Hoje trago de volta uma personagem recorrente no cânone deste blogue e mesmo das Músicas Ao Calhas. Nem sequer é a primeira vez que escrevo sobre B-sides do álbum mais recente de Avril Lavigne. Ao contrário de Bright, que saiu mais de um ano depois de Head Above Water – na altura certa, como escrevi na altura – as músicas sobre as quais vou escrever neste texto surgiram na Internet no mesmo dia em que o álbum foi editado oficialmente. Não foram as únicas mas, como já tinha referido antes, foram as únicas de que gostei. Falo de I Want What I Want, um cover de Lauren Christy, e Break it So Good.
Lauren é, aliás, o denominador comum a estas duas músicas: foi ela que cantou o original da primeira e contribui com vocais para a segunda. Qualquer fã razoavelmente bem informado de Avril saberá que Lauren fazia parte do The Matrix – a equipa por detrás da co-composição de uma grande parte do Let Go, nomeadamente o triunvirato Complicated, Sk8er Boi e I’m With You. Anos mais tarde, Lauren tornaria a colaborar com Avril durante os trabalhos de Head Above Water.
Antes de fazer parte do The Matrix, no entanto, Lauren teve uma relativamente curta carreira a solo. I Want What I Want faz parte de Breed, o seu segundo álbum – e o último antes de desistir da carreira a solo e formar o The Matrix.
A versão original tem aquele som pop rock dos anos 90, início dos anos 2000 que eu sempre adorei. Sinto mesmo que é o meu género musical primordial, sobretudo quando cantado no feminino. Além disso, as semelhanças com as músicas de Let Go são evidentes.
Desse modo, ouvir Avril cantando I Want What I Want bate certo. A versão da canadiana tem uma roupagem mais moderna, melhor que a original, na minha opinião. Eu ainda assim gostava que fosse menos eletrónica – mas lá está, é apenas uma demo. Se fosse para ser lançada oficialmente, a qualidade seria melhor.
Também gosto mais da interpretação de Avril – e nem sequer falo apenas da interpretação vocal. Gosto mais das vozes de apoio na versão de Avril, em particular os “and I want, and I want, and I want” no refrão. Para além disso, Avril alterou a terceira parte da música – para melhor, na minha opinião.
Entretanto, enquanto escrevia este texto, descobri uma outra versão de I Want What I Want, cantada por Tata Young, uma cantora tailandesa. Esta é mais parecida com o original – é como se tivessem aplicado um filtro pop na versão de Lauren. Continuo a gostar mais da versão de Avril, mas esta não é má. Tata tem uma voz bonita.
Ora, Break it So Good é uma música bastante diferente. Esta também é uma demo, ainda menos polida que I Want What I Want. Tem um instrumental minimalista e algo sombrio, apenas piano (?), batida e sintetizadores. É como se fosse uma Give You What You Like mais eletrónica.
Um pormenor estranho é o facto de Avril só cantar o refrão. Lauren canta as estâncias, com algum auto-tune (para a sua voz soar mais parecida com a de Avril?). É possível que esta canção tenha sido composta e gravada numa fase má da Doença de Lyme. Avril poderá ter conseguido gravar o refrão, mas depois pode não se ter sentido suficientemente bem para cantar as estâncias, logo, Lauren tomou o lugar dela. Se quisessem incluí-la em Head Above Water, gravariam uma nova versão, cantada a solo por Avril.
De qualquer forma, a verdade é que, na minha opinião, esta produção minimalista, imperfeita, resulta. Break it So Good ficou com um tom intimista, sombrio e estranhamente sexy. Para lançarem oficialmente esta música teriam de manter o instrumental mais ou menos assim.
Por outro lado, o carácter também vem da letra, uma das partes mais interessantes de Break it So Good. Esta aborda uma relação que já se percebeu que não vai durar. No entanto, a narradora está disposta a aceitar o antigo amante (assumindo que se trata de um homem), não porque acredite na relação, mas porque se quer vingar dele (“Imma break your heart but I’ll break it so good/(...)/Do to you what you do to me”).
É bem possível que estejamos a falar da mesma relação abordada em I Fell In Love with the Devil e sobretudo Tell Me It’s Over. Compare-se os versos desta última – “you come and you leave” – com os de Break it So Good – “maybe I’ll come and go, a taste of your own medicine”. Um amante que brinca com os sentimentos dela, que lhe vira as costas, mas que volta e meia diz que quer regressar para ela (“Come and whisper you miss me”, “you say you still adore me, you’re still kind of a mess”). Ao contrário de Devil e Tell Me It’s Over, a narradora não se limita ao papel de vítima, quer derrotar o amante no jogo dele.
Segundo a minha teoria, Avril não incluiu Break it So Good em Head Above Water porque esta canção não se encaixa na narrativa de I Fell In Love With the Devil e Tell Me It’s Over. Sobretudo na altura em que andava a promover a primeira, Avril tentou vender-se como a vítima de uma relação tóxica, tendo tido de ganhar forças para sair dela (ainda que nenhuma dessas músicas sustentem bem esta última parte. Só esticando muito.)
Break it So Good, por seu lado, é uma resposta menos politicamente correta, mesmo menos moralmente correta, a uma relação tóxica. Uma resposta de que Avril talvez não se orgulhe, que talvez lhe tenha saído pela culatra se de facto a tentou. Mas não deixaria de ser uma resposta humana, uma perspetiva mais única, provando que Avril também não fora propriamente uma santinha na relação.
Acaba por ser este o meu problema com Avril nos últimos anos. A partir de certa altura deixou de parecer genuína, esconde-se atrás de clichés e superficialidades. Em retrospetiva, uma parte de mim acha que ela se aproveitou da “moda” do feminismo e das relações tóxicas para promover I Fell In Love With the Devil, Tell Me It’s Over e Dumb Blonde. Da mesma forma, nos últimos meses parece estar a aproveitar-se da nostalgia pelo pop punk dos anos 2000 – juntamente com Mod Sun, Machine Gun Kelly e Travis Barker – para se tornar relevante de novo, preparando o lançamento do seu sétimo álbum.
Quando é que eu me tornei tão cínica em relação à minha cantora preferida?
Já que falamos nisso… sim, Avril terá um álbum pronto a ser editado, radicalmente diferente de Head Above Water e mesmo das músicas de que falámos aqui. Mesmo à moda dela, a mulher anda a acenar-nos com este lançamento desde finais do ano passado e, até agora, nada.
Para ser sincera, as minhas expectativas estão em mínimos históricos para este álbum. Não tenho pressa em ouvi-lo. Preocupa-me mais a digressão europeia, adiada desde o início da pandemia. A equipa de Avril se calhar está à espera deste novo ciclo de álbum antes de confirmar as datas.
