Não se pode falar de Digimon sem falar da música, em particular dos temas das digievoluções. Em 02 são introduzidas duas novas variantes de digievolução - Armo e ADN - cada uma com direito a tema próprio. Nesta temporada, as sequências de digievolução são um pouco melhor feitas que as de Adventures, sobretudo ao sincronizarem-se melhor com as músicas (o orçamento devia estar mais alargado).
Break Up serve de banda sonora à ArmoDigievolução. Esta começa suave, com os "la la la...", mas depressa ganha ritmo com um solo de bateria que pede headbangs e notas de guitarra e piano. A música suaviza de novo nas estâncias, mas mantém o crescendo até ao refrão. Por esta altura, estamos já de punhos no ar.
Beat Hit, o tema da Digievolução ADN, também tem uma introdução em crescendo. Gosto particularmente do solo da bateria, que se sincroniza perfeitamente com os disparos do Paildramon na sequência evolutiva. Possui ainda uns quantos solos de guitarra bem sacados (à semelhança de Break Up). Ainda assim, o melhor é mesmo a sua terceira parte: primeiro com vocais distorcidos, depois com o solo de saxofone - instrumento que regressa para a conclusão da música.
Aquando da digievolução para nível Hiper Campeão, contudo, nota-se que os produtores ficaram com preguiça de arranjarem uma terceira música. Usaram Target, o tema do genérico (que não é nada de especial, embora eu goste da versão calminha do mesmo que, de vez em quando, aparece como música de fundo), e arrumaram o assunto. É um bocadinho anti-climático. Mais valia usarem de novo Beat Hit.
Nem Break Up nem Beat Hit roçam, sequer, a magia e emoção de Brave Heart, nem aspiram a isso. Ambas as faixas cumprem bem o seu papel de aumentar o entusiasmo da audiência aquando das digievoluções e dos combates. Não se lhes poderia exigir mais nada.
Uma palavra rápida para as dobragens. Ao contrário do que aconteceu com Adventure, revi quase toda a temporada 02 em português de Portugal. Os episódios eram-me mais fáceis de enontrar que os originais e, pleo que me recordavaa a dobragem portuguesa não era má - ou, pelo menos, não tão má como a da primeira temporada. Ora, ainda que não tenha nada a apontar às vozes em si, a interpretação deixa muito a desejar. É, infelizmente, um problema comum a muitos desenhos animados na televisão portuguesa: metade dos atores contratados para as dobragens não estão para se chatear. Até em miúda eu percebia isso.
Em suma, apesar das fraquezas do Enredo e das Personagens menos bem desenvolvidas que em Adventure, a história global de Digimon 02 é boa, com uma boa mensagem, vilões interessantes (mais do que os heróis) e um final satisfatório - ainda que com um epílogo controverso. Em comparação com Adventure, empalidece, em certo, mas continua a ser muito melhor que a larga maioria das séries dirigidas ao público infantil. Quantos desenhos animados conhecem vocês que falem de solidão, rejeição, ansiedade escolar e, sobretudo, morte de entes queridos? Quantos desenhos animados conhecem vocês em que os vilões são pessoas normais que não conseguiram lidar com as coisas más que lhes aconteceram?
Assim sendo, eu recomendaria tanto Adventure como 02 a qualquer criança (mais alertaria os pais para perguntas difíceis). Recomendaria Adventure a um adolescente ou adulto que se interessasse por anime e não se importasse com o público-alvo da série, mas só lhes recomendaria 02 se tivessem gostado muito da primeira temporada.
Não ficamos por aqui em termos de Digimon. Ainda falta falar da razão pela qual revi Adventure e 02 e escrevi estes testamentos todos: o primeiro filme de Digimon Adventures Tri, que saiu há pouco mais de um mês. A próxima entrada será sobre ele. Espero tê-la publicada antes do final do ano.
E já que hoje é dia 24... votos de um Natal muito feliz!
Tenho vindo a perceber que ninguém gosta de epílogos do género "não-sei-quantos anos mais tarde...". Muita coisa acontece nesse intervalo de tempo, por norma, as personagens mudam, mas nós, a audiência, não testemunhamos nada dessa mudança e as decisões tomadas pelas personagens nem sempre fazem sentido para nós. É um dos problemas do epílogo de Harry Potter: ainda no outro dia, J.K.Rowling teve de explicar o facto de Harry ter dado o nome de Snape a um dos filhos.
