Terceira parte da análise a Bokura No Mirai. Podem ler as partes anteriores aqui e aqui.
Tri não tem um epílogo à 02, mas dá um salto de alguns meses no tempo, até ao Natal. Meiko regressara a Tottori no fim do verão – viveu em Odaiba durante o quê? Dois meses? Mas compreende-se: demasiadas recordações dolorosas.
Fica um enigma por esclarecer: porque é que Meiko e a família vieram viver para Odaiba. A mim, ninguém me convence que não foi sugestão de Maki, para soltar Meicoomon numa área densamente povoada e colocar a Operação Reinício em marcha.
E por falar em Maki…
A agente não chega a aparecer em Bokura No Mirai. A última vez que a vimos foi em Kyousei, no fundo do Mar Negro. Terá morrido? Se morreu… bem, a sua história é deveras deprimente. Antes de Mirai, eu calculava que um dos dois – Daigo ou Maki – morreria e o outro sobreviveria. Afinal, parece que ambos faleceram…
…ou não? Terá Maki sobrevivido? Não é impossível… Ter-se-á tornado consorte dos Divermon, como queriam que Kari se tornasse, em 02? (*arrepios*) Regressará numa possível terceira sequela de Adventure? Se o novo vilão for Daemon, que supostamente está preso no Mar Negro desde o final de 02… seria interessante.
Por outro lado, se todos os Digimon recuperaram as recordações pré-Reinício, isso significa que Bakumon lembra-se de Maki… Eish!
Mas regressemos ao final de Mirai. Através de um e-mail que T.K. envia a Meiko, algumas pontas são atadas. Os miúdos de 02 terão recebido alta do hospital – mas não sabemos ao certo como é que deram de caras com o plano de Yggdrasil ou, sequer, como estarão em termos psicológicos, depois de terem passado semanas aprisionados.
Entretanto, no Mundo Digital, a Homeostase declarou um embargo a Yggdrasil e… é suposto sentirmo-nos descansados? Com o Dark Gennai ainda à solta, com o Alphamon ainda à solta – que nunca mais foi visto desde o ataque de Jesmon que atirou Tai e Daigo para o abismo – sabendo, agora, que a Homeostase nem sempre toma as decisões mais adequadas?
Não me convencem.
Por sua vez, no Mundo Real, a opinião pública continua desfavorável aos Digimon. Compreende-se. Tanto as autoridades como os próprios Escolhidos tornaram-se melhores, ao longo de Tri, a controlar os danos provocados pelos Digimon. Mas eles continuam a existir. Talvez muitos civis não tenham dado pela diferença.
Um aparte rápido para comentar em algo que reparei há pouco tempo: a premissa inicial de Tri é muito parecida com a dos filmes d’Os Incríveis. Um elenco com vidas duplas, que fazem trabalho de heróis, mas que o público não compreende e acaba por vilanizá-los. Um protagonista que sente dificuldades em adaptar-se à vida como cidadão normal, que sente saudades do passado.
Tri e Os Incríveis trabalham as premissas de maneira diferente, claro. Mas Mirai dá a entender que o próximo passo de Tai será semelhante às ações da Mulher-Elástica, n’Os Incríveis 2: tornar-se um representante desses heróis incompreendidos.
Sora refere mesmo que Tai tomou a decisão inspirado pelas palavras de despedida de Daigo: sonha alto, constrói o futuro que desejas. Essencialmente, se não estás satisfeito com o futuro que o mundo escolheu, muda-lo tu mesmo – tal como Emma Swan disse certa vez.
Tem uma certa piada que a resposta de Matt a isto seja seguir a carreira espacial – só mesmo para não ficar atrás de Tai. Tem piada… mas não chega para dar credibilidade à carreira dele, na minha opinião.
Regressando a Tai e a Daigo, pergunto-me se a carreira dele será o único efeito da morte do segundo. Eu, se estivesse no lugar de Tai, tentaria descobrir o mais possível sobre Daigo. Procuraria a família dele, as outras Primeiras Crianças Escolhidas. E, sobretudo, tentaria descobrir o que aconteceu a Maki.
É possível que, por alturas do e-mail de T.K., não tenham descoberto o paradeiro da agente. Se tivessem, T.K. escreveria sobre isso no e-mail – até porque Meiko conhecia-a antes.
Consta que Izzy anda a pesquisar uma maneira de aceder ao Mundo Digimon sem a ajuda dos D3. T.K. termina o e-mail dizendo que espera que, um dia, Meiko regresse com eles ao Mundo Digital…
…mas porque faria Meiko isso? A sua breve passagem pelo Mundo Digimon só lhe trouxe más experiências. Foi torturada pelo Dark Gennai. Dois amigos caíram no abismo por sua causa e um deles não sobreviveu. Agora nem sequer tem Meicoomon – enquanto os outros Escolhidos puderam conservar os seus companheiros Digimon, saudáveis e com as memórias intactas e tudo.
Tai e os outros são miúdos impecáveis, ninguém coloca isso em causa – a maneira como receberam Meiko foi exemplar. Mas, se eu estivesse no lugar de Meiko, não quereria conviver muito com eles – seria demasiado doloroso.
É por essas e por outras que não acredito que Meiko regresse numa eventual nova sequela de Adventure. A história dela está terminada – é a única em Tri que não deixou pontas soltas. Só se eventualmente lhe derem um segundo companheiro Digimon – o que acho pouco provável.
Ainda assim, os Escolhidos fazem questão de telefonar a Meiko, na véspera de Natal – na última cena de Bokura No Mirai.
Gostei que tivessem escolhido essa época para terminar Tri. Remete para uma das minhas partes preferidas de 02: os episódios natalícios. E, claro, por muitas reservas que tenha em relação a esta quadra, é uma ótima altura para renovar votos de lealdade.
É o que Tai faz, na chamada que efetua em nome de todo o grupo – embora a maneira como Matt, Sora e os outros olham para ele dê a entender que Tai quer dizer outra coisa.
Seria engraçado, admito, mas não acho que resultasse a longo prazo.
De qualquer forma, quando Tai tropeça nas palavras, Agumon está lá para completar a frase. Porque Tai pode ser muito corajoso e amadurecido imenso ao longo de Tri, mas continua a ter dezassete anos.
Mirai termina com uma versão fantástica de Butter-fly, cantada não só pelo falecido Wada Kouji, mas também pelas vozes dos Escolhidos. Eu confesso, no entanto, que teria tido mais impacto se não tivéssemos ouvido já três versões diferentes da música nos últimos vinte minutos do filme: a versão normal quando Tai reaparece, uma versão instrumental do tema de Adventure original, quando Kari desbloqueia Magnadramon, e uma versão suave, agridoce, que começa durante a morte de Meicoomon e se prolonga quase até ao fim de Mirai.
Não me interpretem mal, todas estas versões são fabulosas, à sua maneira. A versão agridoce leva-me lágrimas aos olhos. A minha preferida, no entanto, é a versão com o elenco todo – a única coisa que faltou no encontro do Odaiba Memorial Day deste ano foi um karaoke a várias vozes de Butter-fly. No entanto, as quatro versões surgem demasiado de seguida, acabando por se anularem umas às outras, um bocadinho.
Eu suspeito que, após a morte de Wada Kouji, os produtores se tenham afeiçoado a Butter-fly. Não vou dizer que não compreendo, ou que não fizesse o mesmo se estivesse no lugar deles. Mas com estes exageros acabam por fazer o oposto daquilo que, por certo, pretendiam.
