Nas minhas análises às temporadas de Digimon, esta é a parte em que olho para a lista de episódios e tento dividir o enredo em partes e/ou arcos. Quando me sentei para fazê-lo com Fronteira, no entanto, senti algumas dificuldades.
Por um lado, porque a temporada tem vários fillers. Por estes dias já aprendi a gostar de fillers, mas a verdade é que estes baralham estas contas. Por outro lado, nalgumas alturas da temporada temos várias linhas narrativas em simultâneo, alternando no tempo de antena. Isso acontece porque Kouji, volta e meia, resolve separar-se do grupo e lidar sozinho com os seus próprios problemas. Mas também temos os Guerreiros Lendários, que algumas vezes agem em conjunto, algumas vezes agem individualmente. Podemos ver um exemplo destes dois aspetos nos episódios em Kouji está a lidar com o Duskmon enquanto os amigos tentam derrotar o Sephirotmon.
Assim, acabei por dividir Fronteira em três grandes partes e, depois, cada uma em partes mais pequenas, sobretudo a segunda (vou chamar-lhes “arcos” só por uma questão de distinção). Poder-se-á argumentar que a minha divisão segue a típica estrutura em três atos/arcos, mas este é um conceito mais ocidental – e aplicável mais a filmes do que a séries de múltiplos episódios.
A primeira parte vai desde o primeiro episódio ao décimo-nono. Esta, por sua vez, divide-se em três arcos. O primeiro – chamemos-lhe 1.1 – vai do primeiro episódio ao sexto. Aqui, os miúdos escolhem responder ao chamamento da Ophanimon, que esta fez a uma data de gente, e apanham os Trailmon para o Mundo Digital. Depois de chegarem, descobrem acerca dos Espíritos Humanos e recebem instruções para irem ter ao castelo do Digimon Sagrado.
É algo que acontece muito em Fronteira: os Escolhidos andam de um lado para o outro a mando da Ophanimon. Mas isso é conversa para outra parte da análise.
O episódio 6 marca um ponto de viragem. Para começar, somos apresentados ao primeiro vilão recorrente, o Grottemon. Aprendemos que alguns dos Guerreiros Lendários renascidos estão do lado dos “maus” e que existem Espíritos Animais. Kouji, que até esta altura agira sobretudo por conta própria, junta-se oficialmente ao grupo. Os Escolhidos sofrem a sua primeira derrota.
Este é outro aspeto característico da temporada: os heróis perdem muitas vezes. Não é muito comum em Digimon, da minha experiência. Havemos de regressar a esta ideia.
O segundo arco – ou parte 1.2 – vai desde o episódio 7 ao episódio 13. Esta parte inclui alguns fillers, mas nela Takuya e Kouji ganham os seus Espíritos Animais.
Eu se calhar devia ter esticado o 1.2 até ao episódio 19, mas eu tive de colocar uma quebra no episódio 13. Já percebi que em Digimon os episódios 13 são quase sempre marcantes. Até Ghost Game seguiu essa tradição.
No caso de Fronteira, neste episódio os miúdos chegam ao castelo do Seraphimon. Este acorda daquela espécie de coma em que estava mergulhado, explica parte da história do Mundo Digital… apenas para ser derrotado pelo Mercuremon dez minutos depois, revertendo à forma de DigiOvo.
Muito sofre a família digievolutiva do Patamon.
O último arco da terceira parte – 1.3 – vai do episódio 14 ao episódio 19. Mais alguns fillers e os outros três Escolhidos ganhando os seus Espíritos Animais.
O episódio 20 é outro ponto de viragem na narrativa – ainda mais significativo que o do episódio 6 – daí tê-lo escolhido como o início da segunda parte. A partir daqui, o tom torna-se menos descontraído e um pouco mais sombrio. Em parte literalmente, pois é quando entramos no Continente da Escuridão, que discutimos no texto anterior. É também quando conhecemos o Duskmon, o adversário mais difícil e implacável até ao momento e um dos mais importantes da temporada, como discutiremos nesta análise.
O arco 2.1 vai, assim, do episódio 20 ao 23, quando os miúdos enfrentam o Duskmon pela primeira vez. É aqui que ocorre o meu twist preferido em Fronteira. Takuya e Kouji discordam em relação à melhor maneira de enfrentar o Duskmon. O primeiro deseja um ataque direto, baseando-se na vantagem numérica e nos méritos conjuntos do grupo. O segundo sabe que o Duskmon está longe do alcance deles e deseja evitá-lo. No fim, Kouji diz que, por ele, Takuya pode morrer enfrentando o Duskmon, se é isso que ele quer, desde que deixe Kouji e os outros de fora das consequências.
Mais tarde, quando executam o plano de Takuya, este dá para o torto. No entanto, no momento em que Agnimon fica à mercê de Duskmon, Garummon não aguenta e atira-se para a frente do ataque de Duskmon, provavelmente salvando a vida a Takuya. O Duskmon tem uma reação estranha quando Garummon “desdigivolui” para Kouji e lança trevas em seu redor. Abalado pelo que aconteceu e pelos seus erros, Takuya apanha um Dark Trailmon para regressar ao Mundo dos Humanos.
Havemos de falar melhor sobre este twist mais adiante na análise. Para já, importa referir apenas que Takuya passa apenas um episódio no Mundo dos Humanos – este é o equivalente ao célebre episódio 21 de Adventure. No episódio seguinte, Takuya regressa ao Mundo Digital e reencontra os amigos.
Se pudesse dar um título ao arco seguinte, 2.2, chamar-lhe ia “introdução de Letterbom”, a música dos Green Day: “Nobody likes you, everyone left you, they’re all out without you, having fun”. Os miúdos vão parar às diferentes zonas do Sephirotmon, separados do resto do grupo, com vários adversários que procuram usar as tendências anti-sociais dos Escolhidos contra eles mesmos.
Devo dizer que esta temporada é a única em que os vilões podem jogar essa cartada. Noutro universo, a resposta dos miúdos seria:
– Ninguém gosta de mim? Uma ova! Tenho o meu companheiro Digimon!
Por outro lado, acaba por ser semelhante ao que o PicoDevimon fez ao elenco de Adventure, ainda que… menos eficaz.
Esta parte é das poucas, se não a única, que explora a psicologia do seu elenco – o que, para mim, sempre foi o grande ponto forte de Digimon enquanto anime. É uma evolução algo estranha de episódio para episódio. Passamos de questões relativamente leves, como dificuldade em fazer amigos, para algo tão complexo como o passado de Kouji – apenas a ponta do icebergue nesta altura, mas já de si uma mudança vertiginosa.
Mas isso é assunto para outra parte da análise. Para já, referir que, por alturas do episódio 29, Takuya e Kouji já desbloquearam os respetivos espíritos híbridos via DigiOvo do Patamon Ex Machina. Sephirotmon é finalmente derrotado.
Do episódio 30 ao 33 lidamos com o drama entre Kouji e Kouichi. Do episódio 34 ao 37 lidamos com o Cherubimon. De notar que cada um destes dois arcos – 2.3 e 2.4 – inclui um filler estranho. No 2.3 é o tal do Trailmon moribundo, no 2.4 é um lidando com um IceDevimon que fora prisioneiro do Cherubimon.
Este último aceita-se melhor pois sempre dá uma oportunidade aos miúdos que não Takuya e Kouji para fazerem alguma coisa. Nesta altura, Izumi, Tomoki, Junpei e Kouichi já tinham abdicado das suas digievoluções para que Takuya e Kouji conseguissem desbloquear os seus níveis Extremos. Havemos de falar melhor sobre isso, claro.
Com a derrota do Cherubimon no episódio 37 – até agora o principal vilão da temporada – encerramos a segunda parte. A terceira parte começa no episódio 38 quando descobrimos que, surpresa surpresa, o verdadeiro vilão é Lucemon. Os Cavaleiros Reais – o Dynasmon e o LordKnightmon – vão a mando dela recolher DigiCódigo para que ela o use para regressar à vida.
Só divido a terceira parte em dois arcos: 3.1 e 3.2. O primeiro destes é o infame arco dos Cavaleiros Reais – até eu tinha ouvido uma coisa ou outra sobre este antes de conhecer Fronteira. Um dos grandes motivos da menor popularidade da temporada. Basicamente, neste arco os heróis perdem todos os combates contra os Cavaleiros Reais. Estes literalmente roubam o Mundo Digital debaixo dos pés do elenco, desalojando – e eventualmente matando – inúmeros Digimon no processo.
Eu talvez tolerasse melhor estas derrotas se Fronteira aproveitasse a oportunidade para desenvolver as personagens. Afinal de contas, como referi acima, isto não acontece muitas vezes em Digimon. No entanto, Fronteira nem sequer faz isso. Pelo contrário, os Escolhidos não reconhecem a gravidade de praticamente nenhuma destas derrotas. Cada episódio termina num tom otimista e infantil: o que conta é a intenção, da próxima vez ganhamos. Isto enquanto o Mundo Digital se vai desfazendo em pó.
Nesta altura, até o Ted Lasso lhes diria para terem noção.
Como se isso não bastasse, nesta fase, com muito poucas exceções, só Takuya e Kouji é que combatem.
Nas temporadas anteriores, os últimos arcos eram os melhores. Em Fronteira, tirando, vá lá, os três últimos episódios (o arco 3.2, de que falaremos já a seguir), acontece o oposto. E tendo em conta que esta é a reta final da temporada, a última impressão, não admira que muitos não gostem de Fronteira.
As únicas coisas que posso dizer a favor do arco dos Cavaleiros Reais é que, ao menos, os heróis vão aprendendo qualquer coisa com cada derrota. Takuya e Kouji vão aguentando mais tempo em combate de cada vez, até finalmente vencerem (se bem que o mérito não é todo deles… mas não nos adiantemos). Além disso, ao contrário do que aconteceu com o arco do BlackWarGreymon e as Pedras Sagradas em 02 (outro em que os heróis perdem muitas vezes), os eventos deste arco eram necessários para a narrativa. Lucemon tinha obter o DigiCódigo para que os Escolhidos lutassem com ela no fim.
Ainda assim, tudo isto podia ter sido alcançado com muito menos episódios e com um tom mais adequado.
Finalmente, o último arco, o 3.2, compreende os três últimos episódios, em que se enfrenta a Lucemon e esta é finalmente derrotada. O Mundo Digital é reconstruído, os Digimon renascem, os miúdos regressam a casa e todos vivem felizes para sempre. Frontier, aliás, tem um final mais feliz que as suas antecessoras. Não é necessariamente uma coisa boa… mas estou a adiantar-me.
E era isto o que queria dizer sobre o enredo de Fronteira. Como podem ver, as falhas da temporada aparecem já aqui. Depois desta, vou mudar um pouco a fórmula habitual destas análises e falar sobre as origens do Mundo Digital e os vilões desta temporada. Vai ser giro. Continuem por aí…
Nas minhas análises, esta é a parte em que olhamos para o enredo da temporada. Dividimo-lo em partes e deixamos algumas impressões sobre as mesmas.
Antes de partirmos para isso, no entanto, queria ir um pouco ao pormenor antes de olharmos para o quadro geral.
Os episódios de Tamers possuem uma estrutura diferente que, confesso, demorei algum tempo a entranhar. Em Adventure e 02 era tudo muito mais simples: com as devidas exceções, os episódios possuíam um determinado problema como premissa inicial e esta, na maior parte dos casos, era resolvida no mesmo episódio. Em praticamente todos os episódios, os protagonistas deparavam-se com um Digimon adversário e pelo menos um dos companheiros dos miúdos digievoluía para derrotá-lo.