O mesmo se passa com o epílogo de 02, em que descobrimos os diferentes rumos que as doze Crianças Escolhidas tomaram. Este epílogo é tão controverso precisamente porque, nalguns casos, estes destinos são incompreensíveis.
Comecemos pelos casos menos polémicos: Izzy torna-se um estudioso do Mundo Digital, Joe torna-se médico de Digimons, Cody, como vimos antes, torna-se advogado. Nada a apontar. Conforme já tinha referido, Davis abre o tal restaurante italiano. Ele precisava de se transformar num grande empresário e de figurar na capa da Time? Também não me parece, mas faz sentido tendo e conta o espírito sonhador e lutador que revelou na batalha final de 02.
Outros destinos aceitáveis são ods de Ken como detetive, Kari como educadora de infância e T.K. como escritor. Mimi torna-se cozinheira e crítica culinária - não me é difícil imaginá-la como juíza no MasterChef. Ela consegue ser suficientemente mazinha para isso, quando quer. Tai torna-se diplomata e medeia as relações entre o Mundo Real e o Digital - pode parecer estranho no fim de 02, mas pelo primeiro filme de Tri já se torna mais compreensível.
Agora o resto... (*suspiro*) Não me incomoda que Yolei se tenha casado com Ken. Mas tornar-se dona-de-casa?... Não vou ser daqueles que dizem que não ter carreira é anti-feminista e tal, eu acredito em liberdade para escolher sem ser julgada. Mas, para ser sincera, Yolei é a última rapariga em Digimon que eu imaginaria abdicando de uma carreira profissional. Ela, que, como disse antes, é inteligente, é a única com o mesmo fascínio de Izzy pela informática. Além disso, enérgica e entusiasta como é, não estou a vê-la contente por ficar em casa a tomar conta de criancinhas o tempo todo. Não faz sentido nenhum.
Por fim temos Matt e Sora (*suspiro ainda maior*). Não é dito preto no branco que eles se juntaram... mas o filho de Matt parece-se com Sora e a filha de Sora parece-se com Matt (outra coisa mal feita no epílogo é que cada um dos filhos das antigas Crianças Escolhidas são quase um copy-paste do progenitor que conhecemos). Eu não sou do género shipper, ao contrário de três quartos da Internet (tenho alturas em que chego a ser anti-shippers depois do que fizeram com Arrow) mas... Matt e Sora? Não me faz muito sentido, as personalidades deles são demasiado semelhantes. Se Matt não estivesse tão marcado pelo divórcio dos pais - pelo menos em Adventures - creio que seria muito parecido com Sora. Desde miúda que acho que Tai e Sora fariam muito mais sentido como casal. Dito isto, já que temos Tri, se derem alguns sinais favoráveis a um relacionamento entre Matt e Sora, não digo mais nada... mas espero que não desperdicem demasiado tempo com romance e, por amor a todos os monstrinhos digitais, ponham Tai e Matt às turras um com o outro (e já puseram...) por todos os motivos que quiserem... menos por Sora!
Na verdade, incomodam-me mais as carreiras que ambos seguiram. Matt, que tanto em 02 como em Tri toca em bandas de rock, torma-se... astronauta? A sério? Alguém se lembra de Matt alguma vez ter dado sinais de interesse em astronomia/astrofísica? Quem eu esperaria que trabalhasse nessa área seria Izzy, talvez Cody ou... bem, Yolei!
Por sua vez Sora - a maria-rapaz de Adventures, que jogava futebol numa equipa masculina - torna-se... estilista de quimonos. Yep. Não digo que não seja possível uma menina ter uma fase de maria-rapaz para, mais tarde, se tornar mais feminina. Ouvi falar vagamente de uma certa Avril Lavigne que passou por um processo parecido. É dado a entender que Sora deixou-se convencer pela mãe a desistir do futebol e a seguir uma carreira mais "feminina", perdendo uma oportunidade de ser uma pioneira. O meu eu aos doze anos, que admirava imenso Sora, está um bocadinho desiludido.
