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Álbum de Testamentos

"Como é possível alguém ter tanta palavra?" – Ivo dos Hybrid Theory PT

Concertos #3 – Segundas oportunidades

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Chegámos à última parte do meu balanço de concertos. Hoje vamos falar sobre a banda que, de forma direta e indireta, virou a minha vida do avesso, sobretudo nos últimos dois anos e pouco – e, ao que tudo indica, irá continuar. Não existe nada de normal nesta banda nem na minha relação com ela. O concerto a que fui no ano passado foi apenas um exemplo: dois meses antes não o achava, sequer, possível.

 

Um regresso dos Linkin Park não estava no bingo de ninguém para 2024. Muito menos com um álbum novo. Muito menos com uma mulher como vocalista. Tecnicamente já escrevi sobre isso aqui, mas os meses que se passaram desde essa altura, o equivalente a uma gestação, trouxeram outra prespetiva. 

 

Quando me recordo do período antes de 5 de setembro de 2024, esse parece-me outra vida. É certo que tinham havido sinais nos meses anteriores. Ainda há pouco tempo foram-me aparecendo, nas funcionalidades de memória das redes sociais, publicações sobre os primeiros rumores de uma cantora nos Linkin Park. Tenho-me fartado de rir com as minhas reações. A questão é que, por uma questão de sanidade mental, não acreditava em nada, a menos que viesse diretamente da banda. E, a partir de certa altura, isso deu em negação.

 

E mesmo com as pistas que iam saindo, falando por mim, deste lado da grade, o regresso dos Linkin Park foi quase do dia para a noite. E eles vieram com tudo. Num dia, eram uma banda parada, sem vocalista, que podia nunca mais voltar ao ativo. No dia seguinte, tínhamos uma banda completa, com música novinha em folha, um álbum pronto a ser lançado, concertos marcados, como se nunca tivessem estado em pausa. Do zero ao oitenta – agora compreendo o título From Zero. Foi como vermos uma série depois de saltarmos várias temporadas – no elenco estão velhos conhecidos e outras personagens, para nós desconhecidas, mas já bem integradas na história. 

 

É de admirar que tantos de nós tenham precisado de um momento para entrar no ritmo?

 

E agora, passado todo este tempo, é-me muito claro que esta foi a melhor maneira possível de voltarem. Emily Armstrong é a pessoa certa no lugar certo. Tem as cordas vocais, para começar, mas eu diria que essa é a parte mais fácil – só garante o papel de vocalista convidado. Tem a idade e o nível de experiência certos para se encaixar bem na banda. Mais importante de tudo, diria eu, Emily tem a personalidade certa.  Ela é um deles, feita da mesma matéria-prima: engraçada, totó, sem se levar demasiado a sério. Porta-se como a irmã mais nova traquinas, sobretudo do fundador, multi-intrumentista e produtor Mike Shinoda e do baixista Dave Farrell. Se não me engano, Emily já admitiu roubar roupa ao Mike – por estes dias, eles vestem-se de forma tão parecida que às vezes, em vídeos de concertos de baixa qualidade, é difícil distingui-los. E há vários momentos em vídeo dela a brincar com os colegas, em palco e fora dele.

 

 

E depois, conforme a vou conhecendo melhor, mais rendida lhe fico. Mulheres como Emily – roqueiras, louras, de dedo do meio levantado – são outra das minhas fraquezas. Quando ela me apareceu a andar de skate nos bastidores do vídeo de Two Facedquase ouvi o universo a rir-se de mim. Emily não é só feita da mesma matéria-prima dos Linkin Park: ela é feita da mesma matéria-prima que Avril Lavigne e Hayley Williams. Elas que me criaram! Eu nunca tive hipóteses, minha gente, sou apenas humana. 

 

De qualquer forma, a ideia com que fico é que qualquer pessoa com a mente minimamente aberta acabará por aceitar Emily, mais cedo ou mais tarde. Tal como disse uma amiga minha, “primeiro estranha-se, depois entranha-se, depois adora-se”. O problema de setembro passado foi o barulho desproporcional online. Mas, à medida que o tempo foi passando, que Emily foi ganhando à-vontade, que das músicas novas foram sendo lançadas e obtendo bons resultados nas tabelas, que os bilhetes foram sendo vendidos, ficou claro que a maior parte dos fãs está contente com o regresso da banda.

 

Para mim, a discussão Emily versus Chester está arrumada há muito. Não me interessa quem é o “melhor”. Chester morreu. Os Linkin Park não quiseram – e bem – uma pessoa como o Ivo dos HT, capaz de recriar a voz dele. Preferiram Emily e, conforme acabo de explicar, escolheram bem. Eu gosto dos dois. Aliás, por estes dias, desejava que ambos estivessem na banda – o que, obviamente, não é possível. Chester irá sempre fazer falta, mas os Linkin Park não se podem centrar para sempre na perda dele. Têm o direito de ser felizes e claramente estão felizes com Emily. Ponto final. 

 

Uma palavra para Colin, que costuma ser esquecido nas conversas sobre a nova vida dos Linkin Park. Eu gosto dele. Já não me lembro muito bem dos tempos de 2017 para trás, mas a ideia que tenho é de que o seu antecessor, Rob Bourdon, era dos mais discretos da banda. Nesse aspeto, Colin é mais extrovertido e, tal como Emily, já tem uma certa dinâmica com a comunidade de fãs. Pelo que vou vendo, já ganhou a fala de Tom Holland da banda, pela tendência para revelar mais do que deve. E já anda a aprender com os fãs

 

Estou ansiosa por conhecê-lo ainda melhor. A ele e a Emily. São nossos.

 

Hei de escrever sobre o álbum From Zero. Este texto, no entanto, focar-se-á sobretudo no concerto que os Linkin Park deram em Paris, em novembro do ano passado – a que assisti. À hora desta publicação, a banda já conta inúmeros concertos sob este formato, mas este foi um dos primeiros da nova era. Verdadeiramente um reencontro com os fãs, uma re-apresentação.

 

Houve tempo para passear um pouco por Paris, antes e depois do concerto, quer a solo quer com os amigos da família HT com quem fui. Já tinha lá estado dois anos antes, mas soube bem à mesma. Paris é uma cidade bonita (ainda que com partes menos bonitas). Embora saiba que é um cliché, adoro a Torre Eiffel, sobretudo de noite. Era capaz de ficar horas a olhar para ela. 

