Referi no texto anterior que o meu gosto musical se define por aquele meme da casa escura ao lado da casa colorida. Claro que esta é uma versão muito redutora da coisa – até porque muitos dos artistas e bandas que oiço não se encaixam perfeitamente numa só casa. De resto, o texto anterior focou-se na casa escura. Hoje vamos focar-nos na casa colorida.
Começando por Mika. Este é um artista sobre quem não escrevo desde 2016, mas que se tem mantido na minha rotação ao longo de todos estes anos. Tenho ouvido uns quantos temas do seu álbum mais recente, My Name is Michael Holbrook, de 2019, de forma muito casual, quando me aparecem no aleatório, sem pensar muito nisso. Algumas das minhas preferidas são Cry e Dear Jealousy.
Ainda assim, houveram algumas músicas que fui negligenciando. Quando Mika co-apresentou o Festival da Canção e cantou um medley de algumas das suas músicas – e a sua apresentação foi melhor que as de metade dos concorrentes – recordei-me delas. Em particular, Love Today e Lollipop.
Isto numa altura em que, lá está, Everything is Emo tinha acabado de começar e eu andava entusiasmada com essas músicas.
Foi também nessa altura – na véspera do Festival, se não me engano – que Mika lançou o single Yo Yo. Uma das minhas músicas preferidas de 2022. É um tema de disco pop, bastante simples, talvez mesmo básico, em termos de instrumentação. Mas funciona. É um caso de menos que é mais.
Diz que Mika está a preparar um par de álbuns, um em inglês, outro em francês, mas ainda não há previsão de lançamento. Em todo o caso, hei de continuar a acompanhar casualmente a carreira dele e espero que um dia volte a Portugal – o Rock in Rio 2016 foi giro.
Uma que se tem mantido sempre forte na minha rotação é Carly Rae Jepsen. A cantautora canadiana lançou um álbum este ano, The Loneliest Time. Por azar, foi editado no mesmo dia que Midnights, de Taylor Swift.
Cheguei a temer que houvesse alguém na editora de Carly que a odiasse secretamente. Até porque já o lançamento de Emotion foi uma confusão. No entanto, daquilo que pesquisei, The Loneliest Time foi anunciado cerca de um mês antes de Midnights. Deve ter sido uma coincidência infeliz.
Segundo Carly, The Loneliest Time é um dos seus álbuns mais pessoais. Algumas destas músicas foram compostas como páginas do seu diário. Carly nem sequer queria lançá-las, mas foi persuadida pela sua editora.
Este é o primeiro caso que conheço em que uma editora prefere o mais honesto em vez de o mais radiofónico. Respeito.
Uma dessas músicas mais diarísticas é o primeiro single, Western Wind, lançada uns meses antes do resto do álbum. Acho que a ouvi pela primeira vez quando me apareceu no Radar de Lançamentos do Spotify. Nos meses que se seguiram, ia adicionando-a às minhas filas, gostando do que ouvia, mas sem lhe prestar muita atenção. Uma das primeiras coisas que me atraiu em Western Wind foi a sonoridade vagamente mística, criada pela percussão e pelos sintetizadores.
Mais tarde, depois de sair The Loneliest Time e depois de ler e ouvir algumas entrevistas, descobri que a letra de Western Wind foi inspirada pelas suas experiências durante o confinamento. Carly estava a viver em Los Angeles e a sua família estava a viver no Canadá quando a pandemia começou. Perdeu a avó nessa altura, mas não pôde ir ao funeral nem estar com a família por causa das restrições nas fronteiras.
Western Wind não é uma música triste, no entanto. Aliás, faz-me lembrar Everglow, dos Coldplay, pois fala sobre sentir a presença e o amor dos seus entes queridos, mesmo com a distância.
Ao mesmo tempo, Western Wind fala sobre o contacto com a Natureza que, para Carly, lhe recorda a infância. Faz parte do arquétipo do Canadá, eles gostarem muito do ar livre. Por outro lado, este tem sido um tema recorrente desde o início da pandemia, por motivos óbvios. Nem sequer é a primeira vez que o comento aqui no blogue.
Ora, o segundo single, Beach House, é muito diferente. O instrumental é mais alegre, daqueles que convidam a palmas. Há muitos que não gostam desta música e eu até compreendo porquê – é daquelas canções um bocadinho tolas. Confesso que já fui mais papista nesse aspeto – e, de resto, existe muito pior por aí.
Eu acho engraçada. Carly escreveu a letra sobre as suas experiências quando aderiu ao Tinder ou a uma aplicação semelhante.
Eu pergunto-me, no entanto, como é que não se soube que Carly Rae Jepsen andava a aparecer em apps de encontros – ela é relativamente famosa! E aposto que levou com uma mão-cheia de piadas com Call Me Maybe. Aparentemente ela não se manteve na app durante tempo suficiente para isso mas, de qualquer forma, a experiência não foi divertida. Corre-se o risco de entrar em território muito sombrio quando se fala de encontros que correm mal. Beach House conseguiu manter o tom humorístico, o que nem sempre é fácil. Pontos para Carly.
E acho que não estou a perder nada ao não aderir ao Tinder.
Outro single de que gosto é de Surrender My Heart – que também abre o álbum. Esta é outra música sobre relutância em apaixonar-se após más experiências anteriores. Carly é uma confessa romântica incurável e isso reflete-se na sua música. Paradoxalmente, tem tido azar no amor. Isso foi algo que a atormentou durante o confinamento: o facto de ainda não ter encontrado a pessoa certa.
Em Surrender My Heart, a narradora – vamos assumir que é Carly – está com uma pessoa e está ativamente a lutar contra os comportamentos tóxicos que adotou, depois de todas as suas relações falhadas. Algumas por sua causa, ela admite – “All the broken hearts that I broke before they could break me”. Carly quer deixar tudo isso para trás, quer deitar os muros abaixo, ter fé no amor e no seu amado.
O refrão é tão cativante como algumas das melhores músicas de Carly. Gosto em particular dos backvocals.
A balada Go Find Yourself or Whatever é outra autobiográfica. Terá sido inspirada pelo término de uma relação de Carly. O tipo deixou-a, dizendo que, como diz o título, precisava de “se encontrar a si mesmo”.
É uma situação curiosa Isto de se “encontrar a si mesmo” é um daqueles ditos de psicologia popular que tem estado na moda nos últimos anos – e que, de tão usados, já começaram a perder o seu significado. Chegam mesmo a ser usados como pedras para atirar aos demais.
Não digo que tenha sido esse o caso do interesse romântico de Carly. Pelo contrário, é possível que o sujeito tivesse boas intenções. Se ele tinha assuntos pessoais por resolver, talvez não fosse saudável ele continuar naquela relação.
Dito isto, Go Find Yourself or Whatever mostra-nos o outro lado. A narradora pode compreender as razões do amado, mas também pode vê-las como “Estou melhor sem ti” ou “Não fazes bem à minha saúde mental”. Carly chegou a descrever Go Find Yourself or Whatever como uma canção zangada, mas eu não a vejo assim. Acho que a narradora está a lidar com a situação com uma elegância de louvar – claramente ressentida, mas espera que o amado volte para ela, quando se encontrar a si mesmo ou lá o que for.
Eu não sei se estaria disposta a fazer o mesmo.
Outras músicas de que gosto são Anxious e Keep Away. Ainda preciso de passar mais tempo com The Loneliest Time, mas acho que gosto um bocadinho mais dele que de Dedicated. Carly abrindo o seu coração foi uma aposta ganha – tanto na música como no amor, ao que parece.
Emotion continua a ser o melhor, no entanto. Side B incluído.
Por fim, temos de falar sobre Taylor Swift. Ela que continua uma presença forte nos meus hábitos musicais – e provavelmente assim continuará. A música da mulher é tão cativante que, se não tenho cuidado comigo mesma, não oiço mais nada.
E muitas vezes nem sequer são as músicas mais recentes. Muitas vezes são músicas como Treacherous e evermore, que têm ganho novos significados com o tempo.
Por outro lado, tenho de confessá-lo: ao fim de algum tempo cansa. São muitas canções sobre relações românticas e, sobretudo, sobre separações.
Apesar da omnipresença de Taylor na minha vida musical, é pouco provável que alguma vez escreva uma análise como deve ser a algum álbum dela. O mercado está saturado. Há por aí muita gente com mais conhecimentos sobre a carreira dela e histórico amoroso, mais capaz de identificar as pistas e os infames easter eggs. Tenho pouco a acrescentar ao debate. Não digo nunca, mas para já vou limitar-me a textos como este – e a eventuais Músicas Ao Calhas, se me apetecer.
Não sei como foi com outros fãs de Taylor, mas não contava com um álbum de músicas inéditas em 2022. Estava à espera de mais regravações – estou um bocadinho desiludida por não termos ainda 1989 TV ou Speak Now TV.
Tirando isso, Midnights foi uma surpresa agradável. Taylor regressou ao synth pop de 1989, Reputation e Lover, mas com as lições aprendidas com folklore e evermore. Tenho uma certa pena que Taylor não se tenha aventurado num género musical diferente – ando com desejos de um álbum rock – mas a música é boa e isso é o mais importante.
Anti-Hero tem-se fartado de quebrar recordes, mas não está entre as minhas preferidas. É possível que seja por excesso de exposição. Estou contente por Taylor ter percebido que as pessoas preferem o seu lado honesto em vez de uma música estilo Me!, concebida para ser o êxito radiofónico.
Ainda assim, cansei-me depressa do verso “It’s me, hi, I’m the problem, it’s me” – e acho que era previsível.
Também não adoro Bejeweled. Das três músicas que tiveram direito a vídeo até agora, Lavender Haze é a de que gosto mais – adoro o verso “Get it off your chest, get it off my desk”. Alguns fãs queixam-se que Taylor nunca escolhe as músicas certas como singles. Eu não sou assim tão categórica, mas no que toca a Midnights concordo.
Karma é uma das minhas preferidas em Midnights. Tem um estilo de instrumentação semelhante a Bejeweled, mas na minha opinião melhor executado. Os momentos com piano (?) que vão pontuando a música fazem-me pensar no ataque Dazzling Gleam em Pokémon. A letra tem uma dose saudável de braggadocio – na minha opinião justificado e mais genuíno do que quando Taylor se faz de coitadinha, como em You’re On Your Own, Kid. Adoro o verso “Ask me why so many fade but I’m still here” – tanto pela mensagem e sim como pelos vocais harmonizados.
Midnight Rain é outra das minhas preferidas. Uma balada estilo anos 80 – aliás, lembra-me imenso All That, de Carly Rae Jepsen. À semelhança de outras músicas neste álbum, como Labyrinth, os vocais artificiais são muito prevalentes. Regra geral, não costumo gostar de vocais como estes – Carly Rae Jepsen, por exemplo, usou-os em músicas como The Loneliest Time e eles irritam-me. No entanto, em Midnights todos eles foram bem sacados.
Só prova que estes elementos menos “orgânicos” – coisas como auto-tune, dubstep, etc – não são maus por si só. Depende tudo da forma como são usados. Mais sobre isso já a seguir.
A letra fala de algo que eu penso ser muito comum: dois apaixonados cujos projetos de vida não encaixam. Faz lembrar a história de ‘tis the damn season e dorothea em evermore – com a diferença de que, em Midnight Rain, há mais certeza de que foi tomada a decisão certa. Ainda que a narradora de vez em quando pense nele.