Uma das questões que esperamos ver respondidas em Tri é quanto deste epílogo ainda fará parte do cânone após o último filme. Não sei se os guionistas vão respeitar o que ficou determinado no fim de 02 ou se vão alterar coisas. A segunda opção pode ser arriscada, mesmo que os guionistas o façam para agradar aos fãs - as alterações terão de ser muito bem feitas e bem fundamentadas. Manter os destinos definidos no epílogo será a opção mais segura mas, já agora, espero que aproveitem para justificar as opções mais controversas, ainda que discretamente.
Estamos quase a terminar a nossa análise - não vamos chegar às quinze entradas sobre Adventure, mas não ficamos longe... Em princípio a próxima entrada será a última. Continuem por aí...
Quando Oikawa aparece pela primeira vez em 02, tudo na sua aparência grita "Sinistro!", mas também isto é uma série infantil, não precisam de muita subtileza. Ele aborda a mãe de Matt e T.K e parece saber mais sobre Digimons que o cidadão comum. Nos episódios seguintes, com a ajuda dos seus minionsArukenimon e Mummymon, começa a recrutar crianças (para todos os efeitos, rapta-as) em quem, conforme já foi referido anteriormente, implantará Sementes da Escuridão. Descobrimos, mais tarde, que foi ele quem manipulou Ken para que se tornasse Imperador Digimon. Também se descobre que Oikawa criou Arukenimon e Mummymon, misturando o seu próprio ADN com dados digitais.
Ainda não falei sobre Arukenimon nem Mummymon, pois não? Falo agora rapidamente. Na altura em que ainda não se conhece a verdadeira identidade de Arukenimon, o mistério à volta da mulher, que cria Digimons a partir de Torres Negras e parece conhecer Ken demasiado bem, está bem construído, com as respostas sendo reveladas a pouco e pouco. Eventualmente, monta uma (óbvia) armadilha às Crianças Escolhidas, que as obriga a esforçarem-se para lhe sobreviverem. É também nessa altura que revela a sua verdadeira identidade e que Mummymon se junta a ela. No entanto, o par prolonga a sua estadia por demasiado tempo. A partir de certa altura tornam-se pouco mais que um mal conseguido alívio cómico. Eu tê-los-ia excluído da história mais cedo, no fim do arco "BlackWarGreymon e as Pedras Sagradas" - e de forma mais bondosa do que aquela que acabam por receber.
Enfim, voltando a Oikawa, já tinha dado a entender em entradas anteriores que este tem uma história de vida semelhante à de Ken. Oikawa era uma criança solitária, cujo único amigo era Hiroki, o pai de Cody. Ambos gostavam muito de videojogos, tendo sido capazes de descobrir o Mundo Digimon. O avô paterno de Cody, Chikara, tenta refrear a obsessão do filho pelos videojogos, mas não é bem sucedido. Hiroki e Oikawa crescem, mas o seu interesse pelo Mundo Digital não desaparece. É dado a entender que Oikawa começa a trabalhar na criação de Arukenimon e Mummymon encorajado por Hiroki. Até que este último morre em serviço. À semelhança do que aconteceu com Ken, Oikawa cai numa depressão, ninguém procura ajudá-lo, ficando vulnerável à influência das Trevas.
O ponto mais baixo de Oikawa ocorre durante a cronologia de Adventures, no dia em que as Crianças Escolhidas derrotam VenomMyotismon e regressão ao Mundo Digital para enfrentar os Dark Masters. Quando Oikawa está imerso numa mistura de inveja, desespero e raiva, o espírito do recém-derrotado Myotismon apodera-se dele e usa-o para colocar em prática um plano - algo rebuscado, diga-se - para recuperar a sua forma física.
Tal como referi na entrada anterior, BlackWarGreymon é a primeira personagem a perceber o que se passa com Oikawa e a ter noção da gravidade disso. Tenta aconselhar Oikawa a resistir ao domínio. Quando não é bem sucedido, usa a sua morte para encerrar a passagem entre o Mundo Real e o Digital, numa tentativa de conter a força maligna que controla Oikawa.