Tamers tem alguns episódios assim, mas muitos deles fogem a essa fórmula. No primeiro episódio, por exemplo, só no minuto final é que o chamado gogglehead da temporada – Takato – conhece o seu companheiro, Guilmon. Vários capítulos terminam em cliffhangers, há linhas narrativas que se prolongam por mais do que um episódio. O combate com Beelzebumon, então, dura três episódios.
Estranha-se, sim, mas acaba por funcionar bem. Torna a história menos previsível e formulaica.
Se olharmos bem para a trama de Tamers em geral, esta acaba por ser o oposto da de Adventure. A primeira temporada de Digimon passa-se quase toda no Mundo Digital, com uma parte no Mundo Real. Tamers decorre quase todo no Mundo Real, com uma parte do Mundo Digital. Em ambos os casos, a mudança de cenário deve-se a um MacGuffin que funciona como encarnação da luz – Hikari no caso de Adventure, Culumon neste caso.
Eu digo que é um MacGuffin, mas não se pode dizer que a audiência não se rale com o Culumon. Bem pelo contrário – o pequenote é uma coisinha extremamente adorável, é preciso ter um coração de pedra para não se importar que ele esteja em perigo.
Assim, o enredo de Tamers pode, na minha opinião, ser dividido em cinco partes.
A primeira parte, que vai do primeiro episódio ao décimo-quarto, funciona como introdução. Vendo Tamers pela primeira vez, parecerá demasiado lenta – tal como Tri pareceu, na verdade – mas, vendo segunda vez, é mais fácil reparar nas sementes que vão sendo plantadas, na evolução lenta mas segura das personagens e da história. Esta parte serve para sermos apresentados às personagens, ao conceito de Treinadores, para preparar os três protagonistas para o papel que terão de desempenhar mais à frente, na história.
Conforme vimos antes, os Treinadores começaram sem propósito específico. Nem sequer se assumem logo como equipa, nem sequer se assumem logo como amigos. Nesta parte, vemos Takato aprendendo o “bê-á-bá” de ser Treinador; Jiangliang aprendendo que, por muito que não goste, às vezes lutar é necessário; Ruki descobrindo as consequências de lutar por motivos egoístas. Vemos os três protagonistas habituando-se uns aos outros e também à digievolução. Mesmo os secundários, futuros Treinadores – Hirokazu, Kenta e Juri – são apresentados aos Digimon no final desta parte.
Nesta altura do campeonato, os Digimon que se realizam no Mundo Real são meros “selvagens”, pouco mais que espécies infestantes. Tirando um caso ou outro, servem mais para aprendizagem dos Treinadores do que para outra coisa qualquer.
É também nesta parte que nos é apresentada a organização Hypnos, pouco a pouco. Durante vários episódios só vemos breves cenas de Yamaki brincando com o seu isqueiro e de Reika e Megumi anunciando o aparecimento de Digimon no Mundo Real (sou capaz de apostar que eles reutilizam a mesma cena uma meia dúzia de vezes).
Este arco termina com o Hypnos assumindo-se como uma força que quer erradicar os Digimon do Mundo Real – ou seja, funcionando como antagonistas dos Treinadores. Para esse fim, ativam o programa Shaggai… que acaba por causar mais problemas do que aqueles que resolve, ao permitir a aparição do primeiro Deva.
Conforme comentaremos mais à frente, isto é mesmo a cena do Hypnos, pelo menos na primeira metade de Tamers: causar mais problemas do que aqueles que resolvem. Este é apenas um dos primeiros exemplos.
Por outro lado, a luta com o primeiro Deva, Mihiramon, durante este episódio de transição, sempre desbloqueia o MegaloGrowlmon, a forma perfeita de Guilmon.
Não estava habituada a termos formas Perfeitas tão cedo na temporada. Por esta altura, em Adventure, só agora é que Takeru tinha desbloqueado o Angemon, de forma traumática, diga-se. Em 02, estávamos a começar a segunda ronda de armodigievoluções. Nalgumas coisas o início de Tamers é lendo, mas neste aspeto é surpreendentemente rápido.
A segunda parte – que vai do episódio 15 ao 23, inclusive – caracteriza-se pela invasão dos Deva. Se na primeira parte, a digievolução para nível Adulto só ocorre em circunstâncias especiais, na segunda parte esta está normalizada (sendo ativada por carta). Desta feita, é a digievolução para nível Perfeito que ocorre em circunstâncias especiais.
Pelo meio, Leomon aparece no Mundo Real. Juri persegue-o durante um episódio, mas só no fim da segunda parte é que a parceria é oficializada.
Nesta fase, é revelada a história de origem dos Digimon, o Grupo Selvagem e o papel que Jiang-yu, pai de Jianliang, desempenhou no processo. Esse mesmo grupo começa a colaborar com o Hypnos, embora com intenções meramente académicas da parte dos cientistas – as de Yamaki não são bem assim.
No fim da segunda parte, Vikaralmon – o Deva-porco, uma criatura gigantesca – invade Shinjuku, destruindo uma parte da cidade. Numa tentativa de travá-lo, Yamaki tenta ativar o Shaggai. Torna a correr bem: não só Vikaralmon não é travado como a sede do Hypnos colapsa.
É também nesta altura que o Deva-macaco, Makuramon, deita as mãos a Culumon e leva-o para o Mundo Digital. A segunda parte termina com os Treinadores decidindo ir atrás deles, para o Mundo Digimon.
A terceira parte, do episódio 24 ao 34, decorre toda no Mundo Digital. Os Treinadores exploram este mundo diferente enquanto procuram Culumon. O grupo divide-se, encontra Culumon, reúne-se, perde novamente Culumon, divide-se outra vez. Há uma altura em que Ruki decide venturar-se a sós com Renamon, outra em que Shaochung, a irmãzinha de Jianliang, é trazida ao Mundo Digital pelos Digignomos. Pelo meio, é-nos apresentado Ryo que, no entanto, acaba por se afastar sozinho, antes do fim deste arco. Por fim, Impmon faz um pacto quase literal com o diabo, que lhe permite digievoluir para Beelzebumon.
É inevitável colocar uma quebra no episódio em que o Leomon morre. É um claríssimo ponto de viragem na narrativa. Até este momento, Tamers tivera um tom razoavelmente descontraído. Não exatamente ao nível de um vulgar produto dirigido ao público infantil, mas normal para Digimon.
Depois da morte de Leomon, no entanto… bem, a coisa fica preta. E de que maneira!
A partir daqui é mais difícil dividir a narrativa, mas eu acho que faz sentido colocar uma divisória no episódio 41. A quarta parte de Tamers decorre ainda no Mundo Digital. Concluí-se o combate com Beelzebumon – onde ocorre uma digievolução negra para nível Extremo, uma digievolução correta para nível Extremo e, no fim, deixam Beelzebumon sair vivo, a pedido de Juri.
Depois desta, também Jian e Ruki desbloqueiam as formas Extremas dos seus Digimon, enfrentam as Bestas Sagradas, descobrem que o inimigo não são as Bestas Sagradas e sim o D-Reaper. Encontram o Culumon e este usa os seus poderes para catalisar inúmeras digievoluções para nível Extremo, para poderem enfrentar o D-Reaper. Os miúdos são autorizados a regressar a casa.
No universo de Adventure, a reta final das temporadas é sempre mais sombria – no caso de Tri, tanto no sentido figurativo como no literal. Tamers segue pelo mesmo caminho, mas o tom sombrio nem se compara – sobretudo quando se descobre que o D-Reaper está a usar o corpo e a mente de Juri. São precisas várias tentativas para resolver o imbróglio – existem ocasiões em que tanto os Treinadores como o Hypnos e as forças militares não têm outra hipótese senão bater em retirada. Mesmo que isso implique deixar uma menina de dez anos presa naquela monstruosidade.
Se Tamers possui um final feliz é questionável. A situação do D-Reaper resolve-se, sim, mas o preço a pagar é elevado. A cena em que esse preço é cobrado é traumática… mas isso é conversa para mais adiante nesta análise.
Para já, na próxima publicação, vamos passar àquela que tem sido sempre a minha parte preferida em Tamers: as personagens. Fiquem por aí!
Segunda parte da análise a Kokuhaku (primeira parte aqui).
1) Spoilers: as entradas desta série terão inúmeras revelações sobre o enredo do primeiro, segundo e terceiro filmes de Digimon Adventure Tri e, possivelmente, dos enredos de Adventure e 02. Leia por sua conta e risco.
2) Alguns conceitos próprios desta série animada têm traduções controversas - na língua portuguesa, têm mais do que uma possível. Neste texto, vou adotar as traduções com que estou mais familiarizada e/ou que considero mais adequadas.
3) Apesar de as legendas do filme usarem os nomes japoneses das Crianças Escolhidas, eu vou usar as versões americanizadas dos nomes, visto que estou mais habituada.
O último dos cinco episódios em que Kokuhaku foi dividido assemelha-se, nalguns aspetos a um epílogo. Há quem diga que esta parte podia ter sido emitida separadamente, mais ou menos a meio entre a exibição do terceiro e do quarto filmes, em jeito de episódio especial. Faria sentido, se mudassem um ou outro pozinho. Mas, se já agora ficámos todos arrasados com Kokuhaku, imaginem como ficaríamos se tivesse acabado no quarto episódio. Não, Kokuhaku não podia terminar assim. Não sobreviveríamos aos cinco meses até ao próximo filme.
Este episódio ocorre uma semana após o Reinício. Vemos os Escolhidos em depressão, como seria de esperar, tentando processar o que aconteceu. Pelas palavras de Maki, percebemos que o que se espera é que os Digimon sejam rapidamente esquecidos pela população e que os Escolhidos continuem as suas vidas, como se nada tivesse acontecido, como se nunca tivessem conhecido os Digimon. Que, em suma, cresçam.
Essa será também uma indireta para nós, a audiência? Nós que estamos aqui, vendo a continuação de algo que marcou a nossa infância?
Izzy é o primeiro a revoltar-se contra essa ideia. Quando T.K. desabafa com ele por não ter conseguido evitar aquele desfecho, o amigo chega mesmo a dizer “Não interessa o que não conseguiste fazer, interessa o que vais fazer agora.” Os amigos, de início, recusam mas, no fim, concordam. Eles podiam ter optado por fazer o mesmo que os seus Digimon tinham sido obrigados a fazer: viver como se nada tivesse acontecido, como se Adventure e 02 tivessem sido apenas sonhos. Mas não o fizeram. Eles escolheram honrar tudo aquilo por que passaram ao longo dos anos com os seus Digimon e voltar ao Mundo Digital mais uma vez.
Isto é significativo. Pode-se argumentar que, desde o primeiro de agosto de 1999, os miúdos apenas têm reagido ao que lhes acontece. Nunca escolheram eles mesmo irem ao Mundo Digimon pela primeira vez; foi uma outra entidade (a Homeostase?) que, quase literalmente, pegou nos miúdos e os atirou para o Mundo Digital. Noutras ocasiões (incluindo os miúdos de 02), eles puderam escolher se regressavam ou não, mas era sempre sabendo que o Mundo Digimon precisava deles. Até àquele momento, Tri tinha seguido essa regra: coisas acontecem, os Escolhidos intervém (ou recusam-se a fazê-lo, como Tai e, sobretudo, Joe).
Esta será a primeira vez que os Escolhidos regressam sem serem solicitados (a menos que considerem uma solicitação o som de um apito que Tai ouve, no momento em que decide regressar. Mais sobre isso adiante.). Tanto quanto sabem, o Mundo Digimon não precisa deles, não tem nada para eles – os seus Digimon, provavelmente, nem sequer se lembram deles. A partir de agora, eles não são heróis porque a Homeostase ou outra entidade semelhante os Escolheram. Eles são heróis porque eles Escolheram sê-lo.
