Retomamos a nossa história em 2007, 2008 (podem ler o início aqui). Riot! foi, então, o álbum que colocou os Paramore na ribalta. Infelizmente, a banda não lidou muito bem com isso. Uma das piores fases foi no início de 2008. Os Paramore chegaram a cancelar concertos na Europa. Diz que a banda esteve à beira de colapsar nessa altura.
Para começar, Hayley e Josh terminaram a relação algures em finais de 2007. Há quem diga que Hayley o traiu com o futuro marido, Chad Gilbert, guitarrista dos New Found Glory (mais sobre ele já a seguir… infelizmente), mas não encontrei nenhuma confirmação oficial, preto no branco. Algures nesta altura Hayley compôs e gravou uma música a solo – a sua primeira oficial – chamada Teenagers, que acabou por ir parar à banda sonora do filme O Corpo de Jennifer, de 2009. Parece ter sido inspirada por esta separação. Eu mesma só a conheci há relativamente pouco tempo mas acho-a fascinante.
Calculo que tenha sido difícil para ambos serem obrigados a trabalhar juntos na banda depois de se separarem, a partilhar um autocarro de digressão. Até porque Hayley estava a apaixonar-se por outra pessoa. Ao mesmo tempo, Josh ressentia-se amargamente de toda a atenção dada a Hayley, muitas vezes em detrimento do resto da banda.
Não vou dizer que não compreenda a posição de Josh – sobretudo tendo em conta a questão do contrato. Talvez ele nunca se tenha sentido seguro dentro da banda. Por outro lado… ele não sabia como o mundo da música funciona? Não acontece o mesmo com inúmeras bandas, os holofotes virarem-se mais para os vocalistas? Freddie Mercury com os Queen, Bono com os U2, Chris Martin com os Coldplay, Thom Yorke com os Radiohead… Bolas, os Panic! At the Disco foram basicamente um projeto a solo de Brendon Urie nos últimos anos de vida da banda. Hayley ao menos sempre fez questão de dizer que os Paramore eram uma banda, não apenas um projeto a solo.
Dito isto – e isto são apenas especulações minhas – acredito que, a certa altura, durante estes conflitos todos, Hayley poderá ter-se agarrado demasiado à banda, à sua família, o que terá feito mais mal do que bem.
Falando com mais de uma década de distância, Hayley disse – provavelmente com razão – que eles eram miúdos. Estavam a entrar na idade adulta, estavam a crescer em direções diferentes, a lidar com questões com que músicos bem mais velhos têm tido dificuldades em lidar desde que existem bandas musicais. Hayley também disse que, apesar de muita gente destacar a juventude dos Paramore, muitos adultos à volta deles esqueceram-se convenientemente desse facto quando a banda estava em crise e ninguém os ajudou.
Por outro lado, foi nesta altura que Taylor York se juntou à banda – ainda que só tenha sido anunciado como um membro oficial em 2009. Taylor esteve sempre lá desde o início, como referido antes. Compôs algumas canções em All We Know Is Falling e Riot!. No entanto, os pais quiseram que ele concluísse o equivalente ao nosso décimo-segundo ano antes de se juntar aos Paramore.
Foi então nesta altura, um período particularmente vulnerável para Hayley, que esta começou a namorar Chad… um homem de vinte e seis anos. Tal como Taylor Swift, provavelmente na mesma altura até, envolveu-se com um homem mais velho quando ainda mal tinha chegado à idade adulta. O caso de Hayley foi pior: as relações de Taylor com John Mayer e Jake Gyllenhaal foram relativamente curtas. Hayley esteve uma década com aquele gajo, chegou a casar com ele.
E já referi que Chad era um homem casado quando se envolveu com Hayley?
Falo com mais pormenores sobre esta relação retorcida no meu texto sobre Petals For Armor, o primeiro álbum a solo de Hayley (mais sobre isso adiante). Para já, dizer apenas que Hayley sentiu imensa vergonha durante anos por ter “roubado” o marido a outra mulher.
Como se isso não bastasse, Chad era a personificação da frase “se ele traiu para estar contigo, há de te trair também”. Ainda agora, em pesquisas para este texto, dei com esta publicação que, entre outras coisas, detalha várias ocasiões em que Chad traiu Hayley. Não sei se é tudo verdade. Espero que não porque, meu Deus! Como é que Hayley aturou isto tudo?!
Caso ainda não tenha ficado claro, nós odiamos Chad.
Havemos de voltar a ele, infelizmente. Como dissemos antes, 2008 foi um ano particularmente tumultuoso para os Paramore, mas também ficou marcado pelo lançamento de um dos meus maiores êxitos: Decode, para a banda sonora do primeiro filme de Twilight. Ainda no fim do ano passado, num concerto na Austrália, houve alguém que levou uma figura do Edward Cullen.
Como a própria Hayley disse, icónico.
Não sendo das minhas preferidas, Decode é uma bela música, com vocais espetaculares de Hayley e um instrumental que captura perfeitamente o espírito dos filmes da franquia, sobretudo o primeiro: muito emo, quase gótico. Irá de certeza ser tocada durante a Eras Tour.
Por outro lado, Decode tem uma irmã menos conhecida mas igualmente boa, talvez ainda melhor: I Caught Myself. Uma autêntica pérola escondida que, infelizmente, só os fãs mais hardcore devem conhecer. Não foi composta de propósito para Twilight, mas também se encaixa no espírito, logo, também foi para a banda sonora. A letra fala de resistir à tentação de um interesse romântico que, na verdade, não queremos na nossa vida.
Nunca foi confirmado preto no branco, mas é altamente provável que I Caught Myself tenha sido inspirada pela separação de Hayley e Josh. Com o tempo, no entanto, terá ganho nossos significados. Terá passado a ser sobre a relação entre Hayley e Chad. Saltando alguns anos na nossa história, os dois anunciaram o divórcio em julho de 2017. No concerto seguinte, em Hamburgo, na Alemanha, Hayley parece à beira das lágrimas enquanto canta I Caught Myself – quando chega à parte do “don’t know what I want, but I know it’s not you”.
Não admira que esta seja uma das favoritas de Hayley. É especial. É excelente.
Rebobinando quase uma década de novo, Hayley terá conhecido Taylor Swift algures em 2008, 2009. Acho que está mais ou menos confirmado que Hayley foi a amiga que inspirou a letra da canção Speak Now, conforme se suspeita há anos: a tal que viu a sua paixão de infância casando-se com outra. Neste caso Josh, que se casou com Jenna Rice em Abril de 2010.
Ainda há relativamente pouco tempo, a propósito dos anos de Taylor, Hayley falou de ir a esse casamento (ela não referiu Josh pelo nome) na companhia dela. Hayley já estava com Chad, mas continuava a sentir-se pouco à vontade – era o seu ex a casar-se! Taylor, no entanto, terá tornado a experiência divertida e, depois, citando Hayley “baldaram-se ao copo-de-água para irem ao Cheesecake Factory”.
Na letra de Speak Now, a narradora deseja sabotar o casamento, pedir ao noivo para fugir com ela. Pessoalmente, duvido que Hayley alguma vez tenha desejado tal coisa – pelo menos não nesta fase. Mas é possível que Taylor tenha falado com Hayley na brincadeira sobre esse cenário – e que, mais tarde, se tenha inspirado nele para a história de Speak Now.
Vamos, agora, falar de Brand New Eyes, o terceiro álbum da banda, editado em setembro de 2009. É o favorito de muitos fãs, o equivalente dos Paramore ao Rumours dos Fleetwood Mac – com muito menos drogas, tanto quanto sei.
Os conflitos de 2008 nunca chegaram a ser resolvidos e acabaram por verter para as músicas deste álbum. Hayley escreveu algumas das letras inspiradas pelos problemas que tinha com os outros membros da banda, sobretudo Josh. Chegou a contar ao The Guardian sobre as gravações da primeira versão de Ignorance: do quão nervosa estava em relação ao que escrevera, de cantar muito baixinho na cabine de gravação. Calhou Taylor estar junto à coluna de som: ouviu tudo e terá ficado furioso com ela.
Aqui entre nós, custa-me imaginar Taylor zangado seja com quem for. Ainda menos com Hayley.
De qualquer forma, este episódio terá obrigado a banda a conversar e, supostamente, a resolver os problemas que tinham uns com os outros. Exemplos como este estão por detrás da ideia que Hayley pregava na altura de que este álbum salvara a banda. O nome “Brand New Eyes” terá vindo da ideia de que os membros dos Paramore foram obrigados a colocar-se na posição uns dos outros, a verem as coisas sobre novos prismas, com “novos olhos” para conseguirem fazer as pazes.
Pelo menos era o que a banda dizia. A realidade não era bem assim. Já aí vamos.