 

 

De vez em quando, cruzávamo-nos com gente usando merch dos Linkin Park – oficial ou não – e naturalmente recriávamos o meme do Homem-Aranha. Andava com o meu boné dos Hybrid Theory, fazendo publicidade aos moces – acenei à distância a uns fãs brasileiros que terão reconhecido o nome. No dia a seguir, nas filas da viagem de regresso, estive à conversa com outros fãs portugueses que também tinham ido ao concerto. Trocámos impressões sobre o regresso da banda e também, claro, sobre os Hybrid Theory e o seu segundo Pavilhão Atlântico, daí a uns meses (mais sobre isso adiante). 

 

Em suma, falando por mim, sentiu-se aquele espírito Linkin Park, aquela alegria de termos a nossa banda de volta. 

 

O La Défense Arena é parecido com o Pavilhão Atlântico por dentro, mas maior e menos bonito. Foi a maior audiência da nova era até àquele momento. Infelizmente, foi o primeiro a não ter palco circular. Comprámos bilhetes para as bancadas de trás e acabámos por ficar um pouco longe do palco. Mas também, com lugares marcados, ficámos mais à vontade em termos de filas. Até porque, segundo consta, houveram problemas nas entradas para a plateia.

 

Os Linkin Park abriram com o mesmo tema com que já haviam aberto o direto de inauguração da nova era – menos de dois meses antes! Consta que o nome oficial da faixa é Inception Intro A. Só quando estava a pesquisar para estes textos é que percebi: este é o equivalente dos Linkin Park à introdução da Eras Tour. Todo um repertório enfiado numa música de dois minutos e meio. Inception, no entanto, não invoca nomes de álbuns, invoca elementos musicais de vários êxitos dos Linkin Park: os sintetizadores de The Catalyst, alguns versos de Castle of Glass, o piano de Waiting For the End, as notas de abertura de In the End e de Numb, a percussão de Somewhere I Belong. E isto é apenas aquilo que consigo identificar. Um remix de metade do alinhamento de Papercuts.

 

Gosto ainda mais de Inception do que da introdução da Eras. Musicalmente é melhor, mais complexa. Mas sobretudo, estando eu muito mais afeiçoada à música dos Linkin Park, Inception mexe ainda mais com as minhas emoções. Até porque, da primeira vez que a ouvi, tais emoções estavam em completo desalinho.

 

 

Ao contrário do que aconteceu no direto, no entanto, a Inception seguiu-se Somewhere I Belong. Uma das preferidas de Colin, segundo Mike, quando ele e os outros veteranos da banda não a colocavam entre as melhores dos Linkin Park. É outro aspeto engraçado do alinhamento novo – dois fãs promovidos a membros oficiais. Trazendo perspectivas novas. Houve até um momento engraçado numa entrevista do ano passado: os anfitriões estavam a comentar que sempre adoraram Linkin Park, Emily disse “Eu também”, Mike riu-se e recordou-lhe, no mesmo tom, que ela agora faz parte da banda. 

 

Eu não vejo mal nenhum. É saudável ser-se fã do próprio trabalho ou do trabalho que representa, a que se dá vida. Do legado que lhe foi colocado nos ombros.

 

Nesta altura, Emily já estava mais à vontade em palco, já se notava a diferença em relação a dois meses antes. Um aspeto curioso em que difere de Chester é que ela parece gostar de tocar guitarra em palco. No concerto de Paris, tocou em Over Each Other – lançada como single poucas semanas antes e estreada ao vivo nessa noite. Tinha esperanças de que eles tocassem uma inédita – provavelmente queriam ir acrescentando apenas uma música de cada vez.

 

Orgulho-me de dizer que o público recebeu bem Emily – o melhor episódio de sempre de Emily em Paris, como li algures. Gritei o nome dela em coro com milhares – tal como tinha feito dez anos antes com Chester. Sobretudo no momento delicioso que podem ver aqui

 

Tenho de confessar uma coisa, no entanto: existem músicas antigas dos Linkin Park de que continuo a não gostar quando adaptadas à voz dela. What I’ve Done é um dos exemplos – sobretudo em contraste com a versão que os Hybrid Theory tocavam no ano passado. Um solo prolongado do Miguel, com o Ivo e o Dani aos headbangs nas costas dele. 

 

Lost in the Echo é outra de que não gostei sob este formato. Mas para ser sincera, mesmo em concertos dos HT, ando algo farta da música. 

 

Mas isto são exceções. E mesmo que não fossem… eu conseguiria viver com isso. Só teria de ouvi-las nas raríssimas ocasiões em que fosse a concertos dos Linkin Park.

 

 

No que toca à maior parte das interpretações de Emily, estou entre o “tolero” e o “gosto ativamente”. Tenho várias entre as minhas preferidas: New Divide, Burn it Down, Waiting For the End. No concerto de Paris em particular, as músicas mais calmas foram pontos altos, na minha opinião. Castle of Glass, por exemplo, que sempre esteve entre as minhas preferidas. Friendly Fire – a música tinha saído no início de 2024, mas parecia que já a conhecia há anos, que era uma de muitas das antigas que agora ouvíamos com o filtro de Emily. My December, uma das surpresas da nova era,  lindíssima sob esta nova versão. Tenho-me perguntado se foi também um pedido dos meninos novos.

 

Leave Out All the Rest foi das melhores. Foi das mais que mais me tocaram. Ouvi-a abraçada ao meu eu que dezassete anos, que ruminava sobre a letra vezes e vezes sem conta, sem nunca a compreender até anos depois. Eles mudaram a estrutura – um solo de guitarra no início, um pós-refrão no fim, Mike cantando o refrão na introdução e o resto praticamente a meias com Emily. 

 

Pensava que esta versão tinha sido criada para esta nova era. Nas pesquisas para este texto descobri que já havia sido tocada durante a digressão de One More Light – com Chester cantando quase tudo. Foi incluída no One More Light Live, na verdade, mas não me lembrava de a ter ouvido antes. 

 

Em todo o caso, adoro esta versão. Tanto a cantada em 2017 como a atual.

 

Outra que teve alterações interessantes foi Points of Authority. À semelhança de Leave Out All the Rest, foi Mike a cantar as estâncias, o que faz sentido. Houve um momento giro quando Emily se enganou nos últimos refrões – duas vezes! Ela depois foi ter com Mike como quem pede desculpa e ele deu-lhe um abraço. Adorável. 