O que nos remete para os primeiros teasers relacionados com Tri. Neste vídeo, aparece Tai perante Agumon dizendo: “Finalmente reencontrei-te. Este mundo escolheu uma realidade e um futuro que não deveria ter escolhido. E é por essa razão que eu aqui estou.” Conforme apontaram aqui, depois de Kokuhaku, estas palavras fazem muito mais sentido. Além de que o primeiro poster de Tri parece ter como cenário mais ou menos o mesmo local onde os Escolhidos reencontram os seus Digimon, no fim do terceiro filme. Talvez tenha sido essa a intenção dos digi-guionistas desde o início: mostrar que, mesmo com as suas crises existenciais, mesmo que tenham uma hipótese se se afastarem de tudo aquilo e seguirem em frente, as eternas Crianças Escolhidas nunca virarão costas ao Mundo Digimon.
Não terá sido por acaso que, no momento da decisão, toca Butterfly pela primeira vez em todo o filme (tirando, obviamente, os genéricos dos episódios). Butterfly é a canção que tocava nos genéricos da primeira temporada de Digimon, é a música que associamos ao início da aventura. Até a própria letra se adequa à situação: os Escolhidos vão tentar colocar de lado os seus próprios traumas e inseguranças, pegar em asas pouco firmes e voar aos encontro dos seres que amam.
Mas estou a adiantar-me, pois existem ainda assuntos por resolver antes de eles regressarem. Falo de Meiko. Tendo ela uma experiência diferente como Escolhida, é natural que as suas atitudes difiram das dos amigos. Meiko revela a T.K. que sabia que Meicomoon estava Infetada desde o momento em que a encontrou. Isto explica os traços de relacionamento mãe-galinha e criança insegura que notei em Ketsui. Ao perceber que existia alguma coisa de errado com Meicoomon, era natural que Meiko se tenha tornado demasiado protetora da sua companheira Digimon. Da mesma forma, também era natural que Meicoomon desenvolvesse a tendência para vaguear, embora não soubesse tomar conta de si mesma.
Tudo poderia ter sido evitado caso Meiko tivesse sido sincera para com os outros Escolhidos desde o momento em que Meicoomon matou Leomon. E, no entanto, da mesma maneira como se compreendeu a omissão da infeção de Patamon por parte de T.K. e a omissão do Reinício por parte dos Digimon, também se compreende esta omissão por parte de Meiko. Não me orgulho disso mas eu, provavelmente, teria feito o mesmo se estivesse no lugar dela.
Ando, aliás, a identificar-me cada vez mais com ela. Meiko é a miúda nova, acabada de se mudar para a cidade, sem grande aptidão para socializar. Tal como referi anteriormente, os outros Escolhidos foram impecáveis com ela, desde o primeiro momento. Como alguém que não faz amigos facilmente, posso testemunhar o quão tocantes são gestos como Mimi defendendo-a das perguntas de Izzy, Sora oferecendo-lhe literalmente um ombro onde chorar, T.K escolhendo-a para confidenciar acerca de Patamon. Com que cara ia Meiko dizer que a sua inclusão no grupo, todos os gestos de carinho a ela dirigidos e a Meicoomon, tinham sido precisamente aquilo que, passe a expressão, os lixou a todos?
Desse modo, é compreensível que Meiko não se sinta no direito de ir ao Mundo Digital e voltar a ver Meicoomon. Não só por se sentir responsável por tudo o que aconteceu até ao momento em Tri, mas também porque sente que, ao menos agora, livrou-se do fardo de ter de manter Meicoomon sobre controlo. O que ao mesmo tempo a alivia… e lhe aumenta ainda mais o sentimento de culpa.
Se houve coisa que aprendemos com o arco narrativo de Joe em Ketsui é que, independentemente dos nossos problemas pessoais, das nossas neuroses, não viramos costas aos nossos Digimon. É essencialmente isso que T.K. diz a Meiko antes de partir, bem como o facto de ela continuar a ser bem-vinda no grupo (a meio da conversa com Meiko, T.K. ouve o mesmo som de um apito que Tai ouvira antes). E, de facto, Meiko acaba por mudar de ideias mas, quando procura ir ter com os amigos, estes já partiram.
É possível que Meiko, a certa altura, vá ter com os outros Escolhidos ao Mundo Digital. Por outro lado, talvez ela opere como Escolhida a partir do Mundo Real, sozinha ou em colaboração com Daigo, Maki e/ou o seu pai.
Gostava de comentar o facto de os oito terem partido para o Mundo Digital envergando os respetivos uniformes escolares. Não sou de todo fã da ideia. Uma das coisas que mais gostava em Adventure eram os looks diferentes de cada um dos miúdos, a forma como estes refletiam as personalidades e os Cartões de cada um (talvez um dia escreva sobre isso). Há uns meses, aliás, um post no Tumblr fez-me pensar na roupa que usaria no Mundo Digital, se pudesse escolher (é outro possível tema para um texto: o que levaria comigo se visitasse o Mundo Digimon). Camisas brancas (que se sujam facilmente), gravatas ou lacinhos, saias plissadas ou calças de fazenda seriam as minhas últimas escolhas (exceptuando vestidos de gala e saltos agulha). Custa-me a acreditar que os miúdos tenham escolhido essas roupas, sobretudo quando eles estavam já de férias. O motivo mais provável é, pura e simplesmente, o fetiche que a animação japonesa tem por uniformes escolares.
Pouco depois de regressarmos ao Mundo Digital, dá para ver que algo não bate certo. Tanto Izzy como Kari percebem-no. Nós, a audiência, vemos ligeiras corrupções na paisagem. Cedo, reencontramos Alphamon, desta feita lutando contra Jesmon (que, segundo consta, é a forma digievoluída de Hackmon, o Digimon que tem aparecido amiudadas vezes ao longo de Tri, seguindo os acontecimentos à distância. Será o mesmo?). Conforme os próprios Escolhidos assinalam, com o Reinício aquilo não deveria ser possível. Das duas uma: ou eles os dois morreram, renasceram e algo os fez passar do nível Bebé para Extremo em pouco mais de uma semana; ou o Reinício não os afetou, por um motivo ou por outro. Pessoalmente, aposto mais na segunda hipótese, tendo em conta algo de que falaremos adiante.
O som de um apito desvia-lhes as atenções. Acabam por encontrar o Tokomon brincando com o apito que Kari deixara a Gatomon, no fim de Adventure. Pergunto-me se é o mesmo som que T.K. ouviu durante a conversa com Meiko. Consta que o apito de Kari já desempenhou um papel importante anteriormente, na parte de Digimon, o filme, que serve de prequela a Adventure. É possível que, como sugerem aqui, que este som tenha cruzado os mundos e chegado aos ouvidos de, pelo menos, T.K.
De qualquer forma, enquanto Tokomon brinca com o apito, os outros Digimon juntam-se a ele, todos na forma de Bebé, todos sem reconhecerem nenhum dos Escolhidos.
Mesmo tendo em conta tudo o que escrevi antes, sobre os nossos heróis estarem a escolher o seu próprio destino, em vez de ser o oposto, a amnésia dos Digimon não deixa de doer. E muito. Atrevo-me a dizer que a cena da morte deles, aquando do Reinício, doeu menos que a cena do reencontro. O contraste entre a inocência dos Digimon Bebés e a dor dos Escolhidos – Sora, por exemplo, mal se conseguia controlar. É Izzy quem encontra as palavras certas. Baseando-se nas últimas palavras de Tentomon, o jovem pede aos Digimon Bebés que lhes sirvam de guias.
Deixando as emoções um pouco de lado, tenho uma infinidade de perguntas sobre a situação atual, sobre as consequências da amnésia dos Digimon. No início de Adventure, os Digimon reconhecem os respetivos companheiros pelo nome próprio. É certo que, supostamente, os Digimon já teriam conhecido os seus companheiros humanos uns anos antes dos eventos de Adventure. No entanto, Gatomon foi separada dos outros ainda antes de nascer e, mesmo assim, sempre soube que lhe faltava qualquer coisa, que estava à espera de alguém. Nada disso acontece desta vez, aparentemente. Não existiu nenhum indício de ligação especial dos Digimon para com os seus companheiros humanos. Não sei se a digievolução será, sequer, possível nestas circunstâncias.
Sabemos, no entanto, que no próximo filme estrear-se-á o Hououmon/Phoenixmon (acerca do qual falei há relativamente pouco tempo, noutras circunstâncias), logo, de alguma forma, a digievolução será possível, pelo menos para Yokomon. E a verdade é que só vimos os Escolhidos com os seus Digimon amnésicos durante um minuto ou dois. Pode ser que o instinto protetor que os caracteriza se manifeste, mais cedo ou mais tarde. Uma trama possível para próximo filme poderia envolver os Escolhidos colocando-se deliberadamente em perigo, numa tentativa de despoletarem esse instinto – estilo o que Tai fez no segundo arco de Adventure, quando quis forçar Greymon a desbloquear o nível Perfeito/Super Campeão. Por outro lado, todos se recordam que o truquezinho de Tai falhou epicamente – Sora chegou a referi-lo na primeira metade de Kokuhaku. Duvido que os Escolhidos tentem repetir a gracinha, a menos que estejam desesperados.
Também é possível que os Digimon recuperem as memórias, sobretudo se se vier a descobrir que o Reinício não funcionou como se esperava. Do ponto de vista narrativo, fazerem isso logo no próximo filme corre o risco de parecer demasiado fácil, um deus ex-machina. Não que me pareça muito mais plausível que um Yokomon amnésico se afeiçoe a Sora o suficiente para atingir vários estágios de digievolução até chegar a Phoenixmon em apenas um filme (e daí não sei… em Adventure, Byomon começou a adorar Sora como um cachorrinho logo nos primeiros episódios).
Voltaremos a este assunto mais à frente. Antes, temos de falar sobre as últimas revelações de Kokuhaku. Nos instantes finais, descobrimos que Meicoomon se lembra de Meiko (pelo menos sabe o nome dela); que o Imperador Digimon é, na verdade, Gennai sob disfarce (whoa!); que Maki consegue vir ao Mundo Digimon (como? Só as quatro bestas sagradas saberão – se não tiverem sido afetadas pelo Reinício) e, aparentemente está a trabalhar com Gennai.
Eu, sinceramente, não sei muito bem o que pensar acerca de Maki. Em diversas alturas, ela podia ter evitado certos eventos que tiveram como consequência o Reinício – nomeadamente quando optou por não dizer a verdade sobre Meicoomon aos Escolhidos – mas não o fez. Ao contrário do que se poderá dizer acerca de outras personagens em Tri, acho que Maki sabia perfeitamente o que estava a fazer, quais seriam as consequências das suas ações. Se ainda é prematuro chamar-lhe vilã, eu diria que podemos definitivamente considerá-la uma antagonista: alguém que tem agido contra os interesses dos heróis. Muitos fãs dizem que Maki será, provavelmente, a típica vilã incompreendida. É possível, mesmo provável. O meu problema é que não consigo perceber qual é o objetivo dela, porque é que ela tem tomado as decisões que tomou até agora. Do meu ponto de vista, as motivações de Maki são a maior incógnita de Tri até ao momento. Assim, não consigo simpatizar com ela. Não quando as suas ações causaram tão sofrimento a personagens que conheço e adoro desde os meus onze/doze anos.