A ser verdade, é melhor esperarmos sentados.
Numa nota menos cética… não deixará de ser um álbum da Avril. Terá quase de certeza pelo menos uma mão-cheia de músicas de que gostarei, mesmo que não adore todas.
Para já, por estes dias já só penso em ouvir Solar Power, o álbum novo de Lorde. Sai já esta sexta-feira. A sua análise deverá ser o próximo texto deste blogue. Noutras notícias musicais do meu nicho, Bryan Adams deverá lançar um single em outubro – na altura decido se escrevo sobre ele.
Entretanto, já comecei a rever e a anotar Digimon Frontier, desta feita dobrado em português. Neste momento vou para o episódio 14. Dentro de algumas semanas já devo estar pronta para escrever sobre essa temporada.
É mais ou menos este o plano para os próximos tempos. Obrigada pela vossa visita, como o costume. Visitem a página de Facebook deste blogue.
Ninguém vai acreditar que foi por mero acaso que resolvi escrever sobre Taylor Swift agora, ninguém vai acreditar que já planeava fazê-lo há algum tempo. Vão achar que quis aproveitar-me do interesse aumentado em Taylor a propósito do álbum folklore, lançado há pouco mais de uma semana.
Acreditem ou não, eu já estava a escrever o primeiro rascunho deste texto quando Taylor anunciou o álbum literalmente na véspera do dia em que saiu. Como é que eu ia adivinhar? A mulher costuma demorar pelo menos dois anos entre álbuns!
Bem, agora já está. Vou aproveitar-me do interesse aumentando em Taylor, mesmo não tendo sido essa a minha intenção.
Taylor Swift é uma cantautora que dispensa apresentações. É a primeira vez que lhe dedico um texto neste blogue, mas a verdade é que tenho acompanhado a carreira dela assim ao de longe desde 2014/2015. Talvez mesmo antes, mais foi só em 2014 que comecei a ouvir ativamente músicas dela. Os singles de 1989 basicamente, como Blank Space e Out of the Woods. Com o passar dos anos, sobretudo desde que comecei a usar o Spotify com frequência, fui acrescentando mais músicas dela às minhas playlists, aqui e ali.
Durante anos não quis admitir que Taylor Swift era uma cantora do meu nicho musical. Mas a verdade é que ela ia aparecendo em várias listas de mais tocadas no Spotify. Quem é que eu queria enganar?
Era só uma questão de tempo até escrever sobre ela aqui.
Ainda assim, não sou de todo uma enorme fã de Taylor (uma Swiftie, uma stan ou o que quer que os miúdos fixes lhe chamem por estes dias). Sou uma fã muito casual, muito superficial. Não conheço assim tão bem a discografia dela. Só tenho ouvido músicas soltas, acho que nunca cheguei a ouvir um álbum dela do princípio ao fim – quero fazê-lo com folklore, no entanto.
Na mesma linha, no que toca à sua repercussão mediática, aos dramas com ex-namorados, com outras celebridades… em geral, não ligo muito, tenho ter uma posição neutra.
Tirando no caso do Kanye. Que se lixe o Kanye, o homem é uma besta. Eu sei que ele tem tido problemas com a sua doença bipolar, mas isso não serve de desculpa para todas as coisas que tem feito.
Voltando a Taylor, por um lado sim, acredito que seja difícil passar o fim da adolescência e toda a idade adulta, em particular a sua vida amorosa, debaixo do escrutínio impiedoso dos holofotes. Também admito que, se ela fosse um homem, a sua vida seria mais fácil.
Por outro lado, nenhuma dessas dificuldades, nenhum dos lados negros da fama a impediram de se tornar uma das maiores estrelas pop da atualidade, uma das mulheres mais poderosas e influentes dos Estados Unidos, se não for do mundo. Não precisa que tenhamos pena dela, na minha opinião. Além de que, não apenas como celebridade, também como compositora, como letrista, tem maior controlo sobre a narrativa do que outras personagens da sua história.
Em todo o caso, sei reconhecer boa música quando a oiço e é por isso que estou aqui. All too Well é considerada, de maneira quase unânime, uma das melhores canções de Taylor Swift, se não for a melhor. Como (ainda) não conheço assim tão bem a discografia dela, não posso dizer que seja, de facto, a número um. Mas é uma das melhores entre aquelas que conheço.
É sem dúvida uma das melhores baladas que conheço. Baladas a sério, mesmo power ballads, daquelas que arrebatam. Sempre gostei deste estilo de música, duas das minhas canções preferidas de todos os tempos – I’m With You e Last Hope – são power ballads. All too Well está ao mesmo nível.
All too Well, aliás, é um caso bastante raro, se não for único, entre as power ballads no sentido em que não assenta em grandes notas agudas para arrebatar. I’m With You caracteriza-se muito pelos agudos. Last Hope nem tanto, mais nos pré-refrões, mas estão lá. Mesmo aquelas baladas universalmente aclamadas, como I Don’t Want to Miss a Thing, Total Eclipse of the Heart, Always, My Heart Will Go On, I Will Always Love You, todas elas assentam em grandes agudos.
É, de resto, uma técnica muito usada em música: cantar os últimos refrões uma oitava acima, acrescentar uns quantos backvocals mais agudos, mesmo elevar o tom da música. A própria Taylor já usou este último truque com grande eficácia em Love Story.
All too Well, no entanto, só tem um único verso agudo. Não precisa de mais. Taylor sob controlo total, transmitindo bem as emoções da música através da sua voz. Na verdade, no que diz respeito a vocais, prefiro versões ao vivo, em particular a lindíssima apresentação nos Grammys de 2014. A voz soa menos polida, mais crua – numa versão de estúdio não dava, mas ao vivo funciona e, para ser sincera, leva-me às lágrimas.
O acompanhamento musical contribui para o arrebatamento da canção em partes iguais à voz. Começa relativamente minimalista, só com um par de guitarras (ou piano, no caso das versões ao vivo), ganhando novas camadas ao longo da faixa. All too Well é feita de crescendos atrás de crescendos, de crescendos sobre crescendos, clímaxes sobre clímaxes. Por volta dos três minutos e quarenta a intensidade diminui por instantes, mas não tarda a crescer de novo. Culmina no último refrão antes de diminuir de novo para o final.
É uma montanha-russa de emoções.
Falemos então sobre a letra. Resumidamente, All too Well fala sobre uma relação falhada, à semelhança de oito em cada dez músicas de Taylor.Esta terminou de forma amarga, só que a narradora não consegue esquecer os bons momentos, continua presa a esse passado.
Penso que já referi aqui no blogue que Taylor Swift é uma das melhores compositoras, uma das melhores letristas da actualidade, na minha opinião. Dá para ver um pouco disso aqui, várias das coisas que ela faz bem.