 

Uma confissão: não vi o momento em direto, só mais tarde, na net. Estava demasiado ocupada abanando o capacete. Tive o problema oposto de quem passa os concertos de telemóvel em punho: estava tão perdida na música que nem prestei atenção ao que se passava em palco. 

 

Mike foi quem mais gostei de ver. Estava tão feliz – como, aliás, nunca deixara de estar nos dois meses anteriores. Como li por aí, nunca mais parou de sorrir desde o direto de 5 de setembro.

 

 

 

Neste concerto, então, não dava para ignorar. Durante Burn it Down, por exemplo. Ao longo dos anos, fui vendo vários vídeos da banda tocando-a ao vivo, Mike fazendo o rap com uma expressão relativamente séria. Em Paris foi a primeira vez que o vi fazendo o rap a sorrir. 

 

E In the End? In the End…

 

Durante muitos anos disse que a minha música preferida dos Linkin Park era New Divide. Mas a verdade é que tenho vindo a acumular inúmeras recordações maravilhosas relacionadas com In the End. A primeira há muito, no Rock in Rio 2008, mas a maior parte delas nos últimos dois anos. Muitas delas em concertos dos Hybrid Theory, claro: agarrando a mão do Ivo, do Pedro. Aliás, hoje em dia, incluo sempre o “Gritem!” do Pedro a meio da terceira parte – pertence à letra oficial, já. E, como referi antes, quando gente da família HT se reúne, muitas vezes acabamos a cantar In the End. Destaque para o momento em que “obrigámos” a Jéssica Cipriano a cantá-la aqui

 

Não digo que esteja entre as melhores da banda. Pelo contrário, é a versão mais palatável do estilo rock-e-rap pelo qual são conhecidos. Um dos êxitos mais óbvios, aquela que toda a gente conhece. Mas a questão é mesmo essa: é aquela que toda a gente conhece, que toda a gente adora. É a música que une todos os fãs. 

 

De qualquer forma, nunca tinha visto ninguém, nem eu mesma, cantando-a com tanta alegria como o Mike naquela noite. Penso que pelo menos parte disso terá sido influência de Emily, igualmente entusiasmada. Mesmo assim, nunca tinha visto o Mike assim: ao pulos, um sorriso de orelha a orelha, parecia um miúdo pequeno. 

 

Como já escrevi antes, a felicidade do Mike e do resto da banda, depois de tudo por que passaram, é tudo. Tem sido a melhor parte desta era. No ano e meio anteriores foram as várias as noites em que voltava de um dia de Hybrid Theory com o coração cheio, pensava em Mike e nos outros e perguntava-me: “Será que eles têm noção da alegria que a música deles continua a dar a esta gente toda? Eles mereciam fazer parte dela também.”

 

Agora claramente voltaram a fazer parte dela. E eu não podia estar mais feliz. Foi para isto que todos nós nascemos. 

 

Com tantos concertos a que tenho ido, regra geral, a recuperação não custa muito. Fico com a garganta e o pescoço um pouco doridos durante um dia ou dois, nada de especial. Desta vez, no entanto, o concerto foi num domingo e passei a tarde da terça-feira seguinte cheia de dores de costas. Não sei se foi só do concerto – não terá ajudado ter andado a passear a pé por Paris com uma mala demasiado cheia às costas. Mas também isso foi culpa dos Linkin Park – foi por causa deles que estava em Paris. 

 

Tive de dizer a mim mesma: “Foi a primeira vez em dez anos e meio que os viste ao vivo. Há três meses não achavas isto possível. Isto é um preço mais do que razoável. Como se diz, a dor é temporária, as memórias duram para sempre.” 

 

 

E agora ficam aqui. 

 

Foi lindo, mas ficou a faltar algo muito importante: não foi cá. Não foi em Portugal. E quando anunciaram a digressão de 2025, cerca de dez dias depois, Portugal não estava incluído. Tenho amigos que se preparam para ir vê-los a Paris – alguns que vieram comigo no ano passado, alguns que não. 

 

Ainda pensei nisso, mas recusei. Em parte por motivos práticos: não queria gastar tanto dinheiro outra vez e é mais complicado marcar férias durante o verão. Em parte por motivos sentimentais. Queria voltar a vê-los em Portugal. Apaixonei-me por eles no Rock in Rio de 2008. Uma bandeira portuguesa pendurada no teclado, Chester deixando elogios a Lisboa. E agora, ainda por cima, tenho aqui toda uma família graças aos Linkin Park – é mais fácil para eles virem a um concerto no nosso próprio país. 

 

…mais sobre isso já a seguir. 

 

Queria agora falar sobre os Hybrid Park – o outro tributo português. Vi-os duas vezes no inverno passado, uma vez no RCA, outra no Pátio do Sol – quando andávamos em abstinência sem concertos dos HT. Eles terão nascido em finais de 2017 – mais ou menos na mesma altura que os Hybrid Theory. 

 

Faz sentido: foi quando perdemos Chester e os Linkin Park entraram em pausa. A resposta de dois conjuntos de músicos portugueses foi dar uma de Katniss Everdeen: “we volunteer as tribute”

 

Os Hybrid Park não têm tido tanto sucesso como os Hybrid Theory, mas há que recordar que, no que toca a tributos, os moces são a exceção, não a regra. Consta também que este é apenas um entre vários projetos destes músicos. O baixista, Sérgio Duarte, é aliás manager do RCA. Um sujeito simpático. Da última vez que vi a banda, ofereceu-me uma palheta – por sinal, num momento em que estava com as emoções um pouco à flor da pele (música dos Linkin Park, gente…).

 

Entre ele, o Pedro dos Decoded e o Cenoura, ando com afinidade para baixistas. 

 

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Nas músicas pré-From Zero, os Hybrid Park fazem um bom trabalho. Continuo a preferir os HT, mas não são nada maus. No entanto, para mim, estes valem pela Kaddy – a cantora que recrutaram para fazer de Emily. Eu adoro a voz dela, para começar, faz um excelente trabalho. 

 

Além disso, spoilers para a minha análise ao álbum, mas eu gosto do From Zero pelo menos tanto quanto gosto dos restantes álbuns dos Linkin Park. E gosto de ouvir estas músicas em concerto. Os Hybrid Theory não as vão tocar, pelo menos não tão cedo. Ao menos tenho os Hybrid Park para preencher essa lacuna. 