Isto ocorre pouco após Chikara confrontar Oikawa. O pai de Hiroki não mostra arrependimento por ter tentado afastar o filho dos videojogos, mas confessa que se arrepende de não ter tentado ajudar Oikawa após a morte de Hiroki, mesmo sabendo que o melhor amigo do filho precisava - da mesma maneira como os pais de Ken se arrependem de não terem apoiado o filho mais novo quando este mais necessitava. Chikara tenta corrigir o seu erro, estende uma mão a Oikawa e este, por um momento, parece conseguir escapar à influência de Myotismon... apenas para que Myotismon recupere o controlo de novo e ataque Chikara. Como sabemos, BlackWarGreymon salva a vida ao avô de Cody metendo-se à frente do ataque.
No episódio seguinte, Oikawa reúne as portadoras as Sementes da Escuridão e usa o seu poder para abrir a passagem para o Mundo Digital. Aparentemente consegue e as Crianças Escolhidas seguem-nos... mas acabam por ir parar ao Mundo dos Sonhos - não se percebe ao certo se isto é devido ao selo de BlackWarGreymon, se é pela combinação errada das cartas, se é pela influência de Myotismon. É aqui que este recupera o seu corpo, assumindo a forma de MaloMyotismon. E começa a batalha final.
Esta batalha prolonga-se por sensivelmente dois episódios e meio, muita coisa acontece. As Crianças Escolhidas são encurraladas numa realidade ilusória e escapam dela. Enfrentam MaloMyotismon com todas as evoluções possíveis ao mesmo tempo (é um momento muito fixe). O combate acaba por abrir uma brecha no Mundo dos Sonhos, conduzindo ao Mundo Digimon. A partir daqui MaloMyotismon tenta contaminar tanto o Mundo Real como o Digital com Escuridão. Há um momento bonito em que todas as Crianças Escolhidas por todo o Mundo (incluindo o elenco de Adventures) usam a Luz dos seus dispositivos digitais para contrariar a Escuridão. Eventualmente essas mesmas Crianças conseguem abrir passagens entre o Mundo Real e o Mundo Digimon e são transportadas até ao palco do combate.
Mas nem assim se consegue derrotar MaloMyotismon - o desânimo das crianças portadoras das Sementes da Escuridão mantém-no vivo, sobretudo quando estas lamentam não serem Crianças Escolhidas. Só quando os heróis as obrigam a revelar os seus sonhos é que MaloMyotismon é, finalmente, derrotado.
Há quem ache este desenvolvimento um pouco lamechas, não sei razão, mas eu acho que faz sentido dentro do tema de 02. Tal como o final de Adventures fez sentido: numa temporada muito centrada no desenvolvimento das personagens, faz sentido que o momento decisivo tenha sido as Crianças recordarem o caminho que percorreram e serem capazes de invocar as Virtudes que lhes atribuíram mesmo sem os Cartões.
Aquilo que é, ao mesmo tempo, o melhor e o pior de 02 é o facto de esta ser menos a história das Crianças Escolhidas e mais a história dos vilões: Ken, Oikawa, mesmo BlackWarGreymon de certa forma contribuíram mais para o avanço e resolução do Enredo que os heróis, conforme de resto tenho vindo a dar a entender. O mesmo volta a acontecer agora, no final, com as crianças portadoras de Sementes da Escuridão. Tal como Ken e Oikawa, ao deixarem-se dominar pelos seus sentimentos negativos - neste caso, baixa auto-estima, ansiedade escolar, rejeição - foram facilmente influenciáveis pelas Trevas. Vimos que Ken só conseguiu escapar ao controlo da Escuridão ao fazer as pazes com os pais, consigo mesmo e com a memória de Osamu, ao recuperar a esperança. Vimos que a única altura em que Oikawa escapou ao controlo de Myotismon foi quando alguém lhe ofereceu a sua amizade. O mesmo acontece com as portadoras das Sementes da Escuridão: ao recordarem os seus próprios sonhos, recuperam a inocência, a alegria de viver, a esperança. Recuperam o poder que Myotismon lhes tirou, permitindo que este seja derrotado.