Queria referir algumas músicas importantes em termos da mitologia da banda em Brand New Eyes. Turn it Off é uma favorita entre muitos fãs (não no meu caso). Misguided Ghosts (que chegou a ser considerada como título para o álbum) mostra uma perspetiva mais suave, mais terna, sobre os conflitos no seio da banda – refletindo a ideia de que, lá está, estavam todos a mudar, a crescer em direções diferentes. Ainda há relativamente pouco tempo, mais de uma década depois, Hayley admitiu que, na altura, os membros da banda lidaram muito mal com as mudanças uns dos outros.
Uma música com quem Hayley e pelo menos uma boa parte dos fãs, eu incluída, tem tido uma relação complicada ao longo dos anos é The Only Exception. Esta foi a primeira canção de amor com todas as letras que Hayley compôs. É um dos maiores sucessos da banda, uma das minhas preferidas deles – foi uma das músicas que, a par de crushcrushcrush, me cativou para os Paramore – e é uma das minhas canções de amor preferidas de todos os tempos.
Na letra, Hayley admite que não acredita no amor, depois de tudo por que passou com os divórcios dos pais. No entanto, o seu interesse romântico – Chad – era a única exceção, o único capaz de fazê-la mudar de ideias.
É uma mensagem bonita que ressoa com muitas pessoas, incluindo comigo mesma. O reverso da medalha é que, segundo o que se deduz de entrevistas posteriores, essa mentalidade foi uma das coisas que fez com que Hayley se mantivesse numa relação tóxica com aquele homem durante tanto tempo. Porque achava que só ele é que poderia amá-la.
Tendo isso em conta, sem surpresas, depois do divórcio, em 2017, Hayley não quis cantar The Only Exception – foi uma situação mais complexa do que, pura e simplesmente, não querer cantar uma canção inspirada por um romance falhado. Mesmo eu “cancelei” a música em 2020, quando descobri mais acerca da relação dela com Chad.
Mas mantive sempre uma esperança secreta de que Hayley mudasse de ideias. Afinal de contas, ela passaria por uma jornada semelhante à descrita em The Only Exception quando encontrou o verdadeiro amor.
E de facto a música foi oficialmente “descancelada” no início de 2023, após um breve discurso de Hayley. Fiquei contente por ter The Only Exception de volta. Podem crer que, quando os Paramore a tocarem no Estádio da Luz, hei de cantá-la a plenos pulmões, tal como já tinha feito em 2011, no Optimus Alive.
E não se admirem se, no fim, estiver de lágrimas nos olhos. Porque não resisto àquele final e porque, depois de tudo por que ela passou, estarei a ver Hayley lado a lado com o amor da vida dela.
Uma música de Brand New Eyes bem menos controversa – longe disso – é All I Wanted. Diria que All I Wanted é mais ou menos equivalente à All Too Well de Taylor Swift – no sentido em que, durante muitos anos, foi uma pérola escondida que só os fãs conheciam, mas cuja popularidade acabou por alastrar para fora da comunidade.
No caso de All I Wanted, a culpa foi do Tik Tok, durante o ressurgimento do emo. Tivemos este bacano e o desafio de cantar o refrão – de tentar atingir os agudos impossíveis de Hayley.
O problema é que, durante muitos anos, Hayley recusou-se a cantá-la ao vivo. Lá está, é um refrão difícil, ela tinha medo de não conseguir fazer-lhe justiça. Os Paramore tocaram todas as outras músicas de todos os outros álbuns, incluindo algumas B-sides, menos esta. A partir de certa altura tornou-se quase um meme entre Hayley e os fãs, sobretudo depois de All I Wanted ter crescido em popularidade nos últimos anos. Vejam, por exemplo, este tweet de 2021.
Ora bem, em Outubro de 2022 começa a era This Is Why, a banda volta a dar concertos pela primeira vez após a pandemia e o ressurgimento da música emo. Participam no festival When We Were Young. No primeiro concerto abrem-me assim:
O pessoal, naturalmente, passou-se. Vivo pelo bacano no vídeo repetindo “No fucking way… No fucking way…”
Depois desta, All I Wanted tornou-se uma faixa mais ou menos regular em concertos dos Paramore. Compreensivelmente não a tocam em todos os concertos – mesmo depois de When We Were Young, passaram-se uns quantos meses até a tocarem de novo.
Mas já é tão bom. Destaque para a noite em que Billie Eilish subiu ao palco para cantar All I Wanted (a favorita dela) com eles. Billie sendo todos nós quando, antes do refrão à capela, gritou: “Hayley… C’mon!”
Demorou, mas All I Wanted está a finalmente a receber o amor que merece.
Voltemos de novo para a era de Brand New Eyes, mais especificamente para 2010. Foi o ano em que Hayley fez um dueto com B.o.B em Airplanes, um dos maiores êxitos de 2010. Mas a maior bomba rebentou no final desse ano, quando Josh e Zac anunciaram a sua saída dos Paramore. Josh então escreveu uma bonita carta de despedida, lavando roupa suja – as réplicas continuam a ser sentidas hoje, quase década e meia depois.
O texto na íntegra pode ser lido aqui (foi difícil de desenterrar). Basicamente, Josh revelou ao público que Hayley era a única com contrato assinado com a Atlantic Records. Acusou os Paramore de serem uma fraude, uma fachada, acusou Hayley de ser uma artista a solo disfarçada de banda. Confirmou que os conflitos dos últimos anos nunca tinham ficado resolvidos e estavam por detrás da decisão de partirem – bem como o facto de sentirem que a vida em digressão lhes roubara a juventude.
Eu compreendo esta última parte. Sempre compreendi, desde o dia em que Josh publicou a carta (isto passou-se pouco depois de me ter tornado fã da banda). Ele fala de ter de se despedir de pais chorosos, de não ver os irmãos a crescer – e descobri mais tarde que os pais se separaram quando Josh e Zac estavam em digressão.
Acredito mesmo que foi esse o principal motivo pelo qual Zac quis sair – ele mesmo confirmaria anos mais tarde que não se arrepende de ter deixado os Paramore quando deixou.
Tudo o resto, no entanto, foi desnecessário. Se quiser ser caridosa, ao ler a carta de Josh, posso argumentar que este não visa Hayley diretamente (tirando a questão da letra de Careful). As suas críticas parecem dirigir-se mais aos pais e ao agente de Hayley e à gravadora. Posso admitir que tenha havido muita imaturidade na maneira como ele lidou com a questão. Josh mais tarde mostrar-se-ia arrependido e Zac demarcar-se-ia das palavras do irmão.
Ainda assim, não sei se alguma vez perdoarei Josh. Com ou sem más intenções, as suas palavras estiveram muito perto de destruir os Paramore, provocaram muito sofrimento aos restantes membros e aos seus fãs, Hayley em particular. Não quero dar a entender que ela nunca cometeu erros nas relações com os colegas de banda. Por exemplo, envolver-se com Josh foi um grande erro.
Mas também, ela tinha o quê? Quinze anos? Dezasseis? Dezassete?
De qualquer forma, vimos antes que Hayley tinha problemas de abandono, só queria uma família, mesmo que subconscientemente. E agora, por causa de Josh, não só perdia dois amigos de infância como tinha uma grande parte do público vendo-a como uma vilã.
Josh e os antigos colegas eventualmente fizeram as pazes alguns anos mais tarde. Por outro lado, volvidos mais alguns anos, vieram à tona uns comentários homofóbicos dele numa publicação qualquer no Facebook. O que só diminuiu ainda mais a popularidade de Josh – até porque os Paramore têm muitos fãs na comunidade LGBT+.
Que vá com Deus e que Deus regresse sozinho.
E é com este desejo que nos despedimos por hoje. Se gostaram de ler sobre estes dramas até agora, vão ficar contentes: a próxima parte, amanhã, vai trazer ainda mais. Como o costume, obrigada pela vossa visita.
Como é do conhecimento geral, Taylor Swift, a D.D.T. do mundo da música, vai trazer a Eras Tour para Lisboa. Mais especificamente para o Estádio da Luz, nos próximos dias 24 e 25 de maio.
Mas Taylor não vem sozinha. A abertura dos concertos da digressão europeia tem estado a cargo da banda de Nashville, Paramore. Que por acaso são a minha banda preferida, mais ou menos empatados com os Linkin Park (e respetivo excelente tributo português). Assim, quando foi anunciado que eles viriam com Taylor a Lisboa – e eu depois consegui bilhetes para o dia 25 (dos mais baratos) – não podia ter ficado mais feliz.
Não será a primeira vez que vejo os Paramore ao vivo. Também estive lá quando eles vieram ao Optimus Alive em 2011 (o antigo NOS Alive). Infelizmente foram precisos quase treze anos de espera e um convite de Taylor Swift para eles regressarem a terras lusas.
Não sei quantas das milhares de pessoas que encherão a Luz duas vezes serão fãs dos Paramore. Quero acreditar que não serão assim tão poucas. Eles têm a mesma idade que Taylor, apareceram no mundo da música mais ou menos na mesma altura e têm-se mantido relativamente populares, sobretudo nos últimos anos. Mas mesmo esses eventuais fãs poderão não conhecer assim tão bem a sumarenta história dos Paramore.
É aqui que entro eu. Sei de experiência que o típico fã de Taylor Swift está habituado a conhecer as histórias por detrás das músicas, a mitologia, os “Easter eggs”, como dizem os anglosaxónicos. Quem acompanhe este blogue saberá que sou uma fã recente de Taylor. Acompanho-a mais ou menos de perto desde 1989 (o álbum, não o ano), mas só me passei a considerar fã algures entre folklore e Red (Taylor's Version). Tenho aprendido muito sobre Taylor através de fãs de boa vontade, sobretudo no YouTube, dispostos a explicar a mitologia a fãs mais casuais, como eu.
Como forma de retribuir, eis-me aqui fazendo o mesmo mas para os Paramore. Explicando todo o “lore” a eventuais fãs de Taylor que tenham curiosidade em relação à banda de abertura da Eras Tour.
Até porque a história dos Paramore tem sido tão dramática e atribulada como a de Taylor. Para além de ser amiga dela há já alguns anos, a história de vida da vocalista Hayley Williams em particular tem tido pontos em comum com a vida de Taylor. Ambas se mudaram para Nashville no início da adolescência, ainda que por motivos diferentes. Ambas foram descobertas e assinaram contratos com editoras quando eram ainda muito jovens e esses contratos acabaram por se voltar contra elas. Ambas foram subestimadas, tiveram a sua autenticidade questionada, porque misoginia. Ambas tiveram de lidar com distúrbios alimentares, ainda que ligeiramente diferentes. Ambas, a certa altura, envolveram-se com homens mais velhos e tais relações deixaram-lhes marcas profundas. A história dos Paramore mete romances atribulados, amizades atribuladas, conflitos religiosos, traições, questões legais, abandonos, regressos, resiliência, redenção.
Uma festa, como poderão ver já de seguida.
Se derem uma vista de olhos muito rápida a este blogue, no entanto, notarão que os Paramore são personagens recorrentes aqui no blogue. Já contei partes da história dele noutras ocasiões. Vou fazer um esforço para não me repetir. Assim, resumirei essas partes da narrativa – e deixarei os links para os respectivos textos, caso queiram saber mais pormenores. Ainda assim, há muito sobre que falar. Este texto virá em quatro partes, vou tentar publicar uma por dia. Esta é a primeira.
Vou começar a história, então, com Hayley. Para o melhor e para o pior, este texto vai focar-se muito na vocalista. É ela quem dá a cara, é ela quem escreve as letras e, para o público em geral, é a pessoa que mais importa – o que, como veremos, foi fonte de imenso drama.
Hayley nasceu a 27 de dezembro de 1988 em Meridian, no Mississipi. Infelizmente, não teve uma infância fácil. Os pais eram muito novos quando ela nasceu e o casamento deles não durou. Hayley referiu várias vezes em entrevistas que uma das suas primeiras recordações é de quando, aos quatro anos, se meteu entre os pais enquanto eles discutiam, gritando que se calassem. Depois, uma porta bateu e um dos progenitores já não estava na vida dela.
Se a memória não me falha, Hayley começou a falar desse momento relativamente cedo na sua carreira. No entanto, só há poucos anos, depois de acompanhamento psicológico intenso, é que percebeu que o episódio a marcou profundamente. Deixou-a cética em relação ao amor romântico. Ao mesmo tempo, fê-la sentir-se órfã, deixou-a com problemas de abandono e ansiosa por uma família.
Isso será importante mais tarde.
A mãe de Hayley mais tarde juntou-se a um homem abusivo. Infelizmente as mulheres desse lado da família têm um histórico de relações tóxicas, algumas mesmo com violência doméstica. Como referido acima, não terá sido uma infância fácil. Hayley costumava ver videoclipes de Missy Elliot na MTV, filmes como Spice World, sonhando escapar para esse mundo.
Finalmente, quando Hayley tinha doze anos, regressou a casa vinda da escola e encontrou a mãe de malas feitas. Ambas fugiram do padrasto abusivo de Hayley para Franklin, no Tennessee, onde viviam amigos da mãe. Foi lá que Hayley conheceu os futuros companheiros de banda – mais tarde diria que a sua vida começou nessa altura.
Josh e Zac Farro, dois de cinco irmãos, são de ascendência italiana. Nasceram em New Jersey mas, a certa altura, a família veio também viver para Franklin. Josh, o mais velho dos dois, era um dos guitarristas e, tal como Hayley, um dos compositores. Zac era – ainda é – o baterista e o mais novo do grupo. Foi ele quem conheceu Hayley, durante um jogo de futebol americano da escola, e a apresentou ao irmão e ao amigo Taylor York, com quem já tinha formado uma banda. Taylor (Paramore's Version), como Hayley o apresentou agora em Paris (adoro esta mulher), é também guitarrista e também compôs com Hayley, mas só se juntou oficialmente aos Paramore vários anos mais tarde.
Por sua vez, Jeremy Davis, baixista, chegou a participar com Hayley com uma banda de versões funk. Hayley trouxe-o para os Paramore.
Houveram dois guitarristas que passaram pela banda nos primeiros álbuns – Jason Bynum e Hunter Lamb – mas estes deixaram os Paramore relativamente cedo.
Ainda agora há pouco tempo, os Paramore divulgaram uma foto de um vídeo caseiro da banda nos seus primórdios. Não consigo ultrapassar o facto de Hayley se parecer imenso com Avril Lavigne nestas imagens.
Eu explico-o com mais pormenores no meu texto sobre All We Know is Falling, o primeiro álbum da banda, mas a procura de uma editora foi turbulenta. Tal como terá acontecido com Taylor Swift, mais ou menos na mesma altura, eram miúdos e tiveram de lidar com as manipulações da indústria musical. As editoras só estavam interessadas em Hayley como artista a solo, mas a jovem queria desesperadamente uma banda. Queria a família que não tivera em criança – ainda que, na altura, não tivesse noção disso.
Finalmente, a Atlantic Records acedeu aos pedidos de Hayley, lançando a banda através de uma da Fueled By Ramen, uma das suas subsidiárias. E mesmo assim só Hayley é que assinou com a Atlantic, um contrato de oito álbuns.
Tal contrato assombrou toda a vida da banda. Só agora no início do ano, cerca de vinte anos depois, é que se libertaram finalmente dele.
Como se este não fosse já um começo suficientemente atribulado, quando a banda estava para começar os trabalhos do seu primeiro álbum, Jeremy decidiu desistir da banda, voltar para casa. A sua partida acabou por inspirar uma grande parte do álbum. Várias das músicas, o nome, a sua capa: um sofá vermelho com a sombra de alguém afastando-se.
Sim, o primeiro álbum dos Paramore define-se pela perda de um membro. A ironia não passa despercebida.
Alguns temas que destacaria em All We Know is Falling são os singles Pressure e Emergency, para começar. Esta última é a minha preferida neste álbum e acaba por servir de prequela a umas quantas músicas posteriores – detalhando o ceticismo de Hayley em relação ao amor. Por sua vez, Conspiracy foi a primeira música que os Paramore compuseram, em que a narradora se sente imponente, que está toda a gente contra ela.
Uma vez mais, a ironia não passa despercebida.
Uma música bastante popular neste álbum é My Heart, uma canção de amor para Deus. Eis um aspeto a ter em conta sobre a banda: eles cresceram num meio bastante religioso e, sobretudo nos primeiros anos da sua carreira, não escondiam as suas convicções cristãs – embora não andassem propriamente a pregar. andassem por aí a pregar. Várias músicas deles fazem referências ao cristianismo, My Heart é apenas uma delas. Há fãs que dizem que Josh era o maior impulsionador desta faceta. E, anos mais tarde, a religião foi fator de discórdia dentro da banda – por exemplo, quando Hayley insistiu em incluir o verso “The truth never set me free” numa música, apesar de isso contrariar a Bíblia.
Enfim. Não sou a melhor pessoa para comentar esta faceta da banda, mas não podia deixar de referi-lo numa biografia dos Paramore. Mesmo numa informal como esta.
Jeremy acabaria por regressar à banda mais ou menos na altura em que All We Know is Falling foi editado. Não sei ao certo qual foi o timing, só sei que ele aparece no primeiro videoclipe da banda, para Pressure. E no entanto, não muito depois, durante os trabalhos de Riot!, o segundo álbum da banda, chegou a ser despedido temporariamente por causa da sua “ética de trabalho”– ou falta dela. Aqui entre nós, a ideia que passa é que Jeremy era como aqueles colegas de trabalhos de grupo que não faz quase nada, que se encosta ao trabalho dos outros e no fim quer assinar.
Havemos de regressar a isso mais adiante.
Um aspeto importante sobre Hayley, talvez uma das primeiras coisas em que as pessoas reparam nela, diz respeito às cores do seu cabelo. Quase toda a gente a conhece pelo seu cabelo cor de chama, que abana com o seu capacete. Hayley pinta-o desde os treze anos. De início usava tintas baratas de farmácia. Mas para o videoclipe de Emergency decidiu que precisava da mão de um profissional.
Assim, foi a um cabeleireiro em Nashville onde conheceu Brian O’Connor – na altura apenas um aprendiz. Foi ele quem cortou o cabelo a Hayley e o pintou de ruivo escuro com as pontas amarelas, como um fósforo, tal como ela pediu. Um visual muito giro.
Algum tempo depois, quando Riot! estava para sair, Hayley foi de novo ter com Brian. Desta feita vinha inspirada pelo tempo que passara no Japão, em digressão, e queria parecer uma personagem de anime. E assim nasceu o icónico cabelo cor de laranja, que se tornou a sua imagem de marca.
Depois desse, Hayley experimentou várias cores no cabelo, mas acaba sempre por voltar ao laranja. Pessoalmente, é a cor que mais gosto de ver nela.
Hayley neste momento está loira – e com o cabelo bastante curto. Parece-se com a Princesa Diana. Eu gosto.
A partir da era de Riot!, Brian passou a ser o cabeleireiro e maquilhador pessoal de Hayley – e os dois rapidamente se tornaram amigos. Dez anos depois de se terem conhecido, mais coisa menos coisa, lançaram a Good Dye Young, uma linha de tintas e outros produtos para o cabelo. Chegaram mesmo a abrir um cabeleireiro em Nashville nos últimos anos.
Regressando à era de All We Know is Falling, durante as digressões desse álbum, a banda passou um mau bocado. Muitos desprezaram-nos por ainda serem jovens, por não se encaixarem perfeitamente na comunidade emo (os anglosaxónicos chamam-lhe “the scene”), terem características pop, por terem uma rapariga como vocalista. Hayley em particular passou muito tempo rodeada de homens, vários deles com o dobro da idade dela, teve de levar com bocas machistas e inclusivamente atiraram-lhe preservativos durante concertos.
De início, Hayley tentou fazer de tudo para que não a tratassem de maneira diferente dos rapazes da banda. Por exemplo, recusando-se a usar gloss durante sessões fotográficas. Aliás, havia também muita misoginia internalizada nesse tempo. Quem foi adolescente durante os anos 2000 há de se recordar: a tentação de dizermos que “não éramos como as outras raparigas”, de nos acharmos melhores que as demais só por termos interesses que muitos classificam como masculinos.
Eu também era assim – e só há relativamente pouco tempo é que me libertei dessa mentalidade.
O que nos leva a Misery Business.
Esta música foi o primeiro single de Riot! e foi o primeiro grande sucesso deles, que os atirou para o estrelato. É um dos temas-símbolo do emo/pop-punk dos anos 2000, ao lado de canções como Sk8er Boi, de Avril Lavigne, Fat Lip, dos Sum 41, All the Small Things, dos Blink 182. Ainda hoje é a primeira música em que muitos pensam quando ouvem falar dos Paramore…
… e, quase desde o momento em que a compuseram, a banda tem tido uma relação complicada com a música.
Misery Business (MizBiz para os amigos) é, no fundo, a Better than Revenge dos Paramore. Hayley tinha um fraquinho pelo seu colega de banda, Josh. Este, no entanto, tinha namorada. Alegadamente, essa rapariga não seria flor que se cheire, terá tratado mal Josh.
Pelo menos foi o que ele disse na altura. Sabendo o que eu sei hoje, daria um desconto à palavra dele: Josh parece ser o tipo de pessoa que divide mulheres em santas e em prostitutas.
Hayley terá assumido que a rival conquistara Josh por ser mais ativa sexualmente do que ela. Por outras palavras, como diria Taylor Swift, “she’s better known for the things that she does on the mattress”.
Eventualmente, Josh terminou o namoro com a outra rapariga e juntou-se a Hayley. Esta compôs Misery Business como forma de festejar a sua vitória neste triângulo amoroso, esfregando-a no nariz da rapariga que Josh rejeitou.
Como se Josh tivesse sido uma vítima inocente da outra, como se ele não tivesse querido envolver-se com ela. Referindo de novo Taylor Swift, tal como esta aprendeu depois de Better than Revenge, nenhum terceiro pode conquistar ninguém, “roubar” ninguém, se não for essa a vontade da pessoa. E como se Josh tivesse sido um prémio assim tão grande – a própria Hayley terá chegado a essa mesma conclusão pouco após o lançamento de MizBiz.
Mas não nos adiantemos.
O verso de Misery Business que mais controvérsia tem gerado é o que reza “Once a whore you’re nothing more”. Temos de admiti-lo: é violento. Hayley chamando p*ta a alguém que era uma adolescente durante os eventos descritos na canção.
Em defesa dela, Hayley não queria incluir este verso em Misery Business – precisamente porque o achava cruel. O produtor da música, David Bendeth, admitiu há uns anos que teve de persuadir a jovem a manter o verso.
– Hayley, foste tu a escrevê-lo, é quem tu és, tens de cantá-la.
Hayley acabou por ceder, mas deixou claro que o fazia sob protesto.
Sinceramente? Acho nojento. Um homem adulto alimentando a misoginia internalizada de uma rapariga adolescente. E foi essa mesma adolescente, não o homem adulto, a levar com ataques.
Dito isto, este verso tem as costas largas. Partes da letra que vêm a seguir são igualmente misóginas. “There’s a million other girls who do it just like you”. Pode-se argumentar que estes versos são ainda piores – a narradora chamado “p*tas” a milhões de raparigas. Aqui ninguém terá obrigado Hayley a incluí-los em Misery Business – e ela nunca deixou de cantá-los, ao contrário do que fez com a frase do “whore”.
No lugar deles, quando tocasse Misery Business ao vivo, cortava toda a segunda estância.
Dito isto, há que assinalar que existem por aí músicas bem piores em termos de misoginia – na esfera do emo/pop punk e não só – cujos autores, homens, não têm levado com metade do bullying que Hayley e os Paramore levaram.
A minha opinião em relação a MizBiz? Não é das minhas preferidas, mas é uma canção excelente, sobretudo pelo instrumental e pela interpretação de Hayley. Não adoro a mensagem, mas aceito-a por aquilo que é: uma página do diário de uma miúda de dezassete ou dezoito anos. Como disse Ricardo Araújo Pereira, aos dezoito anos é-se uma besta – mas nem todos temos as nossas versões mais imaturas imortalizadas sob a forma de uma canção com a popularidade de Misery Business.
Por outro lado, compreendo que a questão seja (ainda mais) pessoal para Hayley. Conforme veremos já a seguir, a sua relação mais longa envolveu muito adultério, muita competição com outras mulheres pelo mesmo homem – e muita vergonha por isso.
Assim, em retrospetiva, compreendo que eles tenham querido deixar de tocar a música a certa altura. Eles anunciaram a decisão em 2018, no fim da era do quinto álbum deles – antes de uma pausa de quatro anos.
O povo, no entanto, não deixou a música morrer. Quando se deu o renascimento do emo/pop punk um par de anos mais tarde, MizBiz ganhou imensa popularidade nos Tik Toks desta vida. Daquilo que vi, quase ninguém concordou com o cancelamento da música.
Em 2022, Billie Eilish convidou Hayley para cantar Misery Business durante a sua participação no Coachella. Na altura fiquei chocada – e consta que a própria Hayley tentou dissuadir Billie de tocá-la.
No entanto, Hayley terá percebido que já não era a mesma pessoa que era aos dezassete anos. Tinha percorrido um longo caminho para se libertar da misoginia por detrás de MizBiz. Há muito que deixara de acreditar naquela mensagem, já tinha pedido desculpas vezes suficientes pela letra. E de resto Misery Business já deixara de ser apenas deles há muito tempo. Pertencia também aos fãs – mais a eles do que à própria banda, se calhar.
Assim, quando voltaram ao ativo, durante o outono de 2022, os Paramore voltaram a incluir Misery Business no alinhamento. O cancelamento de MizBiz acabou por não ter efeitos práticos. Hayley não canta o infame verso e até faz caretas de indignação fingida para os fãs que o cantam.
A era do álbum This Is Why, que começou nessa altura, caracteriza-se muito por isso. A banda já não quer saber o que os outros pensam, não têm de provar nada a ninguém. Mas não nos adiantemos.
E de qualquer forma, no cânone dos Paramore, Misery Business já não é apenas uma letra que envelheceu mal. É também a música em que a banca convida uma pessoa (ou mais) da audiência para subir ao palco e cantar. Naturalmente, é uma das partes preferidas deles em todos os concertos.
Queria destacar aqueles que considero os meus momentos preferidos. Um deles foi, naturalmente, o nosso, durante o Optimus Alive – claro que sou suspeita. Outro, que julgo já se ter tornado icónico na comunidade de fãs, ocorreu no Brasil, durante a era do quarto álbum deles. A rapariga caiu para trás enquanto cantava e os três membros da banda na altura – Hayley, Taylor e Jeremy – juntaram-se a ela no chão.
Esta é só mesmo por causa dos cabelos em sincronia – o sonho de qualquer fã com cabelos compridos. Finalmente, a do vídeo abaixo, com uma menina de nove anos, traz-me lágrimas aos olhos.
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Claro que os Paramore podiam escolher outra música para chamar pessoas ao palco. No entanto, MizBiz já está tão entrelaçada com momentos como este que não sei se seria a mesma coisa. Para mim, estes momentos já pesam mais do que a letra infeliz. Apesar de tudo, apesar de continuar a não ser uma das minhas preferidas, estou feliz por termos Misery Business de volta.
E estou um bocadinho triste porque, estando os Paramore “apenas” a abrir a Eras Tour, para um público que não é o deles, não estão a chamar pessoas ao palco para Misery Business.
Ficamos aqui por hoje. Preparem-se, porque o verdadeiro drama ainda está para começar. A segunda parte vem amanhã. Obrigada pela vossa visita.
Segunda parte da minha análise a All We Know Is Falling. Podem ler a primeira parte aqui.
Here We Go Again é outro clássico dos Paramore, outro destaque em All We Know is Falling. À semelhança de Conspiracy, à primeira vista parece referir-se a conflitos entre os membros da banda, nomeadamente aquando da partida de Jeremy – sendo também aplicável a crises posteriores. “Cá vamos nós outra vez” é certamente aquilo que nós, fãs, pensamos sempre que aparece o mais leve indício de problemas nos Paramore.
No entanto, a sua história de origem é ainda mais indefinida que a de Conspiracy. Supostamente Here We Go Again foi uma das músicas que cativou as editoras, juntamente com Hallelujah (suponho que o seu tom otimista não encaixasse neste álbum, daí ter sido guardada para Riot!). Ou seja, terá sido composta antes de Jeremy se ter ido embora – a partida dele não terá sido inspiração para a letra.
Em todo o caso, a letra de Here We Go Again aplica-se facilmente a qualquer corte de relações, seja entre amigos, amantes, familiares – no que toca a isso, Hayley não terá falta de exemplos em que se basear, coitada.
Começa por falar em palavras duras, ditas no calor do momento. Uma pessoa acaba por se arrepender e tenta retirar o que disse, mas nem sempre é possível. O mal já está feito. Dá-se mesmo a entender que tais palavras levaram ao fim da relação.
No refrão, a narradora diz que está satisfeita com a separação – ou pelo menos aprendeu a viver com ela. Por outro lado, na segunda estância põe-se a pensar no que teria acontecido se o relacionamento não tivesse terminado. É uma reação tipicamente humana – vemos Hayley explorando ideias semelhantes em Flowers For Vases, por exemplo. E aposto que não existe nenhum fã mais hardcore dos Paramore que nunca tenha tentado imaginar o percurso da banda caso Zac e Josh não tivessem saído em 2010, e/ou se Jeremy não tivesse saído em 2015.
Musicalmente, não há muito a dizer. Não existe nenhum elemento de grande destaque no instrumental, mas no seu todo é bastante sólido. Evita as armadilhas em que outras músicas deste álbum caem.
Por outro lado, quando tocada ao vivo torna-se interessante, pois no fim da música põem-se a brincar com excertos de outras músicas. Eles experimentaram vários no ciclo de All We Know is Falling e um fã deu-se ao trabalho de compilar no vídeo acima.
Pequeno aparte só para a delícia de ver quatro cabeças abanando com sincronia perfeita.
Falemos sobre alguns destes outros, então. O de Sk8er Boiera alegadamente para responder a uns armados em engraçados que chamavam Avril à Hayley. De todos os nomes que terão chamado à jovem (entre os quais “tiny hot topic bitch”), este não estará entre os piores. Mas compreendo a irritação: naquela altura qualquer rapariga cantando por cima de guitarras era um clone da Avril.
A própria Avril será um clone da Avril, segundo consta...
De que estávamos a falar? Ah, certo, Here We Go Again.
Um dos encerramentos mais engraçados, na minha opinião, é com Incomplete dos Backstreet Boys – uma música que ficou em 2005, em termos de memória colectiva. Uma rara ocasião em que Josh e Hayley harmonizam nos vocais (deviam tê-lo feito mais vezes) e com um screamo bem sacado.
Eventualmente decidiram tornar o outro com One Armed Scissor, de At the Drive-in, o definitivo. E de facto é o que melhor se encaixa em termos de letra. Gosto em particular do verso “I write to remember” – quem também é escritor sabe do que falo.
Never Let This Go é outra que, à primeira vista, podia ser sobre a partida de Jeremy, mas é pouco provável que o seja. Hayley terá dito certa vez que é sobre quando o amor corre mal.
O que não esclarece muito.
Devo dizer que Never Let This Go é a de que menos gosto em All We Know is Falling. Instrumentalmente, tirando as notas introdutórias, que me recordam Decode e I Caught Myself, não é nada de especial. A letra também deixa muito a desejar – muito curta, vaga, cheia de clichés emo. Eles têm bem melhor, conseguem fazer bem melhor.
Admito que Whoa está longe de ser a melhor música dos Paramore. O refrão é demasiado cliché, quase reproduzindo o chamado Millenial Whoop, um truque barato para cativar o ouvinte, sobretudo ao vivo… mas resulta. É o tipo de música que agrada ao meu eu de quinze, dezasseis anos.
Por outro lado, a introdução está bem sacada, com aqueles acordes de guitarra pesados mas dançantes.
Uma vez mais, a letra não é nada de especial. Parece falar sobre a banda, faz o ponto da situação no caminho para a glória. Não dá para ter a certeza, é demasiado vaga. Em todo o caso, é a faixa mais alegre num álbum bastante (emo) melancólico.
Regressando a esse registo, falemos sobre Emergency, o segundo single deste álbum e, na minha opinião, a melhor em All We Know is Falling e uma das melhores dos Paramore – merecia muito mais apreciação.
Em termos de musicalidade, é a melhor em All We Know is Falling: como que a duas vozes, com o instrumental a acompanhar, os riffs acelerando e abrandando, o ligeiro crescendo imediatamente antes do refrão.
Queria no entanto destacar a letra. Hayley baseou-se nas suas experiências com os múltiplos divórcios dos seus pais e na ideia que tinha do amor em geral. É fascinante examiná-la agora, após Petals For Armor. Após a própria Hayley ter passado por um divórcio. Até porque, a meu ver, as opiniões que Hayley exprime em Emergency são uma das razões pelas quais se manteve tanto tempo numa relação tóxica.
Em defesa dela, estas eram opiniões populares nos anos 2000. O número de divórcios estava em alta, diziam, porque as pessoas não se queriam comprometer a longo prazo, além da fase de lua-de-mel. Desistiam à primeira dificuldade, não percebiam que os casamentos exigiam esforço (“So you give up every chance you get, just to feel new again”).
Existe verdade nestas ideias, mas estas ignoram um princípio importante: antes só que mal acompanhado.
Hayley chega a acusar os pais de não saberem o que é o amor (“And you do your best to show me love, but you don’t know what love is”), mas hoje fica claro que eles sabiam mais do que ela. Por estes dias, Hayley fala em traumas geracionais, em como ela e a mãe fugiram com companheiro abusivo dela ao virem para Franklin – mas saberia a jovem a verdade na altura, quando tinha onze ou doze anos? Talvez ela só o tenha descoberto muito mais tarde e, até lá, pensava que era apenas a mãe a divorciar-se outra vez.
E anos mais tarde, quando Hayley ficou noiva e o noivo se envolveu com outra mulher, a jovem casou-se à mesma com ele. Em parte porque, como já tínhamos comentado noutra ocasião, queria mostrar aos pais que ela, ao contrário deles, conseguiria manter uma relação.
Os resultados estão à vista, conforme temos vindo a comentar extensamente neste blogue.
A frase mais importante da letra, no entanto, é “No one cares to talk about it”. Quando a toca ao vivo, Hayley acrescenta mesmo “So can we talk about it?”. E a parte mais triste é que Hayley e a mãe só começaram a falar sobre os divórcios há poucos anos – já depois de a jovem tem passado pelo seu.
Compreende-se que Cristi não tenha querido falar sobre isso antes. Não será fácil admitir os seus erros, as suas vergonhas, as armadilhas em que caiu, a uma filha adolescente. Além disso, uma coisa é falar sobre estas coisas com uma miúda de dezasseis anos e falar com uma mulher de trinta.
Ainda assim, Hayley podia ter-se poupado a muito sofrimento se os pais tivessem sabido comunicar melhor com ela sobre estes assuntos. Até porque, segundo Hayley, ela e Cristi cometeram os mesmos erros nas suas vidas amorosas: envolveram-se em relações abusivas porque queriam alguém que não as abandonasse. Estavam dispostas a aceitar tudo desde que se sentissem desejadas.
Tudo isto é compreensível, tudo isto é humano, tudo isto é triste, tudo isto é fado. Felizmente, nesta altura Cristi está num casamento feliz e Hayley, aparentemente, também estará numa relação saudável (com o Taylor?).
Uma última palavra para o chamado Crab Mix, lançado no EP The Summer Tic, em 2006 – em que Josh contribui com screamos. É uma versão fixe. Não vou ao ponto de desejar que tivessem usado esta como versão oficial, mas podiam ter incluído screamo no último refrão, em jeito de elemento-surpresa.
Brighter é outra das minhas preferidas neste álbum. Musicalmente é das mais rápidas em All We Know is Falling. Pontos para a bateria de Zac (recordo que ele tinha treze ou catorze anos quando gravou isto). Também Hayley impressiona com a sua voz – reparem no crescendo antes do refrão, em “that you shine brighter than anyone”.
A letra não é muito consistente. Penso que nenhum dos membros da banda alguma vez revelou a inspiração por detrás dela. No entanto, All We Know is Falling é dedicado a Lanie Kealhofer, juntamente com a fase “you shine brighter than anyone”. Lanie era uma amiga de Hayley, de quando ela vivia no Mississipi, que morreu num acidente de barco poucas semanas antes da edição deste álbum. Assim, assume-se que Brighter é sobre a morte dela.
Existem partes da letra que se encaixam nessa teoria. Outras, nem tanto – em particular o refrão. Não dá para ter a certeza, por isso. Mas também já lá vão mais de quinze anos. É pouco provável que venhamos a descobrir a verdade.
Em todo o caso, pessoalmente, Brighter é uma das músicas que me faz pensar em Chester Bennington, no que lhe aconteceu (tenho uma playlist delas). “And I’ll wave goodbye watching you shine bright” descreve bem a minha segunda metade de 2017.
Franklin é uma música mais interessante do que, se calhar, soa à primeira vista, sobretudo em termos de letra. Musicalmente, destaca-se do resto do álbum por ser uma balada com vocais mais suaves, menos gritados, e com um fascinante padrão de bateria. Josh e Hayley cantam juntos no refrão – é uma pena não o terem feito mais vezes quando podiam. Os últimos versos de Franklin, então, soam particularmente bonitos.
Houve uma altura há uns anos em que me perguntava como teria sido se Josh tivesse sido oficialmente co-vocalista dos Paramore. Talvez a banda tivesse tido um percurso mais pacífico. Hoje no entanto, depois de saber mais sobre as origens dos Paramore, acho que nunca resultaria. É possível, até, que fosse esse o plano inicial e que a editora tenha vetado.
Além disso, acho que Hayley e Josh seriam sempre tratados de maneira diferente – por serem de géneros diferentes, por ela ser (na minha opinião mas não só) mais carismática e mais talentosa vocalmente.
Mas regressemos a Franklin. A música recebeu o nome da terra onde os membros da banda viviam antes de serem descobertos. No entanto, como veremos de seguida, a letra da música tem uma mensagem bastante universal. Funcionaria com qualquer nome de localidade – Franklin, Napanee, Massamá.
À primeira, a letra de Franklin parece falar apenas sobre ter saudades de casa. Porém, se formos a ver, não é tanto de casa que a narradora tem saudades – é das pessoas que ela e os amigos eram antes de partirem. De tal forma que a narradora admit que regressar não é solução – não é a mesma coisa.
A mim faz-me pensar em Frodo Baggins regressando ao Shire no final d’O Senhor dos Anéis e percebendo que já não pertence lá. No entanto, não é preciso ter percorrido quilómetros e quilómetros a pé, atravessado reinos em guerra e levado o Anel Um até à cratera de Mordor para se identificar com a letra de Franklin. Nem sequer é preciso ter saído da terra natal.
No fundo, a letra de Franklin é sobre crescer. Sobre a maneira como as coisas mudam, as pessoas mudam e não é possível voltarmos a ser quem éramos antes, por muito que o desejemos.
Finalmente, encerrando o álbum, temos My Heart, outro clássico adorado pelos fãs.
Que atire a primeira pedra (see wbat I did there?) quem nunca achou antes que isto era uma canção de amor – de amor romântico, isto é. My Heart é, na verdade, uma carta de amor para Deus.
Este é outro aspeto que faz parte do ADN dos Paramore: a fé. Não que alguma vez tenham andado por aí tentando converter os seus fãs. Mesmo as referências ao cristianismo na sua música, tirando, vá lá, o outro de Let the Flames Begin, são discretas. Mas é uma parte da identidade da banda, sobretudo durante os seus primeiros anos.
E, à boa maneira dos Paramore, a certa altura foi fonte de discórdia.
Nos últimos anos, a banda tem deixado o cristianismo um pouco mais de lado. Numa entrevista recente, aliás, Hayley revelou que hoje questiona muitos dos princípios religiosos que lhe foram impingidos durante a infância e a adolescência. Ainda acredita em Deus, mas não no Deus que lhe ensinaram.
Eu compreendo. E aqui entre nós, com o historial do cristianismo no que toca às mulheres, às comunidades LGBTQ+, à pedofilia na Igreja Católica, nenhuma pessoa decente pode levar aquilo demasiado a sério. Nestas alturas, costumo parafrasear o sábio Eli Gold de The Good Wife: a religião é como um medicamento; em doses baixas é terapêutica, em doses altas é tóxica.
Regressando a My Heart, o momento-chave da música é o screamo de Josh na terceira parte. Este é um elemento que não devia resultar – My Heart é uma balada, é uma canção de amor a Deus – mas resulta. Em versões ao vivo, então, soa espetacular – sobretudo quando eles acrescentavam um outro.
Infelizmente Josh foi-se embora. Desde então, esta música só é tocada em acústico. Soa bonita à mesma, não me interpretem mal, mas não é a mesma coisa.
Na verdade, gosto um pouco mais de My Heart fora do contexto de All We Know is Falling. No álbum é a terceira música seguida neste registo mais sentido. Ainda por cima, a terceira parte da faixa repete a fórmula de Franklin – com o acompanhamento a diminuir de intensidade, Hayley cantando a mesma frase duas ou três vezes, seguindo-se uma “explosão”.
É um dos problemas de All We Know is Falling como um todo. Na primeira metade ficaram as músicas mais rápidas, na segunda ficaram as mais lentas. Teria ajudado se a ordem das faixas fosse diferente? Um bocadinho, talvez, mas acho que não chegaria para mascarar as falhas do álbum. All We Know is Falling é, na minha opinião, demasiado curto, demasiado homogéneo, com muitas arestas por limar em termos de letras e instrumentais.
Dito isto, All We Know is Falling está numa situação parecida com a de Flowers For Vases: por si só deixa a desejar, mas as falhas aceitam-se para as circunstâncias.
Estamos a falar de adolescentes compondo e gravando um disco! Zac tinha treze ou catorze anos durante os trabalhos de All We Know is Falling! Na idade deles, o meu maior feito fora entrar no Quadro de Honra no nono ano – algo que não me valeu de muito, tirando o orgulho da família (que desapareceria em poucos meses, quando cheguei ao décimo ano e tive dificuldades) e um livro oferecido pela escola (O Que Todas as Raparigas (Exceto eu) Sabem, de Nora Raleigh Baskin. Até gostei.).
E mesmo sendo o pior álbum dos Paramore, está longe de ser mau – ainda que eu tenha demorado anos a apreciar muitas das coisas boas que fui assinalando ao longo desta análise. Tem músicas que, como vimos, ainda hoje são adoradas pelos fãs – e uma ou duas que, na minha opinião, estão entre as melhores da banda.
O próprio Josh admitiria numa entrevista posterior que o álbum seguinte teria mais energia. E teve. Os Paramore, aliás, são um caso raro no mundo da música em que cada álbum é melhor que o anterior. Pela lógica seria de esperar que fosse sempre assim, mas todos conhecemos artistas ou bandas com excelentes álbuns de estreia e/ou segundos álbuns e que nunca mais conseguiram chegar ao mesmo nível.
Se bem que, muitas vezes, estas opiniões são influenciadas por fãs teimosos que fazem birra se os seus artistas ou bandas mudam o seu estilo com o tempo.
No que toca aos Paramore, acho que quase todos concordamos que Riot! É melhor que All We Know is Falling e Brand New Eyes é melhor que Riot!. Pode haver quem argumente que a tendência se mantém com os álbuns seguintes – mas eu acho que os três álbuns mais recentes dos Paramore estão mais ou menos ao mesmo nível. Cada um tem a sua personalidade, qual deles é o melhor depende do gosto de cada um.
A ver onde é que o sexto álbum dos Paramore se encaixará nesta classificação. Nesta altura, já está mais do que confirmado que a banda já está a trabalhar nisso. No outro dia, Hayley anunciou inclusivamente que vai-se manter afastada das redes sociais para, em parte, escrever letras.
Eu no entanto acho que ainda vai demorar um bocadinho. Aponto para 2022 ou, quanto muito, finais de 2021. Os fãs estão com pressa (e alguns têm sido bastante indelicados nas internetes), mas vocês já sabem que eu lido bem com esperas – sobretudo depois de Hayley ter lançado dois álbuns a solo em menos de um ano. A banda, aliás, faria bem em ter calma e dar tempo à pandemia para passar – se é para lançar música nova, que o façam de um palco.
A mim até me dá jeito a pausa já que, depois de escrever sobre Flowers For Vases e All We Know is Falling, fiquei saturada. Preciso de me ausentar no universo Paramore/Hayley Williams. A menos que a banda demore mesmo muito nos trabalhos, só tornarei a escrever sobre os Paramore quando começar o ciclo do sexto álbum. Provavelmente quando lançarem o primeiro single.
Isso quer dizer que só escreverei sobre Brand New Eyes depois do sexto disco dos Paramore. Esse não será um texto nada fácil. Em parte por causa dos conflitos na banda, ainda mais complicados que aquando de All We Know is Falling. Em parte porque eu mesma tenho tido uma relação difícil com Brand New Eyes – tanto com as músicas individualmente como com o álbum como um todo.
A prazo mais curto, receio que este blogue vá ficar em pausa durante as próximas semanas, se não forem meses. O Euro 2020 está à porta e vou estar mais ocupada com o meu outro blogue. Depois do Europeu, planeio ver a dobragem portuguesa de Digimon Frontier e começar, finalmente, a escrever sobre essa temporada. A análise não deverá ser tão longa como a de Tamers, mas ainda deverá demorar um pouco.
Em todo o caso, continuo à espera de música nova de Bryan Adams e de Avril Lavigne – os meus pais musicais deverão lançar álbuns novos ao mesmo tempo outra vez. A menos que eles me troquem as voltas e lancem os singles em pleno Euro 2020, em princípio teremos as respectivas crónicas de Músicas Não Tão Ao Calhas.
Como sempre, obrigada pela vossa visita e pela vossa compreensão. Sigam a página de Facebook deste blogue. Até à próxima!
Quem conheça este blogue saberá que os Paramore são uma das minhas bandas preferidas há vários anos. Eu diria mesmo que, neste momento, estão no primeiro lugar das minhas preferências. No entanto, durante muito tempo não tive cópias físicas dos álbuns deles, tirando do Self-Titled e, mais tarde, do After Laughter – compradas quando estes foram lançados.
Há uns anos, decidi mudar isso e encomendei na Fnac online os três primeiros CDs da banda. Um deles, o All We Know Is Falling, comprei algures em fevereiro ou março de 2018. No entanto, quando a encomenda chegou, a caixa do CD vinha partida.
Acabou por não ser muito problemático para mim. Bastou-me ir a uma loja da Fnac e eles trocaram-me o CD na hora. No entanto, já na altura achei que o episódio foi uma boa metáfora para o início dos Paramore como banda.
Não estava nos meus planos continuar no universo Paramore depois de ter escrito sobre Flowers For Vases. No entanto, calhou ter voltado a ouvir All We Know Is Falling pouco tempo depois de ter publicado esse texto e ter ficado inspirada. Além disso, visto músicas como Inordinary e Just a Lover recordarem as origens da banda, faz sentido regressar ao primeiro álbum dos Paramore.
Por outro lado, depois de um álbum maioritariamente acústico e vocais maioritariamente graves e contidos da parte de Hayley, é estranho ouvir guitarras pesadas e refrões explosivos.
Além disso, como referi no texto anterior, mudei de emprego há pouco tempo. A minha vida tornou-se menos familiar, sobretudo no mês passado – ainda que, por enquanto, não tenha reduzido o meu tempo de escrita, como cheguei a temer. Para lidar com esse stress, optei por um texto mais dentro da minha zona de conforto, em vez de projetos mais ambiciosos.
Como All We Know is Falling é o primeiro álbum dos Paramore, a sua estreia no mundo da música, importa ir às origens da banda. À semelhança do que fizemos com os Linkin Park e Hybrid Theory– é uma pena não existir um site equivalente à Linkinpedia para os Paramore.
Os Paramore nasceram enquanto banda em Nashville, no estado do Tennessee, nos Estados Unidos. Hayley Williams mudou-se para Franklin juntamente com a sua mãe quando tinha onze ou doze anos. Foi aqui que conheceu os futuros companheiros da banda: Josh e Zac Farro, Taylor York, Jeremy Davis. Hayley e Jeremy faziam ambos parte de uma banda que fazia coversfunk (Ain’t it Fun não veio do nada). Ao mesmo tempo, começou a compôr música com Taylor e Josh – daqui surgindo temas como Conspiracy e a B-side Oh Star.
Hayley diz que, até àquela altura, ouvira sobretudo música pop e R&B – e essas influências apareceriam muitos anos mais tarde, com Petals For Armor. No entanto, com os Farro aprendeu a ouvir música mais pesada, como Radiohead e Deftones.
Quem nunca?
Consta que, de início, várias pessoas estiveram perto de fazer parte da banda. Josh e Zac não estariam muito entusiasmados com a ideia de ter uma rapariga no grupo – sem comentários. Houve um tipo chamado Randall que era o vocalista original, chegando a co-compôr as primeiras versões de músicas como Conspiracy e Stop This Song (Lovesick Melody). Segundo Hayley, quando ela se juntou oficialmente, Josh expulsou Randall da banda via Messenger do AOL.
Também terá havido um baixista antes de Jeremy, cujo apelido de solteira da mãe foi usado para batizar a banda. Mais tarde, descobriram que Paramore vem de “paramour”, que significa “amor secreto” ou “por amor” – o que acharam adequado.
Por outro lado, Jeremy terá ficado de pé atrás quando conheceu os Farro. Jeremy já teria dezassete ou dezoito anos e Zac apenas onze ou doze – qualquer um teria dúvidas. No entanto, depois de ouvi-los tocar, Jeremy mudou de ideias.
Por fim, Taylor ajudaria a compôr tanto em All We Know is Falling como em Riot!. No entanto, só iria em digressão com o resto da banda durante o ciclo do segundo álbum – e só se tornou um membro oficial em 2009. Taylor só não se juntou mais cedo por dois motivos. Primeiro, por interferência da editora. Segundo, porque os pais queriam que ele fizesse o equivalente ao décimo-segundo ano primeiro.
Calculo que tenha sido duro para o Taylor de treze ou catorze anos. De todos, Hayley incluída, Taylor foi o único que nunca renunciou aos Paramore por vontade própria. Dito isto, no lugar dos pais dele, eu teria decidido o mesmo. Isso de ter uma banda e gravar um disco é muito bonito, mas é um tiro no escuro. Eu também quereria que o meu filho tivesse todas as armas possíveis antes de se lançar nessa aventura, caso não resultasse.
Além disso, não é segredo nenhum que a vida de músico nem sempre é fácil – nem para adultos, quanto mais para miúdos. Aliás, sabendo agora o que se sabe da carreira dos Paramore, sobretudo nos primeiros álbuns, não teria feito mal àqueles miúdos esperarem uns anos – Zac chegou a afirmar que um dos motivos pelos quais saiu em 2010 foi por sentir que a banda lhe roubara a infância. Muitas coisas teriam sido diferentes, a começar pelos álbuns, mas aposto que teriam tido muito menos crises.
É difícil sabê-lo, no entanto. E também não é certo que a Atlantic Records e/ou a Fueled By Ramen ficassem à espera deles.
E por falar da Atlantic e da Fueled By Ramen…
Por estes dias já toda a gente sabe que Hayley foi a única dos Paramore a assinar um contrato com a Atlantic Records. Antes disso, Hayley compusera algumas músicas a solo e enviara demos para várias editoras – chegou a cantar para LA Reid, em Nova Iorque, tal como a Avril. Todos os interessados viram nela uma miúda bonita, carismática, com uma voz incrível – ou seja, com tudo para ser uma estrela – e queriam precisamente fazer dela a próxima Avril Lavigne.
O problema é que Hayley não queria de todo ser uma cantora a solo. Queria formar uma banda com os seus amigos. Hoje sabemos que a jovem queria fazer dos Paramore a família que nunca tivera até à altura.
Pensemos nisso por um momento. Hayley tinha catorze ou quinze anos nesta altura. Nesta idade, a maior decisão que uma pessoa vulgar toma é se quer ir para o Secundário (e, se sim, para que área) ou para um curso profissional – e há quem argumente, com alguma razão, que o típico adolescente não tem maturidade suficiente para fazer esta escolha.
No entanto, com esta idade, Hayley tinha praticamente todos os adultos na sua vida – desde os seus pais a uma data de executivos – a dizerem-lhe para cagar nos esquecer os companheiros de banda e agarrar a oportunidade de se lançar no mundo da música. Nove em cada dez pessoas – não não, noventa e nove em cada cem pessoas nestas circunstâncias teria cedido. Que miúdo de catorze ou quinze anos é capaz de se sentar numa reunião com pessoas poderosas da indústria musical e dizer, entre lágrimas, “ou faço isto com os Paramore ou volto para a garagem do Taylor”?