De uma coisa podemos ter a certeza: Maki está do lado de Gennai, que parece ter passado para o lado negro da Força (pergunto-me se a bolinha preta que Piedmon lhe enfiou nas costas, nos flashbacks mostrados no último arco de Adventure, terá alguma coisa a ver com isso). Isto faz-me suspeitar que a Homeostase esteja, também, corrompida – daí ter recorrido ao Reinício e ele não ter corrido como o previsto. Se isso se confirmar, se a própria entidade que mantém o equilíbrio do Mundo Digimon está comprometida, os Escolhidos tem um imbróglio daqueles entre mãos.
No meio disto tudo, também não sabemos que papel tem o Alphamon nesta história toda. Antes, pensava que o tal Huckmon estava a trabalhar com ele e que os dois, sabendo que Meicoomon está na origem disto tudo, andavam atrás dela (no Digimon Wikia diz que o Huckmon é muito sensível à estabilidade do Mundo Digital). A luta entre Jesmon e Alphamon, no fim de Kokuhaku, contradiz essa teoria. Assim, faz mais sentido que ele esteja a trabalhar para Gennai, como explicam aqui.
E, claro, os 02 continuam desaparecidos em combate. A minha suspeita é que Maki tem-nos aprisionados algures – daí possuir o D-3 e o D-Terminal de Ken. Às tantas esse seria o destino mais desejável. Num cenário alternativo, eles estariam no Mundo Digimon aquando do Reinício… o que não me parece nada agradável. Outra questão que se coloca diz respeito ao efeito que o Reinício terá tido nos outros Escolhidos espalhados pelo mundo, que conhecemos em 02.
Todas estas perguntas que continuam por responder deixaram vários fãs insatisfeitos com Kokuhaku. Ainda que compreenda esse ponto de vista e me tenha fartado de me queixar do mesmo na análise a Ketsui, desta feita não acho que isso seja tão grave. Ao contrário dos filmes anteriores, em Kokuhaku aconteceram coisas, a história avançou – finalmente. Além disso, perguntas por responder são a definição de tensão numa história, aquilo que nos faz virar páginas num livro, ficar vidrado no ecrã durante um filme ou o episódio de uma série. Se todas as perguntas estivessem respondidas nesta altura do campeonato, em que Tri vai a meio, qual era o interesse de vermos os três próximos filmes?
Acho, aliás, que Kokuhaku é o melhor filme de Tri até agora. Como referi no parágrafo anterior, tivemos avanços significativos na narrativa. Mas, mais do que outra coisa, Kokuhaku apostou naquilo que sempre foi o ponto forte de Digimon: as suas personagens. T.K. e Izzy destacaram-se, sim, mas, ao contrário do que aconteceu em Ketsui, todos os Escolhidos tiveram o seu momento (tirando Kari, que continua a ser pouco mais que uma espécie de mensageira divina). Com as voltas que o enredo deu, era inevitável – isto não é uma menorização, pelo contrário. Estão a ver as coisas boas que acontecem quando não perdemos tempo com visitas a termas e festivais culturais, digi-guionistas?
Kokuhaku, aliás, apostou muito no drama, ao ponto de deixar-me emocionalmente arrasada durante pelo menos três dias – não me lembro de alguma vez ter ficado assim por causa de um trabalho ficcional. Não cheguei a chorar porque não consigo, vai além disso. Ainda hoje me custa rever certas cenas. O facto de eu conhecer estes Escolhidos e os seus Digimon desde miúda predispôs-me para estas reações, sim. No entanto, só prova que que os digi-guionistas fizeram as coisas bem desde o início: criaram um elenco de jovens protagonistas bem construídos, com qualidades e defeitos, com quem sempre nos identificámos. Estes tornaram-se reais para nós, velhos amigos de infância. O único outro elenco em que algo semelhante aconteceu comigo foi o de Harry Potter – o que é significativo, tendo em conta que, desde miúda, me farto de consumir ficção. Os digi-guionistas merecem louvores por isso.
Por outro lado, o maior defeito de Tri tem sido, até agora, o ritmo da história – como referi no início da análise, o tom mudou demasiado de repente entre Ketsui e Kokuhaku. Se já não tinha gostado assim muito do segundo filme quando este saiu, a comparação com o terceiro fá-lo parecer ainda pior. Quero acreditar que os próprios guionistas deram por isso, daí terem prolongado o intervalo de lançamento entre Ketsui e Kokuhaku.
O próximo filme de Tri sai no dia 25 de fevereiro do próximo ano. Eu estava com esperanças de que saísse um mês antes, mais coisa menos coisa, mas desta vez não me importo com o longo intervalo. A espera por Kokuhaku acabou por não me custar assim muito – o Euro 2016 e Pokémon Go ajudaram. Além disso, conforme comentou comigo o António da página Odaiba Memorial Day em Portugal (mais sobre isso já a seguir), quanto menores os intervalos entre os lançamentos dos filmes, mais depressa Tri acabará. Como não quero que acabe demasiado depressa, tão cedo não me torno a queixar – sobretudo se isso permitir aos produtores elevarem a qualidade dos filmes, como aconteceu do segundo para o terceiro. Por outro lado, se o intervalo se mantiver, talvez o quinto filme saia perto do Odaiba Memorial Day do próximo ano.
O quarto filme chamar-se-á Soshitsu, que significa Perda – ou seja, não ficaremos por aqui em termos de drama, ao que parece. No poster aparece Sora com Phoenixmon, bem como Tai e Matt, o que tem levado muita gente a pensar que vamos ter um triângulo amoroso. Eu, muito sinceramente, espero que não pois, como já disse várias vezes cá no blogue, não quero que Sora seja reduzida a interesse amoroso. Além de que existem possíveis linhas narrativas envolvendo a jovem bem mais interessantes.
Conforme referi antes, Kokuhaku mostra Sora abraçando por completo o seu estatuto de mamã do grupo, tomando conta de toda a gente. O Reinício, no entanto, tirou-lhe a única criatura que tomava conta dela e, como se pode calcular do seu comportamento quando reencontrou Yokomon, Sora não está bem. Conforme explica este post no Tumblr, no pós-Reinício, antes da ida para o Mundo Digimon, vemos Sora na cama, fitando o seu telemóvel com um olhar vazio – o telemóvel através do qual falava com os amigos todos, certificando-se de que estavam bem. Não sendo ela capaz de tomar conta de si mesma ou, se calhar, de aceitar a ajuda de outros, como poderá ela tomar conta de toda a gente? Não me admiraria se o seu arco em Soshitsu se baseasse nessa ideia: Sora incapaz de cumprir o papel que impôs a si mesma de mamã do grupo e odiando-se por isso.
De qualquer forma, estou muito feliz por, aparentemente, a minha personagem preferida ir receber tempo de antena de que precisava há muito. Digi-guionistas, por favor, não estraguem isto.
Por outro lado, o facto de, agora, estarmos no Mundo Digimon promete. Gosto muito de ver Digimon no Mundo Real, os jovens conjugando as suas vidas normais com os seus deveres como Escolhidos. No entanto, é quando estes estão confinados ao Mundo Digimon, à companhia uns dos outros, sem poderem fugir às adversidades, que as suas personalidades se revelam, que surgem os conflitos, quer individualmente, quer uns com os outros. Estou curiosa relativamente à dinâmica do grupo agora, que passaram seis anos desde a última vez que estiveram juntos no Mundo Digimon durante mais do que algumas horas. Por exemplo, tenho quase a certeza que Tai deixará de ser o líder – Matt e Izzy têm mostrado muito mais espírito de iniciativa. Não me admirava, aliás, se fosse esse o motivo pelo qual Tai e Matt aparecem no poster de Soshitsu: os dois rapazes entrando em conflito a propósito da liderança do grupo. De qualquer forma, a segunda metade de Tri promete.
Eu sei que isto já vai mais comprido do que devia mas, antes de terminar, queria escrever sobre as celebrações do Odaiba Memorial Day deste ano, que incluíram um encontro de fãs portugueses no Parque das Nações. Eu estive lá, tal como desejava, mas não pude aproveitar como queria. Passei o dia quase todo preocupada com assuntos pessoais, perdi-me à procura do ponto de encontro (o stress não ajudou) e tive de sair mais cedo.
Tirando isso, gostei imenso da experiência. Houve, entre outras coisas, cantoria – incluindo este momento hilariante – mostra de dispositivos digitais e outros artefactos (como poderão ver, cheguei a usar o Cartão da Coragem para a foto de família – tenho de arranjar um, do Amor, para mim), batalhas entre digivices e o quiz. Cheguei a participar neste último mas, como só conhecia o universo de Adventure, o meu desempenho não foi brilhante – mas diverti-me à mesma!
Adorei conhecer outros fãs de Digimon, sobretudo o António (que organizou aquilo tudo) e o Danny d’A minha vida em bits. Gosto sempre de conhecer pessoas com as mesmas maluqueiras do que eu – apesar de a minha timidez ser quase incapacitante em circunstâncias como estas. Cheguei a imaginar o que aconteceria se, de repente, abrisse ali mesmo um portal para o Mundo Digimon e nos tornássemos todos Escolhidos, como funcionaríamos como grupo. O mais certo era eu colar-me ao António e ao Danny, aqueles que eu conhecia “melhor” (das emissões de rádio do primeiro, do canal de YouTube do segundo) e que, provavelmente, saberiam mais sobre Digimon do grupo (embora pudesse estar enganada). Foi uma boa experiência. Ainda é cedo para se falar do Odaiba Memorial Day do próximo ano mas, se o encontro se repetir e eu puder ir, vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para estar lá a hora e ficar até ao fim, sem distrações.
Tudo isto será, provavelmente, uma coincidência, mas ultimamente tem sido difícil “crescer”. Várias franquias que marcaram a minha infância e adolescência escolheram mais ou menos a mesma altura para fazerem uma espécie de renascimento. Pokémon voltou a estar na moda após Pokémon Go (embora a febre já tenha arrefecido). Saiu um novo “livro” do Harry Potter e temos Digimon Adventure Tri há quase um ano. (Além disso, começou a ser emitida em outubro uma nova série de Digimon: Digimon Universe Appmon. Ainda não vi porque, até agora, só vi Adventure e as suas sequelas. Se resolver explorar para além desse universo, começarei por Tamers). Tem sido, aliás, esse o principal tema de Tri: o “coming of age”, o conflito entre o passado e o futuro, entre infância e idade adulta.
Na minha opinião, o facto de continuarmos a regressar, outra e outra vez, a estes mundos que marcaram a nossa infância, não significa que sejamos todos criancinhas no corpo de adultos (pelo menos é o que gosto de pensar). Em vez disso, é mérito dessas franquias por terem sido capazes de nos manterem interessados ao longo de todos estes anos, por terem crescido connosco, evoluído connosco. Tenho a certeza que, no fim de Tri, os protagonistas descobrirão que, mesmo que cresçam, comecem a trabalhar, a constituir família, nunca deixarão de ser Crianças Escolhidas. Da mesma maneira, nós nunca deixaremos de ser Crianças Escolhidas, mestres Pokémon, alunos de Hogwarts. Ainda que isso só aconteça em livros, videojogos, em sites de transmissão de anime, em filmes ou na nossa imaginação. Mas, lá está, isso não significa que não seja real.
Se quiserem mais conteúdo relacionado com Tri, sigam a página de Facebook aqui do estaminé, onde tenho respondido à tag 30 Days of Tri.
1) Spoilers: as entradas desta série terão inúmeras revelações sobre o enredo do primeiro, segundo e terceiro filmes de Digimon Adventure Tri e, possivelmente, dos enredos de Adventure e 02. Leia por sua conta e risco.
