Apesar de tudo o que fui assinalando ao longo desta análise, esta primeira temporada de Digimon encontra-se entre os melhores produtos televisivos para crianças alguma vez exibidos, na minha opinião. Marcou-me mais que os frequentemente sobrevalorizados filmes da Disney, por exemplo. A série ajudou-me a definir aquilo de que gosto em ficção e, tal como fui referindo inúmeras vezes neste longo testamento, é uma das minhas fontes de inspiração mais importantes.
Vai ser especial, passados estes anos todos, assistir a novas aventuras com as personagens que todos adoramos, desta feita como adolescentes, em Digimon Adventures Tri - um conjunto de seis filmes, em que o primeiro será lançado dia 21 de novembro (se não estou em erro) no Japão, intitulando-se "Reunião". Ainda não existem grandes pormenores relativamente ao enredo destes filmes - se há, eu não sei - mas prefiro assim, para não ter expetativas demasiado altas.
Antes destes filmes tenciono, no entanto, rever a segunda temporada de Digimon. Só daqui a algumas semanas - depois desta overdose de Digimon para o blogue, preciso de uma pausa. Tal com disse antes, só vi esta temporada uma vez e, mesmo assim, falhei uma mão-cheia de episódios, incluindo o(s) último(s). Daquilo que me recordo, a segunda temporada é significativamente mais sombria que a primeira e não sei se isso me vai agradar... Depois de a rever, talvez escreva sobre ela, bem com sobre Digimon Adventures Tri - mas, se possível, um bocadinho menos, que estas quinze entradas foram um exagero...
Existem outras temporadas de Digimon para além das Adventures (Tamers, Frontier, Fusion...). Nunca as vi - tirando um ou dois episódios daquilo que penso ser o Tamers - e, para ser sincera, não tenho vontade de as ver. Segundo o que li na Internet, estas passam-se em realidades diferentes à de Adventures, a própria natureza do Mundo Digimon é diferente. Estando eu tão ligada ao elenco original, sendo as personagens a minha parte preferida de Digimon, não estou interessada em personagens diferentes e muito menos num mundo Digimon diferente.
A todos aqueles que fizeram questão de ler esta longuíssima análise, o meu sincero "obrigada". Agora que já despachei este testamento, vou voltar-me para textos que já devia ter escrito e publicado há mais tempo...
Queria falar agora de um dos aspetos de que menos gosto no franchise: o desenho e/ou o conceito de vários Digimon. Referi antes que o Mundo Digital e respetivos habitantes se baseiam em mitologias e crenças humanas. No entanto, várias dessas inspirações são demasiado óbvias. Isto nota-se, sobretudo, nos vilões: temos uma linha evolutiva representando o Diabo, um vampiro e um palhaço retorcido. De uma maneira igualmente óbvia e pouco imaginativa, do lado dos bons, dois dos mais eficazes contra vilões são anjos. Por outro lado, a qualidade do desenho de certos Digimon deixa muito a desejar. Não sei se é de propósito ou não, mas muitos dos monstros digitais mais secundários são francamente repelentes, como poderão ver abaixo:
Nesse aspeto, Pokémon ganha aos pontos. O franchise colhe, igualmente, inspiração em diversas mitologias e culturas, mas fá-lo de uma forma bem mais subtil. E no geral, tirando umas notáveis exceções, a qualidade dos desenhos em geral é muito superior.
Um pequeno apontamento sobre dobragens: já tinha afirmado aqui que não tenho grande opinião da dobragem portuguesa. Quando foi para rever a temporada há pouco menos de três meses, vi-a quase toda em japonês (com legendas, é claro). Gostei. Fiquei com uma certa vontade de aprender a língua. Achei particularmente interessante, sobretudo, o conceito dos títulos honoríficos, alguns dos quais já ouvira antes, sem saber o que significavam: -san, -chan, -senpai, -sensei... e, claro, o muito usado em Digimon e amoroso onii-chan.
A dobragem japonesa não foi, contudo, a minha primeira escolha. A minha ideia inicial era assistir à dobragem norte-americana. Esta, no entanto, sofreu uma série de alterações em relação ao guião original - para pior, pelo que li/ouvi em críticas. Graças a Deus, o resto do Mundo teve o bom senso de se guiar pela versão japonesa, ao contrário (julgo eu) da norma.
No entanto, o maior crime da dobragem norte-americana, o crime que me fez procurar uma alternativa, não diz respeito às alterações no guião. É a ausência de Brave Heart.
Brave Heart - a canção que toca aquando das digievoluções e que, para mim, é o coração (no pun intended) de toda a série (ou, pelo menos, da primeira temporada). Daí que não tenha suportado ver a versão americana.