Vigilante Shit é quase um guilty pleasure – sombria de uma maneira lamechas e deliciosa. Também gosto muito do tom sonhador de Snow on the Beach – não sei se Taylor pretende lançar mais singles para Midnights, mas, se eu tivesse voto na matéria, escolheria esta.
Labyrinth, Maroon e Question…? são três músicas de que gosto mas que ainda não digeri por completo. Destas três, a minha preferida é a terceira – o cenário pintado pelo refrão recorda-me uma de várias histórias que escrevi há muitos anos, em miúda.
Depois temos ainda a versão Deluxe – a 3am Edition, edição das três da manhã, que está cheia de pérolas. Algumas delas, na minha opinião, mereciam estar na edição padrão de Midnights.
Bem, mais ou menos no caso de Bigger than the Whole Sky: uma música linda mas de partir o coração. Especula-se que a letra tenha sido inspirada por um possível aborto espontâneo. Talvez Taylor a tenha deixado de fora da edição-padrão para não ter de responder a perguntas sobre ela.
Compreende-se.
Would’ve Could’ve Should’ve, que parece ter sido inspirada pela relação de Taylor com John Mayer, não é das minhas preferidas. Tem, no entanto, sido bastante comentada pelos fãs pelo infame verso “Give me back my girlhood”.
Gosto muito de High Infidelity, que apresenta uma situação de moralidade questionável – a narradora explicando os motivos pelos quais traiu o companheiro. Paris também é muito gira – é a música mais alegre em toda Midnights. No entanto, estou zangada com Taylor por esta música ter saído duas semanas depois de eu ter estado em Paris. Isto faz-se, Miss Swift?
Em defesa dela, a Paris da música não parece ser a cidade propriamente dita, antes uma metáfora. Como a Paris dos Chainsmokers – uma música de que também gosto muito.
É possível que alguns de vocês não conheçam Hits Different. Esta é uma faixa exclusiva da versão de Midnights vendida na Target (uma cadeia de supermercados norte-americana) e não está disponível em nenhum dos Spotifys desta vida. Mesmo no YouTube os vídeos nunca permanecem disponíveis durante muito tempo. Nos últimos anos, faixas como esta costumam ser lançadas nas plataformas de streaming mais cedo ou mais tarde. Mas já lá vão quatro meses e, até agora, nada… (É melhor sacarem-na aqui.)
Às vezes o fator raridade sobrevaloriza uma canção e é possível que ele esteja presente com Hits Different. Mas continuo a achar que é uma das melhores em Midnights e merecia estar na edição-padrão. Ao mesmo tempo, é uma sonoridade distinta do resto do álbum – com mais guitarra acústica, embora mantenha elementos de synth pop. Talvez tenham achado que não se encaixava bem com o resto das músicas.
Há quem descreva Hits Different como a august deste álbum. Consigo compreender porquê: o refrão de Hits Different parece-se um bocado com a terceira parte de august. Aliás, tanto o refrão como a terceira parte desta música são excelentes.
Espero que não demorem muito mais a colocar isto no Spotify. O resto do mundo merece ouvir Hits Different.
Falta só falar sobre a minha canção preferida em Midnights – e possivelmente de todo 2022. Para isso, vamos regressar à 3am Edition e olhar para a primeira das faixas-extra: The Great War.
Esta música cativou-me forte logo na primeira audição e, nas raras ocasiões em que isso acontece, fico refém para o resto da eternidade. No caso de The Great War, estas melodias devem ter uma droga qualquer, sobretudo no refrão – são viciantes.
A instrumentação é daquelas coisas que, como comentei acima, não devia resultar mas resulta. É a música mais eletrónica em toda a Midnights, com notas daquilo que me parece ser 8bit.
8bit! Música de Game Boy! Taylor e Aaron Dessner criaram uma autêntica obra de arte com música de Game Boy! E eu costumo dizer que prefiro instrumentos “a sério”...
Ao mesmo tempo, existe algo de militarístico na percussão, sobretudo na terceira parte – o que se adequa à letra, claro. Esta é uma das melhores letras em todo o álbum, se não for de todo o ano: comparando uma discussão feia entre amantes a uma das Guerras Mundiais. Uma das partes é menos belicosa, tenta resolver a situação diplomaticamente. A narradora, no entanto, tem uma coleção de más experiências anteriores, o que a leva a comportamentos destrutivos, tanto para ela como para o amado – veja-se toda a segunda parte. Claro que, a partir de certa altura, ela percebe que está errada e põe fim ao conflito.
Tal como Lorde fez com todo o álbum Melodrama, Taylor pegou numa situação relativamente corriqueira e transformá-la em algo grandioso.
E depois são os pormenores. Adoro a frase “Diesel is desire” – não consigo perceber se isto é considerado assonância ou aliteração, só sei que adoro a maneira como soa. Por outro lado, a expressão “crimson clover” também aparece em A Praise Chorus, outra das minhas músicas favoritas em 2022 – uma coincidência engraçada.
The Great War é mesmo daquelas músicas que estimulam a imaginação que se aplicam a inúmeras histórias. A mim invoca-me imagens do filme Expiação, que vi no verão passado e que deu cabo de mim. Ao mesmo tempo, têm-me aparecido várias montagens de vídeos nas minhas sugestões do YouTube – como a acima.
Eu mesma tentei fazer uma story com imagens do primeiro filme de Tri, mas não saiu bem como queria. Eu devia era fazer um AMV – se algum dia arranjar tempo, paciência e software para isso, este está no topo da lista.
E depois de Midnights? Taylor prepara-se para ir em digressão pela primeira vez em vários anos. À data desta publicação, só há marcações para os Estados Unidos – os Paramore, aliás, irão abrir um par de concertos – que se estendem até agosto. Ainda não há datas para concertos na Europa, mas estas deverão ser anunciadas mais cedo ou mais tarde.
Ela virá a Portugal? Talvez. Taylor era para ter vindo em 2020, antes de a pandemia ter cancelado tudo. Se vier, eu gostava de ir, mas será quase de certeza uma corrida estilo Coldplay no ano passado. E os bilhetes serão caríssimos.
Entre esta digressão e o filme que ela irá realizar, não sei se ela planeia lançar música em 2023. Ninguém a censuraria – seria o primeiro ano desde 2018 sem que Taylor lançasse música. Mas ando um tudo nada sedenta de mais relançamentos. Os intérpretes de easter eggs dizem que o próximo será Speak Now, o que me agrada – só mesmo por causa de Enchanted.
E chegámos ao fim deste balanço. Finalmente. Isto foi um autêntico exagero e, por incrível que vos pareça, houveram músicas marcantes este ano que ficaram de fora. Coloquei-as na playlist do ano à mesma. Temas como, por exemplo, Lost My Mind de Finneas, Celestial de Ed Sheeran (porque continuo a comer da mão), Guerra Nuclear de Marisa Liz e de António Variações e uma Questão de Fé, de João Pedro Pais, na sequência do meu texto sobre música portuguesa. Deixo também aqui o link da playlist de Setembro de 2022 para complementar. E o meu Spotify Wrapped, que este ano acho que até ficou fidedigno.
Agora se me permitem algumas reflexões sobre 2022 com dois meses de atraso… para mim 2022 foi o oposto de 2021. 2021 foi um ano melhor que o anterior em termos coletivos mas foi pior para mim em termos pessoais. 2022 foi péssimo em termos coletivos – muito menos Covid, mas guerra, inflação, crise energética, seca em Portugal – mas, a nível pessoal, foi o melhor desde 2019. Entre outras coisas, estou mais feliz no trabalho. Foi o regresso a uma quase normalidade após a pandemia. Voltei a ir a concertos, viajei mais, convivi mais. Como escrevi num dos textos anteriores, vi mais séries e filmes – destaque para Kizuna em português nos cinemas portugueses – alguns fora da minha zona de conforto.
E, como poderão deduzir desta série de testamentos a que chamo balanço musical, não me faltou música.
Na verdade, sinto que, depois de dois anos acontecendo relativamente pouco por causa da pandemia, desde há alguns meses para cá está a acontecer tudo ao mesmo tempo para compensar. Isso já tinha acontecido em setembro e escrevi sobre isso na altura. Depois, tivemos o Mundial – um Mundial muito melhor do que tinha o direito a ser – fora de horas, em cima do Natal, na mesma altura em que saiu Pokémon Scarlet & Violet e em que os Paramore lançaram The News.
E isso tem continuado e vai continuar em 2023. Vejam-se as últimas semanas: Lost, uma inédita dos Linkin Park dos trabalhos de Meteora saiu no mesmo dia que o álbum This is Why. Depois disso, em abril, vou ter dois concertos em menos de uma semana – vou ver os Hybrid Theory ao Pavilhão Atlântico no dia 15 e, no dia 21, vou finalmente ver Avril Lavigne a Zurique.
Aliás, toda a gente e respectivos avós vão lançar música em 2023, ao que parece. Os Sum 41, para começar, como comentámos no texto anterior. Avril está em estúdio neste momento – no que toca a ela, no entanto, é melhor apontarmos só para a 2024. Lorde também anda a brincar com a ideia de lançar música nova, apesar de, tecnicamente, ainda andar em digressão por Solar Power. Ela, aliás, acaba de ser confirmada no Paredes de Coura.
Mas eu dificilmente poderei ir. Paredes fica muito longe e não marquei férias para essa altura.
Está também prestes a sair a edição de vigésimo aniversário de Meteora. Mike Shinoda também irá lançar algumas canções a solo e tem deixado em aberto a possibilidade de os Linkin Park lançarem música nova.
Tudo isto é bom, claro. O reverso da medalha é que é muita coisa para digerir ao mesmo tempo, quanto mais escrever – quando eu também tenho trabalho e outros assuntos pessoais na minha vida (diz que isto é a vida adulta). É por isso que estamos em finais de fevereiro, princípios de março, e eu ainda a refletir sobre 2022.
Uma pessoa com juízo chegaria à conclusão de que talvez eu não precise de escrever tanto, mas eu quero. Existem tantas coisas que quero escrever, nem só apenas nestes blogues. Um lema/lamento que adotei nos últimos meses é que a vida é demasiado curta para tudo o que quero escrever. Vai continuar a ser verdade em 2023.
Já que falo no assunto, deixo os meus planos para os próximos textos deste blogue. O próximo será uma análise a Meteora, a propósito do vigésimo aniversário – algo semelhante ao que fiz com o Hybrid Theory. Não vou publicar no próprio dia 25 de março. Em parte porque não devo ter tempo, mas também quero esperar pela edição de aniversário para poder incluir as faixas novas e as demos todas na análise. Espero divertir-me tanto como com Hybrid Theory.
A seguir, escreverei sobre This is Why dos Paramore. Vou precisar destas semanas, ou meses, para formar uma opinião sobre o álbum – ainda está tudo muito no ar. Depois disso, logo se vê. Não quero preocupar-me demasiado com isso e não vou ter pressa. Como disse antes, existem coisas que quero escrever fora dos meus blogues. Não estranhem se isto voltar a ficar parado durante longos períodos.
Obrigada por me terem aturado mais um ano. Continuem a aturar-me durante mais um… ou melhor, durante mais dez meses – espero nunca mais voltar a atrasar-me com um balanço musical. Antes de me ir embora, deixo-vos o link para o meu Tumblr – aderi no início do ano para servir de alternativa ao Twitter. Não que publique nada de especial, mas tenho-me divertido – para mim é um mundo à parte de todas as outras redes.