É este o tema de 02: o triunfo da vontade própria, da esperança, da inocência e, claro, da amizade e do amor sobre o poder da Escuridão. O tema de Adventures é essencialmente o mesmo, é certo, mas em 02 a Escuridão não está apenas num qualquer Digimon monstruoso: está dentro de nós. Acaba por ser uma mensagem muito parecida com as de Once Upon a Time, sobre o poder da vontade própria, bem como a importância do amor nas suas diversas formas - sobretudo na temporada atual, que viu Emma, a protagonista, possuída igualmente pelas Trevas.
O que me chateia neste final é, lá está, a irrelevância das Crianças Escolhidas. Em quase todos os momentos-chave em 02, as coisas resolvem-se com Deus Ex-Machinas ou devido a ações de outras personagens sem serem os protagonistas. Acontece o mesmo aqui. Todo o contributo que as Crianças Escolhidas fazem para a vitória consiste em darem a Luz dos seus D3 (à semelhança de outras mil crianças) e encorajarem as portadoras das Sementes da Escuridão a vencerem Myotismon à sua maneira.
Mudando um pouco de assunto, também achei "batota" que as portadoras das Sementes da Escuridão, depois de se convencerem que podiam ser felizes mesmo não sendo Crianças Escolhidas... recebem cada uma um companheiro Digimon. Aliás, o final dá a entender que todos os seres humanos arranjam um companheiro Digimon. Tri já veio desmentir... por agora.
As coisas não acabam com a derrota de Myotismon, no entanto. Tal como referi antes, Cody faz questão de ajudar um moribundo Oikawa a cumprir o seu sonho de visitar o Mundo Digimon. O destino é-lhe simultaneamente cruel e generoso ao dar a Oikawa um companheiro Digimon quando este está prestes a morrer. Nesse momento, Oikawa usa o poder do Mundo dos Sonhos de modo a que o que resta da sua energia vital repare e proteja o Mundo Digimon. Curiosamente, essa energia assume a forma de borboletas, o que referencia a música-tema de Adventure.
Uau. Será que Oikawa é o sujeito narrativo em Butterfly? Ele esteve sempre lá desde o início? Eis algo sobre que pensar...
Na próxima entrada falaremos, então, sobre esse tão controverso epílogo...
BlackWarGreymon é o Mewtwo de Digimon. Ambos encontram-se entre os mais poderosos entre os seus semelhantes. Ambos foram criados artificialmente para serem a arma de um vilão. Ambos têm crises existenciais sobre a sua condição contra-natura, por não serem seres vivos no verdadeiro sentido da palavra, por não saberem onde pertencem. Ambos, de uma maneira igualmente rebuscada, optam por um caminho destrutivo como solução para os seus problemas existenciais. Ambos procuram um adversário à altura e quem os criou/deu vida. No caso de Mewtwo, tanto o adversário como o criador correspondem a Mew, o Pokémon Lendário a partir do qual Mewtwo foi clonado. No caso de BlackWarGreymon, o adversário é Azulongmon e o criador é Oikawa. Ambos, a certa altura, decidem optar por um caminho diferente por influência de criaturas do lado dos heróis. No caso de Mewtwo, falamos de Ash, que se sacrifica para terminar a luta entre Mewtwo e Mew e, mais tarde, salva a vida ao próprio Mewtwo. No caso de BlackWarGreymon, é Agumon, que desde a primeira oportunidade procura apelar ao lado "humano" de BlackWarGreymon - mais tarde, Veemon e Wormmon fazem o mesmo. São todos criaturas inocentes, sem maldade, sem preconceitos, antídoto ideal para demónios interiores dos dois anti-vilões. Suponho que outras histórias sobre criações artificiais atinjam notas semelhantes.
Se por um lado, as crises existenciais de BlackWarGreymon, o vazio que ele sente, têm a sua lógica e são de aplaudir, sobretudo depois de Adventure ter tido vilões tão unidimensionais, por outro lado, demasiadas vezes BlackWarGreymon parece um adolescente passando por uma fase emo e, definitivamente, entra demasiado em terreno filosófico - o que é estranho para uma série destinada a um público infantil. Também não ajuda o facto de ser responsável pelo mini-arco mais frustrante de toda a temporada, em que ele pura e simplesmente não percebe que o percurso destrutivo que percorre não lhe levará a lado nenhum.