Em contrapartida, Brave Heart acabou por ser negligenciada, relegada para os combates fúteis com Ordinemon – quando podia e devia ter sido tocada durante o momento da digievolução de Magnadramon. Eu gosto de Butter-fly, tenho vindo a gostar cada vez mais, mas Brave Heart será sempre a música de Digimon para mim. Ela merecia mais amor da parte de Tri.
Confesso que, depois dos créditos terminarem, no momento em que surge o logótipo de Digimon Adventure Tri, senti um baque e precisei de um momento (e de uns goles de Somersby). Parecendo que não, foram dois anos e meio da minha vida acompanhando esta história.
Já aí vamos.
Tal como comentámos antes, Mirai dedica mais tempo a cenas de ação e não tanto ao desenvolvimento de personagens e, na minha opinião, sai prejudicado. Eu, por exemplo, queria ter visto mais manifestações de luto por Tai – sobretudo no que diz respeito a Kari. Esperava ver mais Escolhidos tentando consolá-la, não apenas T.K. – talvez dizendo-lhe que não era a primeira vez que Tai desaparecia assim, que ele poderia estar vivo.
Queria, sobretudo, ver interações entre ela e Matt – as duas pessoas que mais estavam a sofrer com a perda. Talvez referissem o episódio 36 de Adventure, em que Tai pedira a Matt que tomasse conta da irmã na sua ausência – e em que Matt acabara por fazer a menina chorar e não consegue impedi-la de entregar-se a Myotismon.
Esperava um bocadinho mais de desenvolvimento de Kari, aliás. Este existiu, não me interpretem mal, e foi mais do que tínhamos recebido até ao momento – tivemos de esperar temporada e meia e cinco filmes. Mesmo assim, soube-me a pouco. Pareceu-me mais um ponto de viragem, não uma conclusão.
Pode ser que o seja. Pode ser que haja mais, num projeto futuro. Eu pelo menos gostava de ver como será a relação dela com o irmão, depois de Tri.
Assim, a minha opinião sobre Bokura No Mirai é mista: nem muito boa, mas não assim tão má. Assim assim. Sendo este o último filme de Tri, já posso dar a minha classificação final. Kokuhaku é um primeiro lugar claríssimo, não me canso de elogiá-lo. Saikai e Kyousei estão empatados no segundo lugar: são filmes muito diferentes, difíceis de comparar, ambos bons mas não tanto como Kokuhaku. Bokura No Mirai fica a seguir, no meio da tabela.
Por outro lado, Ketsui tem vindo a subir na minha consideração. Compreendo agora que Mimi dificilmente teria um papel de relevo em Tri. Sendo ela brutalmente honesta com toda a gente, incluindo ela mesma, era incompatível com um enredo em que metade do conflito parte de personagens mordendo línguas e guardando segredos. Daí relegarem-na para um conflito escolar.
Além disso, ainda que Ketsui não avance muito na história, em retrospetiva, dá para ver indícios de aspetos que serão importantes mais à frente. Como o facto de Daigo se rever nos Escolhidos mais novos e de Maki revelar ter sentido dificuldades em crescer.
Soshitsu é mesmo o pior de todos, na minha opinião. Mais do que qualquer outro filme de Tri, este parece ter sido feito em cima do joelho. Sobretudo a parte final.
E assim terminou Tri, pouco menos de quatro anos após os primeiros anúncios. Está longe de ser perfeita, claro, mas, ao contrário do que alguns fãs parecem recordar-se, não é pior que Adventure E é definitivamente melhor que 02. Talvez até possa ser melhor que Adventure, em certos aspetos – mas tenho de revê-la um dia destes, antes de formar uma opinião sobre isso.
Tri não se limita a ser um produto movido a fan service e nostalgia – pelo contrário, acaba por desconstruir esses conceitos, mostrando o lado mais sombrio de ser uma Criança Escolhida. Com personagens como Daigo, Maki e Meiko, que não colheram os mesmos benefícios que os oito de Adventure receberam. Mostrando que a Homeostase está longe de ser perfeita. E que os próprios Escolhidos podem fazer mais mal que bem e têm de tomar decisões difíceis.
Tri foi, sobretudo, a história de Meiko e Meicoomon, para o melhor e para o pior. Tudo começou porque elas vieram viver para Odaiba, tudo terminou quando a segunda morreu. Muitos fãs alegam que não era necessário ter acrescentando mais uma Criança Escolhida (sobretudo quando os miúdos de 02 foram excluídos da narrativa), mas eu discordo.
Se Meicoomon não tivesse um companheiro humano, pouco mais seria que um dos vilões da semana de Adventure ou 02 – Tri acabaria ao fim de dois filmes, no máximo. Talvez um ou outro Escolhido sentisse alguns escrúpulos em matá-la, mas acabariam por fazê-lo antes que causasse demasiados danos. Mas, como era o Digimon de Meiko, acolheram-na entre eles e, quando deram por ela, Meicoomon tinha matado Leomon, infetado os companheiros Digimon, precipitado o Reinício. E, como era o Digimon de Meiko, demoraram quatro filmes a matá-la.
Concordo que Meiko, enquanto personagem, nem sempre foi fácil de aturar. Mas, para ser sincera, se estivesse no lugar dela, teria cometido os mesmos erros. E provavelmente também passaria a vida a chorar.
A situação de Meiko serviu, também, para desenvolver os Escolhidos de maneiras que, sem Meiko ou Meicoomon, se calhar não teriam sido possíveis – quer como reação aos acontecimentos, quer fazendo paralelismos. Como T.K., em Kokuhaku, e Sora, em Soshitsu.
Nesse aspeto, Tri partilha um ponto forte com Adventure: o foco nas personagens. Também partilha a desigualdade nos tempos de antena: Tai é mais desenvolvido do que qualquer um, tirando Meiko, Sora volta a ser das menos desenvolvidas, seguida de Mimi e Joe.
Tri, mesmo assim, saiu-se um bocadinho melhor que Adventure, pois cada Escolhido tem pelo menos um filme dedicado a si. A única exceção será Matt, até certo ponto, mas uma boa parte do seu desenvolvimento esteve interligado com o de Tai. Logo, aceita-se.
Se a questão de Meicoomon ficou resolvida, como vimos antes, o mesmo não se pode dizer da mão por detrás de Meicoomon: Yggdrasil. Este é, sem dúvida, o maior ponto fraco de Tri – sim, ainda mais que a questão dos miúdos de 02 que, mal por mal, não ficou por responder.
Referi em análises anteriores que a motivação de Yggdrasil – um poder dentro do Mundo Digimon que não queria contacto com humanos – tinha imenso potencial. Tri, no entanto, não correspondeu. Sabemos tanto sobre Yggdrasil quanto sabíamos quando ele foi introduzido na história, em Soshitsu.
Fica a ideia que Yggdrasil foi enfiado a martelo em Tri, quando os digi-guionistas precisaram que um vilão por detrás das ações de Maki.
Além disso, conforme comentei antes, os discípulos de Yggdrasil – o Dark Gennai e o Alphamon – andam por aí à solta, sem castigo. Parece-me mais que os Escolhidos ganharam uma batalha, não a guerra.
E se uma batalha já teve estas consequências – um Reinício, duas antigas Crianças Escolhidas mortas, uma companheira Digimon eutanasiada – o que acontecerá a seguir?
O que nos leva ao novo projeto de Adventure. O primeiro anúncio saiu poucas horas antes da estreia de Bokura No Mirai – se bem me recordo, era apenas um tweet dizendo algo como “A aventura digievoluirá de novo”. Talvez nem déssemos importância se Mirai não estivesse, conforme vimos, cheio de sequel baits.