 

Não garanto que me torne uma fã tão assídua como tenho sido em relação aos HT. Mas hei de voltar a vê-los. Penso que os próximos concertos serão no fim de semana do aniversário da morte de Chester. Não vou pois já tenho planos para esse fim de semana – e nem sequer é com os HT, o que, depois dos últimos dois anos, é estranho. Mas se tiverem oportunidade, caros leitores, ide vê-los. A Sofia recomenda. 

 

O último concerto que recordaremos é, então, o segundo dos Hybrid Theory, no Pavilhão Atlântico. Faz sentido serem eles a abrir e a fechar (bem… mais ou menos) esta retrospetiva. Correndo o risco de me repetir, foi graças a gente que conheci através dos mês moces que fui à maior parte dos concertos sobre os quais escrevi – inclusive o dos Linkin Park originais. Foi graças a Hybrid Theory – a banda e, sobretudo, a família – que desbloqueiei esta versão de mim.

 

O 22 de março foi, então, uma noite de homenagem ao Chester, dois dias depois daquele que seria o seu quadragésimo-nono aniversário. Houveram algumas dúvidas, mas o Pavilhão Atlântico voltou a encher, talvez tenha mesmo esgotado. 

 

A abertura ficou a cargo dos Grey Daze, a primeira banda do Chester. Nos anos que se seguiram à morte dele, os membros sobreviventes foram lançando versões remasterizadas das músicas que Chester gravou com a banda – era ele adolescente. No último ano e tal, no entanto, recrutaram um novo vocalista – Cris Hodges que, por sinal, também canta num tributo aos Linkin Park, os In the End – e entretanto começaram a criar e a lançar músicas novas, sem Chester. 

 

Mais ou menos como os próprios Linkin Park fizeram. 

 

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Nos meses anteriores ao concerto, andei a estudar a discografia dos Grey Daze. Gosto mais de Linkin Park e mesmo de Dead By Sunrise, mas música deles não é nada má – sobretudo tendo em conta que foi criada por adolescentes. E, de uma maneira muito típica comigo, fiquei a gostar mais depois de ouvir ao vivo. 

 

Só tive pena de não terem tocado a minha preferida, Shouting Out. 

 

Passemos agora aos próprios Hybrid Theory. Em termos de produção pura e dura, foi o melhor concerto deles que vi até agora. Aproveitaram bem as oportunidades que o Pavilhão Atlântico lhes deu. E, apesar de, para já, não tocarem nada de From Zero, não deixaram de se inspirar na nova era dos Linkin Park: com os lasers e uma adaptação de Inception Intro A na abertura do concerto, os ecrãs gigantes em espelho. 

 

O alinhamento foi OK. Tenho alguns reparos. Eles repetiram algumas músicas que já tinham estado em rotação no ano passado e de que, aqui entre nós, já estava um pouco farta: No More Sorrow, Final Masquerade, Lost in the Echo, como referi antes. Abriram com What I've Done, mas tiraram o solo prolongado de que falei acima. Por fim, não gostei muito de One Step Closer como encerramento – prefiro Bleed it Out ou mesmo Faint. 

 

Claro que isto é uma questão de opinião, não é possível agradar a todos. E ninguém me mandou ir a tantos concertos como fui no ano passado. Acho que este concerto também foi filmado e é possível que eles quisessem que músicas como Final Masquerade ou No More Sorrow tivessem registo em vídeo. 

 

E até houveram muitas coisas que me agradaram. Continuo a não adorar Heavy, mas gostei que o Cris dos Grey Daze tenha voltado ao público para fazer dueto com o Ivo. Voltaram a tocar Waiting for the End, mais de um ano depois da última vez – tinha de ser. Tocaram QWERTY, uma favorita dos fãs mas que só teve lançamento oficial no ano passado. O Ivo arrasou: conseguiu recriar a maneira imaculada como Chester alternava entre screamo e melodia. Gostei particularmente da inclusão de In My Remains, uma velha favorita. Por fim, outra surpresa foi Kings to the Kingdom. Chester nunca a cantou ao vivo e mesmo os próprios Linkin Park só tocaram umas duas ou três vezes – depois de Mike fazer uma piadinha com as queixas de falta de The Hunting Party em Papercuts. 

 

No fim, eu e a seita deixámo-nos ficar no Pavilhão. Foi a primeira vez que vi o palco desmontado e o que há por detrás. Fotos e abraços aos membros dos HT já são habituais – e eu valorizo cada um deles. Não tão habitual foi o Dani ter-me acertado com uma goma desde o palco. Em sua defesa, ele estava a tentar acertar no Ivo (que é um alvo pequeno)... mas talvez me vingue. Também pudemos abraçar membros dos Grey Daze: o Chris e o Sean Dowdell, agradecer-lhes por manterem o legado de Chester vivo e prometer-lhes que, caso voltem a Portugal, estaremos lá. 

 

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Porque, no fim do dia, de uma maneira ou de outra, tudo isto tem acontecido graças a Chester. Ele vive em cada uma destas músicas, em cada uma destas bandas, em cada um de nós.

 

Foi um dia excelente. Só sinto que, depois de meses à espera, passou demasiado depressa. E não consegui voltar a ver os Hybrid Theory depois desta. Por esta altura no ano passado, andava a vê-los uma vez por mês – e andava um bocadinho mais feliz. As saudades são muitas. Felizmente não falta muito para a próxima, em Loures. 

 

Nestes últimos tempos tenho sentido que o tema principal do universo Linkin Park é segundas oportunidades. Comigo já tinha acontecido há dois anos, com os Hybrid Theory: os moces deram-me uma oportunidade… Ou melhor, várias oportunidades para ouvir música de Linkin Park ao vivo, de conhecer pessoas através dela. Permitiram-me desenterrar algo que esteve adormecido durante anos. Doeu imenso, mas hoje penso que foi melhor ter arrancado o penso nessa altura do que fazê-lo quando os Linkin Park regressaram. 

 

Terá sido também uma segunda oportunidade para os próprios membros do tributo – para terem uma carreira no mundo da música. E para os fãs: muitos deles na casa dos trinta, quarenta, cinquenta. Os concertos dos HT, as pessoas que conhecemos graças a eles, têm-nos dado novas oportunidades para sermos jovens outra vez – sairmos à noite, conhecermos pessoas, viajarmos, mesmo que seja só dentro do País. 

 

No fundo, o tema destes três textos. 

 

Do mesmo modo, o regresso dos Linkin Park foi uma oportunidade para quatro senhores com quase cinquenta anos começarem de novo – do Zero. Foi uma segunda oportunidade para Emily e Colin abraçarem um projeto desta envergadura – eles que estão perto dos quarenta e estavam longe de serem novatos no mundo da música. 

 

E, claro, tem sido uma segunda oportunidade para os fãs. Para vê-los ao vivo ou, pura e simplesmente, vê-los lançando música nova, videoclipes, entrevistas, sendo uma banda – depois de passarmos anos sem saber se isso voltaria a ser possível. Nenhum fã da minha geração, que estava cá durante o tempo de Chester, é jovem – e nem sequer falo em termos físicos. Nós passámos por muito, aprendemos da pior maneira possível que os nossos heróis não vivem para sempre, que as nossas bandas são frágeis. E foi-nos concedido o enorme privilégio de recuperarmos a nossa banda, mesmo que nem tudo seja igual.

 

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(Fonte)

 

Segundas oportunidades como estas não surgem assim tantas vezes na vida. 

 

É por isso que o Mike nunca mais parou de sorrir, com a cara toda, desde o dia 5 de setembro. É por isso que ele e os colegas se dizem mais felizes do que nunca na banda – aprenderam a dar ainda mais valor. Eu mesma dou mais valor agora, vendo-os sendo uma banda outra vez. Entusiasmando-me com eventos como a inclusão de músicas deles em bandas sonoras, atuações em eventos desportivos – destaque para a final da Liga dos Campeões – até mesmo o lançamento de… gomas (outra que não estava no meu cartão de bingo). 

 

É mais do que nostalgia. Nostalgia só olha para o passado. Aqui temos… Não, recuperámos o presente e o futuro. A possibilidade de criar novas recordações, de continuar a história. 

 

E daqui a um ano vamos ter a maior segunda oportunidade de todas. 

 

Não resisto a entrar em território meta e a escrever sobre o dia em que recebemos a notícia. Era dia 30 de maio, o décimo-primeiro aniversário da participação dos Linkin Park no Rock in Rio de 2014 – a tal noite em que agarrei na mão do Chester. Eu estava de férias – tinha, aliás, um voo de manhã cedo. Antes de embarcar, fiz uma publicação sobre esse concerto na página do Facebook. “Lisboa nunca se cansará de receber Linkin Park”. Durante anos citei a frase com mágoa, agora o subtexto era outro: estávamos à espera. 

 

Depois disso estive offline durante várias horas. Passei o voo escrevendo o primeiro rascunho deste mesmo texto, a parte sobre o concerto de Paris. Isto enquanto ouvia Inception Intro A várias vezes – antes de The Emptiness Machine, antes de Somewhere I Belong – e fiquei com a música na cabeça. Ou seja, estava já no estado de espírito certo. 

 

Finalmente, aterrámos. Ainda dentro do avião, desliguei o modo de voo e dei logo com um reel publicado nas redes sociais do Rock in Rio com a imagem abaixo. O meu coração falhou um batimento. 

 

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O reel acabaria por ser apagado umas duas ou três horas depois. Em defesa do estagiário das redes sociais do RiR, para o cidadão comum, a imagem não é assim tão óbvia. É “apenas” a silhueta do guitarrista Brad Delson (que ironicamente, nesta fase, nem sequer sobe ao palco). O problema foi que era uma imagem parecidíssima com outra, que fazia parte da tal publicação que eu partilhara horas antes, sobre o RiR de 2014 – é logo a primeira fotografia! E a bandeira portuguesa pendurada no teclado é demasiado icónica. 

 

Nós soubemos logo. 

 

Ainda assim, foi preciso esperar várias horas para a confirmação final: os Linkin Park serão cabeças de cartaz no Rock in Rio de 2026 no dia 21 de junho.

 

Já consegui bilhete e não podia estar mais feliz. Sinto que isto é o culminar desta história toda, sobretudo nestes últimos anos: voltar ao início, ao local onde me apaixonei, onde tive duas das melhores noites da minha vida, ter uma terceira. Como disse acima, a derradeira segunda oportunidade. O sonho seria estar na grade, com os próprios Hybrid Theory ao meu lado, bem como todos os amigos que fiz graças a ambas as bandas. Na prática, alguns deles já decidiram que não vão. Mas outros já têm bilhete, como eu. Entretanto, tenho andado também a conversar com outros fãs portugueses de Linkin Park na Internet, também será bom tê-los ao meu lado. 

 

E estou contente por todos os fãs portugueses, como grupo. Vamos vê-los de novo. Mike e os outros membros vão matar saudades de nós e nós deles. Se calhar Emily tentará falar português. E ficaremos com um vídeo gravado profissionalmente de todo o concerto. 

 

Só mesmo os Linkin Park para me fazerem voltar ao Rock in Rio, depois da má experiência do ano passado. Vai ser um sacrifício, até porque, como vou tentar ficar na grade, vou ter de passar lá o dia todo, provavelmente à fome. Só espero que não esteja demasiado calor. 

 

Terei trinta e seis anos quando voltar a ver os Linkin Park. O dobro da idade que tinha quando os vi pela primeira vez, no Rock in Rio de 2008. O primeiro capítulo de uma história que, como referi antes, tem tido tantos desenvolvimentos inesperados e que, agora está numa etapa bem feliz. Adaptando algo que vi algures na Internet, o mundo é um lugar melhor com Linkin Park no ativo, bem como as suas bandas de tributo. 

 

 

Aliás, por estes dias tenho sentido que os Linkin Park são a única coisa a acontecer a nível global – tirando a vitória portuguesa na Liga das Nações. É certamente a única coisa boa a vir dos Estados Unidos neste momento. Chega a ser caricato: pego no telemóvel, de um lado aparecem-me notícias sobre a escalada dos conflitos no Médio Oriente, o crescimento da extrema-direita, da xenofobia, da violência. De outro aparece-me um vídeo da Emily rapando a cabeça a um fã a meio de um concerto.

 

Ao menos serve de consolo.

 

O fim da história está longe. Continuará a ser escrita aqui mesmo, no blogue. 