Uma delas é a forma como conta histórias ao longo das músicas. All too Well, por exemplo, conta a história da relação que falhou, do princípio ao fim – como veremos melhor adiante.
Outra coisa que Taylor faz bem é dar pormenores, reais ou ficcionados, que tornam as histórias muito mais tangíveis. Como as camisas em xadrez nesta música, os aviões de papel em Out of the Woods, os Old Fashioned em Getaway Car, a Cornelia Street da música com o mesmo nome. Por um lado, suspeita-se que esses pormenores sirvam de pistas para a audiência brincar aos detetives, tentando descobrir de quem Taylor está a falar (não estou a tecer juízos de valor, eu compreendo o apelo).
Por outro, esses pormenores também servem para fazer um bocadinho de “show, don’t tell”. Vou roubar um exemplo ao Pop Song Professor e referir New Year’s Day: em vez de dizer apenas que quer estar lá nos bons e nos maus momentos, a narradora diz que quer estar nas festas, nas doze badaladas à meia-noite, mas que também estará lá na manhã seguinte, arrumando a casa com o amado.
Temos exemplos disso em All too Well. Começando pelo lenço (ou cachecol? A tradução dá para os dois lados…) na primeira estância, que, tal como a própria canção o confirma mais tarde, simboliza a esperança e inocência do início da relação.
Consta que foram chatear a irmã do Jake Gyllenhaal (o ex de Taylor que, supostamente, terá inspirado All too Well) a perguntar por esse lenço. Ela não sabia do que estavam a falar. Provavelmente é ficcional.
A parte entre a estância refere-se, então, à fase de lua de mel, em que o casal se divertia, em que ele não conseguia tirar os olhos dela (“You almost ran a red ‘cause you were looking over at me” – nada mais romântico do que uma quase contra-ordenação muito grave), em que tudo parecia perfeito, destinado (“Autumn leaves falling down like pieces into place”).
De notar as pausas da narrativa – nos pré-refrões, em que a narradora assegura que sabe que aquilo tudo é passado e ainda está a tentar aceitá-lo.
Na parte seguinte, depois do primeiro refrão, temos a narradora descobrindo acerca da infância do amado, falando com a mãe dele, vendo fotografias. Sabemos que a relação já vai além da excitação inicial – ninguém conhece a família do parceiro romântico, fazendo perguntas sobre a sua meninice, se não está a pensar a longo prazo. A própria letra resume-o bem: “You tell me about your past thinking your future was me”.
Temos também uma breve referência a um momento de intimidade, a meio da noite: “We're dancing round the kitchen in the refrigerator light”.
Aquele que será, porventura, o maior clímax da música corresponde ao momento da separação. A letra refere problemas de comunicação, expetativas diferentes mas, segundo a narradora, a culpa é sobretudo dele. Nesta fase da sua carreira, quase todas as músicas de Taylor sobre relações falhadas colocavam a culpa no ex – Back to December será uma das poucas exceções. Foi só a partir de 1989 que ela começou a admitir culpas no cartório.
Uma vez mais, não estou aqui para tecer juízos de valor. Faz parte do crescimento.
De qualquer forma, segundo All too Well, esta separação incluiu uma chamada telefónica cheia de palavras desnecessariamente duras, supostamente honestas, que a magoaram profundamente. A ser verdade, não se faz.
A parte seguinte, depois da acalmia, ocorre já algum tempo depois do fim. Ela ainda está a fazer o luto, ainda não conseguiu reencontrar-se consigo mesma. Estão naquela fase em que devolvem as coisas que ficaram na casa um do outro.
Mas – plot twist – ele não devolveu o tal lenço. Ele também ainda não desligou por completo. No ano passado, aquando do lançamento de Lover, foi revelada uma das primeiras versões do último refrão, rezando “There we are again, you’re crying on the phone/Realized you lost the one real thing you’ve ever known”. Partindo do princípio que estes versos são verídicos, já foi tarde, agora já não dá para voltar atrás.
É uma canção extraordinária, de facto. Tem cinco minutos e meio de duração – talvez seja por isso que nunca foi lançada como single – mas acho que ninguém lhe cortaria um segundo que fosse.
Reza a lenda, aliás, que existe uma versão de All too Well com dez minutos de duração. No entanto, daquilo que descobri nas internetes, essa versão não era mais do que um primeiro rascunho sem filtros, um longo desabafo à guitarra. Taylor admitiu que demorou algum tempo a editar tal monstro, a reduzir às partes essenciais. Tanto quanto percebo, ao contrário do que uma parte dos fãs acredita, Taylor nunca chegou a gravar uma versão com dez minutos, ou mais, de duração.
E, para ser sincera, não acho que essa versão faça falta. A versão final utiliza com mestria os seus cinco minutos e meio de duração. Uma versão com o dobro ou o triplo da duração provavelmente divagaria na letra, não teria os mesmos crescendos e clímaxes. All too Well está perfeita como está.
Taylor afirmou que a canção tem tido duas vidas. A primeira como seu desabafo, como catarse sua. A segunda vinda do feedback dos fãs, que lhe gritam a música de volta nos concertos (a sério, vejam o vídeo abaixo, uma pessoa fica com pele de galinha), que fazem tatuagens com a letra.
É ao mesmo tempo o risco e a excitação de expressões artísticas como a música: depois de lançadas no mundo já não pertencem exclusivamente ao artista, ganham uma personalidade nova. Para o pior e, pelo menos deste caso, para o melhor. All too Well tem recebido a apreciação que merece. Eu mesma só conheço esta canção há relativamente pouco tempo, mas já me imagino de lágrimas nos olhos cantando-a aos berros num concerto.
Sei perfeitamente que não sou, nem de longe nem de perto, a primeira pessoa a elogiar All too Well (e não serei decerto a última). Mesmo a maior parte destas opiniões não são propriamente originais. Mas a verdade é que este blogue também funciona um pouco como um diário de bordo das minhas paixões. Se descubro alguma coisa de que gosto a sério, mesmo que seja com algum atraso, escrevo sobre ela aqui.
Talvez volte a escrever sobre a música de Taylor no futuro. Existe pelo menos mais uma canção que merece uma entrada de Músicas Ao Calhas, mas não vou escrevê-la já já – são planos a médio prazo.
Por agora, se não se importam, vou ouvir folklore como deve ser, para ver se é essa Coca-Cola toda.
Tudo começou quando a minha irmã me enviou esta mensagem:
É claro que eu estava a exagerar para efeito cómico, mas confesso que fiquei um bocadinho chateada. Depois de arranjar uma cadela, tornei-me um bocadinho sensível a animais abandonados ou maltratados. Associar histórias dessas a uma das minhas canções preferidas de todos os tempos era a última coisa que desejava. Não se faz!
