Dia da Mulher
Como todos sabem, hoje, dia 8 de março, celebra-se o Dia Internacional da Mulher. Um dia escolhido para discutir a igualdade de género - ou falta dela - e todas as suas implicações: desde discriminação no acesso à educação e emprego à violência doméstica, sexual e mutilação genital. Uma das melhores coisas que poderia escrever neste dia é que, na atualidade, já se discutem estes assuntos quase todos os dias. E é o que se verifica, sobretudo ao longo do último ano.
Falando da minha própria experiência, considero-me sortuda pois, até ao momento, nunca me senti particularmente discriminada por ser mulher (tirando no caso que descrevi aqui, e mesmo assim foi de forma indireta). Quando era pequena, era um pouco maria-rapaz. Não gostava de usar vestidos (embora tivesse tido uma altura em que era obcecada por vestidos de princesa, estilo Idade Média), mais porque demorava demasiado a vesti-los e estes atrapalhavam quando queria correr. Gostava de brincar com bonecas, Barbies de vez em quando, de fazer dos peluches os meus bebés, mas também brincava com carrinhos, com legos, pistolas e espadas, sobretudo com o meu irmão. Ou seja, fazia livremente coisas de meninas e de meninos.
Não me lembro de, na altura, me terem dado a entender que isso era errado. Não sei se os meus pais e outros adultos se calaram de propósito, para não me reprimirem, ou se, na verdade, não viam nada de errado uma menina brincando com espadas. Espero que seja a segunda hipótese, pois isso significaria que, na prática, não há assim tanto machismo na sociedade quanto se pensa. Felizmente.
A verdade é que nunca abandonei o meu lado maria-rapaz, mesmo depois de deixar a infância. Julgo que tive mais amigos rapazes que raparigas. Aos doze anos comecei a interessar-me por futebol e orgulhava-me de discutir as notícias desportivas de igual para igual com a população masculina da minha turma. Um dos motivos pelos quais comecei a ouvir Avril Lavigne foi por, no início da sua carreira, ela se apresentar com roupas pouco femininas, andando de skate, armando-se em durona, agressiva, tocando guitarra - isto quando o rock era dominado, e ainda é, por homens. Eu identificava-me com isso. Do mesmo modo, muitas das minhas personagens femininas de ficção preferidas têm sempre sido mulheres fortes, lutadoras - e sempre quis que a minha personagem principal, Bia, fosse assim.
É por estas e por outras que eu considero que uma parte do discurso feminista é exagerada: aqueles que se obcecam pelo facto de quase todas as histórias das princesas Disney se centrem numa relação romântica ou pela divisão dos brinquedos em "para meninos" e "para meninas". Estas segregações existem, sim, mas conforme o meu exemplo demonstra, as crianças (raparigas e rapazes) por si só não desenvolvem tais preconceitos. Desde que os adultos responsáveis não lhos imponham, elas podem perfeitamente crescer sem se deixarem definir pelo seu género.
Também ajuda facto de a minha mãe ter dado um bom exemplo. Ela é médica, diretora de serviço, tal como o meu pai (o que arrasa a ideia que ainda prevalece de que, mulheres em saúde, só enfermeiras). É uma excelente profissional e conseguiu fazê-lo sem abdicar de ter vida pessoal. Bem pelo contrário: teve três filhos e esteve sempre presente, tanto ela como o meu pai. Ainda que eu esteja longe de ser perfeita, os meus irmãos são fantásticos e as pessoas de fora falam de nós os três como pessoas decentes e educadas - algo que eu sempre considerei um requisito básico mas que, pelos vistos, é raro, sobretudo entre os mais novos.
Nós temos tido mais sorte que vários milhões de mulheres por todo o Mundo. Mesmo na nossa sociedade ainda há muito a fazer, conforme afirmei anteriormente. E felizmente, tal como disse no início do texto, ultimamente temos andado a discutir a sério estes problemas.
Há coisas, no entanto, como que não concordo neste debate: a mim não faz sentido falar de quotas de mulheres. Não me parece que isso resolva o problema na discriminação, pelo contrário: na altura de contratar, vamos olhar ainda mais para o sexo dos candidatos só para preencher os trinta por cento de mulheres. Só se elimina a desigualdade de género quando o género deixa de ser critério.
Também não defendo que, agora, todas as mulheres devem aspirar a líderes mundiais ou a outro cargo semelhante. Se uma mulher quiser ser CEO de uma multinacional, ótimo. Se uma mulher quiser ficar em casa a cuidar dos filhos, também é ótimo. Desde que não o façam por serem a isso obrigadas pela família, pelo marido ou pela sociedade. Por outras palavras, eu defendo a liberdade de escolha, que as mulheres possam ser donas do seu destino.
No discurso do feminismo, a mensagem com que mais me identifico é a campanha #HeForShe, para a qual a atriz Emma Watson dá a cara. Eu também acho que o problema da desigualdade de género não é exclusivo das mulheres. Aliás, nalguns aspetos, a discriminação pode ser mais prejudicial para o sexo masculino. Uma mulher que faça coisas de homem é, de uma maneira geral, mais tolerada que um homem que faça coisas de mulher. E isto tem vários exemplos. Costuma-se dizer que um homem não chora - deve ser duro, agressivo, não deve demonstrar emoções que não raiva. Chorar, mostrar vulnerabilidade, entre outras atitudes, são consideradas coisas de mulher - quando isto é visto como um defeito, é como se dissessem que atitudes femininas são inferiores. Por outro lado, muitas vezes se esquece que os homens também podem sofrer de violência doméstica, abusos sexuais, violações - e ao trauma que essas situações provocam por si só, junta-se o estigma de terem sido vítimas quando, supostamente, não pertencem ao sexo "indefeso".
Todo este assunto dá pano para mangas, tem inúmeras outras vertentes de que não falei aqui, se fosse cobrir todas elas escrevia um livro inteiro. Conforme já disse antes, há que começar por algum lado, contribuir para o debate de uma forma ou de outra. Pode ser que, tal como ouvi na rádio hoje de manhã, se possa ir mudando o Mundo ao mover grãos de areia. Termino esta entrada com uma ligação para outra deste blogue, também focada no 8 de março mas de uma forma mais ligeira. Feliz Dia da Mulher!