenas para adiarem o inevitável.

 

Tendo em conta o que se descobrirá mais tarde, pode-se argumentar se seria assim tão mau deixar os Escolhidos como estão. Se alguns deles quererão sequer ser salvos. Estive a pesquisar as consequências de estar em coma indefinidamente, mesmo não estando em morte cerebral. Não cheguei a uma conclusão única, mas acho que, mesmo na melhor das hipóteses, seria difícil mantê-los assim. Teriam de ser alimentados por nutrição parentérica, de receber fisioterapia para evitar escaras e atrofia muscular. 

 

E, claro, à parte estas consequências mais práticas, é doloroso para os entes queridos vê-los assim.

 

Por isso Taichi e Yamato vão até à dimensão para onde Eosmon levara as consciências dos Escolhidos. As primeiras coisas que veem são o elétrico que os levara de volta ao Mundo Real, no fim de Adventure. Depois surge Menoa e várias ilhas flutuantes. Em cada uma encontra-se um dos Escolhidos e respetivo companheiro Digimon, com o aspeto que tinham durante os eventos de Adventure. Incluindo Meiko e Meicoomon.

 

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Menoa chama àquela dimensão apropriadamente Terra do Nunca: um sítio onde os Escolhidos podem ser quem eram durante Adventure para sempre. Não precisam de crescer, não precisam de se separar dos seus Digimon.

 

Eosmon é uma espécie de monstro de Frankenstein, criado por Menoa a partir dos restos mortais, isto é, dos dados que sobraram de Morphomon. A aparição da aurora, no início de Kizuna, fora o toque que faltara para Eosmon ganhar vida, com a capacidade de roubar e digitalizar consciências. Menoa resolveu usá-la para garantir que mais nenhum Escolhido perde o seu companheiro Digimon.

 

Acho interessante que Menoa tenha escolhido o conceito de “amanhecer” para dar nome a Eosmon. As suas vítimas estão em coma, estão a dormir, a viver em sonhos. No entanto, o nome vem de “amanhecer”, não de “anoitecer”. 

 

Faz lembrar um filme que saiu no ano em que decorrem os eventos de Kizuna: Inception/A Origem. Como é do conhecimento geral, esse filme foca-se muito no conceito de múltiplos níveis de consciência, de sonhos dentro de sonhos, na dificuldade em distinguir entre sonhos e realidade. Ligeiros spoilers, mas no filme existem pessoas (incluindo o próprio protagonista no seu passado) que preferem viver nos seus sonhos, por um motivo ou por outro. Adormecem, mas dizem que, na verdade, estão a acordar. Para eles o sonho é a realidade e a realidade é um sonho.

 

 

Suponho que Menoa pense da mesma forma. Pensa que está a acordar os Escolhidos para a realidade verdadeira.

 

Outro elemento, que já fora aparecendo aqui e ali ao longo de Kizuna mas que está presente em força na Terra do Nunca, diz respeito às borboletas azuis. Começando pela trança de Menoa, uma clara referência à sua companheira Morphomon.

 

Já que falamos nisso, um aspeto que acho curioso é o facto de Menoa parecer mais velha quando tem o cabelo solto – e parecer mais nova quando tem a trança com a borboleta na ponta. Não sei se sou eu ou se ela foi desenhada deliberadamente para dar essa ideia. 

 

O significado mais óbvio das borboletas é, claro, Butter-fly. Já me tinha queixado, a propósito de Tri, que depois da morte de Wada Kouji Digimon andava – na minha opinião, claro – a sobrevalorizar o tema de abertura de Adventure. Em Kizuna, no entanto, associam-no à antagonista – e, como veremos mais tarde, ao destino final de todos os companheiros Digimon. É uma perspetiva nova, interessante e algo cruel para algo que tem estado lá desde os primórdios deste universo. 

 

Adicionalmente, um dos significados mais conhecidos das borboletas é mudança, transformação, o ciclo vida/morte/renascimento. A borboleta azul em particular é símbolo de honra, de energia, de aceitação – o que, no contexto de Kizuna, é irónico.

 

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O problema de pesquisar simbologias é que não existem respostas erradas. Cada cultura, mesmo cada pessoa atribui as interpretações que quer às coisas. Veja-se o que acabámos de comentar sobre as borboletas e o tema de abertura de Adventure. E no entanto na discografia dos Paramore (e de Petals For Armor, até certo ponto) as borboletas são um tema recorrente, com uma simbologia muito própria.

 

Regressando a Kizuna, Menoa garante que cada um dos Escolhidos está na Terra do Nunca de livre vontade. Terá sido o desejo deles de nunca crescerem, de serem para sempre Crianças Escolhidas que atraiu Eosmon… mas eu não acredito nela.

 

Não que não ache que Joe, Mimi e os outros não desejassem, nem que fosse apenas um bocadinho, regressar ao passado. Mas, por essa lógica, não deviam Taichi e Yamato ter estado entre as primeiras vítimas? Eles que, dos oito de Adventure, são os que estão a lidar pior com a passagem do tempo? 