Como sempre, obrigada pela vossa visita. Até à próxima.
Alerta: Este texto contém spoilers para as duas primeiras temporadas de Ted Lasso. Leia por sua conta e risco.
Esta é a parte do meu balanço musical em que escrevo sobre uma única canção, isolada de tudo o resto, marcante por um motivo muito específico. Trata-se de She’s A Rainbow, dos Rolling Stones.
Esta é uma banda que dispensa apresentações. Não tenho nada a dizer sobre eles que não tenha sido dito antes. Dizem que She’s a Rainbow é um exemplo do rock psicadélico dos anos 70 – aquela introdução no piano é icónica e define do mood da música toda. Acho-a muito primaveril. É possível que seja por a ter ouvido muito na primavera do ano passado – mais sobre isso adiante. Mas também a primavera é a estação mais colorida, o que condiz com a letra – e mesmo com o movimento da altura, o “flower power” e tal.
Ora, fiquei a conhecer She’s a Rainbow na série Ted Lasso – a minha série preferida neste momento Uma das melhores coisas de 2022 para mim foi ter tido a oportunidade de ver filmes e séries novas. Várias estavam na minha lista há algum tempo, mas ia adiando-as porque tinha de rever Fronteira para estes textos – por exemplo, Ducktales 2017 e o filme Spiderman: Into the Spiderverse. Outras foram espontâneas, foram capricho – por exemplo, Spy x Family. Já nem me lembro o motivo por que comecei a ver, mas estou a adorar.
É algo que pretendo continuar a fazer em 2023… quando conseguir publicar o balanço de 2022, terminar Scarlet e, no geral, meter a ordem na minha vida.
Regressando a Ted Lasso, esta é uma série que eu já sabia que ia gostar mesmo antes de começar a ver. A internet já despejou todos os elogios a Ted Lasso, não vou estar repeti-los – mas vou abordar um ângulo que, tanto quanto sei, ainda ninguém abordou.
Praticamente toda a gente que fala sobre Ted Lasso diz algo do género:
– Ah e tal, é a história de um treinador de futebol americano que vem treinar uma equipa da Premier League, mas não se preocupem! A série quase não é sobre futebol!
Não vou dizer o contrário, mas a verdade é que uma das coisas que eu gosto em Ted Lasso é da parte do futebol, mesmo que seja relativamente pouco.
Alguns de vocês desse lado já saberão que eu adoro futebol – tenho um segundo blogue dedicado ao meu clube. Devem haver por aí exemplos de ficção desportiva que explorem melhor esse aspeto, mas uma das minhas partes preferidas do futebol foi sempre o lado humano. As interações entre os jogadores (quando são amigáveis, claro), as celebrações dos golos e das vitórias, vídeos e fotografias de bastidores. Momentos como os jogadores desenhando caricaturas uns dos outros, Cristiano Ronaldo consolando Diogo Costa depois da sua quase-asneira, provocações a Gonçalo Ramos após o seu hat-trick perante a Suíça – e isto são apenas os exemplos mais recentes.
O futebol é um dos poucos meios onde homens podem abraçar-se uns aos outros, serem afetuosos uns com os outros, sem que lhes seja questionada a sua masculinidade. Isso é uma das melhores coisas deste desporto.
Ted Lasso também tem exemplos disso, mesmo que a maior parte dos jogadores desempenhe um papel secundário na narrativa. Por exemplo, a fogueira no episódio “Two Aces”, a equipa toda fazendo claque a Sam Obisanya durante o seu namoro online, o Natal na casa dos Higgins.
Também gosto da relação entre a equipa técnica e os jogadores. Ted obviamente fazendo de pai de todos, mas também Roy Kent, a partir de meio da temporada: quando ajudou o capitão Isaac a ultrapassar o seu bloqueio mental e, sobretudo, o abraço a Jamie no final de “Man City”.
Nate, claro, é a exceção.
Aliás, Ted Lasso tem momentos que podiam ter sido escritos por mim quando tinha quinze anos: a coreografia dos jogadores para Bye Bye Bye, o que quer que eles andavam a fazer durante o aquecimento em “Rainbow”. É uma delícia.
Já que falo nisso, confesso que, quando era mais nova, durante uns anos imaginei-me desempenhando um papel semelhante ao de Keeley para a Seleção Portuguesa, o meu clube. Não necessariamente como WAG/mulher-ou-namorada (bem… só mesmo no início), mas como alguém que, não sendo jogadora ou técnica, faz parte da equipa, é colega e amiga de toda a gente.
Ted Lasso celebra, assim, o lado humano do futebol, o romance do futebol. E um dos melhores exemplos disso é precisamente a cena que usa She’s A Rainbow como banda sonora.
Todo o episódio – intitulado Rainbow – é uma homenagem a comédias românticas. Pelo meio, Higgins fala do momento em que conheceu a, agora, esposa – She’s A Rainbow é a música deles – e vemos casais amorosos nas bancadas do Nelson Road. O enredo principal foca-se em Ted tentando conquistar Roy Kent (nesta altura a trabalhar como comentador desportivo) para a equipa técnica do Richmond. É também neste episódio que Roy ajuda Isaac – por sinal, com uma variante a um dos meus lemas de vida, “Lembra-te porque é que começaste”.
Roy, naturalmente, começa por dizer que não. No entanto, acaba por perceber que sente saudades, lá está, do lado humano do futebol, da proximidade com os jogadores. Descobre que é essa a sua vocação.
A cena com She’s a Rainbow é, então, Roy deixando o estúdio televisivo e dirigindo-se a Nelson Road para se reunir à equipa. Lá está, como um protagonista de uma comédia romântica indo atrás do seu amor. Afeiçoei-me a She’s a Rainbow precisamente ao ouvi-la enquanto ia a pé para o trabalho, em passo acelerado, na Primavera. Sentia-me como Roy.
E depois os outros pormenores. Higgins encontrando-se com a esposa, vestida de azul (“Have you seen her dressed in blue?”). O momento em que Roy entra no relvado – todos os amantes de futebol sabem como é, quando vamos à bola e vemos o campo pela primeira vez. Os adeptos cantando “He’s here, he’s there, he’s every-fuckin-where” ao verem-no – outra coisa que adoro em futebol: os cânticos (quando são favoráveis, claro). As notas dissonantes de She’s a Rainbow quando a câmara se fora na reação de Nate à chegada de Roy – indício trágico para o que acontecerá mais tarde. Por fim, Roy citando Jerry Maguire como forma de aceitar o convite de Ted.
É uma das cenas preferidas de toda a série e o motivo pelo qual She’s a Rainbow é uma das minhas músicas de 2022.
Uma das coisas pelas quais anseio em 2023 é a terceira temporada de Ted Lasso que, por sinal, acabou de ser anunciada para a primavera – mais ou menos um ano depois de ter visto as primeiras duas temporadas. A vantagem de ter chegado tarde ao fenómeno foi não precisar de esperar tanto – o último episódio da segunda temporada saiu há quase um ano e meio. Consta que a demora se deveu a perfeccionismo da parte de Jason Sudeikis e dos outros produtores, o que poderá ser mau sinal – pode ter ficado pior a emenda que o soneto.
Houveram alguns aspetos de que não gostei na reta final da segunda temporada. Alguns foram intencionais, como a descida de Nate à vilania. Outros não sei se eram. A direção que estão a tomar com o relacionamento de Keeley e Roy, ninguém ter reconhecido o assédio de Nate a Keeley.
Mesmo a relação entre Sam e Rebecca deixa-me ambivalente. Por um lado, eles ficam bem juntos. Depois de tudo por que passou, Rebecca merece alguém que lhe mostre uma dose saudável de devoção. Por outro… ela tem o dobro da idade dele, é dona do clube onde ele joga… No mínimo questionável.
Em todo o caso, está tudo em aberto. Como se diz em futebol, ainda há muito campeonato para se jogar. Vou dar o benefício da dúvida. A imagem que eles divulgaram na semana passada parece dizer muito do que acontecerá na terceira temporada. Sinto que há ali uma referência a Star Wars mas, como nunca vi Star Wars… terá de ser outra pessoa a descortinar.
Obrigada pela vossa visita, como sempre. Ficam a faltar dois textos neste balanço musical do ano. Estes deverão ser mais longos. A ver se consigo publicá-los antes do fim de fevereiro. Continuem por aí.
Primeira publicação de 2023! Bom ano, minha gente!
Como já terão concluído por vocês mesmos, estes textos vêm com um longo atraso, ainda maior do que previ. Estou numa altura da minha vida em que está a acontecer muita coisa, tenho imenso que gerir. Primeiro foi o Mundial 2022, depois foram as festas. Mesmo agora tenho assuntos pessoais e de trabalho que me roubam tempo de escrita.
De escrita e não só. Ainda não acabei Pokémon Scarlet, apesar de ter comprado o jogo no dia em que saiu, há dois meses.
Mas pronto, já consegui publicar esta parte. Por acaso, estou bastante entusiasmada por escrever este balanço. 2022 foi um ano bastante rico, musicalmente e não só. Se só conseguir terminá-los em meados fevereiro… quem se rala?
Adiante. Nesta parte do balanço musical de 2022, vamos falar sobre Avril Lavigne. Alguns de vocês poderão ter estranhado não ter dedicado um texto inteiro a Love Sux. Não cheguei a escrever esse texto porque, bem, Love Sux quase literalmente entrou a cem e saiu a duzentas. É até agora o álbum de Avril que menos gosto. Não o odeio, apenas me é indiferente – o que pode ser pior que de facto odiar. É esquecível, não tem uma única música que eu adore a sério – ao contrário de todos os outros trabalhos de Avril. Estive meses e meses sem ouvi-lo, só voltei a fazê-lo há pouco tempo – e apenas em preparação para este texto.
Como já se sabia que iria acontecer – e como foi referido neste texto– em Love Sux, Avril abraçou a fundo o estilo pop punk. Infelizmente, o resultado final tem várias das falhas que têm sido apontadas a todos estes músicos apadrinhados por Travis Barker. Nomeadamente o facto de o som ser pouco original, quase um copy-paste do estilo típico dos Blink-182.
Love Sux em particular é demasiado homogéneo, com músicas que se confundem umas com as outras. Como sempre gostei da diversidade dos álbuns da Avril anteriores a este, isto para mim é um problema. As faixas são demasiado curtas – só três delas têm mais de três minutos – sem pausas instrumentais, em ritmo acelerado (tirando Dare to Love Me e Avalanche). Todos os intervalos são preenchidos com “Whoa!” ou “Na na na” ou monossílabos do género – daqueles incluídos para tentar cativar o público num concerto. Quando o álbum saiu, um outro sobrevivente do Fórum Avril Portugal comentou comigo que não sabia como é que Avril ia cantar estas músicas em palco. Ela sempre foi inconsistente em palco e, agora, este é um álbum acelerado que quase não lhe dá um momento para respirar.
A verdade é que já lá vai quase um ano e uma data de concertos. Não sei se ela tem incluído muitas músicas do Love Sux nas setlists. Não quero ir ao Google para evitar spoilers para o concerto de Zurique.
O pior são as letras. Love Sux é basicamente uma extensão de I Can Do Better com letras mais elaboradas – na forma, não no conteúdo. Uma série de break up songs imaturas, movidas a mesquinhez e espírito vingativo (e nem sequer com a piada de C’est Comme Ça). “Ex”s que lhe dão vontade de vomitar, insultos, ameaças de atropelamento, entre outras coisas super dignificantes.
