Hoje assinala-se o Dia Mundial de Combate ao Bullying
É um dos assuntos mais pertinentes da atualidade, mas só é debatido ocasionalmente: o bullying. Esteve na ordem do dia há alguns meses, a propósito de um vídeo que circulou nas redes sociais. Tenho estado para partilhar as minhas ideias sobre o assunto há algum tempo, vou aproveitar o facto de hoje se assinalar o Dia Mundial de Combate ao Bullying para fazê-lo.
Tal como quase toda a gente, eu já fui vítima de bullying (acho, até, curioso que toda a gente se assuma como vítima de bullying, mas que ninguém admita ter sido bully). Nada que considere muito traumático, "apenas" nomes maldosos e piadas sem piada. Por diversos motivos: ora por ser tímida, ora por ter ascendência indiana, ora por ser boa aluna e participar nas aulas, ora por ter personalidade própria. Se por um lado, acabei por aprender a defender-me (dando respostas do género "antes cheirar a caril do que a sovaco, como tu" ou, pura e simplesmente, dizendo "Cala-te!") e a deixar de me importar com o que pensavam sobre mim, continuo a ter a minha quota-parte de inseguranças. Não digo que o bullying as tenha provocado, mas certamente não ajudou.
De qualquer forma, quaisquer sequelas que o bullying me tenha deixado, não se comparam com as sequelas que tem deixado noutras vítimas. Este artigo traça uma relação entre o bullying e a ideação suicida e este artigo dá cinco exemplos de jovens que se suicidaram após serem vítimas de cyberbullying. O caso de Amanda Todd foi particularmente mediático. A jovem foi vítima de diversos episódios de bullying, quer presencial, quer virtual; teve vários comportamentos auto-destrutivos, pediu ajuda, chegou a obtê-la, mas de nada serviu - acabou por se matar.
Na minha opinião, na maior parte das vezes faz-se uma abordagem errada ao problema. Uma boa parte da sociedade continua a desvalorizar o bullying encarando-o como algo inevitável, mesmo aceitável - "preparação para a vida adulta" e outras barbaridades. Toda a gente sabe que a sociedade dos dias de hoje ainda lida mal com aqueles que se destacam do rebanho, acabando por culpar as vítimas por não se integrarem, por não serem "normais".
Existem, naturalmente, organizações de combate ao bullying mas, na minha opinião, não abordam o problema de forma correta. Dou como exemplo o projeto It Gets Better, criando em resposta às elevadas taxas de suicídio entre a comunidade LGBT. Embora acredite que a atividade da organização não se limita a isso, a mensagem que parece transmitir é, basicamente, "não há mal que sempre dure nem bem que nunca acabe", logo, não vale a pena tentar o suicídio. Admito que esta filosofia tenha ajudado muitas vítimas mas, na minha opinião, pode ser perigosa, sobretudo se não vier acompanhada de ação contra os agressores. Dá a entender que estão a lavar as mãos do assunto, que, à boa maneira de Fernando Ulrich, estão a dizer às vítimas "Aguenta, pelo menos até acabares os estudos".
O que me leva àquilo que considero a maior falha no combate ao bullying: a ausência dele, na prática. A impunidade de muitos agressores. Serei a única aqui a achar que existe algo profundamente errado numa sociedade que tolera, mesmo aceita, faltas de respeito entre crianças e jovens? Em que tipo de adulto se transformará uma criança que goza com um colega por se vestir de forma diferente, sem que ninguém lhe ensine que isso pode magoar o colega em questão?
Eu concordo que, muitas vezes, por detrás de um bully estão graves problemas sociais e familiares. Também admito que, também em muitos casos, os bullies não o façam por maldade, podem julgar que estão só a brincar. Mas independentemente dos casos, sejamos francos, se um adulto atirasse as coisas de outro ao chão, agredisse, chamasse nomes, difamasse, a vítima teria todo o direito de apresentar queixa (e daí não sei, da forma como a justiça portuguesa funciona...), independentemente da história de vida ou das intenções do agressor.
Bem sei que as crianças não são adultos. Não é a criança agressora que deve ser responsabilizada, sobretudo quando é muito nova (com adolescentes, o caso muda de figura). Conforme disse antes, a própria sociedade não valoriza o problema, não faz o suficiente para combatê-lo. E a situação agrava-se na medida em que cresce um problema muito maior: a falta de educação. Eu fui educada para dizer "bom dia" aos vizinhos, segurar-lhes a porta, dizer "por favor" e "obrigado", ser minimamente simpática para com as pessoas e, sobretudo, para não fazer aos outros aquilo que não gostaria que fizessem a mim. Considero tudo isto aptidões básicas, nem sequer sou a pessoa mais cortês do mundo, mas da minha experiência e pelo que vou ouvindo de muitos amigos e familiares, a boa educação está em vias de extinção. Por outro lado, também me vou recordando dos episódios de destruição e violência entre adeptos de futebol. Isto para não falar nas caixas de comentários na Internet, espaço de expressão de muita gente de fraco carácter.
Com exemplos como estes em todo o lado, é de surpreender que as crianças recorram, igualmente, à falta de respeito e à violência entre si?
A solução ideal seria uma mudança de mentalidades, uma sensibilização para a educação correta das crianças - para valores como a tolerância, a compaixão e o respeito pela dignidade humana. A solução prática, por sua vez, na minha opinião, seria a criminalização do bullying. Conforme disse antes, estamos a falar de comportamentos que, se forem praticados por adultos, seriam considerados crimes. Gosto de um exemplo dado pelos brasileiros, em que os pais de duas agressoras foram processados por causa das ações das filhas. Infelizmente, parece-me ser essa a única maneira de os pais dos bullies começarem a levar o problema a sério.
É evidente que isto não se aplica nos casos de bullies que sofrem de negligência e maus tratos no seio familiar. Esse é um problema diferente.
Seja de que forma for, o mais importante é deixar de responsabilizar a vítima pelos abusos de que sofre (e infelizmente não é só no bullying que isto continua a acontecer), pela maneira como lida com eles, e começar a responsabilizar o agressor ou, pelo menos, os seus educadores. É o agressor quem faz uma coisa errada, é ele quem provoca sofrimento noutra pessoa, é sobre ele que tem de recair a intervenção. Pelo menos é essa a maneira como vejo as coisas. Pode haver quem discorde. Se assim for, terei muito gosto em ler as vossas opiniões nos comentários. Comentem com civilização, por favor, que não queremos dar maus exemplos a eventuais crianças que encontrem este blogue.
Eu vou continuando a tentar viver segundo esta filosofia: