Avril Lavigne - The Best Damn Thing (2007)
Uma das ideias que tenho para ir mantendo o blogue em funcionamento diz respeito a críticas retrospetivas de álbuns marcantes dos meus artistas preferidos. Seria também uma forma de revisitar músicas a que, ultimamente, não tenho dado muita atenção. Eu peço desculpa pela falta de variedade, mas os primeiros álbuns de que quero falar nesta categoria são os três de Avril Lavigne de que ainda não falei. A minha intenção era publicar as respetivas análises retrospetivas no aniversário dos lançamentos, mas o lançamento de Fly trocou-me as voltas relativamente a The Best Damn Thing (o single foi lançado no oitavo aniversário do terceiro álbum de Avril).
The Best Damn Thing é o terceiro álbum de estúdio de Avril Lavigne e um dos mais controversos entre os fãs. Até aqui, Avril era marketeada como uma anti-pop star. Depois deste álbum, sobretudo com Girlfriend, esse rótulo foi ao ar. As consequências desta mudança foram diversas: se Girlfriend é o single dela com mais sucesso até ao momento (não, não é Complicated nem Sk8er Boi. Eu sei, custa a acreditar...) e este é um dos álbuns mais premiados dela, atraindo imensos fãs novos, também fez com que muitos fãs antigos batessem em retirada e, a longo prazo, arruinou o relacionamento da cantora com as editoras discográficas. E fez-me olhar com cinismo para outras anti-pop stars, como Adele e Lorde.
Pela parte que me toca, a edição deste álbum teve grande impacto em mim. Depois de ter descoberto Let Go e Under my Skin com algum atraso, The Best Damn Thing era o primeiro CD cujo lançamento eu acompanhava como deve ser - o que, na altura, foi importante para mim. E ainda é. Numa altura em que ainda não sabia sacar músicas, nem fazia do que era o iTunes, descobri que o site onde podíamos ver os sketches do Gato Fedorento (a.k.a. YouTube), também tinha áudio de Keep Holding On e Girlfriend, e ouvia-as sempre que podia. Tentava replicar a capa do álbum, em que ela aparece enrolando uma madeixa de cabelo no dedo. Desenhava o símbolo do álbum (um coração com dois ossos cruzados atrás) nas margens dos meus cadernos da escola com o número de dias que faltavam para o CD ser posto à venda. Quando finalmente o álbum foi editado, fiz questão de ir comprar o CD no próprio dia em que saiu - naquela altura, os CDs ainda chegavam a tempo às lojas, sem os atrasos que há hoje. Ainda me lembro de muitos aspetos desse dia 16 de abril de 2007 (embora o lançamento oficial tenha sido no dia seguinte), desde o que pensei exatamente quando ouvi certas músicas pela primeira vez, até à hora aproximada a que comprei o CD e a roupa que vestia (o meu cérebro, senhoras e senhores!) Ao longo dos meses seguintes, e mesmo depois, andei obcecada com o álbum e com a própria Avril. Tendo coincidido com a altura em que ia aprendendo a escrever ficção, várias das músicas deste álbum inspiraram-me na escrita. Hoje sei que a maneira como eu encarava o álbum na altura era muito alimentada pelo hype. Como terá o álbum se saído no teste do tempo?
Segundo declarações da Avril na altura, o principal objetivo do seu terceiro álbum era produzir músicas animadas, enérgicas, ideais para concertos ao vivo - até àquele momento, as únicas que se encaixavam nesse critério eram Sk8er Boi e He Wasn't (isto se não contarmos com as b-sides I Don't Give e I Always Get What I Want, que tinham feito parte da setlist de alguns concertos). Deixando um pouco de lado o cunho autobiográfico que marcara fortemente os dois primeiros álbuns, o principal foco de Avril com The Best Damn Thing era divertir-se - não é um álbum para ser levado à letra ou demasiado a sério, uma lição que foi necessário aprender perante canções tão fúteis e vazias de sentido como Girlfriend, I Can Do Better e I Don't Have to Try (embora Hello Kitty faça estas últimas parecerem tratados filosóficos).
Mesmo dentro deste estilo descontraído, festivo e superficial, The Best Damn Thing tem uma série de boas canções. A minha preferida é Runaway. Tem claros ecos de Let Go, uma letra com que toda a gente se identifica, uma melodia cativante na tradição do bom pop rock, bateria de Travis Barker, dos Blink 182, e uma das melhores guitarras de todo o álbum - não descansei enquanto não aprendi a tocá-la.
Outra de que gosto muito é Contagious - era para ser gravada pelo guitarrista Evan Taubenfeld, que ajudou a compô-la, mas chegaram à conclusão que a Avril cantava-a melhor. É uma faixa curtinha, com uma letra simples, de amor (acabando por ser uma predecessora de Smile e You Ain't Seen Nothing Yet), mas incrivelmente alegre e... bem, contagiante.
A faixa que a antecede, One of Those Girls, acaba por ser parecida: animada sem cair nos excessos de futilidade de outras músicas. A letra foge ao habitual na música da Avril ao contar a história de uma caçadora de fortunas. Não a distinguiria particularmente de outras canções deste álbum não fosse um pormenor: o bridge. Tal como acontece com frequência neste álbum, este apresenta traços de rap - no entanto, é o melhor conseguido de todo o disco. Foi um golpe de génio colocarem backvocals sem palavras ao mesmo tempo que, no fim de cada verso, emprestam melodia à última palavra. É uma faixa algo subvalorizada, One Of Those Girls, ficando na sombra de outras músicas mais ostensivas neste álbum.
Hot é o meu single favorito de The Best Damn Thing. Nesta canção, Avril mostra-se um pouco mais madura do que na maioria das músicas do resto do álbum, explorando (pela primeira vez na sua carreira) o seu lado mais sensual, mais glam rock. Foi a primeira música mais ostensivamente sexy de que gostei a sério. Na altura em que saiu, encontrei algumas semelhanças com Say it Right, da sua conterrânea Nelly Furtado.
A faixa-título The Best Damn Thing, não sendo uma das minhas preferidas, tem o seu quê de irresistível. Considerada por muitos uma Girlfriend 2.0 (embora, tanto quanto me recordo de entrevistas, tenha sido composta muito antes, em finais de 2004), é um hino para meninas mimadas, mas a verdade é que reflete os valores antiquados que a Avril já afirmou várias vezes ter: exigir que o companheiro a trate como uma princesa. Tem, na minha opinião, um dos refrões e pré-refrões mais bem conseguidos de todo o álbum. Ouvindo agora, é inevitável comparar com a mais recente Shake it Off, de Taylor Swift - e, de resto, não é a primeira vez que essa cantora imita a Avril.
Falar das baladas de The Best Damn Thing é quase como falar de outro álbum, completamente diferente. São estas que melhor mostram o amadurecimento de Avril como compositora. Muitos críticos na altura afirmavam que era neste estilo musical que Avril realmente brilhava e é difícil discordar. Eu mesma afirmei recentemente que, neste género de música, Avril raramente erra.
A de que gosto menos é When You're Gone e é só porque é menos melodiosa que as outras baladas, incluindo a b-side I Will Be. É o único defeito pois, na altura e que saiu, a canção tocou-me profundamente, sobretudo depois de sair o videoclipe. Não fui a única e a faixa foi, inclusivamente, usada em várias bandas sonoras, incluindo nos Morangos com Açúcar (belos tempos...). Mesmo assim, acabei por ficar a gostar mais de I Will Be. Esta tem muitas semelhanças com When You're Gone, tanto em termos de letra como em termos musicais, mas, no cômputo geral, I Will Be está melhor conseguida. Não quero alongar-me muito, pois I Will Be merece uma entrada de Músicas Ao Calhas que hei de escrever, um dia destes.
Já falei aqui no blogue sobre as outras duas baladas de The Best Damn Thing (sobre Innocence aqui). Keep Holding On é, provavelmente, a faixa deste álbum que melhor se saiu no teste do tempo. Conforme já expliquei aqui, a música faz parte da banda sonora do filme Eragon, tendo sido lançada em finais de 2006. Mesmo sem videoclipe e sem grande promoção, saiu-se bem na rádio da altura. Aquando da edição de The Best Damn Thing, Avril subestimou criminosamente Keep Holding On ao excluí-la da setlist da maioria dos concertos - nesta altura, ela favorecia ostensivamente as músicas mais compatíveis com o conceito de TBDT, pelo que as baladas eram deixadas um pouco de lado. Keep Holding On, no entanto, foi capaz de se safar sozinha nos anos que se seguiram, sobretudo após se tornar uma das músicas de marca da série Glee. A própria Avril aprendeu a dar valor à música, sobretudo quando esta se tornou um dos hinos da sua Fundação - isto é, antes de Fly.
Quanto a mim, Keep Holding On continua a ser uma das minhas preferidas da Avril, ocupando um lugar especial no meu coração desde que a ouvi pela primeira vez. Isto porque a mensagem da música - sobre amizade e capacidade de resistência - adaptava-se perfeitamente à história que eu andava a escrever na altura. Temas que ainda hoje permanecem na ficção que escrevo.
Se Keep Holding On me deixou totalmente satisfeita na altura em que foi lançada, com Girlfriend a história foi diferente. Não tinha nada a ver comigo (e ainda não tem), mas era uma música tão, mas tão contagiante. É uma posição que se manteve até hoje. Há quem diga que, da mesma maneira como Let Go estimulou outras cantoras a aventurarem-se pelo rock, Girlfriend deu permissão a outras cantoras para se aventurarem no pop politicamente incorreto, ajudando, assim, a criar as Katy Perry, Nicky Minaj, Ke$ha e Meghan Trainor desta vida - embora eu ache que podíamos, perfeitamente, passar sem tais criaturas.