2) Alguns conceitos próprios desta série animada têm traduções controversas - na língua portuguesa, têm mais do que uma possível. Neste texto, vou adotar as traduções com que estou mais familiarizada e/ou que considero mais adequadas.
3) Apesar de as legendas do filme usarem os nomes japoneses das Crianças Escolhidas, eu vou usar as versões americanizadas dos nomes, visto que estou mais habituada.
Uma das maiores críticas que teci aos dois primeiros filmes de Digimon Adventure Tri prende-se com o facto de pouco ter acontecido de relevante para o enredo, que avançasse a história. No primeiro filme, isso não foi tão grave, visto que o principal objetivo do mesmo era, como escrevi na altura, colocar as personagens todas no lugar certo, lançar as premissas para esta série de filmes. No segundo filme, o engonhanço agravou-se: praticamente só nos últimos vinte minutos é que a história avançou e, pelo meio, perdeu-se demasiado tempo com coisas fúteis. Já sabíamos que o terceiro filme, Kokuhaku (Confissão), seria diferente – quanto mais não fosse porque, depois da maneira como o segundo filme, Ketsui, terminou, não dava para continuar a encher chouriços.
Temíamos há muito tempo que Patamon fosse sacrificado neste terceiro filme. Ainda antes do lançamento de Ketsui, tinha sido divulgado um teaser mostrando Patamon despedindo-se e o seu parceiro, T.K., reagindo com desespero. O facto de Patamon aparecer no poster de Kokuhaku na sua forma Infantil agravaram os nossos receios – para se agravarem ainda mais quando as primeiras sinopses de Kokuhaku diziam que Patamon desenvolveria sintomas da Infeção que enlouquecera Meicoomon. Todos sabíamos que o filme mexeria com as nossas emoções e tentámos preparam-nos para isso – vários fãs viram o filme com uma caixa de lenços de papel ao lado.
No entanto, duvido que alguém estivesse preparado para isto, para o nível a que Kokuhaku chegou. Falo por mim: não me lembro de alguma vez ter ficado tão arrasada com um trabalho de ficção.
O que aconteceu em Kokuhaku de assim tão dramático? Segue a versão condensada, a.k.a, a habitual sinopse baseada na Wikipédia:
“Kokuhaku começa um dia ou dois após o final de Ketsui. Meiko lida com o trauma da morte de Leomon às mãos de Meicoomon e da fuga desta última. Izzy, por sua vez, vai ficando cada vez mais frustrado enquanto tenta descobrir como se infetou Meicoomon. Entretanto, as distorções, que se creem provocadas por Meicoomon, começam a afetar as ligações aéreas. Perante as perguntas de Matt, Maki Himekawa e Daigo Nishijima revelam pormenores das investigações da organização governamental, mas ocultam-lhe que Meicoomon é a origem das infeções e que Davis, Yolei, Cody e Ken se encontram desaparecidos. Mais tarde, T.K. descobre que Patamon mostra sintomas de infeção. No entanto, esconde-o dos amigos e decide retirar Patamon da segurança do escritório de Izzy, trazendo-o para casa. Tal faz com que os outros Escolhidos sigam o exemplo. Patamon acaba por perceber o que lhe está a acontecer e pede a T.K. que o mate caso se torne violento.
Certa noite, durante um apagão, uma mensagem surge em todos os dispositivos eletrónicos: “Os Digimon serão libertados de novo”, o que causa agitações na população. No dia seguinte, enquanto Patamon conta aos outros Digimon que está infetado, Kari é possuída pela Homeostase. Através da boca da jovem, a entidade revela que os Digimon Infetados poderão destruir o Mundo Digital, bem como os outros mundos paralelos a este, e acabar com a rede eletrónica do Mundo Real. A solução passa por “um grande sacrifício”. Maki escuta a mensagem e informa os Digimon que, da próxima vez que Meicoomon aparecer, a Homeostase, como último recurso para salvar os diferentes mundos, poderá provocar um Reinício, que destruiria o Mundo Digital, reconstruindo-o no estado pré-infeção. Gatomon conclui que este Reinício fará com que ela e todos os outros companheiros Digimon morram e renasçam sem recordações das suas vidas até ao momento – ou seja, esquecer-se-iam dos seus parceiros humanos. Com este conhecimento, os oito Digimon decidem guardar segredo sobre o Reinício e preparar-se para o pior, passando tempo de qualidade com os seus companheiros humanos, em jeito de despedida. Agumon, no entanto, acaba por contar a Tai acerca do Reinício.
Izzy acaba por descobrir que as distorções resultam da substituição do habitual código binário por um código diferente. Depois de Tentomon o informar acerca do Reinício, o jovem pensa num plano. Entretanto, Meicoomon regressa e os Digimon lutam com ela, numa tentativa de a afastar do Mundo Real. Contra a vontade de T.K., Patamon digievolui para Angemon e junta-se à luta. No entanto, a Infeção volta a manifestar-se, não só em Angemon, mas também nos outros Digimon. Nesse momento começa a contagem decrescente para o reinício, mas Izzy põe em prática o seu plano alternativo: um campo de dados em forma de cubo para curar as infeções e preservar as memórias dos Digimon. Numa altura em que Tentomon é o único não afetado pela Infeção, ele digievolui para HerculesKabuterimon e faz uma tentativa para salvar os amigos Digimon, Meicoomon incluída. Em vão.
Uma semana mais tarde, numa altura em que os Escolhidos decidem regressar ao Mundo Digital para se encontrarem de novo com os seus Digimon, Meiko confessa a T.K. que soube, desde o momento em que a encontrou para primeira vez, que Meicoomon estava infetada. Consumida pela culpa, ela acha que não tem o direito de ir ter com Meicoomon. Os oito outros Escolhidos, por sua vez, regressam ao Mundo Digital, invocando os poderes dos seus Cartões. Aí, encontram Alphamon combatendo outro Digimon de nível Extremo, Jesmon. Também encontram os seus companheiros Digimon, que não os reconhecem, decidindo começar do zero com eles. Por sua vez, longe da vista dos Escolhidos, Maki aparece no Mundo Digital, confrontando o Imperador Digimon – que, na verdade, é Gennai sob disfarce. Também sem que as outras presonagens o vejam, aparece Meicoomon, que, aparentemente, ainda se recorda da sua companheira humana, Meiko.
Em Ketsui, tínhamos tido uma invasão das meninas ao balneário masculino numas termas, Meiko e Mimi vestindo-se de meninas de claque num festival cultural e os Digimon participando num concurso de disfarces, tudo com uma dose saudável de parvoíce à mistura. Em Kokuhaku temos uma das personagens com depressão e stress pós-traumático, ameaças de um Apocalipse digital e os oito Digimon com os dias contados. Em suma, a tensão aumentou exponencialmente de um filme para o outro (o que, na cronologia de Tri, corresponde a quatro ou cinco dias, e estou a arredondar por cima). Claro que, ao terceiro de seis filmes, era preciso que acontecesse algo mais. A minha crítica não se dirige a Kokuhaku, dirige-se mais a Ketsui. A comparação do terceiro filme com o segundo piora a perceção deste último, que já tinha deixado muito a desejar. Fica claro que Ketsui devia ter cortado nos fillers, preocupando-se antes em avançar a história, de modo a que os eventos de Kokuhaku parecessem menos súbitos e mais orgânicos.
Até porque muitos dos conflitos que dominaram os dois primeiros filmes acabaram por ficar sem conclusão satisfatória. Em Kokuhaku, não há uma única referência aos problemas académicos de Joe. As dúvidas existenciais de Tai são colocadas em banho-maria com duas linhas de diálogo de Matt – tendo em conta o que acontece no resto de Kokuhaku, a questão não deverá voltar a ser levantada tão cedo. A verdade é que, em Kokuhaku, as coisas escalam a um ponto em que os problemas académicos de Joe e os desentendimentos de Mimi com as colegas por causa do festival cultural parecem triviais, na comparação.
Uma coisa que me agradou em Kokuhaku foi o facto de, finalmente, terem abordado o desaparecimento dos miúdos de 02. Depois de Saikai e Ketsui, um mero reconhecimento da existência deles sabe a vitória. Não que tenhamos descoberto muito. Vemos, no início do filme, T.K. e Kari batendo à porta de Ken, tentando telefonar aos outros, sem conseguir falar com qualquer um deles (incluindo os pais de Ken, o que é ainda mais estranho).
Mais tarde, Matt vai ter com Daigo e Maki, a perguntar pelos Escolhidos mais novos. Estes dizem-lhe que os têm debaixo de olho, protegidos. No entanto, depois de Matt sair, o diálogo entre Maki e Daigo confirma que sim, os miúdos de 02 estão desaparecidos, a organização governamental sabe disso e… não parece estar a fazer nada para resolver a situação. Eu sabia já que, nesta altura, não haveria maneira de justificar o destino dos Escolhidos mais novos sem incoerências. Continuo a achar que os veteranos já deviam ter dado pelo desaparecimento dos caloiros, por todos os motivos que listei em análises anteriores. Além de que a organização governamental deve estar a fazer um trabalho de mestre para ocultar o desaparecimento de quatro menores (e, aparentemente, as respetivas famílias) da Comunicação Social. Matt, de resto, aceita as explicações de Maki com demasiada facilidade (é certo que, pelo menos nesta fase, os Escolhidos não têm motivos para desconfiarem de Maki ou Daigo) e, muito mais tarde no filme, quando Maki aparece com o D-3 e o D-terminal de Ken, ninguém levanta sequer uma sobrancelha – mais uma vez, compreensível tendo em conta tudo com que os Escolhidos tiveram de lidar até àquele momento. Tanto quanto eles saibam, Maki pediu-lhos emprestados a Ken.
Não é apenas o desaparecimento dos miúdos de 02 que Maki esconde dos Escolhidos: também o facto de Meicoomon ser responsável por… bem, praticamente tudo o que aconteceu até agora em Tri. A desculpa que Maki dá é, essencialmente, “o Izzy vai descobrir mais cedo ou mais tarde”, embora também invoque a possibilidade de os outros Escolhidos se virarem contra Meiko, caso descubram a verdade. Quando Daigo se revolta contra o secretismo da colega, ela diz-lhe mesmo: “Certas coisas estão melhor mantidas em segredo”.
Não sei o que é que Maki entende por “melhor”, mas, neste filme, todos estes segredos acabam por voltar-se contra os Escolhidos, e de que maneira. Maki não é a única com coisas a esconder, como veremos adiante. No entanto, os motivos dela são os que levantam mais suspeitas depois dos momentos finais de Ketsui – para se transformarem em quase certezas nos instantes finais de Kokuhaku, quando fica claro de que lado ela está.
Maki fica ainda pior na fotografia quando vemos o efeito que os eventos do final de Ketsui estão a ter nos Escolhidos. Meiko, coitada, tinha pouquíssima experiência nas lides dos Escolhidos e, de um momento para o outro, acontece-lhe um dos piores cenários possíveis. Como disse acima, não anda a reagir bem. No início de Kokuhaku, descobrimos, ainda, que o pai de Meiko trabalha com a organização (se não fizer oficialmente parte da mesma) a que Daigo e Maki pertencem. É evidente que ele deverá desempenhar um papel importante em Tri, a certa altura, mas neste filme ele limita-se a aparecer no início e não volta a aparecer até ser brevemente mencionado até perto do fim. Eu sei que, no Japão, pais e filhos costumam ter uma relação mais formal que no Ocidente, mas a maneira distante como ele trata Meiko causou-me impressão – quando ele sabe perfeitamente que a filha não está bem, até Daigo lhe faz ver isso. Mimi e, sobretudo, Sora acabam por dar mais apoio a Meiko do que os próprios pais, o que é um bocadinho triste.