O papel de BlackWarGreymon está melhor conseguido na última parte da narrativa. Depois de sair de cena após o confronto com Azulongmon, BlackWarGreymon aparece no Mundo Real à procura do seu criador, ainda que indireto, Oikawa. É notável a maneira como BlackWarGreymon consegue ver claramente a verdadeira natureza Oikawa (é o primeiro a fazê-lo, aliás), as semelhanças entre ambos. Tanto Oikawa como BlackWarGreymon têm ligações tanto ao Mundo Real como ao Digital sem pertencerem verdadeiramente a nenhum deles. Os dois desprezam-se mutuamente à conta de tais semelhanças.
A certa altura, WarGreymon e Imperialdramon impedem BlackWarGreymon de matar Oikawa (o único que poderia extrair as Sementes da Escuridão que implantara em várias crianças). Têm um pequeno combate, de que BlackWarGreymon sai derrotado. Depois de regressarem ao nível Infantil, Agumon, Veemon e Wormmon tentam convencer BlackWarGreymon a seguir um caminho alternativo. Achei curiosas as palavras de Wormmon, claramente inspiradas naquilo que se passou com Ken. BlackWarGreymon considera ridículos os conselhos dos Digimons... mas aceita segui-los, pois, na verdade, as suas ações anteriores não haviam resultado em nada.
Mesmo assim, não termina aqui o seu interesse em Oikawa. Quando este recolhe a energia da primeira Semente da Escuridão que desabrocha, no episódio seguinte, BlackWarGreymon confronta-o de novo, desta feita com a verdade: que mesmo com o poder da Semente da Escuridão, Oikawa continua sozinho. Da mesma maneira que a destruição que BlackWarGreymon provocara em nada contrariara a sua sensação de vazio. Assiste à conversa entre Oikawa e o avô de Cody, sobre a qual falaremos na próxima entrada. É o único a perceber que Oikawa não está a agir por vontade própria, que está a ser controlado por uma qualquer força da Escuridão. Assim, quando essa força tenta atingir o avô de Cody, BlackWarGreymon mete-se a frente e é atingido mortalmente. Percebendo a ameaça da mão que manipula Oikawa como uma marioneta, numa tentativa de detê-la, BlackWarGreymon usa a sua própria morte para selar o portal entre o Mundo Real e o Mundo Digimon.
Tenho uma certa pena que BlackWarGreymon não tenha vivido tempo suficiente para experimentar o caminho sugerido por Agumon, que não tenha tido tempo para ser feliz. Podíamos tê-lo visto como aliado das Crianças Escolhidas, ou mais do que isso: como um amigo. De qualquer forma, ainda que a história de BlackWarGreymon nem sempre tenha sido bem conseguida, ao menos teve um fim satisfatório: algo que, nesta temporada, não foi muito comum.
Na próxima publicação falaremos, finalmente, de Oikawa.
Ken é o vilão durante quase metade de 02 antes de ser integrado no grupo dos heróis Antes de ser desmascarado como Imperador Digimon, as Crianças Escolhidas conheciam-no como um famoso menino-prodígio, com capacidades académicas e atléticas sobrenaturais. Ninguém suspeitava que, nos seus tempos livres, aquele pequeno génio divertia-se construindo Torres Negras no Mundo Digital e torturando Digimons indefesos.
Descobrimos, mais tarde, que Ken pensava que tudo aquilo não passava de um jogo de computador. Porém, ao rever agora os primeiros episódios de 02, não acreditei que isso explicasse tudo. Ken dá sinais de ser um autêntico sociopata. Eu, pelo menos (e qualquer pessoa minimamente decente, espero), nunca trataria criatura nenhuma daquela forma, mesmo que pensasse que não eram reais, que não passavam de personagens num jogo de computador - sobretudo se estas fossem capazes de comunicar comigo, gritar de dor, pedir clemência. E o que achava Ken que as outras Crianças Escolhidas eram? Meros adversários para ele derrotar? Jogadores que levavam tudo aquilo demasiado a sério? Que, se Ken os "matasse" (e ele tentou), para eles seria apenas "Game Over"? A única explicação que me ocorre é a Semente da Escuridão ter catalisado muitas destas acções - e mesmo assim não deixa de ser um tanto ou quanto rebuscado.