Para além de Girlfriend, duas faixas gritantes (em vários sentidos) neste álbum são I Can Do Better e I Don't Have to Try, mais exemplos da futilidade extrema que, na minha opinião, estraga o disco. I Can Do Better equivale praticamente a uma noite de bebedeira pós-separação - a música até fala de Limoncello! A própria Avril admitiu tê-la gravado bêbada, algo que se nota.
Um aparte só para confessar que I Can Do Better me deixou com vontade de provar Limoncello, algo que consegui fazer há uns anos. É bom.
I Don't Have to Try vai na mesma onda que I Can Do Better, com uma mensagem de "quem manda aqui sou eu". Esta faixa seria perfeitamente esquecível, sobretudo passados estes anos todos, se não fossem uma série de elementos muito bem conseguidos: o rap introdutório, o solo de guitarra (adoro-o desde o primeiro momento em que ouvi a canção), os backvocals no segundo e terceiro refrões ("don't have to! don't have to! to make you! to make you!"), o grito à punk rock.
Por fim, Everything Back But You é uma faixa gravada para o Under My Skin, mas que Avril considerou mais adequada ao The Best Damn Thing. Na verdade, sinto-me parva por só o ter percebido depois de Avril revelar esse pormenor, mais de um ano depois de publicar a faixa. Os sinais estão todos lá: a voz de Avril soa diferente do resto do álbum, mais parecida com o timbre de Under My Skin. Essa diferença é mais evidente na versão censurada da música - os "hey hey" soam completamente diferentes do resto. Everything Back But You tem um som punk rock muito clássico, gosto do solo de guitarra e do baixo, mas confesso que foi das primeiras faixas de The Best Damn Thing de que me cansei - a partir de certa altura, uma pessoa farta-se de infinitas break-up songs (e pensar que a Taylor Swift ainda deve ser pior...).
Conforme disse antes, este álbum foi um game changer para a carreira da Avril. A mudança foi mais em termos de imagem e marketing do que propriamente musical, pois The Best Damn Thing não é tão pop como é pintado. Pelo menos não é muito mais pop que o Let Go, muitos poderiam argumentar que acontece precisamente o oposto. E, definitivamente, o quinto álbum é o mais pop da carreira da cantora.
A própria Avril, em si, era a mesma que conhecíamos - aliás, os fãs podem dizer o que quiserem sobre este álbum e esta era, mas a verdade é que The Best Damn Thing reflete melhor a personalidade de Avril que Under My Skin. Eu, na verdade, sempre senti dificuldades em conjugar o tom sombrio do segundo álbum com a menina divertida e amalucada dos vídeos de bastidores. Pode-se argumentar que a Avril devia ter previsto a controvérsia que o este álbum causaria (os Paramore, pelo menos, sabiam no que se estavam a meter quando lançaram o álbum homónimo), mas não creio que isso mudasse alguma coisa. Uma das coisas que mais respeito na Avril é a sua ausência de pretensão, a sua genuinidade. Ela não sente necessidade de provar nada, ela faz aquilo que entende com a sua música, não o que esperam dela. Para o melhor e para o pior.
E a verdade é que, por muitos defeitos que este álbum tenha, com The Best Damn Thing, Avril arriscou, re-inventou-se, apresentou uma nova faceta da sua música. Fê-lo, de resto, nos três álbuns que se seguiram à sua estreia, com Let Go. Mas não o fez com o seu álbum homónimo. Daí que este me tenha desiludido.
Confesso que, mesmo passados estes anos todos, ainda não tenho uma opinião definida sobre esta mudança na carreira da Avril. A maior desvantagem foi, sem dúvida, o facto de este álbum ter complicado o relacionamento dela com as gravadoras, levando a um fraco desempenho comercial dos álbuns que se seguiram. À parte esse aspecto, lembro-me de ter decidido, já algum tempo depois da edição de The Best Damn Thing, que gostava da pessoa que Avril se tornara. O cabelo loiro, o cor-de-rosa, as dançarinas, uma ou outra música mais fútil, tudo isso eram aspetos secundários.
E a regra tem sido essa até agora. É certo que, sobretudo no ano passado, senti algum desgaste na carreira da Avril - começando a compreender os fãs que se tinham fartado dela - mas agora, com o lançamento de Fly, estou mais otimista. A minha esperança é que toda esta história com a sua doença a tenham tornado uma pessoa mais forte e madura e que isso se reflita na sua música. Avril pode ter chegado a uma fase em que não sente necessidade de ser tão autobiográfica na sua música, em que só quer divertir-se, mas - conforme aprendeu com Fly - basta verter um bocadinho do coração na sua música para esta salvar vidas. Mais do que faixas como Girlfriend, são músicas como Fly que têm potencial de viver para sempre.