Isto era uma coisa aquando de The Best Damn Thing, quando eu tinha dezassete anos e Avril vinte e dois (e mesmo assim cansei-me relativamente depressa de I Can Do Better). Outra coisa é agora, que estamos ambas na casa dos trinta – e Avril está próximo dos quarenta. Nenhuma de nós é adolescente há muito tempo – e eu pelo menos não quero voltar a sê-lo. Porque se porta Avril como uma? Quem acha piada a isso?
Já que falo disso, permitam que me estique, que faça especulações e tece juízos de valor sobre a vida amorosa alheia. Uma coisa que me tem incomodado nos últimos anos é que, pelo menos no que toca ao seu cânone musical, Avril nunca admite culpas pelas suas relações falhadas – a única exceção é I Will Be, que de resto é uma B-side. Avril já teve vários parceiros, já foi casada duas vezes, mas aparentemente nunca lhe ocorreu que ela poderá ser pelo menos parte do problema. Até Taylor Swift, de todas as pessoas, admite culpas desde pelo menos Reputation. Às tantas não é o amor que não presta, é ela. Avril precisa de olhar para si mesma e perceber o que está errado ou continuará a ter azar no amor.
Mas, lá está, isto é apenas especulação à mistura com psicologia barata. Nada me garante que as letras de Love Sux sejam um reflexo fidedigno dos valores de Avril – pode ser apenas uma imagem que ela projeta. Ela neste momento está noiva de Mod Sun, que me parece um bom rapaz q.b. Pode ser que eu esteja enganada e que o casamento resulte. Eu pelo menos não desejo outra coisa.
Regressamos a Love Sux. Olhemos mais de perto. Já escrevi sobre Bite Me antes e, na minha opinião, é das melhores. Ainda pensei que isso fosse por a ter ouvido antes de todas as outras – aliás, pelo menos algumas faixas em Love Sux funcionam melhor fora do contexto do álbum. No entanto, Love it When You Hate Me também foi lançada antes e dessa não gosto. A melodia na primeira estância até é agradável ao ouvido mas esse é o único ponto a favor da música. Meu Deus, que letra mais vazia!
Cannonball é das poucas neste álbum de que gosto. É possível que seja por ser a primeira do alinhamento – ainda não dá tempo para me fartar do estilo. Por outro lado, na minha opinião, Cannonball tem elementos que a elevam acima das demais: aquela introdução explosiva com uns vocais impressionantes, aquela espécie de rap que combina bem com o ritmo acelerado. Também gosto dos “Whoa! Whoa!” na terceira parte, mas acho que deviam ter sido repetidos pelo menos uma vez.
É o problema das músicas demasiado curtas. Quando estamos a gostar, sabem a pouco.
Outra de que até não desgosto é All I Wanted, o dueto com Mark Hoppus. Sempre foge à fórmula do resto do álbum e as vozes dos dois casam bem. A letra aborda velhos tropos do pop punk – nostalgia, desejo de fugir à terra natal – mas sempre tem mais substância que noventa por cento de Love Sux.
Queria agora falar sobre as duas músicas que fogem um pouco à fórmula: Avalanche e Dare to Love Me. A sonoridade da primeira até é interessante, o híbrido de balada rock com o pop punk do resto do álbum mas… outra vez… A letra é tão. Má. Vaga, cheia de clichés, é tão frustrante.
Sim mulher, estás com problemas, a vida é difícil, mas explica porquê, caramba! Dá-nos pormenores!
Da mesma maneira, antes da edição de Love Sux, estava curiosa em relação a Dare to Love Me. Esta até tinha potencial. Acho que nunca cheguei a escrevê-lo em nenhum lado, mas há anos que desejava que Avril voltasse a incorporar guitarras elétricas nas baladas. Ela fazia-o nos seus primeiros álbuns – em músicas como I’m With You, Naked, My Happy Ending, Fall to Pieces, Slipped Away – mas, a partir de The Best Damn Thing deixou de fazê-lo.
Uma vez mais, o instrumental de Dare to Love Me não é mau, o problema é a letra. Uma vez mais, Avril perde-se em lugares-comuns, não verte o seu carácter na música. Medo de ser abrir ao amor é assunto de inúmeras canções e quase todas – incluindo duas de que falarei mais à frente neste balanço – exploram melhor o tema.
Love Sux teve uma edição Deluxe, lançada agora no fim de 2022. Acho que não ouvi Pity Party nem Mercury in Retrograde segunda vez, mas I’m a Mess é um caso à parte. Este dueto com Yungblud não se encaixa super bem no álbum. Começa guiada pela guitarra acústica, à qual se junta o piano até evoluir para uma grandiosa balada pop rock. A letra fala sobre saudade – é a terceira música, não, o terceiro single de Avril sobre este tema.
Ou seja, é mais uma canção que não traz nada de novo, quer em termos de letra, quer em termos de sonoridade. No entanto, na minha opinião, sempre tem um bocadinho mais de carácter e emoção que o resto de Love Sux. Gosto da imagem inicial da letra, das ruas vazias de Londres (suspeito que essa parte da letra tenha vindo de Yungblud, infelizmente). Nesta altura da carreira de Avril, eu aceito.
O pior é que, na divulgação do single, Yungblud cortou o cabelo de Avril. Fica-lhe agora pouco acima dos ombros. Pela primeira vez na minha vida tenho o cabelo mais comprido do que Avril e… não gosto! O cabelo comprido era a imagem de marca dela!
No fundo, muitos dos problemas de Love Sux são uma continuação dos de Head Above Water: falta de profundidade, de originalidade, até mesmo os refrões circulares. Misturem isso com imaturidade, um som demasiado homogéneo e temos Love Sux. Este é o primeiro álbum em que nem uma única música me agarrou pelo coração – nem sequer posso dizer que gosto da maioria. Admito dar alguma rotação a Cannonball, Bite Me, All I Wanted no futuro, mas não vou incluir nenhuma música da edição-padrão de Love Sux na minha habitual playlist do ano. Não seria honesto.
Eu compreendo o que alguns de vocês quererão dizer. Nunca estou satisfeita com nada. Aquando de Head Above Water disse que preferia que Avril não tentasse ser séria ou profunda e agora, que não está a fazê-lo, continuo a queixar-me. Talvez tenham razão. Talvez Avril já não me consiga agradar. A expressão que me ocorre não tem boa tradução em português: “I’ve outgrown her”.
Basicamente, tornei-me naquilo que nunca pensaria ser há uma década: um daqueles fãs que só gostam dos primeiros álbuns de Avril e das B-sides.
E por falar nisso…
Em 2022 assinalaram-se vinte anos desde a edição de Let Go, o primeiro álbum de Avril e ainda hoje o meu preferido dela. A propósito disso, o álbum foi re-editado e eu por acaso gostei muito do que fizeram nessa edição especial – ainda que com alguns asteriscos. Foi uma tarde de folga engraçada, a de 3 de junho – dia em que saiu a re-edição – tentando ouvir o álbum no carro, na versão gratuita do Spotify, enquanto andava de um lado para o outro fazendo recados.
Esta re-edição conseguiu captar o melhor de dois mundos. As músicas não foram regravadas, como fizeram Taylor Swift e Bryan Adams. São os mesmos vocais deliciosos do tempo de Let Go: mais graves, menos polidos, mais frágeis, com mais nuances. Avril nunca conseguiria recriá-los hoje em dia.
Ao mesmo tempo, à semelhança das regravações, estas novas versões têm pormenores novos em número suficiente para dar uma nova vida às músicas. Os instrumentais e os vocais têm melhor qualidade, para começar. Além disso, incluíram elementos de algumas versões demo, o que é um bónus simpático para fãs mais hardcore como eu. Mobile e Tomorrow são os exemplos mais óbvios.
Infelizmente, não fizeram o mesmo com Naked, o que é uma pena. Teria adorado se o instrumental fosse mais parecido com o da versão demo.
A re-edição também inclui conteúdo extra… mas não em quantidade suficiente, na minha opinião.
Let Go tem uma data de B-sides que estão disponíveis na Internet há muitos anos – ainda que não nas plataformas oficiais. Segundo consta – as fontes não são super fidedignas – elas terão sido editadas num álbum promocional que terá sido enviado para as rádios no final de 2001. Esta edição de vigésimo aniversário teria sido a oportunidade ideal para lançar estas faixas oficialmente e em boa qualidade… e eles desperdiçaram-na.
Tirando Make Up, cada uma das faixas-extra já tinha sido lançada oficialmente de uma forma ou de outra. I Don’t Give foi incluída nalgumas versões do single de Complicated (lembram-se de quando os singles incluíam faixas-extra?), teve apresentação ao vivo no DVD My World e faz parte da banda sonora do segundo filme do American Pie. Why (com uma roupagem diferente da edição de aniversário) também foi lançada com Complicated na Austrália e na Europa, em algumas versões de Let Go e no EP que acompanhou o DVD My World. Get Over It sai nalgumas versões do single de Sk8er Boi. Falling Down faz parte da banda sonora do filme Sweet Home Alabama. Finalmente, como será do conhecimento geral, Breakaway foi gravada e lançada por Kelly Clarkson.
Mas aproveito para falar sobre essas músicas. Como já escrevi antes, gosto da versão oficial de I Don’t Give, mas prefiro a versão ao vivo – a tal incluída no DVD My World. A faixa editada oficialmente é “limpa”, mas a que foi incluída no CD B-sides inclui o termo “shit” e era assim que Avril a cantava. A ideia que eu tenho é que I Don’t Give esteve quase quase a ser incluída na edição padrão de Let Go. Não chegou a sê-lo porque a mãe de Avril a terá vetado. Numa entrevista de 2006 que agora não consigo encontrar agora, lembro-me de ler Avril dizendo que a mãe não a deixara lançar uma música com os termos “damn” e “shit” em Let Go. Mas agora já não era adolescente e o seu próximo álbum – The Best Damn Thing – seria mais explícito.
Avril não refere nenhum título, mas tenho quase a certeza que estava a falar de I Don’t Give.
Eu diria que a dona Judy não se devia ter metido. Por outro lado, se era para incluir I Don’t Give, teria de ser a versão mais pop punk – não sei se os produtores deixariam.
Falling Down e Get Over It são OK. Gosto mais da primeira, um número acústico charmoso. A segunda tem uma letra demasiado estranha para o meu gosto. Também esta tem uma versão explícita, mas não da maneira convencional. Apenas trocaram “don’t turn around, ‘cause you’ll get punched in the face” por “don’t turn around, I’m sick and I’m tired of your face” – a primeira, se calhar, era demasiado violenta para as sensibilidades dos produtores.
Make Up também é OK. Não percebo porque, de todas as B-sides, escolheram esta para editar. Nada contra, claro, apenas gostava de saber o motivo.
Talvez seja pela ironia. Uma música sobre não usar maquilhagem quando o smokey eye se tornou rapidamente a sua imagem de marca, quando a própria Avril confessou ser viciada no eyeliner preto. Claro que Make Up é sobre maquilhagem metafórica. No início da sua carreira, um dos lemas de Avril era ser ela mesma, ser honesta com a sua música. Algo que ela perdeu pelo caminho, como assinalámos antes.
Uma palavra para Breakaway – a única que Avril gravou recentemente para esta reedição. Já tinha escrito sobre a música em 2014, quando apareceu na Internet uma demo na voz de Avril, gravada aquando dos trabalhos para Let Go.