 

Além disso, sabemos que pelo menos Koshiro não foi de livre vontade para a Terra do Nunca – ele que descobriu a verdade sobre Menoa sozinho e que sabia o que lhe ia acontecer. Mais: se Eosmon fosse atraído pelos desejos dos Escolhidos, Menoa não precisava de roubar a lista a Koshiro.

 

É possível que Menoa esteja a projetar os seus sentimentos nos outros Escolhidos. Talvez ache que é isso que todos eles querem. Menoa é mais um caso de Escolhido e/ou Treinador traumatizado pela perda do seu companheiro Digimon. O que é curioso é que ela, de certa forma, é o oposto de Maki. Maki não hesitou em usar todos aqueles a quem podia deitar as garras – desde crianças a alguém que a amava – para recuperar o seu Digimon, sem se ralar com os danos que causava ou com as pessoas que magoava. Sem se ralar com o facto de estar a fazer aos outros aquilo que fizeram a ela. 

 

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Por sua vez, Menoa está, de uma maneira retorcida, a ser altruísta, a tentar evitar que outros sofram como ela sofreu. As suas intenções são boas. Mas todos sabemos que sítio está cheio de boas intenções. 

 

Já que falámos de Maki e de Tri, gostava de falar da presença de Meiko e Meicoomon na Terra do Nunca. Em termos de meta, sabemos porque é que elas estão lá: para piscar o olho aos (pelos vistos não muitos) fãs de Tri. Mas, dentro o universo, a presença delas levanta questões.

 

Na altura em que escrevi sobre Bokura No Mirai, não me apercebi que havia quem interpretasse o presente de Natal dos outros Escolhidos, e/ou o som característico de um dispositivo digital, como indicação de que Meicoomon regressaria à vida. Não acredito muito nessa teoria – não tanto por falta de provas, mais porque estragaria o impacto emocional do encerramento de Bokura No Mirai. 

 

Além disso, se Meicoomon estivesse viva em 2010 (e, assumo eu, livre do fragmento de Apocalymon), Meiko não teria motivo nenhum para desejar ter onze anos outra vez, com uma companheira Digimon instável. Isto, claro, partindo do questionável princípio de que Meiko foi de livre vontade para a Terra do Nunca.

 

No entanto, se Meicoomon está morta, como é possível que esteja na Terra do Nunca? Talvez não seja mesmo ela, talvez seja apenas uma figura dos sonhos de Meiko, ou das suas recordações. Não é implausível. Nessas circunstâncias, faria todo o sentido Meiko querer regressar à infância, aos tempos em que Meicoomon ainda estava viva. Por alturas de Kizuna, já se passaram anos suficientes para as saudades e a nostalgia pesarem mais que as reais dificuldades de ter Meicoomon como companheira. 

 

Suponho que seja também por nostalgia que Hikari tenha surgido na Terra do Nunca com o visual de Adventure. O que é que ela tem de bom para recordar? Só conheceu Tailmon quando já dois terços da temporada já tinham decorrido, viu imensas coisas más acontecendo. Ao contrário dos outros, teve pouquíssimas oportunidades para momentos tranquilos com Tailmon, para formar laços com ela.

 

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Nesse aspeto, faria mais sentido se ela tivesse adotado o visual de 02 (até porque cheguei à conclusão há pouco tempo de que a Hikari de 02 é a melhor Hikari). Mas, uma vez mais, do ponto de vista do meta, compreendo a decisão.

 

Menoa envia um enxame de Eosmon para o Mundo Real, à caça dos Escolhidos que faltam. Alguns deles são vencidos e trazidos para a Terra do Nunca, mas muitos conseguem fazer frente aos Eosmon. Destaque para os miúdos de 02, que têm aqui a sua oportunidade para brilharem.

 

Entretanto, Taichi e Yamato tentam lutar contra Menoa, mas passam por dificuldades. Para começar, Omegamon não chega para fazer frente a Eosmon – sobretudo quando esta absorve Menoa. A parte que custa mais é ver os próprios amigos impedindo os dois jovens – os dois homens – de lutar. Começando logo por Hikari e Takeru, mesmo para doer. E depois os companheiros Digimon atacam-nos.

 

Os outros Escolhidos e seus Digimon só despertam quando Taichi, em desespero de causa, sopra o apito da irmã, tal como fizera no primeiro filme. Um som que, tal como em Tri, atravessa mundos e é ouvido por Sora, no Mundo Real.

 

Pelo meio, Agumon e Gabumon dizem a Taichi e Yamato que não se importam que eles cresçam, que querem que eles cresçam, mesmo sabendo o que acontecerá aos Digimon. Porque sabem que, de uma maneira ou de outra, estarão sempre juntos. 

 

É com esse espírito que ocorre a última digievolução: novas formas do Agumon e do Gabumon, aparentemente num nível ainda superior ao Estremo. Parece que nem sequer têm nome para além de Agumon Laços de Coragem e Gabumon Laços de Amizade. Não interessa: esta é a despedida, é o canto do cisne, Ao som da lindíssima Sono Saki e.