No extremo oposto, Izzy procura febrilmente uma explicação para a infeção de Meicoomon e a pressão começa a levar a melhor sobre ele. Quem lhe dá apoio, surpreendentemente, é Joe. Aparentemente, o desbloqueio de novas digievoluções é tão inebriante para os próprios Escolhidos como é para mim… ou então, tal como escrevi antes, talvez o facto de ter sido bem-sucedido em algo tenha sido suficiente para fazê-lo sair do estado semi-depressivo em que passou os dois primeiros filmes de Tri.
Ou então, teve pura e simplesmente uma hora bem passada com a sua misteriosa namorada.
O que é certo é que Joe retoma um pouco o seu papel de papá do grupo, com o seu apoio bem-humorado a Izzy (a cara deste último, quando Joe lhe diz “assim não arranjas namorada” é impagável), cuja característica paixão pelo saber começa a tornar-se um fardo.
É um tema que se começa a notar em Tri: o facto de os Escolhidos estarem a lidar com o lado negro das virtudes que lhes foram atribuídas, o reverso… bem, dos Cartões. Tai, em Saikai, sentiu a sua coragem falhar (e ainda não parece totalmente recuperado disso). Mimi percebeu que o seu julgamento nem sempre é o mais adequado. Joe, que sempre cumpriu o seu dever e honrou os seus compromissos, deixa de conseguir fazê-lo. E agora, que a mente curiosa de Izzy é a maior arma dos Escolhidos contra a ameaça das distorções e das infeções, descobrir coisas deixa de ser um prazer, é um caso de vida ou de morte. A ignorância, os enigmas, os segredos por desvendar, não são apenas desafios – são ameaças.
Esta última parte, de resto, tem sido um dos temas recorrentes em Tri, ganhando maior destaque em Kokuhaku. Meiko é um bom exemplo disso e T.K. acaba por seguir pelo mesmo caminho. Como já sabíamos que aconteceria, Patamon começa a desenvolver sintomas de infeção. Chega a atacar T.K. no escritório de Izzy (onde os Digimon estavam retidos, de modo a evitar mais infeções), enquanto este último passa pelas brasas. Joe, que também estava no escritório, a tomar conta de Izzy, não dá pelo ataque. Quando T.K. lhe pergunta, casualmente, o que aconteceria se mais algum dos Digimon se infetasse, o Escolhido mais velho responde que, provavelmente, teriam de eutanasiá-lo. Tendo isso em conta, T.K. convence um relutante Joe a deixá-lo levar Patamon para casa. Aqui, temos uma cena de partir o coração (uma de muitas neste filme) em que Patamon percebe o que lhe está a acontecer e pede a T.K. que o mate, case a Infeção fique mais grave.
É particularmente cruel que o primeiro a mostrar sinais de Infeção tenha sido, logo, o mais fofo do grupo, aquele que já antes se tinha sacrificado, aquele que, por norma, surge à última hora para salvar toda a gente. Desta feita, a esperança é, quase literalmente, a primeira a morrer.
A decisão de T.K. de trazer Patamon consigo abre um precedente para os restantes Digimon – agora todos querem passar as noites com os seus companheiros humanos. O que poderiam os Escolhidos fazer? T.K. continua a esconder o que se passa com Patamon, só dizendo a verdade a Meiko – por sinal, outra que também tem coisas a esconder.
Como bom irmão mais velho que é, Matt percebe logo que se passa algo com T.K. O irmão mais novo continua a fechar-se em copas. Esta cena, ao menos, sempre proporciona alguns dos poucos momentos leves do filme. T.K. pergunta ao irmão com quem é que ele se desentendeu desta vez e, mais tarde, perante as perguntas de Matt, T.K. diz-lhe que está deprimido por as bandas do irmão estarem sempre em crise.
O Matt tem mesmo de deixar de se levar tão a sério ou habilita-se a ter sempre toda a gente a gozar com ele.
Pelo meio, Kokuhaku faz questão de mostrar Sora funcionando como uma espécie de mental coach dos Escolhidos – passando uma boa parte do filme ao telemóvel, falando com toda a gente, certificando-se de que estão bem. É, aliás, a primeira vez que, tanto quanto sei, que Digimon compara Sora a uma mãe, preto no branco. Não que fosse necessária tanta ostensividade: estamos a falar de uma rapariga que, mesmo quando estava em baixo, com vontade de estar sozinha, não conseguia evitar ajudar os amigos nas costas deles. Mais caracterização para além disto é redundante. É, de resto, uma técnica a que os digi-guionistas costumam recorrer: exacerbar um traço específico das personagens quando este é importante para o enredo. O Cartão do Amor de Sora não é particularmente relevante em Kokuhaku mas deverá sê-lo em breve, visto que o próximo filme será focado nela.
Não retiro nada do que escrevi antes sobre Sora, na minha longa análise a Adventure. Continuo a achar que o papel dela é o esperado das personagens femininas (para não dizer imposto às personagens femininas) e, até agora, nunca foi explicado devidamente porque sente ela necessidade de agir assim. Dito isto tudo, Sora continua a ser a minha preferida entre os Escolhidos. Em parte precisamente porque é maternal e altruísta, mas também porque não deixa de ser tão corajosa e lutadora como Tai ou Matt, os machos-alfa do grupo. Em miúda, Sora era, de todos os Escolhidos, quem eu mais desejava ter como amiga – e ela, de facto, tem sido uma excelente amiga para Meiko, precisamente quando ela mais precisa.
Voltaremos a falar de Sora adiante. Sobre as ameaças que surgem nos dispositivos eletrónicos, dizendo que “os Digimon serão libertados novamente”, não sei muito bem o que pensar. Não sei se é apenas um “sintoma” das distorções ou um indício de algum evento que ainda não ocorreu. Por outro lado, é de assinalar que as distorções se devam à substituição do habitual código binário (zeros e uns) por um código ternário (zeros, uns e dois). Um fã crítico de Digimon já tinha apontado para a presença do código nas sequências de digievolução, aquando de Saikai. Ao menos agora temos uma explicação para isso. Consta até que, antes do lançamento de Saikai, os criadores de Tri haviam alertado para a presença de triângulos e conjuntos de três nestes filmes. Talvez este código ternário ganhe ainda mais relevância mais adiante, em Tri.
De qualquer forma, no dia seguinte, os Digimon escapam do escritório de Izzy (demasiado absorvido pelo seu trabalho para prestar atenção). Patamon revela aos amigos que está infetado e pede-lhes, também, que o matem caso ele se torne violento. Entretanto, a Homeostase (uma entidade digital que rege o Mundo Digimon como um deus) apodera-se de Kari (que, aparentemente, não serve para mais nada). Através da jovem, a entidade aparece perante os Digimon (com Maki escutando à socapa), informando-os que a Infeção está a comprometer a estabilidade do Mundo Digital, existindo o risco de ele e outros mundos paralelos desaparecerem por completo, bem como a rede eletrónica do Mundo Real.
O Mundo Digimon é, na sua essência, um mundo digital, informático. Em informática, o que é que uma pessoa faz quando as coisas não funcionam? Desligamos e voltamos a ligar. É exatamente isso que a Homeostase quer fazer caso Meicoomon apareça de novo no Mundo Real.
Apesar de eu aplaudir um desenvolvimento do enredo, depois de tanto tempo a engonhar, devo dizer que este me parece demasiado repentino. Como dei a entender antes, Tri passa de três ou quatro Digimon descontrolados, sem que saibamos ao certo porquê, um par de combates com Digimon de nível Extremo, cuja motivação é um mistério, para um Mundo Digimon supostamente tão corrompido que precisa de ser reiniciado. Por outras palavras, só agora é que a Infeção começou a ter repercussões graves e já vamos tomar medidas de último recurso? Não bate certo. Tenho algumas teorias sobre isso, mas vou guardá-las para mais adiante nesta análise.
Uma das consequências do Reinício do Mundo Digital será o Reinício dos próprios Digimon com ele. Ou seja, eles morrerão e voltarão a nascer sem recordações da sua vida anterior, como se nunca tivessem conhecido os seus companheiros humanos. Está longe de ser uma situação fácil, sobretudo tendo em conta que a única solução para talvez escaparem a este destino passa por abaterem Meicoomon, que passaram a considerar uma amiga.
Os oitos Digimon ligam com a situação com uma coragem invejável – embora seja que questionar a sensatez de esconder a verdade aos Escolhidos – entrando em modo “último dia na Terra/Mundo Real” com os respetivos companheiros. Isto proporciona momentos dolorosamente agridoces: Kari passando a tarde no centro comercial, com Gatomon; Gabumon pedindo a Matt que este toque harmónica, como no fim de Adventure (harmónica essa que acaba por introduzir uma música lindíssima, que serve de banda sonora a todos estes momentos); Byomon tentando fazer com que Sora, por uma vez, pense em si mesma e nos seus sonhos; Gomamon ouvindo Joe dizer que tem de apresentá-lo à sua namorada, já que planeia tê-los aos dois por perto para o resto da sua vida (porque é que me fazem isto, digi-guionistas, porquê?!?); Palmon, mais uma vez, nem coragem tem para pensar, sequer, em despedidas; Tentomon procurando consolar Izzy, dar-lhe esperança, fazer com que ele volte a sentir prazer em aprender. Só ele e Agumon é que, aliás, revelam a verdade aos respetivos companheiros humanos.
A ação em Kokuhaku (leia-se: combates entre Digimon) limita-se a um episódio. Ao contrário de outras ocasiões em Tri, isso não prejudica tanto este filme pois não faltou desenvolvimento de personagens e muito drama nos primeiros três episódios. Esta batalha, que dura o episódio todo, é, aliás, o momento em que todos os segredos, todos os erros cometidos até à altura, se voltam contra o elenco de uma maneira trágica. Meicoomon aparece no Mundo Real a partir de uma distorção e todos, tirando Izzy, acorrem ao local. Embora não se possa ter a certeza absoluta, aparentemente a chegada de Meiko ao local faz com que Meicoomon digievolua para Meicrackmon (quando dei com este nome pela primeira vez, tive de confirmar que não era um nome inventado por fãs. Meicrackmon? A sério?). Momentos depois, T.K. tenta impedir Patamon de se juntar ao combate, em vão. Acaba por ser ele, na forma de Angemon, quem despoleta a Infeção nos outros Digimon, que começam a atacar-se uns aos outros e a contagem decrescente para o Reinício começa.
Nessa altura, Izzy descobre que Meicoomon está na origem de tudo e rapidamente cria o tal campo de dados, que curará as infeções e preservará as memórias dos Digimon. Numa altura em que a maior parte dos Escolhidos só agora é posto ao corrente sobre o Reinício, Tentomon é enviado para a dimensão distorcida onde ocorrem os combates para tentar levar os amigos Digimon para dentro do campo de dados antes que se dê o Reinício. Inicialmente, tem MetalGreymon a ajudá-lo, mas também ele acaba por ser dominado pela Infeção (chega mesmo a evoluir para WayGreymon sem darmos por isso). A certa altura, Izzy pede a Tentomon que esqueça os outros e se salve a si mesmo. O Digimon, compreensivelmente, recusa pois não quer ver os amigos morrer.