Conforme já fui explicando várias vezes ao longo desta análise, as digievoluções - sobretudo quando ocorrem pela primeira vez - acontecem quando as Crianças estão em perigo imediato ou quando invocam a virtude do Cartão que lhes foi atribuído. Ao ser tocada nesses momentos, Brave Heart acaba por simbolizar esse crescimento, essa invocação do melhor lado de cada uma das Crianças Escolhidas, o momento em que elas começam a vencer. A própria essência de Digimon. Não é preciso saber japonês para compreender esta mensagem. Tudo disto faz com que os momentos das digievoluções se tornem verdadeiramente inebriantes - acreditem, eu andei viciada neles!
Estamos quase no fim desta análise, a próxima será já a última. Está quase...
Depois de uma extensa análise aos heróis da primeira temporada de Digimon, está na altura de falar dos vilões. Desta feita, a análise não será tão exaustiva pois estes são maioritariamente unidimensionais e pouco interessantes (algo que, mesmo assim, se alterará na segunda temporada). Devimon é um vilão clássico de desenhos animados. Suponho que a intenção de Etemon era ser uma caricatura de Elvis, mas só sei que aquele macaco é extremamente irritante. DemiDevimon tem o seu interesse pois, não primando pela força, consegue virar as Crianças Escolhidas umas contra as outras, o que causa mais dados do que, pura e simplesmente, atacá-las. Myotismon é outro vilão clássico, unidimensional, embora, por um momento, pareça sentir respeito por Kari, quando esta tenciona sacrificar-se pela população da sua cidade. Dos Dark Masters, o único que mostra um centímetro que seja de profundidade é Puppetmon quando as Crianças - destacando-se T.K. - conseguem fazê-lo sentir-se mal por não ter amigos.
Pelo meio, torna-se a notar o chauvinismo da série, visto que a única vilã do sexo feminino desta temporada, LadyDevimon, apenas aparece para se envolver numa catfight com Angewomon.
Finalmente, o vilão final, Apocalymon, é mais modelado que todos os que o antecedem. Criado a partir da dor, do desepero e raiva sentida pelos Digimon que, não sendo capazes de evoluir, não conseguiram sobreviver no Mundo Digital - isto inclui todos aqueles previamente derrotados pelas Crianças Escolhidas. Apocalymon vive confinado a um mundo de escuridão e deseja espalhar essa escuridão por todo o Mundo Digital. Segundo o meu entendimento, terá sido para isso que ele criou os vilões anteriores, que fizeram com que o Mundo Digimon procurasse ajuda entre os humanos. Apocalymon consegue, assim, despertar sentimentos de culpa nas Crianças Escolhidas... antes de anular as Digievoluções dos seus Digimon, de destruir os Cartões, de converter tanto os miúdos como os respetivos Digimon a dados informáticos.
Não é de surpreender que, quando os heróis regressam ao estado normal - depois de um momento bonitinho, em que cada um reflete sobre tudo o que aprendeu enquanto Criança Escolhida, acabando por descobrir que conseguem canalizar as suas virtudes para a Digievolução sem intermédio dos Cartões - os anteriores sentimentos de culpa sejam esquecidos e que Apocalymon seja derrotado sem que se pense duas vezes.
Acabou por ser uma oportunidade perdida para termos um vilão interessante, bem construído, mas, de resto, nunca poderiam fazer muito com uma personagem apresentada no penúltimo episódio da temporada.
Estamos quase a terminar esta análise, só deverão faltar uma ou duas entradas. Nelas penso abordar alguns aspetos mais gerais. Peço-vos, assim, só mais um bocadinho de paciência...
Quando eu era mais nova, Kari era a minha personagem preferida da segunda temporada de Digimon. No entanto, na primeira temporada, tem muito pouco espaço para se desenvolver. Para começar, ela só entra bem depois do meio da temporada e, ao contrário de todas as outras Crianças Escolhidas, não tem um único episódio dedicado a ela e só a ela. Kari é a irmãzinha mais nova de Tai e caracteriza-se por, mais do que qualquer coisa, por ser altruísta, tão altruísta que, em certos momentos, chego a questionar a sua auto-estima. Chega a lembrar-me a Bella Swan, o que não é um elogio - já disse antes que não sou adepta de mártires. Não nos é fornecida uma explicação para este seu altruísmo incondicional e, na minha opinião, pouco saudável.
Na verdade, nesta temporada, Kari só parece existir para caracterizar Tai. Destaco o episódio em que ela adoece - revejam o efeito que isso tem em Tai aqui. É mais uma personagem feminina que só existe em função de uma personagem masculina - o T.K. também tem como função principal caracterizar Matt, mas, tal como expliquei aqui, pelo menos ele tem uma oportunidade de sair da sombra do irmão e mostrar o seu valor. Não vou reclamar muito mais, pois Kari encontrará mais tempo de antena na segunda temporada.