A neura não durou muito, felizmente. Aliás, esta mensagem da minha irmã pôs-me a pensar nas minhas duas músicas preferidas: I’m With You, de Avril Lavigne, claro está, e Here I Am, de Bryan Adams. Foi aí que reparei – pela primeira vez em mais de metade da minha vida – que as duas canções têm aspetos em comum, o que pode não ser coincidência.
Daí este texto. Não é a primeira vez que escrevo sobre I’m With You – esta será a terceira vez. Escrevi sobre ela de passagem na primeiríssima entradade Músicas Ao Calhas, neste blogue. Também falei sobre ela quando analisei o álbum Let Go.
Talvez seja um bocadinho de mais mas, em minha defesa… é uma das minhas canções preferidas de todos os tempos! E espero, com este texto, apresentar uma nova perspetiva sobre a música.
Antes de começarmos, já que vamos falar sobre as minhas duas músicas preferidas, uma curiosidade. Há cerca de um ano, encontrei este artigo, que descreve um estudo segundo o qual os homens conhecem a sua canção preferida quando têm, em média, catorze anos. Para a mulher, a média é os treze anos. Cheguei a enviar este artigo para o Jon da ARTV (o tal Youtuber, crítico de música, que refiro de vez em quando), ele comentou o artigo no vídeo acima e parece que é verdade – embora hajam exceções, claro.
Pelo menos no meu caso, é verdade. Here I Am e I’m With You foram editadas em álbum quando tinha doze anos – com um mês de intervalo, por sinal! Ouvi Here I Am pela primeira vez algures no verão ou outono desse ano, quando fui ver o filme Spirit (sobre o qual escrevi aqui) ao cinema. Por sua vez, só conheci I’m With You no ano seguinte.
Tanto Here I Am como I’m With You foram as primeiras canções que conheci como sendo de Bryan Adams e Avril Lavigne, respetivamente. Não sei se o facto de terem sido as primeiras contribuiu para o seu estatuto como favoritas – talvez um pouco. No que toca a outros artistas ou bandas do meu “nicho”, as minhas canções favoritas deles não costumam ser as primeiras que oiço deles.
Acho que isso aconteceu com a Avril e com o Bryan porque foram os primeiros artistas que “adotei” oficialmente. Sempre gostei de música e de cantar desde muito pequena, mas foi com a Avril e o Bryan que iniciei oficialmente a minha vida como fã de música.
Ainda há bem pouco tempo comentei que a Avril é a minha mãe musical. Pela mesma lógica, Bryan também pode ser considerado o meu pai musical (e esse tem de facto idade para ser meu pai). A relação de fã que tenho tido com cada um deles é diferente, visto que Bryan, na altura em que o conheci, já tinha uma carreira feita, com toda uma discografia que levei anos a conhecer. Avril, por sua vez, estava ainda a dar os seus primeiros passos no mundo da música.
Para além de serem ambos canadianos e de terem um estilo maioritariamente pop rock (e, tanto quanto parece, aparecerem nas capas dos álbuns novos em pelota), aquilo que Avril e Bryan têm em comum é o facto de – não tenho problemas em admiti-lo – não serem os melhores músicos por aí. Nem sequer são os melhores do meu nicho musical.
Não significa que sejam maus, bem pelo contrário. Bryan tem tido uma carreira invejável, cheia de êxitos, sobretudo nos anos 80 e 90. Aquela voz enrouquecida é como o vinho do Porto: só fica melhor com o tempo. Tem um jeito especial para baladas de amor (conforme deu para ver aqui), embora também saiba compôr músicas mais animadas, mais soft rock.
No entanto, acaba por não se venturar muito para fora de temas de amor e luxúria. Nunca foi o género de artista que tenta esticar os limites da música ou fazer algo que nunca foi feito.
Por sua vez, Avril tem uma voz única, inconfundível. Abriu caminho para outras mulheres no mundo da música, tanto no que toca a música rock como para comporem as suas próprias canções, serem honestas e vulneráveis atrás do microfone. É conhecida pelos temas pop rock com influências de punk pop, mas também tem uma queda para baladas. Além de que, mesmo passados estes anos todos, continua a dar a ideia de ser genuína, despretensiosa, faz a música que entende, sem se preocupar com modas ou em causar choque mediático, ao contrário de muitos artistas por aí.
No entanto, apesar de uma boa parte da sua discografia ser honesta e autobiográfica, muitas das suas letras deixam a desejar. Uma coisa são músicas com Sk8er Boi e Girlfriend. Outra coisa são músicas como My Happy Ending, Nobody’s Home e Let Me Go, que tentam passar por sérias e emotivas, mas cuja letra tira-lhes credibilidade.
A qualidade aumentou no quinto álbum – e espero que continue a melhorar no próximo – mas, como vimos antes, a letra de Head Above Water, não sendo má, podia ser melhor.
Tenho de admitir, para além disso, falta a Avril algum carisma e presença em palco. Mais uma vez, ela tem melhorado com o tempo, mas continua intermitente – embora, na última digressão, os primeiros sintomas da Doença de Lyme podem explicar algumas apresentações mais apagadas.
Mesmo com estes “defeitos”, Avril e Bryan continuam a estar bem acima da média, a meu ver. Além disso, são os meus pais musicais, estarão sempre em primeiro lugar no meu coração.
Mas falemos sobre as músicas em si, por ordem cronológica. Como referi acima, conheci Here I Am quando fui ver o filme Spirit. Conforme escrevi antes, Spirit é um dos meus filmes de animação preferidos de todos os tempos, o Rei Leão da DreamWorks, criminalmente subvalorizado (pergunto-me se terá a ver com o facto de os vilões serem os colonizadores americanos).
Um dos destaques do filme é a sua banda sonora, obviamente. Já escrevi aqui no blogue sobre várias das músicas. Ainda hoje tenho o CD no meu carro e, quando o oiço, não deixo de me maravilhar com os arranjos sublimes de Hans Zimmer – o homem é um génio! É um daqueles álbuns que considero clássicos.
Here I Am é considerado o tema principal da banda sonora de Spirit, mas a verdade é que I Will Always Return toca mais vezes ao longo do filme – enquanto Here I Am consiste, apenas, em uma estância e um refrão repetido, no início do filme, e nunca mais se ouve até aos créditos finais. No entanto, Here I Am foi lançada como single e acho que até se saiu bem. Portugal foi um dos três países, a par do Taiwan e do Azerbaijão onde chegou ao primeiro lugar (viva nós!). Mesmo nos Estados Unidos e nalguns países da Europa andou perto dos lugares cimeiros. Ainda hoje é tocada nas rádios.
Um rápido aparte: sabemos que estamos a ficar velhos quando a nossa música preferida passa na m80. E no entanto já apanhei Bad Romance, que tem menos de uma década…
Estou a desviar-me. Voltemos atrás.