Depois disso, Avril pareceu querer recuperar Breakaway – em 2019 cantou-a na digressão de Head Above Water. Na altura isso não me agradou muito: é uma versão muito mais leve de reclamar um filho que se deu para adoção. No entanto, Kelly Clarkson entrevistou Avril no seu programa e ambas fartaram-se de trocar elogios em relação a Breakaway – vale a pena ver, é bonito.
Se Kelly não se importa que Avril a cante, eu não tenho o direito de me importar. E fico à espera do dueto.
Quanto à versão de 2022 da Avril, não tenho muito a dizer. O instrumental tem um toque rock agradável e o desempenho vocal de Avril é irrepreensível. Gosto em particular dos backvocals no último refrão.
No entanto, mantenho o que escrevi em 2014: Breakaway soa melhor na voz de uma menina de quinze ou dezasseis anos dando os primeiros passos no mundo da música. Definitivamente não na voz de uma mulher celebrando vinte anos de carreira. Continuo a preferir a versão demo.
Por fim, temos Why. Esta em si não é inédita, mas esta versão é. Foi a grande surpresa desta edição de aniversário. Depois de anos e anos com uma versão só com guitarra em voz, temos Why com instrumentação completa.
Esta nova roupagem de Why teve um significado especial para mim pois tenho um histórico curioso com a música. Não sei se já o referi cá no blogue, mas adquiri o DVD My World antes de ter o Let Go. Recebi-o juntamente com o Under My Skin no Natal de 2004 – pensava que o My World era o primeiro álbum de Avril. Como ainda não tínhamos leitor de DVD na altura, dei mais atenção ao CD que o acompanhava, onde estava Why. Algures em fevereiro de 2005, andei brevemente obcecada com a música. Eu tinha quinze anos – a mesma idade que Avril tinha quando a compôs.
Só anos mais tarde é que descobri a história por detrás de Why. Foi uma das primeiras compostas para Let Go, em parceria com Peter Zizzo, o produtor que a descobriu e a trouxe para Nova Iorque. No ano passado, em entrevista, Avril revelou que escreveu a letra de Why baseando-se em desentendimentos com a sua mãe. Zizzo tê-la-á persuadido a adaptar a letra a uma relação amorosa.
Pena termos demorado vinte anos a obter esta informação mas, olhando para a letra, faz sentido. Why é claramente sobre falhas de comunicação.
Why foi também a música que Avril cantou para LA Reid na sua apresentação. Conseguiu-lhe o contrato com a Arista, mas também tê-la-á levado a assumir que ela tomaria um rumo mais folk.
A música resultaria bem com um arranjo nesse estilo, não tenho dúvidas. Mas aplicando-lhe o filtro Let Go, como nesta nova versão, ficou perfeita. Estou surpreendida por se ter mantido inédita durante vinte anos quando, lá está, inúmeros outras B-sidese demos vieram parar às internetes. E se tinham esta versão completa na gaveta, porque incluíram a versão só acústica no DVD My World, nos singles, etc? É que nem sequer se limitaram a pegar na versão só acústica e a acrescentar instrumentos. A nova versão tem uma gravação vocal diferente e é provável que tenha sido feita mais tarde, já com este instrumental na ideia.
É possível que esta versão tenha ficado inacabada por um motivo qualquer durante estes anos todos – e só a concluíram para o vigésimo aniversário. Talvez tenham achado preferível, antes, lançar uma versão só acústica em vez de uma com o instrumental incompleto nos singles e afins. É a única explicação que me ocorre.
Em todo o caso, esta nova versão de Why reacendeu a minha obsessão pela música, mais de dezassete anos depois. Ficou em quinto lugar no meu top da Last FM e em décimo-terceiro no meu top do Spotify. É uma das minhas preferidas de 2022.
Eu queria mais disto na reedição de Let Go. Queria mais B-sides remasterizadas. Os fãs mais casuais de Avril mereciam ouvi-las nas plataformas oficiais.
Não porque essas B-sides sejam músicas excelentes, nada disso. As músicas da edição-padrão são melhores que a maioria destas B-sides – são pouquíssimas as que editaria em Let Go. As letras são inconsistentes, algumas não fazem sentido e/ou entram em territórios esquisitos. Mas essa bizarria tem o seu charme. Representa uma faceta diferente de Let Go, uma faceta que eu queria que mais fãs conhecessem – tal como eu fiz com a re-edição de Hybrid Theory e as faixas do baú das regravações de Taylor Swift. Além de que algumas destas canções mostram diferentes facetas de Avril, facetas que ela exploraria em trabalhos futuros. O lado mais romântico (Stay (Be the One), Once and For Real), o lado mais sábio (Move Your Little Self On), o lado mais brincalhão (Headset, Take Me Away).
Já que nem Avril nem a sua equipa fizeram justiça pelas B-sides de Let Go, fá-la-ei eu mesma.
Até porque estas B-sides têm valor nostálgico para mim. Os primeiros vídeos que vi no YouTube, algures nos finais de 2006, foram de algumas destas canções – numa altura em que andava sedenta de música nova de Avril. Acho que na altura ainda usava uma ligação por telefone e vídeos de três minutos levavam eternidades a carregar. Ia ouvindo as canções um segundo ou dois de cada vez. Lembro-me de Headset, que tem uma introdução instrumental de quase trinta segundos, ser particularmente penosa.
Os jovens de hoje não aguentariam.
Claro que, entretanto, obtivemos uma ligação melhor. Fiquei a conhecer todas estas músicas entre 2006 e 2008, 2009. Foi uma alegria quando, finalmente, aprendi a sacá-las. A partir de certa altura comecei a montar vídeos para algumas delas, no Windows Movie Maker – claro que envelheceram pessimamente, mas hoje têm valor sentimental para mim.
Dito isto… modéstia à parte, a que fiz para Let Go continua boa.
Mas falemos sobre as músicas em si. All You Will Never Know é um tema agradável cuja letra parece uma precursora de Stop Standing There. A narradora está à espera que a pessoa de quem gosta retribua os seus sentimentos, tome a iniciativa, antes que ela perca o interesse. Ao mesmo tempo, Move Your Little Self On tem uma letra menos consistente, mas tem partes que parecem antecipar as mensagens de Everybody Hurts e Darlin’ (embora esta última, tecnicamente, tenha sido composta antes de Avril ter sido descoberta).
Uma das que mais gosto é de Tomorrow You Didn’t, mais pelo instrumental, embora a letra até seja interessante. O padrão dos acordes de guitarra faz-me recordar Hot. Por outro lado, Take Me Away (sabiam que Avril tem duas músicas com este título? Alguns fãs chamam a esta Pick Me Up para distinguir.) é algo estranha: as estâncias têm uma sonoridade pop, estilo Complicated, o refrão e a terceira parte têm uma sonoridade mais agressiva, estilo Losing Grip.
Pessoalmente gosto, mas não me choca se for demasiado bizarra para alguns ouvintes. De qualquer forma, o solo de guitarra é muito fixe.
A letra tem o seu quê de WTF – as estâncias encorajando o ouvinte a cometer atos que eu acho que são crimes – mas essencialmente Take Me Away transmite uma mensagem de carpe diem, um tema que Avril tornaria a abordar em músicas posteriores.
You Never Satisfy Meé uma que só comecei a apreciar há pouco tempo. A letra e o desempenho vocal são bons, nada a assinalar, mas este instrumental é mais interessante do que o da maioria das outras B-sides. Começando pelos teclados (ou sintetizadores?) na introdução, o órgão semelhante ao de Unwanted no refrão, o piano no penúltimo refrão e, sobretudo, o solo de guitarra acústica – quase parece guitarra espanhola. Nenhuma outra música de Avril tem algo assim.
Falling into History é um caso curioso. É diferente de todas as outras em Let Go, B-sides ou não – a que mais se aproxima é Tomorrow e mesmo assim. É uma balada acústica cuja letra fala sobre “desapaixonar-se” (essa palavra existe?).
Quando tinha dezanove anos passei por uma fase de obsessão com esta música. Quando lhe montei um vídeo (abaixo), o ritmo lento inspirou-me a experimentar outras funcionalidades do Windows Movie Maker – câmaras lentas, transições, fade ins, fade outs – o que me serviu de aprendizagem para vídeos futuros. E a verdade é que não conheceu outra música que aborde este tema – o fim de uma paixão – desta maneira.
Ainda gosto da canção, mas hoje reconheço que é um tudo nada lenta demais e a letra é demasiado madura para uma cantora e um álbum adolescente. A narradora de Falling into History parece uma mulher pós-divórcio, não uma menina de dezasseis ou dezassete anos lidando com as primeiras relações amorosas.
Assim, não posso dizer que tenha sido uma surpresa descobrir, em pesquisas para este texto, que Avril não a compôs. Não existe muita informação fidedigna sobre os créditos destas B-sides, mas Falling into History é uma exceção – por motivos que explicarei já de seguida. Calculo que Falling into History tenha sido uma das canções, compostas por outros (um dos compositores é, uma vez mais, Peter Zizzo), que tentaram impôr a Avril quando queriam que ela seguisse um rumo mais folk.
Só acho estranho ter sido incluída no tal álbum de B-sides, entre outras músicas bem mais adequadas ao perfil de Avril. Suponho que quisessem mostrar que a jovem também conseguiria agradar a uma audiência mais adulta (como, de resto, I’m With you provaria, ainda que de uma forma mais genuína).
Falling into History seria regravada uns anos mais tarde por Brie Larson. Sim, a atriz de Room e Capitã Marvel. Ela tentou aventurar-se no mundo da música em adolescente com o álbum Finally Out of P.E., que infelizmente foi um fracasso comercial.
Consta que Brie passou por dificuldades semelhantes às de Avril. Teve de lutar contra a editora para ter liberdade criativa, para ser menos convencionalmente feminina – "Eu queria compôr todas as minhas canções, eles tinham medo disso. Eu queria calçar ténis e tocar guitarra – eles queriam saltos altos e cabelo esvoaçante."
Seria de esperar que a indústria tivesse aprendido com Avril e Let Go.
Até gosto desta versão de Falling Into History. Está um bocadinho melhor produzida, com elementos discretos de pop rock. Mas Brie tinha quinze ou dezasseis anos quando gravou isto: continua a ser uma canção demasiado séria para uma adolescente.
Mas regressemos a Avril. A última B-side sobre a qual quero escrever é a minha preferida (ainda que a nova versão de Why ameace esse título): Let Go, uma música com o mesmo título que o álbum.
A letra é OK, talvez um bocadinho estranha e específica demais nalguns momentos. A musicalidade é o que mais me atrai na canção. O instrumental tem os mesmos teclados (?) que aparecem em Naked. Mas o melhor mesmo são as melodias e a interpretação de Avril – Let Go é uma das melhores músicas para ouvir as forças do timbre de Avril nesta era.
A minha parte preferida é o final, os backvocals nos últimos refrões e, sobretudo, no outro. Soa algo confuso, como se Avril tivesse decidido improvisar durante a gravação, mas ficou perfeita.
Regressando à retrospetiva de 2022, tenho de falar de outras B-sides de Avril. De tanto em tanto tempo aparecem faixas rejeitadas de diferentes trabalhos dela – já escrevi sobre algumas aqui no blogue. Posso estar enganada, mas fiquei com a impressão de que apareceram mais do que o costume este ano – talvez por Avril ter lançado um álbum (bem… tecnicamente dois).