Na verdade, depois dessa, não saiu mais nenhuma informação até há poucos dias, no Digimon Thanksgiving Festival 2018 – e mesmo assim foi muito pouco e existem versões diferentes pelas internetes fora. Aquilo que parece ser certo é que será um projeto cinemático, outra vez, que será mais uma sequela a Adventure e que decorrerá quando Tai e Matt tiverem vinte e dois anos – este tweet refere mesmo que estarão no quarto ano da faculdade. Os desenhadores serão diferentes dos de Tri, como podemos ver na imagem acima (que é apenas um esboço).
Admito que já tinha tentado imaginar os Escolhidos como jovens adultos, logo, esta premissa agrada-me, para já. No entanto, temos todos uma infinidade de perguntas sobre isto – o António fez um belo apanhado com a imagem abaixo. Eu suspeito que este projeto ainda deve demorar pelo menos um ano até ser lançado. Haverá muito tempo para especular.
Uma coisa é certa: quando voltar a escrever sobre o universo de Adventure – quer sobre este novo projeto, quer uma retrospetiva sobre Adventure, 02 ou Tri – vou usar os nomes japoneses. Ao fim de três anos vendo Digimon quase sempre em japonês, tirando 02, já não me faz sentido usar os nomes americanizados. Não quando nomes como Taichi, Yamato, Hikari e Takeru são bem mais bonitos e adequados às personagens.
Só não comecei a usá-los mais cedo aqui no blogue por uma questão de consistência. Seria estranho ter uma parte das análises a Tri com os nomes americanizados (e foi há mais ou menos um ano que comecei a cansar-me deles) e outra com os nomes originais. Mas, agora que acabámos com Tri, isso muda.
Ao fim e ao cabo, é um ciclo que se encerra aqui no blogue – um ciclo que começou há precisamente três anos, no Odaiba Memorial Day de 2015, com o meu primeiro texto sobre Adventure. Só regressei a Digimon após dez anos de ausência, só comecei a escrever sobre Adventure porque descobri acerca de Tri.
E a melhor parte, de longe? Esse regresso, a minha escrita, permitiram-me conhecer vários outros fãs, em Portugal e não só, online e, também, em carne e osso. Destaco, obviamente, os dois encontros do Odaiba Memorial Day Portugal a que fui, o último dos quais no fim-de-semana passado.
Ao contrário do que aconteceu há dois anos, desta feita, cheguei cedo e fiquei até bem depois do fim oficial. Diverti-me imenso, como não me acontecia há semanas, se não forem meses. Entre outras coisas, joguei um bocadinho de Digimon Rumble Arena 2 (mais de uma década, à vontade, desde a última vez que toquei numa PlayStation; as vezes anteriores contam-se pelos dedos de uma mão), participei nos quizes (onde não me saí mal para alguém que só conhece de passagem o universo de Adventure), competi no karaoke (não me saí por aí além mas, em minha defesa, o I Wish é difícil de cantar!).
Uma das minhas partes preferidas foi quando cantámos Brave Heart, alternadamente – como o elenco de Tri fez com Butter-fly, para os créditos do último filme. Eu, aliás, tinha esperança que recriássemos essa versão, mas foi melhor assim pois, como referi acima, Brave Heart é a minha música preferida de Digimon. Estou à espera do vídeo dessa performance.
Outro momento giro foi este:
Mais do que tudo, gostei de estar com outros fãs, de reencontrar o António, o Daniel e todos os outros, do convívio que se prolongou até por volta da meia-noite. Como disse acima, foi dos melhores dias que tive ultimamente. Isto… isto foi o melhor que Digimon me deu!
Por isso e por me ter dado tanto sobre que escrever aqui no blogue, quer sobre o bom quer sobre o mau, estarei sempre grata a Digimon e a Tri. Vou ter imensas saudades de escrever sobre estes filmes – este último deu-me um gozo especial, depois de várias semanas a braços com textos bem mais difíceis de escrever (os de Pokémon através das gerações) e sobre assuntos deveras frustrantes (o desempenho fraquinho da Seleção Portuguesa no Mundial 2018, para o meu outro blogue).
Em todo o caso, não ficamos por aqui em termos de Digimon, neste blogue. Como já dei a entender acima, hei de escrever sobre o novo projeto de Adventure, quando este sair. Além disso, quero começar a ver Tamers e, eventualmente, analisar aqui no blogue (acho que não é a primeira vez que falo disso aqui…). Agora que redescobri esta franquia, tão cedo não quero sair.
Antes de terminar, uma palavra para as oito Crianças Escolhidas de Adventure. Nestes últimos anos, apercebi-me que, em toda a ficção, não existem um elenco que eu adore mais do que estes miúdos (só mesmo as minha próprias personagens, e mesmo assim). Mais nenhum elenco alguma vez mexeu comigo desta forma, derreteu-me o coração, afligiu-me, me deu vontade, ao mesmo tempo, de gritar-lhes e de abraçá-los e protegê-los.
Estes miúdos, estes Escolhidos, que cresceram comigo (mesmo que apenas no meu subconsciente) são a melhor parte deste Universo, são o motivo pelo qual adoro Tri, tal como adorei Adventure e 02. Devemos voltar a vê-los, mais cedo ou mais tarde, mas, caso isso não aconteça, foi um prazer e um orgulho.
Bem, penso que é tudo o que tenho a dizer sobre Tri, por enquanto – e não foi pouco. Fica só uma última palavra…
Terceira parte da análise a Kyousei. Podem ler as partes anteriores aqui e aqui.
Chegamos à parte que dói a sério. Começando pelo momento em que Meiko atinge o seu limite e pede aos amigos que matem Meicoomon.
Quando vi o filme pela primeira vez, este pedido atingiu-me como um murro no estômago. Em parte porque, na minha opinião, é um sacrilégio. Não se mata um Digimon ligado a um Escolhido, não se faz. Mas sobretudo porque sofria do mesmo viés dos veteranos: acreditava que o elo entre Meiko e Meicoomon acabaria por salvá-la.
Mas, conforme temos assinalado ao longo deste texto, os sinais estão todos lá. Os veteranos insistindo que Meiko deve acreditar na sua parceira, Meiko alienando-se cada vez mais. Tudo o que tinham feito até ao momento só piorara a situação. Naquela fase, estavam apenas a prolongar o sofrimento, não apenas de Meicoomon, também de Meiko.
Tai é o primeiro a compreender e a aceitar a decisão. Compromete-se a eliminar Meicoomon por misericórdia, segundo os termos dos Escolhidos – não os da Homeostase ou de Yggdrasil. Porque este género de decisões também faz parte dos deveres de um Escolhido.
Os outros veteranos têm mais dificuldade em aceitar a decisão. Há que recordar que, na cronologia de Tri, os eventos de Kokuhaku ocorreram poucos dias antes. O Reinício e as suas consequências ainda estavam frescas na memória. Ninguém pode censurá-los por estarem reticentes em matar um companheiro Digimon.
No entanto, ficam-se pelas intenções. Começa agora um dos momentos mais dolorosos que vi até ao momento, em Digimon. Depois de os amigos acederem ao pedido de Meiko, esta desata a correrem em direção ao confronto entre os Digimon. Não se sabe ao certo porquê – talvez para estar ao lado de Meicoomon nos seus últimos momentos, talvez para morrer com ela. Em todo o caso, Tai e Matt vão atrás dela. Daigo também, depois de instruir os outros para se manterem afastados.
Jesmon escolhe este momento para lançar o seu ataque especial, Un Pour Tous. Este deixa Raguelmon fora de combate, mas também abre fissuras no solo. Uma delas deixa Tai de um lado, Meiko e Matt do outro. Quando o solo começa a colapsar, Tai ordena silenciosamente a Omegamon que salve Matt e Meiko.
Eis o motivo para a derrota fácil dos outros Digimon, antes: se algum deles estivesse ainda apto, poderia ter salvo Tai.
Assim, Daigo é o único em condições de tentar socorrer o jovem. O seu grito, “Yagami!”, ficou-me nos ouvidos durante dias depois de ver o filme pela primeira vez. No entanto, nem ele nem Tai são suficientemente rápidos. O chão colapsa debaixo dos pés de ambos, rochas caem sobre eles.
Depois de a poeira assentar, apenas sobra uma fissura fina e os óculos de Tai.
Choque. Silêncio.
Da primeira vez que vi o filme, nem sequer reparei que Daigo também tinha caído. Só no dia seguinte, enquanto tomava as primeiras notas para esta análise e me pus a pensar no efeito que a “morte” de Tai teria em Daigo, é que me apercebi que não me lembrava de ver o agente depois de o jovem cair.
E só há relativamente pouco tempo é que me apercebi que Jesmon e Alphamon desaparecem depois da queda de Tai.
No rescaldo imediato da queda, a maior parte dos Escolhidos olha, especada, incapaz de processar o que acabou de acontecer. Kari, por sua vez, avança em direção à fissura, em estado catatónico, balbuciando pelo seu onii-chan. Apenas Nyaromon se apercebe de que algo se passa.
A desorientação de Nyaromon atingiu-me particularmente (o que sentirão os Digimon quando sobre uma digievolução negra?). Recordemo-nos que ela foi Reiniciada. Não sabe acerca das capacidades sobrenaturais da sua companheira humana. A Nyaromon não-amnésica podia, se calhar, ter percebido o que estava a acontecer e tentado travá-lo. Com o Reinício, no entanto, não pôde fazer nada para impedir que Kari fosse possuída pela Escuridão. E possuída a sério!
A possessão de Kari catalisa, não só a digievolução de Nyaromon para Ophanimon Fall Down Mode, também a sua fusão com Raguelmon. O resultado final é Ordenimon – uma coisa monstruosa, que faz antigos vilões, como as diferentes formas do Myotismon, os Mestres das Trevas, Apocalymon, parecerem o Avô Cantigas. (Quem precisa de histórias de terror depois disto?) A aparição de Ordenimon quebra a simbiose e o Mundio Digital começa a verter para o Mundo Real.
Em suma, começou o Apocalipse. E os Escolhidos perderam o seu líder, perderam o Omegamon (a sua melhor arma), perderam a Angewomon, poderão ter pedido a sanidade mental de um deles, perderam até o seu protetor adulto. Não têm aliados absolutamente nenhuns, nem entre os humanos, nem entre os Digimon e as entidades sobrenaturais que os governam.
É de surpreender que eu tenha precisado de uma bebida depois de ver Kyousei pela primeira vez?
O filme tira uns minutos, antes dos créditos finais, para mostrar a reação dos Escolhidos ao que acabou de acontecer – ao som da mesma banda sonora do prólogo de Soshitsu.
A cena em que Matt pendura os óculos de Tai ao seu pescoço ficou retido na minha retina durante vários dias (juntamente com o grito de Daigo). É, em simultâneo, um momento lindíssimo e dilacerante. Por tudo o que simboliza: uma passagem de testemunho involuntária; a adoção da liderança; um talismã de um ente querido perdido; uma homenagem a esse ente querido; uma lembrete do que lhe aconteceu. E também porque não deixa de parecer profundamente errado ser Matt e não Tai a usar os óculos.
Matt ordena aos amigos que sequem as lágrimas e se levantem para lutar. Com o mundo colapsando à volta deles, não há tempo para lutos.
De notar que, em Adventure, esta atitude por parte de Tai foi um dos catalisadores para o exílio voluntário de Matt, durante o último arco. Só prova quanto os dois jovens evoluíram desde essa altura.
Um último destaque para Koromon, ainda sentindo o imperativo de proteger o seu Escolhido, ao que parece (um dos primeiros sinais de que Tai sobreviveu?). Acaba por ser consolado, talvez mesmo adotado, por Meiko.
Conforme já dei a entender, este filme afetou-me profundamente. Já Kokuhaku tinha afetado, um ano antes, mas de maneira diferente. Kokuhaku teve um final triste, sim, mas agridoce, com uma nota de esperança. O final de Kyousei, por sua vez, não é apenas triste: é sombrio. Pelos motivos que listámos acima.
Não que fosse de esperar outra coisa. Este é o penúltimo filme da série. O seu objetivo era mesmo tornar a situação o mais complicada e desesperante possível – para depois ser resolvida no capítulo final. É uma das regras da ficção: fazer as personagens sofrer, desafiá-las, levá-las aos limites, obrigá-las a mostrar o que valem para sobreviver. Facilidades dão péssimas histórias. E este, de facto, é o maior desafio que os Escolhidos alguma vez tiveram de enfrentar.
Eu sabia que seria assim, antes de ver Kyousei. Devia ter estado preparada. Mas não estava.
A melhor forma que encontro para descrever o efeito que este filme teve em mim é com The Sound Of Silence: “Hello darkness, my old friend…”. Cheguei mesmo a compilar numa playlist no Spotify refletindo o meu estado de espírito pós-Kyousei. Músicas como Everything Burns (que representa bem o que aconteceu com Kari), Frozen, dos Within Temptation (que representa o ponto de vista de Tai em relação ao seu sacrifício), We Are Broken, dos Paramore (que descreve a situação dos Escolhidos no fim do filme), entre muitas outras.
Emoções à parte, há que dar crédito a um trabalho ficcional quando este consegue mexer com a sua audiência desta forma. É certo que Tri tem a vantagem de trabalhar com um elenco amado há muitos anos pela larga maioria da audiência. Isso apenas significa, no entanto, que o trabalho foi bem feito desde o início.
Eu, pelo menos, consumo bastante ficção desde pequena e, antes de Tri, foram pouquíssimas as ocasiões em que uma história me afetou tanto. Recordo, também, que não tive nenhum contacto com este universo durante dez anos.
Como tal, na minha opinião, Kyousei é o segundo melhor filme de Tri até agora. Kokuhaku continua à frente porque explora melhor a parte dramática e emocional e não se arrasta tanto a meio.
Está mais ou menos empatado com Saikai, contudo. Os dois filmes têm tons completamente diferentes, é difícil comparar.
Não que esteja cem por cento satisfeita com o modo como a narrativa está a decorrer. Entre outras coisas (coff coff, 02), estamos quase no fim de Tri e ainda sabemos muito pouco sobre o grande vilão da história (supostamente).
É possível que os digi-guionistas estejam a fiar-se no facto de uma boa parte da audiência conhecer Yggdrasil de outros universos de Digimon. Mesmo assim, o universo de Adventure já tinha estabelecido (mais ou menos) a Homeostase como a principal divindade do Mundo Digimon. Onde é que Yggdrasil se encaixa nesta equação? É uma divindade com poder equivalente à Homeostase? É uma divindade menor? É uma força que surgiu no Mundo Digimon após 02?
Tudo o que sabemos sobre a sua motivação aprendemos no monólogo do Dark Gennai, em Soshitsu. Ao que parece, Yggdrasil opõe-se à interferência de humanos no Mundo Digimon. Kyousei não aprofunda o assunto. O que é uma pena, porque esta motivação encaixa-se bem no tema recorrente de Tri: a desconstrução do conceito de Crianças Escolhidas.