Here I Am é o Circle of Life de Spirit: a música que toca quando o protagonista nasce. A versão que toca no filme está dentro do estilo dos arranjos de Hans Zimmer. Começa suave e inocente, como seria de esperar, até ganhar um carácter eufórico e grandioso no segundo refrão.
A versão single que toca nos créditos finais é diferente, claro: pop rock, mais compatível com as rádios do início dos anos 2000.
Ainda assim, Here I Am não é assim tão parecida com o resto da discografia de Bryan. Tem elementos de rock, sim, mas a percussão é diferente e os teclados são mais predominantes que o habitual. Segundo o booklet de Anthology – o álbum Greatest Hits que Bryan lançou em finais de 2005 – foram os produtores Jimmy Jam e Terry Lewis que, quando a banda sonora de Spirit estava quase pronta, pegaram nas gravações iniciais de Here I Am e deram-lhe um carácter mais R&B.
Suponho que, se tivesse sido produzida pelos seus colaboradores habituais, Here I Am seria mais parecida ao resto da discografia de Bryan.
Só sei que aquelas notas iniciais (de teclado?), que são a imagem de marca da música, aquecem logo o meu coração. A música começa suave, minimalista, até ao refrão. É nesta altura que surgem as guitarras elétricas e a batida, que conferem um tom eufórico que se mantém durante toda a faixa. Destaque para o tal riff que abre a canção e se vai repetindo e para o solo de guitarra.
A versão original de Here I Am tem quase cinco minutos de duração logo, como seria de esperar, existem versões mais curtas para passar nas rádios. A compilação Ultimate inclui uma delas. Nesta versão (que só ouvi pela primeira vez há coisa de duas semanas), curiosamente, a linha de abertura é tocada por guitarra elétrica, por cima do teclado. Não desgosto da alteração, dá um efeito fixe, mas gostava de saber se a fizeram por algum motivo especial.
Cortaram, no entanto, a repetição da primeira estância na terceira parte da música. Sei que é assim que Bryan a tem tocado nos concertos ao longo dos últimos anos, mas não sou fã.
Aliás, por princípio, não gosto de versões reduzidas para a rádio. Compreendo o seu propósito, mas por norma prefiro as versões integrais. Há exceções, claro – por exemplo, Let’s Make a Night to Remember é demasiado comprida e não me importo que Bryan corte a segunda parte quando a toca ao vivo. No entanto, regra geral, se os músicos achassem que dá para saltar uns compassos ou mesmo parte de uma estância, estes não teriam sido incluídos no álbum! Parecendo que não, alguns de nós conseguem concentrar-se numa música durante mais de quatro minutos.
No caso de Here I Am, então, não cortava nenhum momento de pausa, nenhuma nota do solo de guitarra. Na minha opinião, todos esses elementos, a alternância entre momentos de calma e momentos de euforia, contribuem para a emoção da música. Não digo que as versões editadas não tenham o mesmo efeito, mas fica definitivamente a faltar qualquer coisa.
Here I Am foi uma das canções incluídas no álbum ao vivo Bare Bones, em 2010 – e também no que foi gravado ao vivo na Casa da Ópera de Sydney e editado em 2013. Este arranjo também funciona – a música chega a parecer uma balada, com o piano tocando o riff de marca da canção e Bryan improvisando o solo na guitarra acústica.
Na verdade, a meu ver, Here I Am é daquelas músicas – como, por exemplo, Heaven – cuja melodia é tão boa que soa bem em quase todos os arranjos possíveis.
Passando à letra de Here I Am, sou a primeira a admitir que esta não é das melhores – curta, demasiado vaga, perdendo-se um pouco em clichés. Como ainda era muito nova quando conheci a música, nem sequer reparei na letra fraquinha. Nos dezasseis anos seguintes, não fiz outra coisa que não projetar significados nela.
Vimos acima que a música foi composta para assinalar o nascimento do protagonista de Spirit. Para mim, Here I Am é precisamente isso: uma música de começos, ou de recomeços. Bryan, por exemplo, escolheu-a para abrir o concerto que deu cá, em fevereiro de 2003 (o primeiro a que assisti na vida). Também em dezembro de 2011 (o segundo dele a que fui) foi uma das primeiras da setlist.
Here I Am, no entanto, serviria para marcar o início de qualquer história, desde que não seja demasiado sombria. Um nascimento. O Harry Potter vislumbrando Hogwarts pela primeira vez. Um treinador de Pokémon começando a sua jornada numa região nova. As Crianças Escolhidas despertando, pela primeira vez, no Mundo Digimon.
Para além destas, há muitos anos que associo Here I Am à Seleção Nacional. Montei este vídeo há quase uma década (!!!). As imagens estão desatualizadas (O Meireles sem barba!) e a qualidade não é a melhor, mas a emoção é a mesma: a euforia de um jogo da Equipa de Todos Nós, sobretudo ao vivo, de um golo, da presença num campeonato de seleções.
Fez particular sentido no 10 de julho de 2016 – tonight we’ll make our dreams come true.
No fundo, o tema de Here I Am é este: alguém que chegou a um sítio novo, ou regressou a um sítio, que é exatamente onde quer estar.
Por sua vez, I’m With You é sobre alguém que não quer estar onde está.
Avril compôs I’m With You com Lauren Christy (as duas colaboraram outra vez, passados estes anos todos, no sexto álbum, na música It Was in Me) quando estava a ter um dia daqueles: o tempo estava cinzento, ela sentia-se triste, vazia, chateada por não ter namorado.
Todos nós já tivemos dias assim. Todos nós nos sentimos sozinhos de vez em quando, sem saber onde estamos nem para onde vamos. Ou até sabemos, mas não queremos lá estar.
É aí que está uma das forças de I’m With You: a sua mensagem universal.
Já contei antes a minha história, de ter treze anos e de cantarolar I’m With You enquanto esperava que me viessem buscar à escola. Tenho, aliás, visto muitas pessoas na Internet gracejando que I’m With You é sobre estar à espera de um Uber.
Também já me vi numa situação parecida à do videoclipe, quando tinha dezoito anos: numa festa a que fui contrariada, em que literalmente toda a gente menos eu se estava a divertir, em que passei a noite inteira à espera que acabasse para poder ir para casa.
Liability, da Lorde, possui uma emoção parecida: a sensação de estar num sítio – ou numa relação – onde não nos integramos, onde não somos bem-vindos, onde nos sentimos isolados. A narradora de Liability decide, em resposta, voltar-se para si mesma, fazer companhia a si mesma. A narradora de I’m With You não tem uma atitude tão saudável, como veremos adiante.
Segundo Lorde, de resto, um dos temas do álbum Melodrama é solidão: as partes boas e as partes más.