De uma maneira extremamente retorcida, se Hayley não tivesse passado a infância lidando com divórcios e não visse nos Paramore a família que nunca teve, o mais certo é não estarmos aqui a ter esta conversa.
A Atlantic Records, de resto, foi a única interessada na ideia da banda. E mesmo assim só Hayley assinou com a Atlantic. O único contrato como banda foi assinado com a Fueled By Ramen, uma divisão da Atlantic um pouco mais nicho, que se achou mais adequada.
Eu compreendo os ressentimentos de Josh e dos outros. Quem não ficaria? Sobretudo se os pais de Hayley tentaram proteger a filha à custa dos outros miúdos. A ser verdade, não foi o correto – se tivesse no lugar dos pais dela, gosto de pensar que tentaria proteger tanto a minha filha como os amigos dela – mas compreende-se.
Além disso… onde estavam os pais dos Farro, mesmo de Jeremy, no meio desta história toda? Porque não estiveram lá a tentar defender os interesses dos filhos? Fica a pergunta.
Tenho muito menos compaixão pelos executivos, agentes e outras pessoas da Atlantic e/ou Fueled By Ramen – que, ninguém duvida, terão favorecido descaradamente a “estrela”. Não se espera comportamento ético por parte dessa gente, mas recordo que eles estavam a lidar com miúdos – Zac tinha onze ou doze anos! Há limites!
Hayley referiu mesmo que as pessoas da editora tentaram virá-los uns contra os outros – tendo isso inspirado a letra de Conspiracy. O que certamente explica a maneira como Josh deixaria os Paramore anos mais tarde. Havemos de falar sobre isso noutra ocasião, mas pelo menos no que toca a isto Josh fez mal em culpar Hayley.
Mas o drama não ficou por aqui. Oh não, minha gente, com esta banda o drama nunca fica por aqui…
Quando os Paramore finalmente conseguiram a luz verde para gravarem um disco, Jeremy virou-se para os amigos e disse algo como:
– Comprei um bilhete de avião para Nashville…
Os outros tiveram as reações esperadas, Hayley terá chorado, coitada, mas não conseguiram dissuadi-lo. Mais tarde, Jeremy diria que se assustara – e, para ser sincera, com tudo o que acontecera até ao momento e tudo o que aconteceria mais tarde, compreendo. Os membros que restaram compuseram All We Know nos dias seguintes. Mais tarde, decidiram usar a partida de Jeremy como inspiração para o conceito do álbum. Daí o nome e a capa, com um sofá vazio e a sombra de alguém afastando-se.
O primeiro álbum dos Paramore centra-se na saída de um membro da banda. Ainda eles não tinham começado e já tinham perdido um membro. Eles nunca tiveram qualquer hipótese, pois não? Está no seu ADN!
Não admira que Hayley sinta a necessidade de dizer dia sim, dia não, que os Paramore ainda são uma banda.
A parte mais engraçada é que Jeremy nem sequer se manteve afastado muito tempo. Depois de deixar os Paramore, esteve a entregar pizzas – é claro que não ia durar, não tendo ele uma hipótese de se lançar no mundo da música. Não consigo descobrir ao certo quando é que ele voltou, mas foi a tempo de filmar o videoclipe de Pressure. Estou a tentar imaginá-lo caindo de pára-quedas no meio do ciclo de um álbum inspirado pela sua ausência.
Como diriam os anglosaxónicos, awkward…
E depois de mais de mil e quinhentas palavras de introdução (é sempre assim), vamos às músicas.
Comecemos pela faixa que dá o nome ao álbum, All We Know. Como vimos acima, esta foi uma das primeiras a ser composta, logo no rescaldo da partida de Jeremy. A letra é bastante simples e direta, talvez um pouco simples e direta demais. Musicalmente, tem aquele estilo pop punk/rock alternativo que define a primeira metade da carreira dos Paramore. Belos riffs da guitarra de Josh, bela bateria de Zac, vocais impressionantes de Hayley.
Eu, no entanto, não gosto muito da música. Não me diz muito.
Pressure, no entanto, que se segue a All We Know na tracklist e cuja letra pega onde a sua antecessora parou, é outra história. Quando há pouco mais de dez anos decidi conhecer melhor a banda e me pus a ouvir as músicas deles em aleatório, Pressure foi das que mais depressa me cativou (bem como Emergency). Não me surpreendeu quando descobri mais tarde que é um clássico dos Paramore.
Por estes dias, Hayley diz que foi Pressure que os cimentou no pop punk/emo, pois não era esse o estilo musical que ela e os amigos ouviam – coisas mais pesadas, como vimos antes. A mim mete-me sempre confusão quando artistas dizem coisas destas: como se pode criar arte num determinado género quando se prefere consumir outro por prazer?
Musicalmente, Pressure é irrepreensível, mas o ponto alto é o refrão – um dos melhores que a banda alguma vez compôs. Em termos de letra, esta terá sido inspirada pela ausência de Jeremy mas sinceramente? Nesta fase podia aplicar-se a todas as partidas traumáticas da banda.
Começando pelos versos de abertura: “Tell me where our time went and if it was time well spent”. A narradora pergunta ao visado se ao menos gostou do tempo que passaram juntos, mesmo que o outro se tenha ido embora.
Os versos “now that I’m losing hope and there’s nothing else to show for all of the days that we spent carried away from home” parecem um pouco mais específicos para esta situação. Aludem possivelmente a uma altura em que não estariam a fazer grandes progressos nos trabalhos de All We Know is Falling.
Em oposição, os versos “Some things I’ll never know and I have to let them go”, de uma maneira algo caricata, refletem algo que os fãs dos Paramore tiveram de aprender ao longo dos anos, com tanto drama. Nunca saberemos a verdade toda. Nunca saberemos quem é o bom e o mau da fita – ou sequer se eles existem – e se haviam maneiras de se evitar os conflitos e as separações. Eu posso ter gasto mil e quinhentas palavras só nesta análise tentando compreender, mas isto é tudo especulação, não são factos comprovados.
Por outras palavras, mais vale aceitar.
Por fim, Pressure termina com um ligeiro twist. Em vez de “We’re better off without you”, como todos os anteriores, o último refrão reza “You’re better off without me”. À luz do que sei agora sobre os traumas de abandono de Hayley… au!
Uma nota sobre o Pressure-flip. Ironicamente, um dos momentos mais icónicos de Jeremy em palco decorria durante uma música inspirada pelo seu abandono da banda. Quando fui ver os Paramore ao Optimus Alive de 2011, não sabia que essa acrobaciazinha era algo que eles faziam em palco. Não há dúvidas de que esta foi a melhor maneira de descobri-lo. É um dos momentos que melhor recordo desse concerto – que ainda por cima fora antecedido pelo pequeno discurso de Hayley dando-nos as boas-vindas à família (tenho qualquer coisa no olho…).
Existem versões contraditórias para a origem de Conspiracy. Aquilo que parece certo é que foi a primeira música de sempre dos Paramore. Em 2016, Hayley contou que o instrumental foi composto pelo tal Randall, o primeiro vocalista da banda. Quando a jovem o substituiu, ela mudou a letra e a melodia. Hayley conta como trazia os poemas que escrevera em casa para os ensaios de banda e os lia ao som da música.
No entanto, no ano passado, em entrevista à Vulture, Hayley disse que a letra de Conspiracy foi inspirada pelas tensões entre os membros da banda e a editora. O que não bate certo – a menos que as tensões tenham começado cedo, assim que Hayley se juntou à festa (admirem-se…).
É possível que a primeira versão da letra fosse ligeiramente diferente. Ou então que tenha sido inicialmente inspirada por outra coisa – talvez a sua situação familiar com os pais e os padrastos – e que, mais tarde, tenha ganho novos significados. Se acontece connosco, ouvintes, também acontecerá com os criadores.
Em todo o caso, a letra reflete bem as múltiplas crises nos Paramore – a desconfiança, a paranóia, a impotência, a solidão. E foi logo a primeira música que eles compuseram enquanto banda.
É o que eu digo, está no ADN deles!
À parte isso, infelizmente, não gosto muito de Conspiracy. O instrumental tem os seus momentos, gosto da introdução, mas existem partes que não fluem bem – sobretudo no refrão. Na mesma linha, nota-se que a letra foi escrita por uma rapariga novinha – demasiado simples, rimando muitas palavras com elas mesmas.
Bem, foi a primeira música deles. Ninguém pode censurá-los por não acertarem à primeira, sobretudo naquelas idades.
Ficamos por aqui, para já. Peço desculpa por só termos falado de três canções: com esta banda é preciso quase sempre falar do que acontece nos bastidores. Amanhã haverá mais. Não percam!