Por essa lógica, o disfarce adotado por Gennai, de Imperador Digimon, faria muito mais sentido: se formos a ver, o Imperador Digimon foi o pior exemplo da interferência de humanos no Mundo Digital.
Esse conflito, além disso, liga-se bem com o que se passa na atualidade, com a crise dos refugiados, as políticas anti-imigração, os movimentos ultra-nacionalistas.
Uma das minhas seguidoras no Twitter, aliás, fez-me reparar nas semelhanças entre o Dark Gennai e Donald Trump. Não apenas porque Gennai vilaniza humanos, tal como Trump vilaniza qualquer um que não seja um homem branco heterossexual, também porque… vêmo-lo assediando raparigas. E eu, pelo menos, sinto repugnância física por ambos.
Também é possível que isto seja apenas uma ideologia de que se aproveita para recrutar peões. Ou uma desculpa para, quiçá, Yggdrasil usurpar o lugar da Homeostase e atacar o Mundo Real.
O problema de Tri (um de vários) é ser tão vago que uma pessoa como eu, que gosta de analisar estas coisas ao pormenor, a partir de certa altura, não consegue distinguir o que acontece de facto nos filmes e as nossas próprias teorias. Ou as de outros fãs, na Internet.
Outro reparo a Kyousei (mais ou menos) diz respeito ao papel de Kari. Ela aparece no poster, este devia ser o filme dela, pela lógica de Tri. No entanto, não é isso que acontece. Meiko, que também aparece no poster, tem tempo de antena de sobra. Mas, em vez de dividir o protagonismo com Kari, divide-o com o irmão desta. Tri está a imitar Adventure no sentido em que Tai é das personagens mais desenvolvidas, por vezes em detrimento das outras.
Dito isto, não posso dizer que não esteja de todo satisfeita com o papel de Kari em Kyousei. É certo que, com o reduzidíssimo desenvolvimento de Kari em termporada e meia e quatro filmes, tudo o que vem à rede é peixe. Mesmo assim, os digi-guionistas conseguiram evitar algumas das armadilhas em que costumam cair, no que toca à jovem. Como o uso dela como mero veículo de exposição, de Deus Ex-Machina ou de donzela indefesa.
Já falámos sobre o momento em que se rebela contra a Homeostase. Por sua vez, a sua possessão por parte das trevas não foi um evento ao calhas – foi uma consequência direta da perda de alguém que ama. Se formos a ver, foi mais ou menos o mesmo que aconteceu com Ken e Oikawa, em 02 – apenas mais rápido.
Tínhamos visto nessa temporada, aliás, que Kari sempre fora mais vulnerável do que o normal à influência das trevas – tal como, segundo as minhas teorias, alguns de nós são mais suscetíveis do que outros a depressões. A jovem ia conseguindo resistir graças àqueles que ama. 02 tirou um par de episódios para estabelecer T.K.e Yolei como pilares para a sanidade mental de Kari, mas ficou bem claro, desde o início desse arco, que Tai fora sempre um dos pilares mais importantes. Acho que todos sabíamos que, se Kari perdesse o seu onii-chan, o dique colapsaria e a Escurdão invalida-ia a jorros.
Gostava, no entanto, que Tri tivesse recordado a audiência acerca desta característica instabilidade de Kari, antes. Assim, a possessão de Kari parece um pouco repentina – sobretudo para quem não se lembre tão bem de 02.
Não deu para perceber ao certo em que estado ficou Kari, no final de Kyousei. Só a vemos amparada por T.K. Estará ainda sob a influência da Escuridão? Voltará a si, apercebendo-se do que desencadeou? E os outros Escolhidos, que se calhar não sabiam que Kari tinha estes poderes?
O que é certo é que, agora que Kari perdeu o irmão e a sua companheira Digimon, será muito difícil ela não ser desenvolvida no próximo filme. Finalmente. Espero, por exemplo, que se aproveite a oportunidade para descontruir a relação entre os dois irmãos, que nunca foi muito saudável: ele pela culpa de quase a ter matado, ela por se ter tornado demasiado dependente dele. (Por favor, digi-guionistas, não estraguem isto!!)
Estou, também, curiosa relativamente à maneira como os Escolhidos lidarão com Ordenimon. Continuarão decididos a matar Meicoomon ou, agora, que esta se fundiu com Gatomon, mudarão de ideias? Afinal de contas, Gatomon não está corrompida (pelo menos não da mesma maneira que Meicoomon) e, sinceramente, Kari acabou de perder o irmão, não precisa de mais.
Isto se forem, sequer, capazes de fazer mossa a Ordenimon – sem o Omegamon, será muito difícil.
Outra incógnita diz respeito à liderança de Matt. Da última vez que Tai despareceu e os miúdos não sabiam se ele estava vivo – na transição do segundo para o terceiro arco de Adventure – o grupo acabou por se desintegrar. Teve de ser o próprio Tai a reuni-los de novo.
As circunstâncias, agora, são muito diferentes: os miúdos estão mais velhos, têm mais experiência nestas lides. Matt, em particular, é uma pessoa completamente diferente, mais parecida com o Tai de Adventure – sobretudo na filosofia de “lutar primeiro, chorar depois”. Por fim, naquela altura em Adventure, não havia nenhum vilão a precisar de ser derrotado – tanto quanto sabiam. Agora passa-se o completo oposto.
Também temos a questão do luto por Tai. Matt vai obrigar toda a gente a engolir as lágrimas, como acabámos de ver. Mas é possível que pelo menos alguns dos Escolhidos não consigam aguentar por muito tempo.
É o que eu espero, pelo menos. De que serve Tai “morrer” se a única reação a que teremos direito for a possessão de Kari? Será um desperdício se o jovem voltar para junto dos amigos antes de ter havido choradeira a sério.
Toda a gente sabe que o Tai não morreu. Porque epílogo de 02 e porque ele e Omegamon aparecem no poster do próximo filme. Mesmo que não tivéssemos estes “spoilers”, acho que alguns de nós não acreditariam que Tai estivesse mesmo morto.
Daigo, por sua vez, não tem nenhuma garantia. É possível que ele tenha morrido a sério. Não me parece, no entanto. A sua história individual ainda não terminou – pelo contrário, está apenas a começar a sério. Se houver alguma personagem a morrer em Tri, acho mais provável ver Maki. Ou Meiko.
Em todo o caso, se tanto Tai como Daigo sobreviveram, hão de ter ido parar a algum sítio. É uma das maiores perguntas a que o próximo filme terá de responder.
A minha hipótese preferida é Tai e Daigo irem parar ao mesmo sítio aonde o elenco de 02 foi parar, no início de Saikai – talvez como prisioneiros de Alphamon e/ou Yggdrasil, no Mar Negro ou no Mundo dos Sonhos ou, pura e simplesmente, numa parte desconhecida do Mundo Digimon. Seria uma boa maneira de trazer Davis e os outros para a história e compensaria pela maneira fraquinha como têm ligado com esta questão até agora.
Bem, quase.
Não me atrevo, no entanto, a alimentar demasiadas esperanças. As minhas expectativas estão tão baixas que quase me contento com uma ou duas linhas de diálogo dando uma explicação, mesmo que seja má. É um bocadinho triste, na verdade.
É por estas e por outras que, mais do que com os filmes anteriores, estou ansiosa pela sinopse do próximo. Esta, infelizmente, ainda deverá demorar.
Mas falemos, então, sobre o último filme de Tri. Este chamar-se-á, Bokura No Mirai, que significa “O Nosso Futuro”. Foge da regra de Tri, até agora, dos títulos de uma palavra só e… aqui entre nós, isso chateia-me um bocadinho. Mais por motivos práticos: os títulos simples dão jeito nestas análises. Vai ser um bocadinho chato estar sempre a escrever Bokura No Mirai.