 

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Tenho qualquer coisa nos olhos. E na garganta…

 

Com a ajuda dos novos Digimon, Taichi e Yamato derrotam Eosmon e resgatam Menoa das suas próprias recordações. Fica a dúvida sobre se, a certa altura, a jovem começou a ser manipulada por Eosmon, se Eosmon se estava a aproveitar da dor dela. Em todo o caso, quando regressam ao Mundo Real, Menoa entrega-se a Imura sem luta. Ao mesmo tempo, as vítimas do Eosmon acordam todas sem sequelas aparentes, junto dos seus Digimon. Um final feliz para elas.

 

Isto é, por agora. Pelo menos no que toca aos mais velhos, ao grupo de Adventure e aos Escolhidos da mesma idade, serão apenas mais algumas semanas, meses ou, no máximo, poucos anos até aparecer a contagem decrescente nos seus dispositivos.

 

Falta ainda a parte mais dolorosa, mas vai ter de ficar para amanhã. Continuem por aí!

Digimon 02 #4 - Um líder ainda mais imperfeito

As Personagens são o grande calcanhar de Aquiles de 02. Não sei se é por mera nostalgia da minha parte, se é mesmo por má escrita nesta temporada ou por Adventure ter sido muito mais guiado pelo seu elenco de heróis mas, tal como insinuei antes, não gosto das Crianças Escolhidas em 02 da mesma maneira como gosto das suas antecessoras. Ainda agora, em Tri, ao ver o elenco de Adventures reunido de novo, reavivando cumplicidades, trocando picardias, diverti-me como em nenhum momento me diverti em 02.

 

No entanto, para ser justa, tenho de dizer que todas as Crianças Escolhidas nesta temporada tiveram, pelo menos, um momento que me agradou.

 

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Vou começar pela personagem de que gosto menos. Davis é o líder do grupo, nomeado por Tai que lhe confia os seus icónicos óculos. Porém, apesar de Tai ter sido um líder imperfeito, Davis é uma fraca imitação dele. Em termos de personalidade, é muito semelhante ao antigo líder - alegre, extrovertido, entusiasta, impaciente. No entanto, para além disso, é exasperantemente fútil e oco e, ao contrário do que aconteceria em Adventures, esses defeitos não são corrigidos. A maior prova da superficialidade de Davis é a maneira como desbloqueia a Digievolução para nivel Campeão: obrigando o seu companheiro, Veemon, a Digievoluir para impressionar Kari, por quem nutre uma irritante paixoneta.

 

O mais triste? Davis consegue a Digievolução. Quando Tai tentou fazer o mesmo, por motivos bem mais legítimos que tentar conquistar uma rapariga (a irmã de Tai, por sinal), a coisa correu horrivelmente mal, mas com Davis não.... Nem no Mundo Digimon há justiça!

 

Eu, sinceramente, dispensava esta atração de Davis por Kari. Em Adventures, nunca houveram paixonetas (tirando uns Digimons que queriam sair com Mimi... *arrepios*) e vejo agora que era uma coisa boa. Há histórias em que ligações românticas não acrescentam nada. A ideia que fica é que puseram Davis a perseguir Kari só para que a personagem tivesse algo que fazer quando não liderava as Crianças Escolhidas.

 

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Na verdade, a superficialidade de Davis, longe de corrigida, chega a ser recompensada. Personagens como Yolei e Cody têm uma certa tendência para cederem ao desespero e desistirem de lutar, precisando de Davis para obrigá-las a continuar, em parte por coragem legítima, em parte porque... ele não pensa muito nas coisas. No final de 02, no Mundo dos Sonhos, quando as Crianças Escolhidas estão demasiado assustadas para lutarem, Myotismon (que adota a forma de MaloMyotismon) encerra-as numa realidade ilusória, em que os seus maiores desejos se realizaram. Davis é o único em quem a ilusão não funciona, pois ele não tem problemas nenhuns, é uma criança satisfeita e feliz, não deseja mais nada que não fazer o seu trabalho como Criança Escolhida. De certa forma, é realista. A ideia que eu tenho é que as pessoas de mente mais simples, sobretudo crianças, de uma maneira geral, costumam ser mais felizes, ao contrário do que acontece as mais inteligentes. No entanto, a verdade é que pessoas cem por cento felizes e satisfeitas não dão grandes personagens.

 

Uma coisa admito: teve piada quando, num final bastante sombrio, perguntaram a Davis qual era o seu maior sonho e ele saiu-se com:

 

- Quero ter um restaurante italiano!

 

De qualquer forma, Davis redime-se aos melhos olhos pelo seu apoio a Ken, quando este tentava reconstruir a sua vida e redimir-se dos seus feitos como Imperador Digimon. Não sei se isto é por mera ingenuidade, não sei se é esta a prova de que Davis merece o Digiovo da Amizade (o episódio em que ele o obtém não convence), mas ele é o primeiro a perdoar Ken e eu respeito-o por isso. Aliás, ambos conseguem a Digievolução ADN quando Davis diz a Ken para parar de ter pena de si próprio e o dissuade de se sacrificar pelo Mundo Digital. Se Davis não lhe tivesse estendido a mão, Ken não teria saído do buraco onde caíra - só por isso, este líder pouco dotado e, por vezes, irritante, merece louvores.

 

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