Nem todas são grande coisa. Várias delas foram bem excluídas. Mas existem umas quantas que me agradaram particularmente.
Várias das B-sides que apareceram na net são dos trabalhos de Love Sux (saquem-nas aqui). Como disse antes, algumas delas poderão beneficiar de estarem fora do contexto do álbum. Um exemplo é Too Fast to Live. Outras, no entanto, acho mesmo que são um bocadinho melhores que as canções da edição padrão.
Uma das que mais gosto é Eternally. No que toca a canções de amor neste estilo, prefiro esta a Kiss Me Like the World is Ending. Avril canta esta última da mesma forma que canta todas as break-up songs no álbum – no contexto de Love Sux, se uma pessoa não estiver a prestar muita atenção, nem repara que Avril mudou o chip. Em Eternally, ao menos ela canta num tom diferente, mais semelhante a Dare to Love Me do que a Dejá Vu.
Outra de que gosto é Californyeah!. Antes de a ouvir, não tinha grandes expectativas porque o título é um bocadinho “cringe”. Surpreendeu-me pela positiva.
Californyeah! é um dueto de Avril com Mod Sun. Tem uma sonoridade um bocadinho diferente do resto do cânone de Love Sux e a letra não é má. Fala sobre o início de um romance em, lá está, Califórnia. Eles deram-se ao trabalho de descrever cenários, mesmo não sendo super originais: ambos no carro (um cliché na discografia de Avril) pela Pacific Coast Highway à beira-mar, passeando na praia e enchendo a cama de areia (não sou muito obcecada por limpezas, mas isso faz-me imensa confusão).
Esta definitivamente devia ter sido incluída na edição-padrão de Love Sux. É um dueto com o noivo dela, provavelmente sobre o início da relação deles! Porque é que a deixou de fora?
Teenage Nightmare também devia ter sido incluída em Love Sux – ou mesmo na re-edição de Let Go, por motivos que explicarei já de seguida. A sonoridade obedece à fórmula do álbum. A letra, no entanto, é a mais autobiográfica desta era: é literalmente uma autobiografia de Avril, um relato da sua chegada ao mundo da música. A sua jornada de adolescente rebelde a super-estrela.
Uma pessoa pergunta-se porque é que Avril não lançou oficialmente esta música, em ano de vigésimo aniversário da sua carreira – parece uma decisão óbvia. Pensando melhor, no entanto, talvez seja esse o problema: é demasiado óbvio, rasa a gabarolice. Compreende-se.
Deixemos o cânone de Love Sux e entremos em territórios menos definidos. Fall into the Sky é um caso estranho dentro destas B-sides. O título já circulava na Internet há uns bons anos e, finalmente, no verão passado, tivemos acesso a ela. O pessoal do avrilmidia garante a pés juntos que esta é uma B-side de Let Go, mas eu não acredito neles. Este é claramente o timbre da era Under My Skin. Menos frágil, mais consistente que o de Let Go, mas ainda mais grave do que em álbuns posteriores.
Em defesa deste pequeno desacordo, Fall into the Sky não se encaixa perfeitamente em nenhum álbum de Avril. A canção é conduzida por acordes rápidos de guitarra acústica, acompanhada por notas de guitarra elétrica e uma batida algo dançante. Lembra-me um pouco Tonight, dos Reamonn. Tem também um solo de guitarra muito fixe.
Porque é que ninguém se lembrou de incluir solos de guitarra em Love Sux?
Em termos de letra, Fall into the Sky é uma precursora de Hot: sobre um parceiro que satisfaz a narradora. É erótica, mas de uma forma muito discreta, muito adolescente – Avril usa a expressão “when we’re making out”, “quando estamos a curtir”. Pode-se dizer a ouvintes mais puritanos que estamos apenas a falar de beijos, mas o resto de nós sabe que é mais do que isso.
De notar que já nesta altura Avril espera que o parceiro lhe dê prazer. Isto vários anos antes de ser considerado fixe, numa altura em que a comunicação social a pintava como mais púdica que as Britney Spears desta vida. Daquelas coisas dos anos 2000 que não deixaram saudades.
Esta não levo a mal não ter sido editada oficialmente. Como disse antes, parece ter sido composta e gravada durante os trabalhos de Under My Skin, mas não se encaixaria de todo neste álbum – é demasiado leve, demasiado pop. Mesmo não sendo demasiado sexy, continua a ser demais para Let Go. Em relação a álbuns posteriores, é demasiado adolescente.
Além disso, se tivesse sido editada antes do The Best Damn Thing, teria estragado o impacto de Hot – que continua a ser a melhor canção.
Ainda assim, podia ter sido cedida a outro cantor. Só para não desperdiçar.
Queria agora referir duas B-sides de Head Above Water. Lights Out é uma balada agradável, ao estilo de Warrior ou da própria Head Above Water. Gosto mas, lá está, é demasiado parecida com essas duas músicas, ainda que a letra seja um bocadinho menos cliché. Continuo a preferir Bright.
E, de qualquer forma, mantenho o que escrevi antes: preferia que a redundância temática de Head Above Water fosse com músicas como esta.
Por sua vez, Lucky Ones é uma balada acústica razoavelmente interessante em termos de letra. É uma break up song, possivelmente sobre o seu divórcio de Chad Kroeger, o seu segundo marido. Uma vez mais, a letra não é super original, mas tem algum carácter. Pintam-se cenários de solidão, para começar – “Now it’s just me getting take out for one”. Além disso, se for um reflexo honesto dos sentimentos de Avril, sempre revela a sua perspetiva sobre o amor: não dura para sempre, mas ela pensava que aquilo seria a exceção.
E isto é mais interessante que a totalidade de Love Sux.
Agora vamos inverter a coisa e passar de uma música que poderá ser sobre o fim do casamento Chavril, para uma sobre o início do casamento Chavril. Durante a era do álbum homónimo, altura em que se casaram, tanto Avril como Chad falaram dela nalgumas entrevistas: If I Said I Loved You, uma canção que compuseram depois de terem começado a namorar. Ou se calhar depois do noivado, que, recordemo-nos, ocorreu ao fim de um mês de relação. Acabou por ser a música do casamento deles.
Na altura, Avril disse que planeava lançar oficialmente If I Said I Loved You no futuro. No entanto, o casamento terminou antes que houvesse oportunidade para isso. E agora, mais ou menos uma década depois de ter sido gravada, apareceu nas internetes.
If I Said I Loved You é mais ou menos o que eu esperava. É uma música bonita, uma balada com discretos traços de rock que encaixa bem no cânone de ambos. Nem a musicalidade nem a letra desafiam convenções, mas têm emoção e personalidade q.b. Sabem como sou, não resisto a uma canção de amor com um bocadinho de sentimento e honestidade.
Mas fico triste por só a termos conhecido agora, dez anos depois, quando eles se divorciaram há muito e ela está noiva de outro homem.
E, apesar de tudo, não diria que If I Said I Loved You é melhor que Let Me Go – o dueto entre Avril e Chad que foi de facto publicado. A primeira está um degrau acima em termos de letra, mas a segunda é mais interessante em termos de sonoridade. Representou um território diferente para Avril na altura.
As duas estão mais ou menos ao mesmo nível.
E era sobre isto que queria falar no que toca a Avril Lavigne em 2022. É um bocadinho triste ter falado mais sobre B-sides num balanço anual, mas é o que temos. Apesar de tudo, mesmo que Avril já não seja a minha número um, não conheço mais nenhuma carreira tão a fundo como a dela.
E provavelmente nunca conhecerei. Já não tenho a disponibilidade que tinha há dez ou quinze anos para procurar cada música inédita, ver cada vídeo de má qualidade no YouTube, consultar arquivos de entrevistas antigas, de outro artista ou banda. Mesmo as B-sides de Avril que vazaram este ano vieram de contas de redes sociais que já sigo – não foram músicas que eu tenha procurado ativamente. Mas que já acumulei todo este conhecimento secreto, mais vale partilhá-lo.
Por estes dias, Avril tem falado em lançar um novo álbum em 2023. Conhecendo-a como conheço, acho mais sensato contarmos com ele lá para 2024, com sorte – e já seria mais rápido do que o costume com ela. Para ser sincera, depois de dois álbuns que não me entusiasmaram, Love Sux em particular, não tenho pressa.
Claro que, como minha mãe musical, irei sempre dar-lhe o benefício da dúvida. É a única obrigação de qualquer fã.
Tenho ainda o concerto dela em Zurique, parte da digressão europeia. Este é o quarto balanço anual seguido em que o refiro. A incapacidade de nós, fãs portugueses, vermos um concerto desta mulher vai muito além de caricata.
Este último adiamento foi desnecessário, na minha opinião. Eu tinha acabado de ver Bryan Adams, usara máscara, e correra tudo bem. Podia-se perfeitamente ter feito o mesmo com os concertos da Avril. Para quê adiar outra vez?
Em princípio deverá ser desta, que já vivemos em quase normalidade. Quando virmos Avril subindo ao palco com os nossos próprios olhos até acharemos que é mentira. Mas há de valer a pena – nem que seja apenas para cantar os velhos êxitos em coro com milhares de outras pessoas.
E foi esta a segunda parte deste balanço musical. A próxima parte será mais curta e será também um desvio ligeiro à fórmula habitual. A boa notícia é que já terminei o primeiro rascunho, será só passá-la a computador, o que não deverá demorar muito. Obrigada pela vossa paciência. Continuem por aí.
Hoje quebro uma regra não escrita aqui do blogue e começo a minha retrospetiva musical do ano… em novembro. Como já tinha explicado antes, o meu plano inicial foi sempre escrever um texto nesse estilo sobre a música que Bryan Adams lançou em 2022. Como já estamos perto do fim do ano, o próximo texto terá uma estrutura semelhante e os textos que publicarei a seguir farão parte da retrospetiva, mais vale incluir já estes dois na série.
Agora só espero que o meu velho não me troque as voltas e não me lance música nova antes do fim do ano.
Até calha bem começar hoje pois Bryan completa sessenta e três anos hoje. Que este texto sirva de mensagem de parabéns.
A retrospetiva deste ano será interessante pois 2022 está a ser um ano louco para mim em termos musicais – quero ver o que irão dizer os relatórios anuais do Spotify e do Last FM. Este é apenas o começo. Infelizmente, como vamos entrar em modo Mundial daqui a poucos dias, os próximos textos ainda vão demorar.
Na verdade, vou começar este texto sobre Bryan Adams falando sobre uma canção de Lionel Ritchie. Foi durante a contagem decrescente para o início do concerto de 30 de janeiro. Como habitual, havia música a tocar nos altifalantes do Pavilhão Atlântico, para ir entretendo o público à espera que Bryan subisse ao palco. A certa altura, tocou All Night Long (All Night) e toda a gente se pôs a cantar, a bater palmas, a dar uns passinhos de dança. Foi o primeiro momento da noite em que a audiência se uniu pela música.
(Obrigada Elisabete Branco, do Bryan Adams Group do Facebook, pelo vídeo)
Estes são momentos subvalorizados da experiência de ir a concertos e que eu mesma aprendi a apreciar nos últimos tempos. Já tinha acontecido em 2017, antes do concerto dos Sum 41, com o público cantando One Step Closer dos Linkin Park. Voltou a acontecer em força no concerto mais recente dos Sum 41 com os Simple Plan – a produção conhecia a audiência e pôs a tocar vários êxitos do emo/pop punk dos anos 2000. All the Small Things, Sugar, We’re Going Down, Misery Business (poucos dias antes de ser oficialmente “descancelada”), Basket Case (OK, esta era dos anos 90, mas pronto…).