À parte isso, este título não diz muito – apenas que parece adequado a um final de série e que possa ser uma referência ao tema Bokura No Digital World, do final de 02.
Nesse aspeto, o poster é mais últil: com o elenco principal de humanos e Digimon, Meiko e Meicoomon caindo. A minha primeira interpretação foi que ambas morreriam nesse filme – um bom reflexo do meu estado de espírito pós-Kyousei. Agora, acredito que signifique, apenas, que os Escolhidos vão continuar à procura de uma maneira de salvar Meicoomon.
O desfecho mais provável para esta história será Meicoomon morrer, de uma forma ou de outra, e renascer completamente saudável, sem o tal fragmento de Apocalymon.
Por outro lado, o detalhe do poster que tem deixado os fãs em polvorosa é o suposto chapéu do Wizardmon, como mostra a imagem abaixo. Faria sentido. Um dos efeitos do Reinício é a ressurreição de Digimon falecidos no Mundo Real. Ninguém se admiraria se o Wizardmon ajudasse Kari e/ou Gatomon a voltarem a si. Ou se ajudasse Gatomon a desbloquear a sua verdadeira forma Hiper Campeã.
Só espero que ele não morra outra vez. Não precisamos de outro Leomon.
Entre isto, o destino de Tai e Daigo, o destino de Maki e todas as pontas por atar em Tri, Bokura No Mirai tem muito com que lidar. Por esse motivo, entre outros, vários fãs (eu incluída) estão à espera que este filme tenha cinco episódios, à semelhança de Kokuhaku. Mesmo assim, quatro episódios até podem chegar – se os digi-guionistas forem capazes de acelerar o ritmo da história e de cortar nos fillers.
A estreia de Bokura No Mirai está marcada para 5 de maio de 2018. Esta data só foi anunciada há cerca de duas semanas – antes disso, a única previsão que tínhamos para a estreia era para o verão. Muitos fãs, na altura, ficaram desanimados mas, aqui entre nós, eu não me importaria de esperar. Ainda não me sinto preparada para me despedir de Tri e muito menos das nossas eternas Crianças Escolidas. Não me queixava se tivéssemos mais uns meses de especulação e teorias – afinal de contas, estas acabam com o último filme.
Estou, no entanto, aliviada por a estreia do filme não coincidir com o Mundial 2018 – altura em que estarei ocupada com o meu outro blogue.Já foi difícil com Kyousei, que saiu no dia a seguir à Convocatória para os últimos jogos da Seleção. Tinha de escrever um texto entusiástico, motivador, no pós-Kyousei, quando tudo o que me apetecia era deitar-me no chão, ouvindo Pieces, dos Sum 41, em loop. Acabei por conseguir escrever esse texto, mas demorou-me mais tempo do que o costume.
Com uma estreia em princípios de maio, terei tempo de sobra para processar o filme antes de me virar para o meu outro blogue. O pior que pode acontecer é atrasar-me na escrita da análise… ainda mais do que o costume, isto é. Porque, por mais que me esforce, estes testamentos levam-me semanas.
Como é o último filme, no entanto, não haverá grande pressa. Pelo contrário, sei que vou ter saudades de escrever sobre Tri.
Em parte para mitigar essas eventuais saudades, estou a pensar começar a ver as outras temporadas de Digimon – Tamers, Frontier e por aí fora – depois de publicar essa última análise. Talvez mesmo escrever sobre elas aqui no blogue, como fiz com Adventure e 02, há dois anos. Com a diferença de estas não serão influenciadas pela nostalgia de tê-las visto na infância – serão as opiniões de uma mulher adulta, contactado com esses universos pela primeira vez.
O motivo principal, contudo, é por não querer perder o contacto com Digimon depois de Tri. Estive dez anos fora, voltei há dois. Desde então, fiz várias amizades online graças à franquia – incluindo durante o encontro do Odaiba Memorial Day. Agora que aqui estou, não quero voltar a sair tão cedo.
Obrigada a todos os que se deram ao trabalho de ler este testamento.
Segunda parte da minha análise a Kyousei. Podem ler a primeira parte aqui.
Como as casas dos miúdos estão cercadas de jornalistas, Daigo leva-os para a escola – vazia em tempo de férias de verão. Aqui, coloca-os ao corrente da destruição provocada por Meicrackmon, bem como da decisão da Homeostase em eliminá-la.
Não se percebe se Daigo lhes conta a parte de Meicoomon ter nascido com uma partícula de Apocalymon ou de Meiko ter sido Escolhida para, essencialmente, lhe servir de Alprazolam. É possível que lhe tenha omitido este segundo aspeto porque, pelas Bestas Sagradas, a miúda não precisa de mais sentimentos de culpa por algo que lhe foi imposto aos onze anos.
De notar que, quando os miúdos querem partir para a luta, Tai obriga-os a parar e a pensarem antes de agir. Matt pensa logo que Tai está a regressar à apatia dos primeiros filmes de Tri – ou isso ou ele, pura e simplesmente, tem como primeiro instinto partir para a discussão no que toca a Tai (chega a ser caricato, às vezes). Tai diz apenas que eles têm de abordar as coisas com cuidado para evitar danos colaterais desnecessários. Garante, no entanto, que está do lado dos seus Digimon e lutará por eles.
Meiko, por sua vez, continua a sentir-se culpada pelo caos que o seu Digimon está a provocar e a questionar o seu propósito como Escolhida. Dá para reparar mesmo que, à medida que o tempo passa, Meiko vai ficando cada vez mais alheada dos outros, mais fechada sobre si mesma.
Os amigos repetem a conversa da gruta, insistem que Meicoomon precisa da sua companheira, que Meiko não pode desistir dela. Nesta fase, isto começa a soar repetitivo, sobretudo quando vemos o filme pela primeira vez. Mas acho que é intencional: para mostrar que os oito veteranos estão agarrados, com unhas e dentes, à fé que os ajudou a sobreviver a seis anos como Escolhidos. Não conseguem, nem por um momento, conceber um cenário diferente. Nem mesmo quando percebem que Meicoomon está a ser manipulada por Yggdrasil e que a posição da Homesostase neste conflito é incerta.
Nesse aspeto, a frase dita por Kari mais tarde, um pouco vinda do nada – “Não é possível compreender a gravidade de algo até este acontecer perto de nós” – descreve bem o conflito entre Meiko e os amigos. Pode até mesmo ser aplicável a Tri em geral. Os Escolhidos veteranos não se apercebem que a história deles com os Digimon é diferente da de Meiko. Eles receberam os seus companheiros digitais para os ajudar a resolver um problema, ou vários. Por sua vez, o Digimon de Meiko era o problema que ela tinha de resolver.
Também faz parte do crescimento: nem sempre existem soluções ou caminhos universalmente certos.
Com o grupo em risco de cair no desânimo, T.K. desafia toda a gente para uma sessão de histórias de terror – mesmo no espírito de uma noite de acampamento ou de uma festa do pijama.
Esta parte é um filler, não há como negá-lo. Ninguém espera ver os heróis em amena cavaqueira em vésperas do Apocalipse. Dito isto, estas cenas proporcionam algum alívio cómico – que também é importante tendo em conta o que aconteceu até agora, no filme, e sobretudo o que acontecerá a seguir. E, sejamos sinceros, é um dos momentos mais engraçados até agora em Tri. Ainda mais que a invasão dos balneários, em Ketsui.