 

Chegámos, finalmente, ao fim desta retrospetiva. Algo de que me apercebi algures no ano passado foi que já tive o privilégio de ver praticamente todos os meus artistas e bandas preferidos ao vivo pelo menos uma vez. Não creio que haja muita gente que se possa gabar disso. Avril Lavigne, Bryan Adams, Linkin Park, Paramore, Taylor Swift, Within Temptation… Só me falta a Lorde – pode ser que haja oportunidade daqui a um ano ou dois. 

 

O plano é continuar a ir a concertos, dentro das minhas possibilidades. Tenho passado por um período de seca nestas últimas semanas, mas isso irá mudar em breve. Talvez faça um novo apanhado de concertos daqui a um ano ou dois – quando achar que se justifica. Entretanto, o próximo texto daqui do estaminé será sobre Digimon: o Início – já comecei a planeá-lo. A seguir, escreverei sobre From Zero. Depois disso, talvez escreva sobre Virgin, o novo álbum de Lorde, prestes a sair. 

 

Obrigada por terem recordado todos estes dias maravilhosos comigo. Continuem desse lado. 

Linkin Park – Hybrid Theory (2000) #1

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Hybrid Theory, o primeiro álbum de estúdio dos Linkin Park, completou na semana passada vinte anos bem contados desde a sua edição. Conforme o prometido, para assinalar o aniversário (ainda que com alguns dias de atraso), hoje vamos começar a examinar este álbum. Digo começar porque, como o costume, tinha muito a escrever e, assim, a análise terá três partes. Esta é a primeira.

 

Sendo Hybrid Theory um álbum de estreia, não podemos falar sobre ele sem falarmos sobre as origens da banda. Até porque, no passado dia 9 de outubro, saiu uma edição especial do álbum, comemorativa do vigésimo aniversário, com uma data de material adicional, parte dele completamente inédito, que vai até aos primórdios dos Linkin Park enquanto banda. 

 

Já que falo nisso, quero desde já avisar que esta análise focar-se-á sobretudo no alinhamento padrão do álbum, como já tinha dito antes. Isto porque, em primeiro lugar, é aquele com o qual estou mais familiarizada. Tirando um caso ou outro, no que toca aos Linkin Park, oiço sobretudo os álbuns de estúdio. Antes desta edição de Hybrid Theory, nunca liguei muito a B-sides, a demos ou mesmo a álbuns de remixes, como o Reanimation, o Collision Course ou o Recharge (exceto singles como Numb/Encore e A Light that Never Comes). Sou uma fã pouco hardcore

 

Em segundo lugar, esta nova edição de Hybrid Theory é constituída por nada menos que oitenta faixas, quatro horas e vinte e cinco minutos de música de acordo com o Spotify. É certo que uma parte parece ter sido para encher chouriços: algumas são versões ao vivo e, por exemplo, temos uma versão de One Step Closer literalmente igual à versão de estúdio, apenas sem os discos giratórios. Mas de qualquer forma, é demasiado material e esta análise já vai ser longa. Vou deixar algumas impressões sobre as B-sides mais perto do fim (tirando High Voltage e My December), e hei de referir algumas demos quando analisar as faixas principais do álbum. Mais nada.

 

Comecemos então pelo princípio. Mike Shinoda, hoje multi-instrumentista, vocalista/rapper e em geral cérebro dos Linkin Park, sempre mostrou aptidão para a música. Esta e o desenho são as suas grandes paixões. Aos seis anos já tocava piano. Em adolescente fazia misturas de música rock com hip-hop só pelo gozo, com equipamento de produção comprado por ele mesmo. Foi assim que aprendeu a produzir música.

 

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Quando estava no equivalente americano ao Secundário, Mike formou uma banda chamada Xero, juntamente com os seus amigos Brad Delson (atual guitarrista dos Linkin Park), Rob Bourdon (atual baterista) e Mark Wakefield, amigo de infância de Mike, como vocalista. Mais tarde, o grupo conheceu Joe Hahn (DJ) e Dave “Phoenix” Farrell (baixista) na faculdade e acolheu-nos nos Xero. Mark, no entanto, acabou por desistir da banda e, segundo Mike, acabou por seguir uma carreira como agente de bandas. 

 

Por esta altura, entretanto, Chester Bennington, cantor, tinha deixado a sua banda, Grey Daze. Esteve perto de desistir da música quando, no dia em que completava vinte e três anos, recebeu uma cassete com demos dos Xero. A edição de aniversário de Hybrid Theory inclui essas demos – segundo o que consegui averiguar com fãs mais bem informados do que eu, as faixas terão sido Pictureboard, Rhinestone (uma versão beta de Forgotten) e Essaul (uma versão beta de A Place For My Head). Chester terá faltado à sua própria festa de aniversário para gravar por cima das versões instrumentais destas faixas. 

 

Quando ouviram as músicas com a voz de Chester, Mike e os outros ficaram rendidos. Brad inclusivamente, a propósito do lançamento da edição de aniversário de Hybrid Theory, falou há pouco tempo sobre o momento em que ouviu Pictureboard cantada por Chester – o guitarrista quase chorou. 

 

Quem nunca?

 

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Brad e os outros pediram a Chester para vir, mas por algum motivo não lhes ocorreu desmarcarem as audições com outros cantores. Já estavam a ensaiar com Chester, mesmo a gravar com ele, mas oficialmente ainda estavam à procura de vocalista. As audições decorreram ao longo de três dias, com a banda a interromper os ensaios com Chester para ouvir outros candidatos.

 

Ora, Chester não estava a achar piada nenhuma à brincadeira. Eu, para ser sincera, reagiria da mesma forma, se tivesse sido comigo. Qual é a lógica de fazer audições se o vocalista já estava praticamente escolhido? Era muito mais honesto desmarcar as audições – ao menos não davam falsas esperanças aos candidatos. 

 

Consta que um desses recusou-se mesmo a fazer a audição depois de ouvir Chester a cantar, nos ensaios da banda. 

 

– Vocês são uns idiotas se não aceitarem este gajo [Chester] – terá ele dito. Depois voltou-se para Chester e disse – Se eles não te aceitarem, liga-me e começamos nós uma banda. 

 

Felizmente, Mike e os outros não foram idiotas. 