Não gostei da cena dos cãezinhos abandonados, mas a interpretação não está errada. Há pessoas que se comportam como cachorrinhos perdidos: extremamente solitárias, sedentas de companhia, que se agarram a qualquer pessoa. Já apanhei utentes assim na farmácia. Não é o comportamento mais saudável, mas a narradora de I’m With You apresenta traços dele – ao pedir companhia a um estranho.
Uma coisa em que só reparei há cerca de um par de anos foi que, se formos a ver, Give You What You Like é uma versão erótica de I’m With You. Em ambas as canções, as narradoras buscam uma cura para a solidão. Em I’m With You, essa vem da companhia de um estranho. Em Give You What You Like, essa cura vem de um encontro sexual.
Mesmo em termos musicais, as duas faixas possuem semelhanças entre si. Ambas começam num tom grave e intimista. Só que Give You What You Like mantém-se nesse tom, enquanto I’m With You evolui para uma power ballad de respeito.
O que me leva, então, à parte musical de I’m With You. Segundo a Avril, esta foi composta ao piano – terá sido a única do álbum Let Go a ser composta ao piano – mas, tanto quanto consigo ouvir, esse instrumento não aparece em parte nenhuma da música. I’m With You é guiada por uma guitarra acústica em tom grave, acompanhada por um violoncelo e uma ou outra nota de guitarra. É no refrão que surgem as guitarras elétricas.
O destaque, no entanto, é mesmo o desempenho vocal. Conforme vimos quando falámos sobre Let Go, nesta altura a voz da Avril não era tão firme como agora. Era pura, inocente, com nuances deliciosas – uma das minhas partes preferidas em I’m With You é a maneira como ela canta o verso “tryin’ to figure out this life” no último refrão.
Mesmo com vocais ainda algo frágeis, estes não falham na hora de cantar os agudos. A escalada dos yeah-yeah é um exemplo óbvio, mas a minha parte preferida da música é o último minuto: com os “I’m with you! I’m with you!” agudos e os últimos em tom normal, de novo. Sempre adorei esta transição. É como se houvesse um alívio da tensão após o clímax da música.
I’m With You é uma música triste na sua maioria, mas sempre deixa uma nota de esperança – a narradora consegue encontrar companhia no fim. Vimos antes que confiar em estranhos pode não ser a atitude mais saudável, pode correr mal. Mas também pode vir a correr bem. Pode ser que esse estranho se torne alguém importante na nossa vida – talvez um novo amor ou “apenas” um novo amigo. Se estivermos dispostos a dar esse salto de fé.
Numa sessão de perguntas e respostas que ela deu no Twitter, em dezembro último, Avril revelou que, se pudesse dedicar uma canção aos seus fãs, essa seria I’m With You. Para começar, é a sua favorita (embora, nos primeiros anos da sua carreira, alegasse que Losing Grip era a sua favorita). Em concertos, ela costuma virar o microfone para o público, para a primeira parte do último refrão. Nos últimos anos, chega mesmo a fazer as audiências repetirem essa parte várias vezes. Avril revelou que, mais do que qualquer outra, quando a canta, sente-se em sintonia com os seus fãs.
Gosto de pensar que é, também, dedicada àqueles que têm usado a música da Avril para combater a solidão, para conhecer e ligar-se a outra pessoas, para descobrir quem eram e o seu lugar no mundo. Como eu.
Como podem ver, as minhas duas músicas preferidas são o oposto uma da outra, de certa forma. I’m With You é sobre estar-se perdido – ou, pelo menos, no sítio errado – e encontrar uma luz que nos poderá conduzir ao sítio certo. Here I Am é sobre a euforia de estar no sítio certo.
Que diz isso sobre mim? Que alterno entre perdida e achada? Que ando sempre à procura de algo? De sítios perfeitos, como reza outra das minhas canções preferidas?
Talvez seja isso. Afinal de contas, existiram muitas alturas na minha vida em que me sentia isolada, desajeitada, sem saber o que estava a fazer com a minha vida, incapaz de me integrar entre os “normais”. Demorei muito tempo a aprender a sentir-me confortável na minha pele – ainda ando a trabalhar nisso. Fui capaz em parte porque, nos últimos anos, tive o prazer de conhecer várias pessoas, de viver experiências fabulosas, precisamente à conta das minhas paixões – as coisas que dificultavam a minha integração.
Por outras palavras, de viver momentos como os descritos em Here I Am.
E, agora que penso nisso, se houver uma canção equivalente a Here I Am na discografia de Avril – uma canção sobre estar no sítio certo – é Innocence.
I’m With You e Here I Am funcionam, assim, como prequela e sequela, duas facetas de mim mesma – com Perfect Places a funcionar, talvez, como um intermédio entre ambos esses modos. À medida que envelheço tenho conseguido inclinar-me mais para o modo Here I Am, mas continuo a ter os meus dias I’m With You.
Ou talvez tudo isto sejam coincidências. Talvez esteja a projetar, a ver tratados filosóficos em músicas pop. Mas também de que serve a música – e a arte em geral – senão como ponto de partida para descobrir quem somos?
Felizmente, como referido no texto anterior, nas próximas semanas vou receber dois álbuns novos de cada um destes artistas, com duas semanas de intervalo – já depois de ter recebido Resist, dos Within Temptation. Mais de trinta músicas novas no total para catalisarem as minhas introspeções.
Ou, pelo menos, para cantar no carro ou para ajudar a suportar um dia difícil.
Como é habitual, quero escrever análises desses três álbuns. E como também é habitual, essas análises devem demorar. Não quero escrever sobre Resist sem escrever sobre My Indigo – uma análise que ando a adiar desde o verão passado. No entanto, é possível que comece a escrever sobre Head Above Water mal o álbum esteja disponível.
Que querem? É a minha mãe musical!
De qualquer forma, as análises a esses quatro álbuns deverão ser as próximas publicações neste blogue, mesmo que ainda demorem umas semanas (se não forem meses).
Obrigada por terem lido este texto particularmente egocêntrico. Faltam oito dias e picos para Head Above Water e vinte e dois dias para Shine A Light. Até lá...
Uma eternidade depois da última vez, hoje a rubrica Músicas Ao Calhas regressa ao blogue. Queria publicar este texto hoje, não porque a música em questão tenha alguma coisa a ver com o Dia Internacional da Criança, mas sim porque conheci-a neste dia há dezassete anos.
Eu tinha dez anos, na altura (já me achava demasiado crescida para o Dia da Criança, por acaso) e andava no quinto ano. Nesse dia, uma das aulas que tive era de Português e, como era o Dia da Criança, a “stôra” quis fazer algo diferente. Trouxe um leitor de cassetes (ou de CDs? Não me lembro ao certo…), pôs a tocar Porto Côvo, de Rui Veloso, e distribuiu-nos fichas com a letra, para interpretarmos. Foi aí que lhe tomei o gosto.