Um dos principais motivos para esta cena resultar tão bem é o facto de maior alvo da piada ser o Matt. Personagens que se levam demasiado a sério são ótimos alvos para comédia. Em Adventure, esse papel era desempenhado por Joe. Uma parte da sua evolução como personagem, contudo, consistiu em aprender a não levar a vida tão a sério.
Assim, o alvo das brincadeiras passou a ser Matt – quase sempre de mau humor, que leva tudo a peito, que precisa de doses exatas de pimenta nos seus noodles. É uma delícia vê-lo com medo de histórias de terror (o Matt, de todas as pessoas…) e os amigos a rirem-se dele – em particular o seu irmãozinho. O pormenor de Matt tocando baixo no ar, durante a história, foi bem sacado.
Por outro lado, depois de tudo por que os miúdos passaram nos últimos seis anos… como é que algum deles tem medo deste género de histórias? Isto para não dizer que história de terror a sério será o que acontece na manhã seguinte…
Mas não nos adiantemos.
Outro momento bonito foi quando os miúdos ligaram aos pais – um toque de realismo que não se prolonga demasiado e até contribui para alguma caracterização. Como Sora e Mimi consolando-se uma à outra e Matt recusando-se a falar com a sua mãe (hum…).
A única conversa que ouvirmos é a de Tai com a sua mãe. Já a tínhamos visto antes, no filme, acompanhando a situação através dos noticiários. O seu papel como representante das famílias dos Escolhidos (dos oito veteranos, pelo menos) não terá sido atribuído por acaso. Pelo contrário, parte o coração, tendo em conta o que acontecerá a seguir. Sobretudo quando ela pede a Tai que tome conta da irmã e dos Digimon.
Podia escrever um testamento à parte deste sobre as possíveis implicações por detrás deste pedido inocente e a sua influência na relação entre Tai e Kari. Já irei dizer algumas coisas mais à frente e poderei dizer ainda mais, na análise ao próximo filme de Tri. Mas, para já, passemos à frente.
Depois dos telefonemas aos pais, Tai encontra Meiko sozinha, no exterior (no pátio da escola?) – outro sinal de que está cada vez menos em sintonia com os outros Escolhidos. Tai ouve-a pensando em voz alta. Quando Meiko dá pela presença dele, os dois conversam.
Sempre gostei de momentos assim em ficção. Duas personagens (interesses românticos ou não) a sós, trocando confidências e/ou tendo conversas profundas debaixo das estrelas, enquanto o resto do elenco dorme. Às vezes com tempo para comentários sobre as constelações ou para a ocasional estrela cadente. Por sinal, em Kyousei, a sequência dos créditos e a música – a lindíssima Aikotoba – captam bem o espírito intimista e pacífico desses momentos.
Esta cena encaixa-se bem nesse modelo. Tai ouvira Meiko refletindo sobre a sua relação com Meicoomon, questionando a filosofia com que os amigos andavam a martelá-la. Todos lhe diziam que havia um laço inquebrável, quase sagrado, entre Escolhido e companheiro Digimon. No entanto, tudo o que Meiko fizera de acordo com esse princípio só piorara a situação.
Tai tenta consolar Meiko à sua maneira. Reflete sobre as diferenças entre a maneira como uma criança vê as coisas e a maneira como um adulto as vê – um dos temas recorrentes em Tri e com o qual quase toda a audiência se identifica. Afinal de contas, quase todos nós vimos Adventure pela primeira vez quando éramos pequenos – há quase vinte anos, nalguns casos. Nenhum de nós vê o mundo da mesma maneira. Eu não vejo, pelo menos.
Tai, no entanto, comente o mesmo erro que ele e os outros veteranos têm cometido neste filme: não consegue ver além dos seus próprios vieses, não percebe que a experiência de Meiko com o cargo de Escolhido é diferente. A jovem começa mesmo a assumir que o Dark Gennai estava a falar dela quando dizia: “Não devias ter nascido” – ao que Tai responde com brusquidão. Arrependido, dá a conversa por terminada – não sem antes dizer a Meiko para não ir por esses caminhos.
Depois disto, ambos ficam a ruminar sobre a conversa – e ambos são ouvidos por Agumon, por sinal. Mais uma vez, a unidimensionalidade do Digimon acaba por resultar bem.
Meiko confessa, para a surpresa de absolutamente ninguém, que tem inveja dos outros Escolhidos – cada um com um companheiro Digimon, com todas as vantagens, sem o medo constante que eles de repente se passem e destruam tudo à sua volta. Agumon, por sua vez, diz acreditar que Meicoomon ama a sua companheira humana, tal como qualquer outro companheiro Digimon. Isso sempre consola Meiko um bocadinho.
Tai, por sua vez, torna a refletir sobre a sua condição de quase-adulto – em que já não consegue deixar de se preocupar com as coisas, com as consequências das suas palavras e ações.
Sinto a tentação de perguntar se Tai deseja mesmo voltar a ser o miúdo impulsivo e irresponsável de Adventure. Eu não quereria. Tenho saudades da minha infância de vez em quando, sim. Isso não significa que queria voltar a ser a pessoa que era na altura – uma miúda mimada, egoísta, ainda mais bicho-do-mato que sou agora.
Mas estou a desviar-me.
Agumon, na sua inocência, diz que, tal como ele come quando tem fome, quando Tai se preocupa, deve fazer alguma coisa em relação a isso. Procurar resolver os problemas que o atormentam.
A oportunidade para isso surge na manhã seguinte, quando Meicoomon reaparece. Esta parte do filme dá-me um dejá-vu de Kokuhaku: voltámos a passar três episódios (OK, um bocadinho menos) com Meicoomon fugida, causando confusão pelo Mundo Real e os miúdos basicamente à espera que ela regresse, para o confronto.
E a verdade é que, em Kokuhaku, essa espera foi melhor. Não que não tenha acontecido nada de interessante até agora – pelo contrário, gastámos cerca de quatro mil palavras a falar sobre isso. Mas nada disto teve um impacto emocional que se compare à infeção de Patamon e os Digimon passando bons momentos com os seus companheiros humanos antes do Reinício.
As próprias personagens fazem referências aos eventos de Kokuhaku – nomeadamente quando Izzy impede os Digimon de partirem imediatamente para o combate com Meicrackmon, receando que estes sejam infetados de novo. Os Digimon, no entanto, insistem em lutar e os miúdos aceitam.
Por fim, tal como aconteceu em Kokuhaku, este confronto acaba horrivelmente mal. Eu diria mesmo que agora foi pior.
Antes de partirem para a luta, Meiko tenta, pela milionésima vez, apelar a Meicoomon e ao laço que as une – se é que este ainda existe. Chega mesmo a pedir à sua companheira que a castigue por ter falhado enquanto Escolhida.
Meicrackmon não reage. Os miúdos não têm escolha senão partirem para o confronto físico. Os Digimon passam logo ao nível Perfeito – desta vez não se perdeu demasiado tempo com sequências de digievolução infinitas. Dividiu-se o ecrã e está a andar. Uma mudança bem-vinda após a confusão que foi o final de Soshitsu.
Entretanto, os miúdos e Daigo apercebem-se que o medo sentido por Meicoomon torna-a virulenta e catalisa a distorção. Faz sentido com o que temos visto até agora – nomeadamente o assassinato de Leomon, após se ter recordado dele na forma infetada.
Os miúdos não têm tempo para mudar de abordagem – uma vez que este é o momento escolhido por Jesmon para entrar em cena. Ainda não foi confirmado oficialmente, mas é quase certo que este Jesmon é o Huckmon digievoluído, enviado pela Homeostase para eliminar Meicrackmon.