Por sua vez, o seu Digimon, Gatomon, é o mais desenvolvido dos defensores das Crianças Escolhidas, mais desenvolvido que a humana que lhe coube proteger. Para além de ser mais forte que os equivalentes das outras Crianças (é a única que, em repouso, se mantém no nível Campeão), ela é mais madura do que os outros Digimon e do que a própria Kari. É de esperar, tendo em conta a sua história: ela foi separada dos outros Digimon ainda antes de nascer e escravizada por Myotismon ao ponto de esquecer a sua verdadeira identidade. Gatomon só percebe quem verdadeiramente é quando, depois de descobrir que Kari é a Oitava Criança, não consegue matá-la, contrariando, assim, as ordens de Myotismon.
Em linha com o que disse antes, faz muito mais sentido que Gatomon evolua para um anjo guerreiro implacável que o inocente Patamon.
O cartão de Kari é um dos mais controversos, pois não representa nenhuma virtude específica, apenas Luz. Da maneira como vejo as coisas, esta Luz representa o Bem em geral, em oposição à Escuridão, conceito que, no Mundo Digimon, se atribui ao Mal. Com a maior parte das outras Crianças, os Cartões assinalam uma virtude a que estas devem aspirar. No caso do Cartão da Luz, acaba por ser Gatomon quem, depois de tanto tempo na Escuridão, deve procurar a Luz. Há quem defenda que os verdadeiros virtuosos não são aqueles que nunca sentiram a tentação do Mal e sim aqueles que a sentiram, talvez tenham mesmo abraçado temporariamente esse lado, mas não se deixaram vencer. Gatomon é um bom exemplo disso.
Kari, por sua vez, não tem a oportunidade de sentir verdadeiramente o efeito da Escuridão, pelo menos não nesta temporada. O seu Cartão é ativado quando o seu ser se revolta contra a Escuridão - quando se entrega para proteger os amigos e quando Wizardmon, um amigo de Gatomon, dá a vida por elas. Não sei se deva considerar as estranhas possessões por Luz que ela sofre como parte do trabalho do seu Cartão. No entanto, se bem me recordo, será durante a segunda temporada que a jovem andará mais no limite entre Luz e Escuridão.
Finalmente, já analisámos todas as Crianças Escolhidas. No próximo texto, falaremos sobre os vilões.
Chegamos, agora, aos membros mais novos do grupo. T.K e Kari são um caso à parte nas Crianças Escolhidas, em vários sentidos. Para já, ambos foram menos desenvolvidos que os demais. Acaba por ser aceitável pois ainda são novinhos, muitas vezes permanecem na sombra dos irmãos - contribuindo mais para a caracterização dos seus onii-chans do que para a sua própria caracterização - e, de qualquer forma, desempenham um papel mais relevante na segunda temporada. Apesar de nem T.K nem Kari serem particularmente interessantes enquanto personagens, os seus Digimon, que evoluem para anjos, desempenham com frequência um papel crucial na derrota dos vilões.
De assinalar, igualmente, a ironia de os Digimon mais sexualizados estarem associados às Crianças mais novas.
Comecemos por T.K., o irmãozinho de Matt. Apesar de também ter testemunhado o divórcio dos pais e a divisão da sua família, T.K. não ficou tão marcado pelo evento como o irmão - talvez por tudo ter acontecido quando ele ainda era muito novo. A única influência que a separação parece ter na sua personalidade é o facto de não gostar de discussões nem de divisões no grupo. T.K. é uma criança afável, inocente, como seria de esperar de um rapazinho da sua idade. Conforme afirmei antes, Matt mantém-no muito preso às suas calças mas, quando está sozinho, T.K. revela-se tão corajoso, engenhoso e protetor daqueles que ama como qualquer outra Criança Escolhida. Tai percebe isso antes de Matt, estando isso entre os motivos do desentendimento entre eles, na quarta parte da narrativa.
Por outro lado, T.K. é o único que vê o seu Digimon morrer - embora este renasça no espaço de um dia, mais coisa menos coisa. O trauma não se manifesta de imediato. mas as consequências revelar-se-ão na segunda temporada.
O cartão de T.K é o da Esperança, mas esta acaba por não representar tanto uma virtude do rapazinho e sim o papel que o seu Digimon desempenha na luta pelo Mundo Digital - as primeiras vezes que Patamon digievoluiu, respetivamente, para Angemon e MagnaAngemon ocorreram, literalmente, quando tudo parecia perdido para as Crianças Escolhidas. As evoluções foram uma última esperança, quase um Deus Ex-Machina. E, tanto na forma de Angemon como na de MagnaAngemon, o Digimon de T.K revela-se um dos mais poderosos do grupo, sendo capaz de derrotar adversários de nível superior ao seu, destacando-se o Dark Master, Piedmon.
Um aparte só para assinalar a confusão que me faz o facto de Patamon - um Digimon muito acriançado, por vezes ainda mais infantil que o próprio T.K - evoluir para um poderosíssimo anjo guerreiro.
Na próxima entrada, falaremos, finalmente da última Criança Escolhida, Kari. Continuem por aí.