No Natal seguinte, um dos presentes (já não me lembro se do meu pai para a minha mãe ou vice-versa) foi a compilação que celebrava os vinte anos de carreira de Rui Veloso (isto há dezassete anos!). Quando descobri que Porto Côvo fazia parte da tracklist, fiquei toda contente.
A canção é, de facto, lindíssima – duvido que alguém discorde. Porto Côvo é uma música calminha, guiada por notas de guitarra. Melancólica, nostálgica, sem se tornar demasiado triste, a condizer com a letra.
Esta é igualmente bonita. Outra coisa não seria de esperar de uma letra escrita por Carlos Tê. Porto Côvo pinta a imagem de um fim de tarde que desagua em noite cerrada, na costa alentejana. Existem também referências a um acampamento e o sargo, no braseiro, deve ser o jantar. Penso que um dos exercícios dessa aula era, de resto, assinalar os complementos circunstanciais de lugar (será que ainda se chamam assim?) – pelo menos, lembro-me de sublinhar expressões como “em baixo”, “ao largo”, “à volta”.
O mar foi sempre uma grande fonte de inspiração para a arte e cultura portuguesas, por motivos óbvios. Eu mesma, desde miúda, senti grande afinidade para o mar, praia e quase tudo o que se relacione com água. Como tal, o cenário descrito por Porto Côvo é, na minha opinião, idílico.
O refrão refere a Ilha do Pessegueiro – pergunto-me se é lá que o narrador está a roer a laranja e a descrever a paisagem. Curiosamente, o nome da ilha nada tem a ver com pêssegos – segundo o que pesquisei, esta funcionava como centro piscatório no tempo dos Romanos. O nome terá evoluído de “piscatório” ou “pesqueiro” para “pessegueiro” – a língua portuguesa é engraçada…
Assim, o pessegueiro é, obviamente, ficcional (será que alguém alguma vez terá tentado plantar um pessegueiro lá, só pela graça?) – bem como o “vizir de Odemira” que o terá plantado. Não sei, aliás, se era absolutamente necessário esse vizir se ter suicidado por um desgosto amoroso.
Suponho que o fatalismo seja tão icónico na cultura portuguesa como o mar.
Eu, na verdade, já devia ter visitado Porto Côvo e a Ilha do Pessegueiro há muito tempo. Julgo que é uma das poucas zonas do país que ainda não visitei (se o fiz, era demasiado nova para me lembrar). Hei de lá ir, um dia.
Por tudo isto, Porto Côvo é, na minha opinião, uma das canções mais bonitas da música portuguesa. Admito, no entanto, que tenho um viés, pela maneira como conheci a música. Não me lembro do nome da minha professora de Português do quinto ano. Não sei o que é feito dela. Mas, sempre que oiço Porto Côvo, lembro-me dessa aula, no Dia da Criança de 2000. Na possibilidade remota de ela ler estas palavras, “stôra”, obrigada!
Esta é a primeira entrada de Músicas Ao Calhas em mais de um ano. As faixas em questão - What Have You Done e Hand of Sorrow, dos Within Temptation - são as primeiras de uma pequena lista de canções sobre as quais pretendo escrever, mais cedo ou mais tarde.
What Have You Done e Hand of Sorrow fazem parte do álbum The Heart Of Everything, publicado em 2007, o quarto da carreira da banda holandesa Within Temptation. Este álbum marca o ponto alto da banda neste estilo musical, que haviam vindo a aperfeiçoar desde Mother Earth - como não estou familiarizada com os nomes "corretos", prefiro definir este estilo como, vá lá, gótico/medieval, em contraste com a sonoridade mais urbana em The Unforgiving. É um álbum que tem vindo a crescer na minha preferência nos últimos dois anos - The Silent Force costumava ser o meu preferido mas, agora, esta posição tem vindo a ser desafiada, tanto por The Heart of Everything como por Hydra. THOE tem mais variedade que The Silent Force, sem perder a coesão e, apesar de deixar cair muitos dos elementos celtas de que tanto gosto em TSF, tal como dei a entender antes, assemelha-se a uma versão melhorada do álbum de 2004. Algumas daquelas que considero as melhores canções dos Within Temptation - The Howling, Forgiven, The Truth Beneath the Rose - fazem parte deste CD.
"Wish that I had other choices than to harm the one I love"
What Have You Done foi o primeiro single deste álbum e uma das primeiras músicas que conheci da banda. Logo desde início, a canção mexeu comigo, sobretudo por causa da letra. What Have You Done conta a história de dois amantes que se tornam inimigos mortais, história essa que, das primeiras vezes que ouvi a música, me afligiu verdadeiramente. Para essa emotividade, contribuem as interpretações de ambos os cantores (mais sobre isso adiante). À semelhança do que acontece com a larga maioria das músicas dos Within Temptation, a letra aplica-se a muitas obras de ficção, incluindo a minha - mais em específico, o meu terceiro livro. Uma das primeiras de que me recordei, quando conheci What Have You Done, foi as Brumas de Avalon (mais uma vez), em específico um certo momento em O Prisioneiro da Árvore. Outro exemplo é uma trilogia que li recentemente - falarei melhor sobre ela adiante.
What Have You Done possui várias versões reduzidas. A faixa completa tem mais de cinco minutos de duração e, como toda a gente sabe, o ouvinte comum da rádio tem um tempo de atenção inferior a quatro minutos. Na minha opinião, só é possível apreciar devidamente a música ouvindo a versão completa. What Have You Done começa com um crescendo de orquestra, repetindo cada vez mais alto a sequência que se tornará a imagem de marca da faixa. Seguem-se os vocais suaves de Sharon antes do primeiro "What Have you Done, now" gritado por Keith Caputo, e de a música explodir.
Um dos momentos de que mais gosto em What Have You Done é da maneira como Keith canta o verso "I won't show mercy on you now". Outro ponto forte é a sequência de piano que se seguie a "It's over now, what have you done", antecedendo os primeiros dois refrões - um breve momento de acalmia, para absorver a música, antes de tornar a acelerar.
Há quem não goste da constante repetição de "what have you done" por parte de Keith, mas eu gosto: ajuda a manter o ritmo frenético, sobretudo os crescendos após os primeiros refrões.
Ao segundo refrão segue-se um novo abrandamento, uma sequência instrumental mais lenta, misteriosa, com vocais sussurrados, antes de a bateria e as guitarras regressarem, retomando o ritmo até à terceira estrofe. Aqui a canção ganha um tom diferente, de alguma esperança.
Em suma, o tratamento musical de What Have You Done, bem como as interpretações dos dois vocalistas, contribuem para a emotividade da canção. Não é de surpreender que esta me tenha perturbado das primeiras vezes que a ouvi.