Em jeito de despedida, Tentomon dirige a Izzy umas palavras de consolo, remetendo para o conflito do jovem neste filme: diz que ignorância é apenas o ponto de partida para aprender coisas novas; que adorou encontrar Izzy e ir conhecendo-o ao longo do tempo, se tiver de ser adorará conhecê-lo outra vez. Dito isto, evolui pela primeira vez para HerculesKabuterimon. Desta feita não há a habitual euforia que acompanha as novas digievoluções, esta é apenas uma última tentativa, um canto de cisne.
Por um momento, HerculesKabuterimon consegue fazer com que os amigos Digimon recuperem a razão. Sabendo perfeitamente que já não podem fazer mais nada, os oito abraçam-se, encurralando Meicrackmon no meio. Juntos, conseguem regressar à distorção, mas já não chegam a tempo de entrar no campo de dados. O Reinício é ativado, os nove Digimon desfazem-se em partículas digitais… e os nossos corações também.
Não sei como foi com vocês, mas este desfecho doeu-me, ainda dói, mais do que eu esperaria. Dói-me pensar que criaturas que conhecemos desde miúdos se esqueceram de tudo por que passaram com os respetivos Escolhidos. Que a Gatomon se esqueceu do Wizardmon e do momento em que percebeu que Kari era a sua companheira humana. Que o Patamon se esqueceu da sua zaragata com o Elecmon, na Aldeia de Origem. Que o Gomamon se esqueceu da primeira piada que ouviu do Joe (“Chamas a isso mãozinha?”). Que a Palmon se esqueceu de quando obrigou Mimi a engolir as suas palavras, depois de evoluir para Lillymon. Que o Tentomon se esqueceu da sua hilariante apresentação aos pais de Izzy. Que a Byomon se esqueceu de se aliar à mãe de Sora para a resgatar. Que o Gabumon se esqueceu de quando usou o seu casaco de peles para curar a hipotermia de Matt. Que o Agumon se esqueceu de quando queimou o mapa desenhado (muito mal) por Tai e levou nas orelhas por isso. Dá vontade de chorar. É uma grande parte da infância dos Escolhidos, da nossa infância, que na mente dos Digimon nunca aconteceu.
Quando vi Kokuhaku pela primeira vez, foi um alívio descobrir que existia um quinto episódio. Mas, como esta entrada já vai longa, falaremos desse episódio e de muito mais na segunda parte desta análise, que virá amanhã. Continuem desse lado, que ainda temos muito para chorar... desculpem, falar.
1) Spoilers: as entradas desta série terão inúmeras revelações sobre o enredo do primeiro e segundo filmes de Digimon Adventure Tri e, possivelmente, dos enredos de Adventure e 02. Leia por sua conta e risco.
2) Alguns conceitos próprios desta série animada têm traduções controversas - na língua portuguesa, têm mais do que uma possível. Neste texto, vou adotar as traduções com que estou mais familiarizada e/ou que considero mais adequadas.
3) Apesar de as legendas do filme usarem os nomes japoneses das Crianças Escolhidas, eu vou usar as versões americanizadas dos nomes, visto que estou mais habituada.
Nesta segunda parte (primeira parte aqui), vamos deixar as personagens um pouco de lado e passar à intriga do filme em si. São-nos dadas mais algumas pistas sobre o que se está a passar ao certo no Mundo Digimon e sobre as distorções. Daigo e Maki suspeitam que os Digimons Infetados tenham como alvo um dos companheiros dos Escolhidos – não são precisos muitos dedos de testa para se somar dois e dois e chegar logo a Meicoomon. Uma pessoa estranha que Daigo e Maki não cheguem a essa conclusão… ou será que chegam?
Entretanto, Leomon reúne-se com os Escolhidos no Mundo Real para fazer o ponto da situação. As informações dele ajudam Izzy a perceber que o que quer que esteja a infetar os Digimons está, igualmente, a provocar as distorções (impagável a reação dos Digimons dos miúdos, que debatem se devem usar repelente ou protetor solar para evitar infeções. Por outro lado, se forem como as bactérias multirresistentes, estão feitos…). A pergunta que se segue diz respeito à origem da infeção, ao primeiro Digimon Infetado – a resposta é-nos dada de maneira trágica.
Pelo meio, Izzy recebe um e-mail misterioso em digi-código. Depois de traduzido, este diz algo como “Aqueles que desejam o verdadeiro poder, devem conhecer a Escuridão e ir além”. Por alturas do fim do filme, fica claro que esta profecia, ou lá o que é, diz respeito às novas evoluções para nível Extremo/Hiper Campeão (sou a única aqui a ter um déjà-vu?), mas quando vi a profecia pela primeira vez, a minha mente saltou para Ken. Se há pessoa que conheça a escuridão e tenha ido mais além é ele. Mas antes de falarmos melhor sobre Ken – sim, vamos voltar a falar sobre Ken (*suspiro*) – digo que o significado desta profecia parece-me claro. Para os Escolhidos desbloquearem as Digievoluções para nível Extremo, terão de olhar para dentro de si mesmos, reconhecer os seus defeitos, o seu lado negro, e procurar ultrapassá-lo de uma forma ou de outra. Nada de inédito em Digimon, pelo contrário, este tem sido o seu ponto forte desde o início de Adventure. Segundo o que li na Internet, os produtores de Tri têm dado a entender que vão continuar a associar o estado psicológico das personagens às Digievoluções.
Um dos (muitos) enigmas deixados pelo filme diz respeito ao autor deste e-mail – que também foi enviado a Maki. A resposta óbvia seria Gennai, não seria a primeira vez que ele dava uma mãozinha aos Escolhidos, mas porque não assinaria o e-mail? Estou, até, a estranhar a ausência de Gennai da história de Tri mas, tendo em conta que ele pouco mais é que um deus ex-machina, não acho que isso seja mau. Por outro lado, continuo com sérias dúvidas de que ele esteja mesmo a colaborar voluntariamente com a organização para a qual Maki e Daigo trabalham.
Queria falar agora de Maki. Em Saikai ela pouco mais era que uma motorista mas, em Ketsui, conhecemo-la melhor e o seu comportamento levanta algumas suspeitas. Já referi acima da cumplicidade entre ela e Meiko. Mais tarde, é a primeira a vislumbrar e a reconhecer Ken em modo Imperador Digimon (sim…) durante o festival cultural. Pouco depois, pergunta por Meicoomon e descobre que, à semelhança dos outros Digimons, está com Izzy no seu escritório. Assim que pode, atrai Izzy para o festival… enviando-lhe uma foto de Mimi num traje reduzido de menina de claque.
Lembram-se de eu ter elogiado Saikai por ter sido discreto na parte romântica da história? Pois, Ketsui não faz o mesmo. Para além das cenas das termas de que falei, somos brincados por duas vezes com um Izzy com cara… chamemos-lhe “de apaixonado”. Uma cara que todos nós sempre quisemos ver num herói de infância... só que não. Da segunda vez em que Izzy faz essa cara, a câmara faz questão de focar o busto e as ancas de Mimi antes. Menos, digi-guionistas, menos!
Regressando a Maki, há que assinalar o calculismo e frieza dela ao usar as hormonas de um miúdo de dezasseis anos contra ele. Ela oferece-se para tomar conta dos Digimons no escritório por ele mas, por sinal, estes já não lá estavam. Tinham conseguido convencer Leomon (que fazia as vezes de baby-sitter) a levá-los ao festival – destaque para o Meicoomon fazendo olhinhos de Gato das Botas do Shrek (algo que, em retrospetiva, é perturbador). No festival (depois de o filme perder tempo mostrando os Digimons entrando num concurso de máscaras) Maki consegui, finalmente, deitar as mãos a Meicoomon. Deixa-a sozinha no pátio da escola enquanto vai buscar um petisco às tendas. Poucos minutos depois, forma-se uma nova distorção de onde surge o Imperador Digimon, que agarra Meicoomon. Ninguém acredita que isto tenha sido acidental, sobretudo depois do que acontecerá bem no cair do pano. Muitos interrogam-se o que teria acontecido se Maki tivesse encontrado os Digimons no escritório, se teria conseguido convencer Leomon, Agumon e os outros a levar Meicoomon consigo.
Uma das coisas que mais me incomodou em Saikai foi o facto de, depois de o filme começar com imagens de Davis, Yolei, Cody e Ken tombando perante Alphamon, nenhuma das outras personagens parece aperceber-se e/ou importar-se com o destino dos miúdos de 02. Agora apareceu-lhes Ken à frente de novo, em modo Imperador Digimon (depois de tudo por que ele passou para se redimir disso), acompanhado por Imperialdramon, aparentemente infetado (recordo que Imperialdramon resulta da fusão de Wormon com Veemon, o Digimon de Davis, mas deste último nem cheiro). Como é que os Escolhidos reagem, especialmente Kari e T.K.? Como se fosse um inimigo insignificante qualquer a regressar, como Etemon, não um Escolhido, um velho amigo desaparecido, que tinham ajudado a redimir, ao lado de quem tinham salvado o Mundo. Enquanto os via dizendo coisas como “Ele outra vez?”, “Que faz ele aqui?”, “Porque é que ele apareceu?”, a minha reação era esta. Eu quase gritava para o ecrã: “Alguém pergunte pelo Davis e os outros! Alguém perceba que eles estão desaparecidos!”.
Nesta altura do campeonato, já não existe explicação possível para o desconhecimento e/ou desprezo pelo destino dos miúdos de 02 (incluindo alterações de memória estilo Once Upon a Time) que não tenha buracos. É óbvio que os guionistas queriam focar-se nos protagonistas de Adventure, que lidar com oito (e agora nove) Escolhidos já é difícil, quando mais doze, mas… não existiam maneiras mais fáceis de excluí-los da história? Eu consigo arranjar algumas: os D3 deles avariados, os Digimons deles retidos no Mundo Digital, os quatro terem ido viver para outras cidades por um motivo ou outro. Pela via que tomaram, são capazes de estar a cavar um buraco da qual será difícil saírem. A boa notícia no meio disto tudo é que, depois daquele final, não vão poder adiar a questão por muito mais tempo – e, ainda assim, continuo com um feeling de que os digi-guionistas se vão enterrar ainda mais com esta história.
Mas passemos à luta em si com Imperialdramon, que se desenrola numa estranha dimensão criada pelas distorções para onde o Imperador Digimon levou Meicoomon. Este era o momento mais aguardado de todo o filme, sobretudo pelas estreias de Vikemon e Rosemon, os níveis Extremo/Hiper Campeão de Gomamon e Palmon, respetivamente). Estas estreias cumprem os requisitos que eu tinha definido? Mais ou menos. Ao contrário de muitos fãs, não achei que tenham vindo do nada, quanto mais não seja porque já tinha havido um bom desenvolvimento de Mimi e Joe – um progresso em relação a pelo menos metade das Digievoluções em 02. A epifania de Joe resulta um pouco melhor, pois ele tinha acabado de decidir lutar ao lado do seu Digimon (será daqui que vem o título Ketsui, que significa Decisão ou Determinação?). O grito de “Ike! GOMAMOOON!” forçou um bocadinho o drama, mas resultou. Teoricamente, Mimi, por esta altura, já poderia ter desbloqueado Rosemon – talvez precisasse do empurrãozinho final de Joe. Se tudo isto parece fácil comparado com Tai e Matt, que tiveram de levar com flechas? Parece. Mas sempre foi melhor que ter apenas Gennai e Azulongmon puxando uns cordelinhos.
À parte tudo isto, a batalha em si não desilude. O som do dispositivo digital ativando-se e as primeiras notas de Brave Heart emocionam e arrepiam como fazem desse o primeiro episódio de Adventure. As sequências de digievolução para os níveis Perfeito/Super Campeão e Extremo/Hiper Campeão por que ansiávamos não desapontam. Gostei em particular das Digievoluções para nível Perfeito, sobretudo de estas sempre me terem parecido apressadas em 02. Destaco os dispositivos mudando de cor e os símbolos das virtudes. Agora anseio por ver as does restantes Digimons.