Da mesma forma, acredito que a equipa do Pavilhão Atlântico tenha posto All Night Long a tocar pelos eventuais fãs cruzados – Ritchie também foi um cantor de sucesso nos anos 80 e 90. Mas eu gosto de pensar que o público aderiu não só por isso, também pela mensagem da canção: “Well, my friends, the time has come, to raise the roof and have some fun”. Depois de quase dois anos de pandemia, dez mil almas vinham finalmente a um concerto a sério.
Nas semanas seguintes fiquei obcecada pela música e apercebi-me de algo: eu preciso de música alegre para sobreviver, sobretudo em momentos menos felizes da minha vida. Aconteceu em 2017 com Loucos, de Matias Damásio, que me fez chorar na manhã a seguir ao concerto de homenagem a Chester Bennington. Aconteceu no ano passado com o singleSolar Power, num verão em que não pude ir de férias. Acontecia agora com All Night Long, num período em que estava menos feliz do que tenho estado ultimamente.
Música alegre tem má reputação nalguns círculos. Alguns argumentos até fazem sentido. Em pesquisas para este texto, dei com um par de artigos descrevendo a maneira como a música alegre pode ser usada para controlar a população, tornando-a mais complacente, agressiva, mesmo mais racista e xenófoba. Vejam-se as marchas militares, hinos nacionais, cânticos de claques desportivas.
Confesso que estes artigos me fizeram questionar muita coisa, mas isso foge ao âmbito do texto. Passemos à frente.
Assim, manipulação de massas à parte, há quem acredite que a música alegre é por defeito mais fútil, inferior a música triste ou zangada. Por exemplo, um dos motivos pelos quais muitos criticaram precisamente o álbum Solar Power foi por ser demasiado alegre – como poderão ler aqui, na minha opinião, os problemas do álbum são outros. Noutro exemplo, durante os trabalhos do Self-Titled dos Paramore, Hayley Williams tinha algumas dúvidas em relação a Still Into You – receava que fosse demasiado alegre. Em oposição, alguns géneros de música fazem quase uma romantização da tristeza – o “emo” é o exemplo óbvio, mas também a estética da “sad girl”.
Isto acaba por entrar na questão do idealismo versos cinismo – a felicidade e o otimismo são infantis, a infelicidade e o pessimismo são adultos. A cena do génio torturado. Citando Ursula K. Le Guin, “temos um mau hábito, encorajado por pedantes e sofisticados, de considerar a felicidade como algo um tanto estúpido. Só a dor é intelectual, só o mal é interessante. Essa é a traição do artista: uma recusa em admitir a banalidade do mal e o tédio terrível da dor.”
Não concordo a cem por cento com esta citação, no entanto, sobretudo com a última frase. Não acho que ninguém considere a dor “entediante”. Pelo contrário, a expressão artística poderá ser uma maneira saudável, num ambiente controlado, de sentir e lidar com sentimentos negativos. Essa é a própria definição de catarse – havemos de regressar a essa ideia. Mas definitivamente concordo que existe a ideia de que a felicidade é anti-intelectual.
Mesmo eu, há dez anos, nunca viria para aqui dizer tão bem de uma música “de festa” como All Night Long. Claro que me tornei mais flexível nessas coisas com os anos – mas ainda não gosto do Pitbull nem de música semelhante à dele.
E de qualquer forma acho que, a certa altura, se foi demasiado na direção contrária. Penso que não é a primeira vez que refiro aqui que, apesar de ter gostado de folklore e evermore de Taylor Swift, a partir de certa altura estes começaram a pesar.
Além disso, recordo-me de estar de férias no verão de 2020 e na rádio tocavam músicas como everything i wanted, de Billie Eilish, e uma literalmente intitulada Death Bed, leito de morte. E eu pensava: “As coisas já estão suficientemente difíceis, com a pandemia e tal. Estou aqui a tentar aproveitar as minhas férias. Não podia tocar algo menos deprimente?”.
Não me interpretem mal. Não quero insinuar que não gosto de música que não seja “feel good” ou que não reconheço a sua importância. Afinal de contas, os Linkin Park são uma das minhas bandas preferidas e eles não têm uma única música propriamente alegre – apenas esperançosa ou reconfortante. Da mesma forma, este ano tenho explorado o meu lado “emo”/pop punk e tal, graças ao programa Everything is Emo de Hayley Williams e ao concerto dos Simple Plan e dos Sum 41.
Música que os nossos artistas ou bandas preferidas criaram para exorcizar os seus próprios demónios. Música que nos dá força, que nos dá esperança ou que, pura e simplesmente, dá voz, instrumental e melodia ao que estamos a sentir, que não nos deixa sozinhos no escuro. De maneira paradoxal, alguns dos melhores momentos da minha vida foram em concertos dessas bandas, sentindo essa raiva coletiva, revolta coletiva, tristeza coletiva. Já falei disso antes, mas Mike Shinoda chegou a dizer que um dos objetivos dos Linkin Park fora criar um sítio onde as pessoas experimentassem uma sensação de pertença enquanto gritavam que o mundo era horrível, um lugar seguro para exprimirem estas emoções mais negativas.
Isto tudo para dizer que todas as emoções musicais são válidas e importantes. Eu preciso de todas, não consigo limitar-me a apenas uma parte do espectro. Nunca me senti muito muito confortável com tristeza – o que, admito, poderá não ser muito saudável. Algumas pessoas se calhar estranhariam – já aconteceu, sobretudo quando era mais nova, considerarem-me mais triste e mais séria do que realmente sou.
Ou talvez tenha uma “resting bitch face”.
Como referi antes, nestes dias não estou tão infeliz como noutras alturas, mas ainda me recordo de sentir frases como “Life is good, wild and sweet” e “Forget all of the tears that you’ve cried, it’s over” batendo mais forte do que, se calhar, mereciam. Talvez fosse escapismo, talvez fosse enterrar a cabeça na areia. Ou talvez quisesse agarrar o momento de alegria possível, ser feliz nem que fosse apenas durante os cinco minutos ou menos de uma canção.
E a verdade é que é isso que a maior parte da música de Bryan Adams representa para mim. Música feel good para cantar no carro, sobre amor, sexo, aproveitar a vida, ser-se jovem, livre e feliz.
Aliás, acho que é essa a intenção de Bryan, sobretudo nos últimos anos. De que outra forma se explica que ele tenha lançado um álbum intitulado So Happy it Hurts depois de dois anos de pandemia? Não que ele não seja interventivo, antes pelo contrário. Conforme ele explicou nesta excelente entrevista, ele apoia causas discretamente. Bryan levantou mesmo a hipótese de, em vez de simplesmente boicotar ou “cancelar”, um concerto de música feel good num país reprimido ser por si mesmo um acto de ativismo.
Merece a reflexão, pelo menos. Em todo o caso, esse intervencionismo raramente é vertido para a música de Bryan em si. E, sinceramente? É melhor assim. Das poucas vezes em que isso aconteceu, não resultou, na minha opinião. E o espírito feel good da música de Bryan também tem o seu impacto em tempos tão difíceis como os atuais.
Um bom reflexo dessa atitude é o tema Never Gonna Rain, um dos singles de So Happy it Hurts. Bryan será sempre o otimista, o sonhador, a pessoa que tentará ver o lado positivo e focar-se menos no negativo. Esse espírito tem as suas limitações, claro, como Rose Colored Boy dos Paramore tão bem nos recorda, mas o cinismo também não é resposta para tudo. A virtude estará algures no meio.
Precisamos de música de intervenção, que denuncie o que está errado no nosso mundo. Precisamos de música que dê voz à nossa dor, à nossa raiva. Mas também precisamos de música que nos recorde que há mundo para além disso tudo, que a vida também pode ser boa.
O concerto dele em janeiro serviu para isso. Como referi antes, foi o meu primeiro concerto a sério após a pandemia – para mim e, acredito, para o resto da plateia – e celebrámos adequadamente. O próprio Bryan sentiu o nosso alívio, a nossa euforia. Orgulho-me em particular de ter aguentado o concerto todo sem tirar a máscara – sempre cantando, dançando, saltando, dando headbangs como se a música fosse mais pesada do que realmente é.
Como desenvolvido acima, a música de Bryan é perfeita para ilustrar este espírito. músicas como Here I Am, Back to You e Cloud Number 9 bateram particularmente forte – as duas últimas em particular, pois não lhes dera muita rotação nos meses anteriores.
O único motivo de queixa que não chega a sê-lo é que o concerto em si não foi muito diferente do de 2019. Só se tinham passado dois anos e cerca de mês e meio, logo, ainda nos recordamos de muitos dos truques de palco. Sou capaz de apostar que a montagem de fotografias que Bryan mostrou da sua vida em Birre, quando era miúdo, era exatamente a mesma.
Não que possamos censurar Bryan por isso. Quase não houveram concertos entre dezembro de 2019 e janeiro de 2022. Não houve tempo para Bryan e os seus colegas de banda se cansarem dos truques atuais e sentirem a necessidade de inovar. E, de resto, é uma queixa menor. Dez em dez, repetia a experiência.
Falemos agora sobre o álbum So Happy it Hurts. Este é outro trabalho cuja concepção foi condicionada pela pandemia. Tal como Hayley Williams fez com o seu segundo álbum a solo, Flowers For Vases, Bryan gravou todos os instrumentos (ou quase todos). Ao contrário do que aconteceu com FFV, em So Happy it Hurts não se nota. Não surpreende: Bryan tem muito mais experiência como instrumentista. Só precisou de reaprender a tocar bateria.
So Happy it Hurts assemelha-se a Shine a Light no sentido em que não tem nenhum conceito particular, são apenas músicas que Bryan foi compondo. Ainda assim, coloco o álbum mais recente um pouco acima porque, na minha opinião, tem músicas melhores. Pelo menos os singles saem um bocadinho mais da caixa habitual para Bryan – veja-se On the Road e Kick Ass, como discutimos no ano passado, e Never Gonna Rain, lançado uns dias antes dos concertos em Portugal.
Esta última é uma das minhas preferidas neste álbum. Foca-se mais no baixo do que o costume para Bryan e gosto dos vocais no pós-refrão, sobretudo no último. Por outro lado, o título da música é irónico num ano de seca.
A minha preferida, no entanto, é These Are the Moments that Make up my Life.
Esta foi uma das primeiras que ouvi quando o álbum saiu – as músicas foram publicadas no YouTube, calhou clicar primeiro nesta. Cativou-me logo, sobretudo por causa da letra.
Musicalmente é interessante – suave no início, guiada por um riff de guitarra, ganhando mais intensidade quando se juntam os outros instrumentos.
Não sei se esta não será uma das letras mais pessoais de Bryan em anos. These Are the Moments that Make Up my Life fala sobre a felicidade das pequenas coisas da vida doméstica e familiar: o som da chuva a cair, os beijos da pessoa que se ama, o riso das crianças.
Regressando ao tema de abertura deste texto, These Are the Moments that Make up My Life é um exemplo claro de música feliz que ninguém pode acusar de futilidade. Não que seja propriamente profunda, mas é uma maneira mais realista, mais terra-a-terra, de salientar o lado bom da vida. Nem sempre conseguimos ir a um concerto, à discoteca, à praia ou numa longa viagem, mas podemos ir colhendo felicidade nas pequenas coisas do quotidiano.