A verdade é que Ken tem um passado trágico e foi, pelo menos em parte, para fugir a ele que se tornou Imperador Digimon. O jovem tinha um irmão mais velho, Osamu. Como em quase todos os relacionamentos entre irmãos, o relacionamento tinha momentos de amor e momentos de ódio. Por um lado, Osamu ensinara-lhe a soprar bolas de sabão. Por outro lado, irritava-se quando Ken mexia nas coisas dele e, visto ser um aluno brilhante, recebia todas as atenções dos pais. Numa altura em que, julgo eu, Ken já tinha visitado o Mundo Digital e sido infetado com a Semente da Escuridão, Ken chega a desejar que Osamu desaparecesse.
E, de uma forma melodramática e extremamente cliché, Osamu morre pouco depois, atropelado.
Como seria de esperar, Ken entra numa espiral depressiva depois da morte do irmão, atormentado pelo luto e pela culpa. Os adultos da sua vida não reparam nisso, tirando Oikawa. Longe de ajudá-lo, Oikawa aproveita-se da dor e solidão de Ken para executar o seu plano. Através de um sinistro e enigmático e-mail anónimo, Oikawa manipula Ken, enviando-o até ao Mar Negro, onde o seu Dispositivo Digital é contaminado pela Escuridão. Desta forma, Ken inicia o seu percurso como Imperador Digimon, onde procura recuperar o controlo que perdera sobre a sua vida quando Osamu morrera. Sem fazer ideia que, longe de recuperar o controlo, ao se tornar Imperador Digimon Ken abdica ainda mais da sua vontade própria.
Conforme julgo já ter dito aqui no blogue, nestas coisas não sou de lágrima fácil. No entanto, cheguei a lacrimejar quando revi o episódio em que Ken, depois de perceber que o Mundo Digital era mais do que um jogo de computador e que os Digimons são seres vivos, depois de perder Wormmon, Ken revisita tudo isto. A sua redenção começa quando, no fim do episódio, Wormmon renasce e Ken faz as pazes com os pais, com a memória do irmão e consigo mesmo.
Queria, aliás, falar rapidamente sobre os pais de Ken. É difícil não sentir compaixão para com eles. Eles cometeram erros com ambos os filhos, mas são erros humanos, que qualquer pai ou mãe poderia cometer. Deixaram-se levar pelo brilhantismo, primeiro de Osamu, depois de Ken, sem pensar na felicidade deles, mesmo na sua sanidade mental, no caso de Ken. O filho mais velho morre. Por entre a sua própria dor, não reparam no sofrimento do filho mais novo e/ou não conseguiram ajudá-lo, deixando suscetível às maquinações de terceiros. Quando Ken se transforma num prodígio, os seus pais pensam que recuperaram o filho que tinham perdido. Mais tarde, o filho desaparece-lhes durante algum tempo (a ideia que fica é que pensam que ele se suicidara). Foram bonitos os vários momentos em que os pais de Ken admitiram os seus erros. Também gostei de, em episódios posteriores, ir vendo o alívio e alegria da mãe de Ken quando este pede autorização para passar a noite em casa de Davis, ou quando Ken convida os amigos a sua casa - tudo provas de que o filho se estava a transformar numa criança saudável e feliz de novo.
Conforme fui referindo nas entradas anteriores, as Crianças Escolhidas acabam por perdoar Ken, cada uma na sua altura, cada uma à sua maneira. Agora que penso nisso, o único dos heróis que não interagiu em particular com um Ken em tentativa de redenção é T.K., se a memória não me falha. Tal como disse antes, Cody é o último a perdoá-lo. Fá-lo ao aceitar o convite de Ken para a festa de Natal em sua casa - depois de vários episódios lidando com BlackWarGreymon e da conversa com Azulongmon, altura em que, suponho eu, Cody terá começado a perceber que as coisas nem sempre são a preto e branco, ao contrário do que este sempre acreditara.