Da primeira vez que vi o combate com o Imperialdramon estive sempre a beira do assento, sustendo a respiração. Há quem reclame por, agora, os Digimons nem sempre gritarem os nomes dos seus ataques, mas eu nunca achei grande piada a isso. Parece-me muito mais realista que Digimons em pleno combate poupem o fôlego para outras coisas. Como, aliás, já tinha assinalado na análise a Saikai, as lutas entre Digimons estão muito mais orgânicas.
Aparentemente, Leomon, Vikemon e Rosemon matam Imperialdramon (que, recordo, resulta da combinação de dois Digimons ligados a Escolhidos) e… nenhum dos Escolhidos se rala com isso. Por incrível que pareça, o mais estranho é o que acontece a seguir: o Imperador Digimon solta Meicoomon, assim sem mais nem menos, antes de desaparecer. Ele literalmente desvanece-se no ar. Não sabemos ao certo se aquele ela mesmo Ken ou uma cópia ou holograma ou projeção ou algo assim – ou seja, sabemos essencialmente o mesmo que sabíamos aquando dos primeiros trailers em que aparecia o Imperador Digimon. Também não sabemos se aquele era mesmo o Imperialdramon. Se for, que raio lhe aconteceu para ser infetado? Se não for, que raio era aquilo, então? Também uma projeção ou cópia? Outro Imperialdramon qualquer? Tudo isto vai dar à questão original: onde raio param Davis e os outros?
O mais chocante acontece mesmo no fim, depois de os quatro Digimons regressarem ao Mundo Real. Um pouco do nada, o dispositivo digital de Meiko enegrece, Meicoomon muda de forma (não se percebe se evolui para o nível Perfeito ou se é apenas uma nova forma) e mata Leomon. Já é uma piada recorrente em Digimon, Leomon morre sempre, mas acho que ninguém estava à espera que acontecesse desta forma… Eu confesso que, quando Meicoomon deu o golpe fatal, fiquei com a mesma cara e a mesma reação dos Escolhidos: “Que acabou de acontecer aqui?”. Com o choque, nem sequer reparei no infame sorriso de Maki, que tem deixado os fãs em polvorosa. Enquanto os Escolhidos estão ainda a tentar perceber o que aconteceu, Maki vira as costas à cena, confirma que as distorções e os Digimons Infetados começaram com Meicoomon, e começa já a pensar na próxima jogada (ela é mesmo fria!). O filme termina com este cliffhanger, com Meiko aos gritos por Meicoomon. Da primeira vez que vi Ketsui, eu rebobinei para a frente nesta altura, a ver se existiam cenas pós-créditos como em Saikai, qualquer coisa que desvendasse o mistério, mas não.
Pelas internetes fora, já há quem especule que Maki está a ser controlada pela Escuridão e tal. Não concordo. Acho que já passámos essa fase, a preto e branco. Penso que Maki, pura e simplesmente, tem os miúdos e a população humana em geral como prioridade, os Digimons são-lhe indiferentes, mesmo sacrificáveis. Daí as armas que desenvolve, daí ter facilitado a captura de Meicoomon e ter sorrido quando este atacou Leomon – foi a confirmação daquilo que ela provavelmente vinha a suspeitar por algum tempo. É também por isso que eu não acredito que o Gennai esteja a ajudá-los. Pelo menos não voluntariamente, ou está a fazê-lo sem conhecer as verdadeiras intenções da organização.
Tivemos uma resposta sobre a origem das distorções e dos Digimons Infetados, mas é uma daquelas respostas que não esclarecem nada, que criam uma infinidade de novas perguntas. Queremos saber como Meicoomon foi infetada, se ela já nasceu assim ou se foi depois (há quem especule que o Digiovo que vemos no início de Saikai era o de Meicoomon). O que nos leva de novo à pergunta: como é que Meiko se tornou uma Escolhida? Com isto tudo, talvez Alphamon não seja o verdadeiro vilão da história, talvez, em Saikai, ele estivesse a tentar eliminar a fonte dos problemas todos. Mas isso não explica o interesse de Ken (se é que era mesmo ele) em Meicoomon – ele queria também eliminar a fonte de infeção ou queria espalhá-la ainda mais?
É por estas perguntas todas que ficam por responder – e muitas delas são herdadas de Saikai – que não consigo gostar tanto Ketsui como gostei do seu antecessor. Além do mais, como fui dando a entender, as cenas de ação, de lutas entre Digimons, foram breves e só Palmon e Gomamon lutaram. Em Saikai pudemos ver todos os Digimons em pelo menos o nível Campeão, tirando Ikakumon e, apesar de ter apenas terem lidado com Kuwangamons (que é o equivalente no Mundo Digimon a lidar com uma praga de ratazanas), foi excitante – toda a equipa a lutar de novo, passados todos estes anos. Eu não me queixaria muito disso se isso significasse mais tempo para a caracterização das personagens. Não que esta não ocorra mas, lá está, há muita cena desnecessária neste filme – a visita às termas, o festival cultural, os Digimons dos Escolhidos portando-se como crianças travessas – que poderia ter sido trocada por mais tempo de antena para os combates ou para o desenvolvimento dos Escolhidos (Tai, Matt, Sora e T.K. fazem muito pouco neste filme). Por outro lado, eu não costumo criticar o CGI e outros aspetos mais técnicos (por falta de experiência, por normalmente valorizar mais o conteúdo), mas até a mim me incomodaram os ocasionais planos estáticos. Dá a ideia de que aquelas partes foram feitas um bocadinho em cima do joelho, o que dá a ideia de falta de consideração pelos fãs que aguardaram meses (ou se calhar anos) por esta série de filmes.
Admito que uma boa parte das opiniões que referi no parágrafo anterior possa mudar quando todos os filmes tiverem saído e pudermos vê-los em sequência. Por agora é desanimador termos esperado três meses por Ketsui e o filme perder tempo com fillers, fanservice desnecessário, comédia fácil e deixar quase todas as perguntas por responder. Por outro lado, à semelhança de Saikai e de, bem, Digimon em geral, é na caracterização das personagens que Digimon brilha, sendo aqui que Ketsui se redime.
Agora temos de esperar até 24 de setembro pelo próximo filme. Posso tirar um parágrafo para me queixar disso? Eu contava com um lançamento de Kokuhaku (Confissão) para julho ou agosto (desde que fosse depois do Euro 2016, por mim tudo bem). Idealmente seria à roda do Odaiba Memorial Day. Mas 24 de setembro? Seis meses depois deste? Eu até estou habituada a esperar por estas coisas – com a Seleção Nacional, que só faz jogos de longe a longe; com o drama que foram os lançamentos dos últimos dois álbuns da Avril Lavigne – mas seis meses? É muito tempo! Ninguém merece…
Bem, já que tão cedo não voltarei a escrever sobre Digimon, quero especular um bocadinho sobre Kokuhaku. Consta que se focará em Izzy e T.K., algo que muitos têm estranhado. Toda a gente esperava que T.K dividisse o protagonismo de um dos filmes com Kari mas, na minha opinião, o parzinho já é um cliché quase tão grande como a morte de Leomon. O emparelhamento entre T.K. (que pouco tem feito em Tri) e Izzy será uma novidade, poderá ser interessante. Por outro lado, isto pode significar que Sora e Kari protagonização o quarto filme. Esta é uma parelha quiçá ainda mais interessante. Foram as minhas personagens preferidas quando era mais nova (Sora em Adventure, Kari em 02), mas têm sofrido de uma gritante falta de caracterização. Quero ver o que Tri fará com elas (rezando às quatro Bestas Sagradas do Mundo Digital para que os digi-guionistas não as releguem para meros interesses amorosos…).
Por sua vez, o título Confissão é intrigante. A hipótese mais óbvia é que sejam declarações amorosas – sendo este filme protagonizado por Izzy e T.K., tais declarações serão destinadas a Mimi e a Kari. Acho, no entanto, que existem outras possibilidades mais interessantes. Em Ketsui tivemos muitos segredos, muitas verdades por encarar: as dúvidas existenciais de Tai, como Meiko se tornou uma Escolhida, as verdadeiras intenções de Maki, o que aconteceu aos miúdos de 02 (é possível que alguém saiba mais do que aparenta). Tais segredos tiveram consequências trágicas em Ketsui, talvez estes venham à luz em Kokuhaku. Ou talvez não venham e as coisas se tornem ainda mais difíceis para os nossos adorados Escolhidos. Talvez não seja por acaso que Izzy vá ser um dos protagonistas de Kokuhaku – se há Escolhido que não suporte perguntas por responder, é ele.
Um aspeto que tem intrigado em relação ao poster de Confissão é o facto de o Digimon de Izzy surgir na sua forma Extrema, HerculesKabuterimon, mas o de T.K. aparecer apenas como Patamon. Se a isto acrescentarmos o teaser em que Patamon se despede de T.K. e este grita por ele, uma pessoa começa a recordar o que aconteceu em Adventure e a temer que o jovem volte a perder o seu Digimon. Não sei se é a melhor opção ir por aí – um segundo sacrifício de Patamon terá o mesmo impacto que o primeiro? Não me importarei, contudo, se voltarem a explorar este trauma de T.K., bem como a sua intolerância para com a Escuridão – pegaram nisso em 02, mas não o concluíram como deve ser, na minha opinião.
Apesar de tudo – apesar das críticas que aponto a Ketsui, apesar de ainda termos de esperar seis meses por Kokuhaku – esta é uma ótima altura para se ser fã de Digimon (tal como é uma ótima altura para se ser fã de Pokémon). Mais de quinze anos depois, não apenas reencontramos os nossos heróis de infância, descobrimos mais sobre eles, conhecemo-los ainda melhor. Abrimos uma porta que julgámos ter ficado encerrada no final de 02. E ainda vamos no início, ainda há muito por descobrir acerca das eternas Crianças Escolhidas (Por favor! Por favor! Desenvolvam Sora e Kari como deve ser!).
Naturalmente, o próximo Odaiba Memorial Day será especial. Pelo menos é o que estão a tentar fazer no nosso país, aproveitando o “reacender da chama” (como referem na página de Facebook) que o lançamento de Tri proporcionou. Não sei muitos pormenores, mas a ideia seria fazer um encontro de fãs portugueses no dia 1 de Agosto, esse dia tão especial para a comunidade Digimon. Ainda não sei se posso ir, mas vou tentar.
Continuo um bocadinho de coração partido por Kokuhaku não sair por essa altura – nada me deixaria mais feliz do que ver o filme pela primeira vez com outros fãs no Odaiba Memorial Day (mesmo que significasse não vê-lo no próprio dia do lançamento e ter de evitar spoilers por uns dias). Há no entanto algo que bem poderia estrear nesse encontro: a dobragem portuguesa de Saikai, que está a ser realizada pelo AniMedia.
Por surpreendente que seja, inclusive para mim mesma, tendo em conta o que escrevi anteriormente sobre as dobragens portuguesas de Adventure e 02, eu fiquei entusiasmadíssima quando soube deste projeto. Foi uma daquelas coisas que eu não sabia que desejava até descobrir acerca delas – bem, cheguei a sonhar algumas vezes com uma dobragem portuguesa, logo, o meu subconsciente andou a enviar-me sinais. Já que vai ser uma realidade, espero que esta fique bem feita. E que aproveitem a minha sugestão de estreá-la no Odaiba Memorial Day em Portugal. Até lá...