 

Assim, Chester juntou-se ao grupo e assumiram como nome “Hybrid Theory” – precisamente pela sua filosofia de fundirem géneros musicais. Como vimos antes, She Couldn’t foi uma das primeiras músicas a compôrem – embora não a tenham incluído no EP que gravaram de forma independente e começaram a enviar às editoras discográficas. Esse EP, também intitulado Hybrid Theory, foi incluído na edição de aniversário. Ao mesmo tempo, recorriam à Internet para fazerem a sua música chegar diretamente a possíveis fãs. 

 

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A Internet do final dos anos 90, há que sublinhar. Muito antes de o YouTube, o Soundcloud e afins existirem. Não deve ter sido fácil. 

 

De início tudo o que era editora os rejeitou, apesar de estarem a ter algum sucesso na Internet. Mesmo a Warner só aceitou assiná-los após os ter rejeitado três vezes – e a ideia com que fico é que o fez de má vontade, pois os primeiros tempos não foram fáceis para eles. Consta que o presidente da Warner não gostava deles, não queria lançar-lhes o álbum. Houve quem lhes dissesse para arranjarem algo que os distinguisse dos demais, tipo Joe Hahn usando bata de laboratório em palco (eu pessoalmente não me importava, mas pronto). 

 

O pior de tudo foi terem tentado meter Chester como protagonista da banda e despromoverem os outros membros a banda de apoio. Queriam mesmo expulsar Mike, o que seria uma blasfémia. Felizmente, Chester não era uma besta e disse-lhes onde podiam enfiarem essa ideia.

 

Até o produtor que trabalhou com eles, Don Gilmore (que mais tarde produziria algumas faixas de Under My Skin) lhes fez a vida negra. No entanto, fê-lo porque acreditava neles, não o contrário.  Consta que Don obrigou-os a comporem e gravarem uma grande parte do Hybrid Theory em dois meses – veja-se o facto de só A Place For My Head e Forgotten terem sobrevivido deste os tempos dos Xero até ao alinhamento final. Don obrigava-os a rescreverem letras umas trinta vezes, a regravarem instrumentais até ao infinito. A partir de certa altura, Mike e os outros já não podiam vê-lo à frente.

 

A meu ver, Don era como certos pais e professores muito exigentes com as crianças, não por maldade, antes por quererem extrair o melhor delas. Em pequenos não gostamos nada, mas mais tarde reconhecemos que a sua exigência nos tornou melhores. É claro que, com crianças, é preciso ter cuidado com tais pressões, podem ter o efeito oposto. Ao menos Mike e os outros já eram adultos – o que mesmo assim não os impediu de se irritarem com Don, ao ponto de escreverem uma letra sobre ele, como veremos adiante. E para sermos justos com Don, ele admitiu que sim, era exigente com Chester e os outros e estes irritavam-se, mas seguiam as suas instruções e os resultados estão à vista. 

 

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Chester contribuía para as letras baseando-se na sua vida difícil, com o divórcio dos pais, abuso sexual, toxicodependência, como todos sabemos – contrabalançando com a infância mais saudável de Mike e dos outros. Tentavam ser honestos, mas não demasiado específicos de modo a poder ressoar com a maioria da audiência. Consta que Don lhes ia dizendo:

 

– Não quero ouvir os vossos problemas, quero ser entretido!

 

Confesso que devo ser uma exceção à regra entre os fãs de Linkin Park porque, tirando alguns casos, no que toca a Hybrid Theory, ligo menos aos “problemas” e mais ao entretenimento: à sonoridade, à atitude, aos headbangs, ao mood. Como referi algumas vezes neste blogue, este género de música inspira-me quando escrevo cenas de ação, de luta, em ficção. Só há pouco tempo – e nalguns casos só agora, nas pesquisas para esta análise – é que comecei a prestar atenção à parte dos “problemas”.

 

Em todo o caso, os Linkin Park nunca tiveram problemas em combinar o seu lado autobiográfico com o lado do entretenimento.

 

Quando o álbum ficou pronto, toda a gente na editora se rendeu, esquecida de quaisquer problemas que pudessem ter com o grupo. O álbum passou a ser a prioridade número um. E, mais tarde, Don voltaria a colaborar com eles nos trabalhos de Meteora.

 

Não puderam, contudo, manter Hybrid Theory como nome da banda. A editora já tinha um grupo chamado Hybrid, ia criar muita confusão. E, aqui entre nós, Hybrid Theory não soa bem como nome de banda – é pouco fluido. Além de que, se quisessem algum dia criar música que não se encaixasse em teorias híbridas, estariam a contradizer o seu próprio nome. 

 

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Um dia Chester passou por um parque público chamado Lincoln Park. Consta que existe um em quase todas as cidades americanas. Tentaram adotá-lo como nome para a banda, mas quando tentaram criar um site o domínio “lincolnpark.com” já existia. Apropriarem-se dele sairia caro. Saiu mais barato mudarem para linkinpark.com – que, todos concordam, soa muito melhor.

 

Hybrid Theory ficou, deste modo, o nome do álbum. Eu, no entanto, não comecei por aí. Quando descobri os Linkin Park, estávamos em 2004/2005 – era de Meteora, quiçá de Collision Course. Mesmo assim, só fiquei a conhecê-los mais a fundo em 2007, na era Minutes to Midnight. No verão desse ano, o meu irmão foi passar férias com os meus padrinhos, que têm um filho pouco mais novo que ele. Regressou a casa com o MP3 cheio de música dos Linkin Park. Ele nunca me disse onde a obteve, mas estou certa de que foi legal. 

 

Na altura tinha dezassete anos. Gostava de rock, desde que não se afastasse demasiado do pop – embora já começasse a ouvir Green Day, também por influência do meu irmão. Sou uma exceção à regra no sentido em que comecei a ouvir música mais pesada como adulta (bem, adulta legal) e não como adolescente. Os Linkin Park foram, a par dos Green Day (que hoje em dia já praticamente não oiço), a banda que me ajudou a fazer a transição. 

 

Nesse primeiro ano, quando ouvia Linkin Park, ouvia as faixas todas em aleatório, sem querer saber a que álbum pertenciam. De início, as músicas que mais me atraíam eram as mais levezinhas – ou seja, Pushing Me Away e, mais tarde, In the End, no caso de Hybrid Theory. 

 

Vou admiti-lo desde já: o motivo pelo qual Pushing Me Away me atraiu diz respeito às semelhanças com Numb. O riff na introdução, as guitarras que se juntam, a estância cantada por Chester, umas frases em rap de Mike no pré-refrão. Isso na altura não pesou, mas outra semelhança é o facto de, tal como Numb, surgir no fim do alinhamento, depois de uma faixa instrumental. 