Porém, o desenvolvimento de Ken não acaba aqui. Na quarta parte do segundo arco, Oikawa rapta-o e conta-lhe tudo: que sabe que Ken foi infetado por uma semente da Escuridão, que esta é a responsável pelas suas capacidades atléticas e académicas sobrenaturais, mas que, como contrapartida, predispõe-no para as Trevas. O plano inicial de Oikawa era encher o Mundo Digimon de Torres Negras, que alterassem o equilíbrio entre o Mundo Real e o Digital, permitindo-lhe visitar o Mundo Digimon. Quando isso falhou, Arukenimon e Mummymon encorajaram BlackWarGreymon a destruir as Pedras Sagradas (não me parece que isto fizesse parte do plano de Oikawa, parece-me mais um acaso feliz e... conveniente, mas também, conforme referi aqui, esse mini-arco fez pouco sentido).
Quando isso falhou, enquanto as Crianças Escolhidas andavam ocupadas destruindo Torres Negras por todo o Mundo, Oikawa e os seus minions, Arukenimon e Mummymon abordaram várias crianças inseguras e de baixa auto-estima, convencendo-lhes que podiam dar-lhes os super-poderes que haviam feito de Ken um menino-prodígio. E, de facto, quando Oikawa rapta Ken, a sua Semente da Escuridão (que deixara de funcionar no momento em que Ken inicia a sua redenção) é extraída e implantada nessas Crianças. Quando as Sementes desabrochassem, Oikawa usaria o seu poder para abrir um portal para o Mundo Digimon.
Quando era miúda, esta história das Sementes da Escuridão perturbava-me, como perturbaria qualquer criança ou adolescente pressionado pelo desempenho escolar, quer pelos pais, pelos professores ou por eles mesmos. Mesmo hoje, acho assustadoramente realista que uma criança, e mesmo um adulto, esteja disposto a vender a sua alma para se tornar magicamente sobredotado.
Na altura em que Ken é finalmente libertado, os amigos tinham passado as últimas horas lutando contra os minions de Daemon. Eventualmente, as seis Crianças Escolhidas enfrentam Daemon diretamente. No entanto, os heróis não conseguem acabar com ele, nem com todos os seus Digimons na sua máxima força. Uma solução proposta é encerrá-lo num sítio qualquer, onde não pudesse fazer nada. Nessa altura, Ken revela que tem o poder de abrir um portal para o Mar Negro.
Este é o clímax do desenvolvimento de Ken. Ele nunca escolhera nada do que lhe acontecera nos últimos anos da sua vida. Não escolhera perder o irmão. Não escolhera... bem, ser uma Criança Escolhida. Não escolhera ser infetado por uma Semente da Escuridão nem ser manipulado por Oikawa para que se tornasse o Imperador Digimon. E, no entanto, naquele preciso dia, Ken vira outras crianças escolherem aquilo que arruinara a sua vida. Ao oferecer-se para abrir o portal para o Mar Negro, Ken reconhece o seu lado obscuro, um lado que, mesmo sem a Semente da Escuridão, provavelmente fará sempre parte dele. Porém, naquele momento, não era Arukenimon, nem Oikawa, nem mesmo a própria Escuridão a ditar os termos, a controlar a situação. Era Ken. Ele usará a própria Escuridão para derrotar a Escuridão.
Não que seja fácil. A agonia que Ken sente enquanto tenta resistir à influência das Trevas e/ou do Mar Negro é clara e... sonora. Mas Ken não está sozinho. Nunca teria conseguido anular a influência da Semente da Escuridão se estivesse sozinho, se não tivesse Wormmon, os seus pais, as outras Crianças Escolhidas. São precisamente elas a emprestar-lhe força e coragem para abrir o portal. É de assinalar que a primeira pessoa que corre a ajudar Ken é Kari, que também já tivera de luar contra a influência do Mar Negro. E que a última pessoa, quem relembra a Ken tudo o que já conseguira até ao momento, quem faz o clique final é Davis: aquele que, desde o primeiro momento, acreditara na melhor faceta de Ken.
Este é o melhor momento de toda a temporada, o equivalente ao momento de Tai e Matt em Adventure que referi aqui. Quando Ken regressa a casa no final desse dia, conta finalmente toda a verdade aos seus pais.
O mais triste é que Oikawa, a pessoa que manipulou Ken, acaba por ter um percurso semelhante à da criança que usou como marioneta. Mas não será ainda sobre ele que falaremos na próxima entrada. Existe uma certa criatura cheia de dúvidas existenciais que merece a nossa atenção...