Foi de resto uma das lições da pandemia. Fomos privados de muito, mas serviu para nos recordarmos que, no fim de tudo, o mais importante são as pessoas que amamos. Nesse aspeto, These Are the Moments that Make Up My Life recorda-me World’s On Fire – uma das que melhor envelheceu do álbum Post Traumatic de Mike Shinoda.
Por estes motivos, de início pensei que Bryan tinha composto esta música durante a pandemia. Não foi o caso. Em entrevista, Bryan disse que These Are the Moments that Make Up My Life era uma ideia com uma década de idade que ele só conseguiu concluir durante os trabalhos para So Happy it Hurts.
Faz-me todo o sentido que os primeiros rascunhos desta canção tenham sido criados há dez anos – foi quando as filhas dele nasceram. Acredito que These Are the Moments that Make Up My Life tenha sido uma lição que Bryan aprendeu na última década.
Como adulto (e mesmo antes), ele nunca teve uma vida “normal”. Em entrevistas recentes, Bryan admite que não se recorda de grande parte dos anos 90, tirando fotografias, porque estava sempre a trabalhar. Fazia duzentos concertos por ano, chegou a estar quatro anos seguidos em digressão.
Vou agora falar de coisas que li em entrevistas antigas a Bryan algures entre 2008 e 2010. Agora não consigo encontrá-las e linká-las aqui, pois foi há mais de dez anos. Assim, não tomem o que vou referir a seguir como verdade absoluta. Segundo o que me recordo, Bryan confessou que, quando começou a haver uma epidemia de divórcios na sua equipa nos anos 90, percebeu que estava a exagerar. Entrando em território de fofocas, uma ex-namorada de Bryan terá dito que a relação não resultou porque a carreira dele tinha prioridade sobre tudo.
Não creio que Bryan se arrependa da maneira como passou os anos 90. Afinal de contas, foi o que o colocou onde está hoje. Mas a partir dos anos 2000 terá começado a moderar-se – indo em digressão apenas dez a catorze dias por mês. E depois dos cinquenta anos, depois de já ter atingido o pico, assentou com uma companheira (esposa?) vinte anos mais nova e teve duas filhas. (Inveja eu, por ele ser homem e capaz de se reproduzir depois dos cinquenta anos? Não! Que ideia…) Aí, terá aprendido o valor de uma existência mais tradicional. Daí These Are the Moments that Make Up My Life. (“I’ve taken some wrong roads, but I know this one's right”)
É claro que isto sou apenas eu a especular.
Gosto imenso do videoclipe desta música. Nesta era os vídeos de Bryan têm sido todos muito simples e este não é exceção. É apenas Bryan numa praia qualquer no Canadá, atirando paus ao cão do irmão. Este vídeo parece ter sido feito de propósito para mim. Como tenho referido várias vezes aqui no blogue, um dos meus lugares felizes nos últimos anos, um dos meus sítios perfeitos, é a Meia Praia de Lagos, passeando a pé com a minha Jane. A diferença é que ela prefere bolas em vez de paus.
O que condiz na perfeição com o tema da música.
These Are the Moments that Make Up My Life é, assim, a minha canção preferida de Bryan nos últimos anos – desde Brand New Day, pelo menos, ou talvez antes. Tenho alguma pena de os concertos de janeiro se terem realizado antes da edição do álbum – queria que ele tivesse tocado esta.
So Happy it Hurts não foi a única coisa que Bryan lançou este ano. Longe disso, o homem lançou-me quatro álbuns inteiros em 2022!
Já referi aqui no blogue que, há uns anos, Bryan compôs a banda sonora do musical Pretty Woman da Broadway, baseado no filme de Richard Gere e Julia Roberts. Durante a pandemia, em parte por aborrecimento, em parte por precisar de lançar música (mais sobre isso já a seguir), Bryan gravou a sua própria versão dos temas do musical e lançou-os em álbum.
Não tenho muito a dizer sobre estas músicas. São uma audição agradável, dentro do estilo de Bryan – ele foi um bom casting para um conto de fadas do mundo moderno. Diria que a minha preferida é On a Night Like Tonight – em parte porque emparelha com a On A Day Like Today, outra de que sempre gostei. Por outro lado, gosto imenso de Something About Her – clássico Bryan.
Falemos agora sobre as regravações que Bryan lançou de algumas músicas suas – as versões Clássicas. Basicamente, Bryan mudou de editora há um par de anos e a editora antiga terá ficado com os direitos da sua looooonga discografia. Assim, Bryan resolveu dar uma de Taylor Swift e regravou os seus maiores êxitos. Estes foram lançados em duas tranches – Classic e Classic Part II.
Antes de mais nada… isto não devia ser permitido. Seria de esperar que os autores de uma propriedade intelectual tivessem sempre direitos sobre o seu trabalho. Estas músicas só existem por causa do trabalho de Bryan e dos seus colaboradores. É triste que isto tenha acontecido a Bryan ao fim de mais de quatro décadas de carreira.
Dito isto… não percebo o que Bryan quer fazer ao certo ou o que ele quer que nós façamos. Estamos a falar de quarenta anos de música: catorze álbuns de estúdio, incluindo a banda sonora de um filme, uns quantos Best Of’s, múltiplos discos ao vivo. Mesmo que ele quisesse regravar toda a sua discografia – aquela que pudesse – provavelmente não faria mais nada com a sua carreira.
Nesse aspeto, faz sentido que Bryan tenha começado pelos seus êxitos. Talvez ele até queira ficar por aí. Por outro lado, ele não o fez com a pompa e circunstância com que Taylor Swift tem re-lançado os seus álbuns. Muitos fãs casuais poderão nem sequer ter reparado. E, tanto quanto sei (posso estar enganada), as rádios não receberam o recado e não estão a substituir as versões antigas pelas novas. Eu até estou disposta a abdicar das versões antigas, pelo menos em termos de música digital e pelo menos em termos de versões de estúdio (versões como as do Bare Bones e do MTV Unplugged são um caso à parte). Com um par de exceções de que falarei já a seguir. Mas não sei se todos os fãs estarão dispostos a fazer o mesmo.
Uma diferença entre os casos de Taylor Swift e Bryan é, aparentemente, o caso do segundo não ser pessoal. Sublinhe-se o “aparentemente”. Com Taylor, o tipo que ficou com os direitos da música dela foi alguém que conspirara contra ela (mais detalhes aqui). Tendo isto em conta, os fãs e o público em geral têm aderido às regravações de boa vontade – tarefa facilitada pela maneira como ela relançou Fearless e Red, este último em particular. Com Bryan não existe nenhum drama deste género, que se saiba. Não existe o mesmo imperativo moral para cortarmos com as versões antigas.
Pelo menos é isso que digo a mim mesma.
Além disso, se Taylor consegue recriar canções antigas com bastante fidelidade, para Bryan isso é quase impossível. Para começar, as músicas mais antigas de Taylor têm dezasseis anos – as de Bryan têm mais de quarenta. Não sei muito do assunto, mas assumo que as tecnologias de captação de áudio e produção musical tenham evoluído significativamente desde os anos 80.
Em segundo lugar, a voz de Bryan mudou. Os seus vocais nos dois primeiros álbuns são quase irreconhecíveis comparada com os dias de hoje, sem o seu icónico timbre rouco. Este começou a aparecer em Cuts Like a Knife e foi-se desenvolvendo nos álbuns seguintes até estabilizar, mais ou menos, em Waking Up the Neighbours, em 1991. Ele nunca poderia recriar os vocais das versões dos anos 80 de Summer of 69’, Heaven ou Cuts Like a Knife em 2022.
Talvez por isso Bryan não se tenha preocupado demasiado com a fidelidade. Ainda assim, as novas versões são bastante fiéis às antigas, com algumas exceções. Uma diferença marcante, que Bryan tem assinalado, é o facto de as músicas agora terem finais em vez de fade outs. Não tenho nada contra fade outs em música por princípio, mas sempre calculei que fossem complicadas de tocar ao vivo. Não me choca que Bryan tenha querido corrigi-lo.
Fiquei contente por Bryan ter regravado Hidin’ From Love e Teacher Teacher – duas canções que precisavam. Ainda este ano falámos sobre a primeira – ele já tinha publicado uma versão de Hidin’ From Love com este novo instrumental. E se há álbum que merecia uma regravação é o primeiro de Bryan.
Por seu lado, já tinha escrito aqui no blogue, a propósito dos 30 anos de Reckless, que o demo de Teacher Teacher tinha algumas arestas por limar, apesar de gostar da canção. Bryan fez exatamente o que eu queria.
Não desgosto desta versão de Back to You. Esta foi sempre uma das minhas canções preferidas dele – foi a primeira música “a sério” que aprendi a tocar na guitarra. Antes de Classic, Back to You não tinha nenhuma versão de estúdio – foi um original do álbum MTV Unplugged. Fica um amargo de boca por a versão Clássica não ter a orquestra da Julliard.
Na verdade, a única regravação em que me quero focar é a de Here I Am – a minha canção preferida de todos os tempos, como poderão ler aqui.
Esta era outra em que Bryan muito dificilmente poderia fazer copy/paste. Como vimos antes, foram os produtores da banda sonora do filme Spirit a dar um estilo mais R & B à versão original de Here I Am. No entanto, eles não estavam lá para as regravações.
A versão Clássica não difere radicalmente da versão de 2002 mas, de todas as regravações, será a mais diferente. Penso que esta é mais parecida com o que Bryan teria criado com os seus colaboradores habituais. A instrumentação é mais “orgânica”, mais rock. Os sintetizadores e produção eletrónica foram substituídos pelo piano e bateria.
Por outro lado, aplaudo o facto de Bryan ter resistido à tentação de encurtar a duração da música.
Here I Am, de resto, é daquelas canções que soa bem em praticamente qualquer arranjo. Ainda assim, de todos os temas regravados, este será o único em que me recuso a abdicar da versão original. Estou demasiado afeiçoada a ela. Aos backvocals na parte final (nos créditos diz que é Bryan a cantar, mas não me parece que seja ele), às batidas – sobretudo por causa da minha velhinha montagem de vídeos da Seleção.
Aliás, se eu tivesse tempo e software, faria uma montagem de vídeos para a versão Clássica – incluindo imagens de, entre outras coisas, o Euro 2016 e a Liga das Nações de 2019.
A grande vantagem de regravações como estas é que os temas ganham uma nova vida anos – ou décadas – depois de as ouvirmos pela primeira vez. Here I Am completou vinte primaveras este ano, é a minha preferida de sempre. E no entanto, duas décadas depois, continua a surpreender-me.
Nem tudo tem a ver com esta regravação, sequer. No início deste ano descobri Me Voilà, a versão francesa da música. E agora, há um par de semanas, descobri um cover feminino lindíssimo de Me Voilà: uma instrumentação bastante diferente, folk, mas que resulta.
E é tudo o que tinha para dizer. Que Bryan esteja a ter um dia muito feliz. Agradeço-lhe por tudo o que a sua música tem feito por mim. Não sei ao certo o que ele fará nos próximos tempos – estou curiosa. Em todo o caso, como acho que já o referi antes, enquanto ele cá estiver, eu estarei lá, dentro das minhas possibilidades. E, como já disse antes, não haverá nenhum outro sítio na Terra onde preferiria estar.