Foi com o álbum The Heart of Everything que os Within Temptation entraram no mercado norte-americano. Tendo What Have You Done sido o primeiro single, este recebeu alguma crítica por se assemelhar a Bring Me to Life, dos Evanescence. É de facto possível encontra várias semelhanças, à vista desarmada, entre Bring Me to Life e What Have You Done - para mim, a mais óbvia (à parte dos dois vocalistas) é o início do terceiro verso de ambas as faixas. Mesmo eu tenho colocado ambas as faixas lado a lado nas minhas playlists ao longo de todos este anos, de forma inconsciente. Não me choca a ideia de que pelo menos algumas destas semelhanças sejam intencionais.
Outra música que acho semelhante a esta é Awake and Alive, dos Skillet.
No entanto, as comparações estabelecidas entre as bandas Evanescence e Within Temptation têm começado a irritar-me (apesar de eu mesma as ter feito). Tendo em conta o meu viés de quem está mais familiarizado com a discografia da banda holandesa, para mim os Evanescence são um one-hit-album-wonder, que, tanto quanto sei, nunca mais fizeram nada de interessante depois de Fallen. Além de que Sharon é, na minha opinião, muito melhor vocalista que Amy Lee. A voz de Sharon é versátil, atinge agudos impossíveis, enquanto Amy parece estar em constante sofrimento.
De qualquer forma, o problema deste estilo musical mais pesado é encontrarmos muitos puristas na Internet.
What Have You Done tem dois videoclipes. Um primeiro (mostrado acima), menos conhecido, e outro oficial. No primeiro, Keith desempenha o papel de um agente que persegue uma criminosa (Sharon), com quem tivera um relacionamento. Eu gosto deste vídeo, mas a banda não. Alegam que o vídeo dá pouca atenção aos membros da banda que não Sharon e que as cenas na selva são pouco verosímeis. Daí terem filmado um segundo. Este (abaixo)tem um tom mais sombrio, contando uma história de violência doméstica.
Em suma, considero What Have You Done um clássico. No entanto, também devo dizer que concordo quando dizem que o single não se encontra entre os melhores dos Within Temptation. Tenho, aliás, andado algo cansada da música nos últimos tempos.
"He surely would flee but the oath made him stay"
Hand of Sorrow possui algumas semelhanças com What Have You Done no que toca à história. Pelo menos era o que me parecia antes de me sentar e analisar melhor a canção, para escrever este texto.
Hand of Sorrow começa com uma sequência de notas de piano, que se tornam a imagem de marca da canção, antes de se juntarem as guitarras, a bateria e a orquestra. A produção musical nesta faixa é sólida, de resto. A música não é tão dramática e frenética como What Have You Done, mas cumpre o seu papel. Na verdade, o maior destaque de Hand of Sorrow é a sua letra.
Segundo o que descobri na Internet, a letra de Hand of Sorrow foi inspirada na Saga do Assassino, de Robin Hobb. Não conheço a obra, embora julgue ter visto o primeiro volume entre os livros do meu irmão. Segundo o que li, um dos temas da saga é o conflito entre lealdade, ambições, honra e os sacrifícios que estes implicam - e é precisamente sobre isso que a letra de Hand of Sorrow fala: a história de uma criança enjeitada que é criada para ser mercenária. Desde início, a história que eu envisionei era semelhante a What Have You Done: o protagonista tem uma amada mas, por causa do seu dever, não pode amá-la, deve mesmo considerá-la inimiga. No entanto, vendo melhor, a letra vai mais longe do que isso. Hand of Sorrow reflecte sobre o que é certo e o errado, se valores como a lealdade e a honra justificam o sacrifício de entes queridos (não necessariamente matá-los, como em What Have You Done), se a violência é aceitável como forma de evitar mais violência. O que, no fundo, são questões debatidas em muitas obras de ficção - não apenas nesta saga, também noutras sobre as quais já falei aqui no blogue, bem como nos meus livros.
Começo a perceber, de resto, que, se olharmos para elas a fundo, todas as obras de ficção decentes, em que haja um mínimo de conflito, acabam por abordar questões semelhantes, mais cedo ou mais tarde. É aí que reside a força de Hand of Sorrow.
E dos Within Temptation em si.
Os Within Temptation preparam-se para regressar a Portugal no próximo verão, para participar no festival metaleiro Vagos Open Air. Eu gostava de ir vê-los, mas é pouco provável que o faça. Para começar, o festival situa-se perto de Aveiro, ou seja, fica-me fora de mão. Além disso, não conheço mais ninguém que vá e não me agrada muito a ideia de ir sozinha a um festival de heavy metal (que não é o meu género preferido) para ir ver apenas uma banda. Eu fico com pena mas, em princípio, esta terá de ficar para a próxima.
Um dos motivos pelos quais deixei o blogue um pouco de lado no último mês foi o facto de o início deste ano ter sido a primeira altura desde princípios de 2013 - ou mesmo antes, se considerar a trilogia dos Green Day ¡Uno! ¡Dos! ¡Tré! - em que nenhum dos meus artistas preferidos lançou música nova para eu analisar no blogue. Os Sum 41 e os Simple Plan têm estado em estúdio - com estes últimos andando a ser simpáticos o suficiente para irem deixando pistas nas redes sociais - mas ainda teremos de esperar algum tempo antes de podermos ouvir qualquer coisa em concreto.
No entanto, no início deste mês, tive a surpresa agradável de descobrir que o single Fly, de Avril Lavigne, será lançado em breve - mais concretamente no dia 16. Não estava à espera de tê-lo tão cedo, só contava com ele em junho (depois de tanto drama e adiamento nos últimos anos, no que à Avril diz respeito, uma pessoa começa a arredondar por cima...). Não quero escrever muito mais sobre isso, estou a guardá-lo para a mais que previsível entrada de Músicas Não Tão Ao Calhas. Apenas digo que estou com altas expectativas (no que toca a baladas, a Avril não costuma errar) e espero que estas se confirmem.
Dois dias antes, será lançado o novo produto da colaboração entre Steve Aoki e os Linkin Park, Darker than Blood. Tendo em conta que gosto imenso de A Light that Never Comes (mais do que a música verdadeiramente merece), estou curiosa em relação a esta nova música. Espero, sobretudo, que dê para eu montar um AMV, tal como fiz com a primeira colaboração da banda com Aoki.
Contem, então, com duas entradas - uma para cada música nova - na próxima semana. Vai saber bem ter material musical novo para analisar, isto vários meses depois da reedição de Reckless. À parte essa, tenho outras entradas planeadas para os próximos tempos, incluindo as Músicas Ao Calhas que referi no início. Continuem desse lado...