 

 

Mesmo a letra entra em territórios parecidos com Numb – no sentido em que o narrador se queixa de ter de suprimir emoções, uma parte de si, para agradar a outra pessoa. 

 

Sei que não é justo estar a comparar uma canção com outra composta mais tarde. Mas como ouvi Numb primeiro não consigo evitar – e, em minha defesa, a própria banda admitiu há pouco tempo que, se não tivessem criado Pushing Me Away, provavelmente não teriam composto Numb, que Numb é uma versão melhorada de Pushing Me Away. Esta faixa pode ter sido a primeira a cativar-me neste álbum, mas hoje considero-a a menos interessante. Isto sem deixar de ser uma boa canção. 

 

A segunda música de Hybrid Theory a cativar-me foi In the End – isto quando já ouvia a amálgama de músicas dos Linkin Park há uns meses. Tornou-se rapidamente uma das minhas favoritas. 

 

Não é difícil compreender o motivo pelo qual esta canção se distinguiu das demais: é uma versão mais leve, mais pop, mais acessível, da fórmula rap sobre guitarra elétrica dos Linkin Park, sobretudo no início da carreira deles. In the End começa com uma sequência de piano, composta por Mike, que se repete várias vezes ao longo da música. As estâncias são acompanhadas por notas de guitarra e baixo e, de vez em quando, piano. Os acordes mais pesados – mesmo assim, não demasiado – só surgem no refrão e na terceira parte. In the End terá sido incluída em Hybrid Theory e lançada como single precisamente para servir de ponte entre o mainstream e o som mais pesado do resto do álbum.

 

E resultou. Pelo menos comigo resultou, mesmo tendo conhecido a música fora do contexto do álbum. E pela maneira como In the End é uma das canções mais populares da banda, acho que não fui caso único – se calhar, para muitos fãs, esta foi a primeira música dos Linkin Park que conheceram. 

 

In the End caracteriza-se pelo tom leve, de apatia, de frustração. A letra é simples, fala sobre algo pelo qual se lutou, se sacrificou mas que… no fim… falha e/ou não vale o esforço. Pode referir-se a qualquer coisa: uma relação, um projeto, um emprego um objetivo qualquer.  Consta que foi inspirada pelos conflitos entre a banda e a editora – aquelas pessoas que queriam promover Chester a protagonista à custa de Mike. Uma altura em que o grupo receava que o seu sonho de editar um disco fosse ao ar. 

 

 

In the End foi sempre um ponto alto nos concertos dos Linkin Park – falo por experiência própria. Quando a tocaram no concerto do Rock in Rio de 2008, marcou-me particularmente – por ter decorrido poucos meses depois de me ter deixado cativar por In the End. Nunca irei esquecer a emoção de ouvir toda a gente à minha volta cantando (“rapando”?) em altos berros, de ver Mike junto do público. Ainda hoje partilho este vídeo nas redes sociais quando Mike faz anos.

 

In the End sempre foi a canção dos fãs nos concertos. Tecnicamente Chester cantava o refrão, um ou outro verso do rap, a terceira estância. Na prática, era frequente a voz dele afogar-se no coro da audiência. E na segunda parte da terceira estância, Chester pura e simplesmente voltava o microfone para o público. Como tal, não surpreendeu que, no concerto do Hollywood Bowl, o convidado especial de In the End tenha sido o preferido da banda: a audiência. Nem que, durante a digressão de Post Traumatic, Mike tenha escolhido esta música para deixar palavras sábias sobre Chester – antes de tocar a música ao piano, com a audiência cantando as partes melódicas. 

 

Demorei alguns anos a ganhar apreciação pelo som mais pesado dos Linkin Park. Foi na altura em que saiu o Living Things. Passei uma boa parte desse ano e do seguinte a ouvir essas músicas, uma vez mais fora do contexto dos álbuns – à mistura com os excelentes temas do quinto disco. Só mais tarde – em 2017, poucas semanas antes do lançamento de One More Light, quando comprei o Hybrid Theory e Meteora em CD – é que me apercebi que a maior parte das músicas de que mais gostava vinham de Hybrid Theory.

 

Falemos então sobre elas. Começando pelo single de apresentação da banda, One Step Closer. 

 

Este tema é um enorme clássico dos Linkin Park, um bom exemplo da sua sonoridade mais pesada – destaquem-se as guitarras na introdução, mas também Hahn com os discos giratórios, na terceira parte da música. 

 

 

Consta que a letra de One Step Closer foi inspirada pela irritação que Mike e Chester sentiam com Don Gilmore – que, como referimos acima, era muito exigente com eles, raramente ficava satisfeito com o seu trabalho. O “Shut up!” da terceira parte era dirigido a Don. One Step Closer fala de frustração, de raiva, de se sentir puxado até ao limite. É uma letra simples, não demasiado específica, aplicável a milhentas situações. Talvez seja daí que venha o apelo para muitos fãs. 

 

Eu pessoalmente acho a letra algo básica – sobretudo a terceira parte. Os gritos de Chester, entre Hahn arranhando discos, são impressionantes, não me interpretem mal. No entanto, o “Shut up when I’m talking to you” soa-me a um professor a gritar com alunos mal comportados. 

 

Em suma, é uma boa canção, um clássico, presença obrigatória nos concertos – durante vários anos encerrou setlists. Eu em particular tenho uma boa recordação com ela: no início de 2017, no Coliseu dos Recreios, enquanto esperava pelo início do concerto dos Sum 41. Como o costume, estavam a dar-nos música, literalmente – vinda dos altifalantes, para nos entreter. Quando tocaram o One Step Closer, uma grande parte do público, eu incluída, cantou em coro. 

 

Não surpreendeu. Os Sum 41 e os Linkin Park surgiram mais ou menos na mesma altura, têm algumas semelhanças no estilo, partilham muitos fãs. Foi um momento bonito, que serviu de aperitivo para o que viria mais tarde.

 

Ah, as saudades que tenho de concertos…

 

Ainda assim, One Step Closer não está entre as minhas preferidas dos Linkin Park. Nem mesmo de Hybrid Theory.

 

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Quais é que são as minhas preferidas? A resposta fica para amanhã.

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