É neste momento que os miúdos sentem na pele a traição da Homeostase. Ela (ela?) usara os miúdos a seu bel-prazer durante seis anos para resolver aquilo que, pelo que se via agora (e, de certa forma, se viu com as Primeiras Crianças Escolhidas), até podia ter resolvido sozinha. Agora que os Escolhidos questionavam os métodos dela, descartava-os. Conforme Tai diz, os Escolhidos já não sabem em quem confiar, já não sabem quem é o verdadeiro inimigo nesta equação.
Outro sinal de que o público-alvo de Tri já não é o infantil: o Bem e o Mal não se distinguem facilmente, nenhuma das partes está cem por cento certa. Nem mesmo os Escolhidos.
Além de atirar os miúdos aos lobos, a aparição de Jesmon desencadeia a digievolução de Meicrackmon para Raguelmon. Pelas palavras do Dark Gennai, que observa a cena à distância, isto ajuda a causa de Yggdrasil.
De facto, se virmos bem as coisas, as ações da Homeostase para resolver o problema Meicoomon só têm piorado uma situação já de si má. Desde a expulsão de Meicoomon para o Mundo Real, passando pelo Reinício, acabando no que acontece a seguir, em Kyousei. E esta ainda tem a lata de culpar os Escolhidos pelo que está a acontecer, conforme veremos já de seguida.
Os miúdos têm uma oportunidade de falar diretamente com a Homeostase quanto esta toma posse de Kari. Através dos lábios da jovem, a Homeostase ordena aos Escolhidos que não interfiram, que deixem Jesmon eliminar Raguelmon. Chega mesmo a acusá-los de terem falhado – tal como Hackmon fizera com Daigo – e mesmo a ameaçar matá-los também.
Tal como já acontecera com o envio de Jesmon, hostilizar os Escolhidos tem o efeito contrário ao desejado. Só torna os miúdos mais casmurros, mais empenhados em proteger Raguelmon – que, ainda por cima, poucos minutos, protegera Meiko. Os miúdos interpretam-no como um sinal de que o laço entre o Digimon e Meiko ainda não despareceu e nem querem ouvir falar em matar Meicoomon.
Daigo é dos que mais protesta. Tanto por raiva pelo que aconteceu com Maki como por genuína afeição aos miúdos, tal como vimos antes. Chega mesmo a gritar:
– Estas crianças não são teus peões!
Os maiores protestos, contudo, partem de Kari, que se rebela contra a possessão da Homeostase. Da primeira vez que vi esta cena, cheguei a festejar, como um golo num jogo de futebol. Já estava na altura de Kari deixar de aceitar, passivamente, o papel de marioneta de entidades sobrenaturais. Esperámos anos pelo momento em que Kari se defendesse a si mesma, quer da Homeostase quer da Escuridão, sem ser amparada por outros. Eu, pelo menos. Como se diz em inglês, you go, girl!
O reverso da medalha, no entanto, virá mais tarde.
Numa coisa a Homeostase tem razão, no entanto: as emoções estão a toldar a visão dos Escolhidos. E nem sequer se pode dizer que a Homeostase esteja errada. Pelo contrário, ela está a dar prioridade ao bem coletivo – e, sejamos honestos, este nunca teve mais ameaçado. Mas ainda faltava até os miúdos estarem em condições de enfrentarem a verdade.
Por sinal, a pessoa que, em teoria, tinha mais motivos para protestar mantém-se alheada do conflito. Tomem nota, que isto é importante.
Para já, a revolta dos miúdos catalisa o regresso do Omegamon – nesta fase, já tinham surgido todas as formas Extremas disponíveis. A luta muda-se para o Mundo Digimon (aparentemente) via distorções.
É também nesta altura que Alphamon decide juntar-se à festa – porque a situação não estava preta que chegue. Ao que que parece, este está do lado de Yggdrasil e luta com Jesmon para impedir que este mate Raguelmon.
Não dá para ter certezas absolutas, no entanto. É um dos problemas de Tri: continua a haver muito por explicar. Há coisas que nós, na audiência, assumimos como certas, mas que os filmes não confirmam preto no branco. Mas isso é conversa para as alegações finais.
Para já, dizer apenas que Alphamon consegue, com um só golpe, reduzir os Digimon (tirando Omegamon) dos miúdos às formas Bebés. O que, sinceramente, é uma desilusão. Estivemos anos e anos à espera destas formas Extremas e estas não se aguentam perante um dos primeiros adversários a sério que encontram?
Acho, no entanto, que isto se deveu a motivos de enredo, mais do que a verdadeira inaptidão dos Digimon. Não me admirava se, no próximo filme, eles fizessem melhor figura.
Hoje ficamos por aqui – agora que começa a custar escrever sobre Kyousei. Acho melhor tirarmos uma publicação para falar sobre os eventos da reta final do filme e as suas consequências. Continuamos amanhã.
Hoje, vamos falar sobre Kyousei, o quinto filme da série Digimon Adventure Tri, que começou fez dois anos no outro dia (custa a acreditar, confesso…).
Estamos a um filme da conclusão série e Tri continua consistente na sua inconsistência: os filmes ímpares são bons, os pares nem tanto. Não acho que nenhum destes filmes seja cem por cento mau – cada um destes filmes tem partes boas, sejam elas momentos de desenvolvimento das personagens, estreias de digievoluções ou, apenas, momentos de humor.
Mas há que distinguir os filmes que vão conseguindo entreter-nos, com a ocasional gargalhada e um ou outro momento mais tocante, daqueles que nos deixam emocionalmente arrasados. Aconteceu no ano passado com Kokuhaku. Voltou a acontecer agora, com Kyousei, ainda que de maneira diferente.
1) Spoilers: as entradas desta série terão inúmeras revelações sobre o enredo dos cinco primeiros filmes de Digimon Adventure Tri e, possivelmente, dos enredos de Adventure e 02. Leia por sua conta e risco.
2) Alguns conceitos próprios desta série animada têm traduções controversas – na língua portuguesa, têm mais do que uma possível. Neste texto, vou adotar as traduções com que estou mais familiarizada e/ou que considero mais adequadas.
3) Apesar de as legendas do filme usarem os nomes japoneses das Crianças Escolhidas, eu vou usar as versões americanizadas dos nomes, visto que estou mais habituada.
Uma das várias coisas que não funcionaram em Soshitsu foram os Deus Ex-Machinas, as coisas que aconteceram sem motivo aparente. Kyousei supera o filme anterior precisamente por o enredo voltar a ser guiado pelas personagens: os Escolhidos, o governo japonês, Daigo, Yggdrasil através do Dark Gennai, até mesmo a Homeostase. Esta, antes de Tri, era apenas uma figura divina que governava o Mundo Digimon, que só aparecia para debitar informação que deixava a audiência ainda mais confusa. Não deixa de ser uma figura divina em Tri, mas começou a participar ativamente no enredo e, sobretudo neste filme, a entrar em conflito com as outras personagens.
Quando é assim – sobretudo quando a maior parte do elenco é tão acarinhada e há tanto tempo – é muito mais fácil deixarmo-nos levar pela história.
Não que Kyousei não tenha falhas. À semelhança de alguns dos seus antecessores, o filme torna-se demasiado lento em certas alturas. Existem aspetos que continuam por explicar – nomeadamente o elefante na sala, como se diz em inglês: os miúdos de 02.
Mas vamos por partes. Mais uma vez, estiquei-me um bocadinho com esta análise, tive de dividi-la em três partes. Que cara é essa? Não escolhi o nome "Álbum de Testamentos" só por soar fixe...
Antes de começarmos a análise a sério, uma nota: durante meses o título oficial do filme no Crunchyroll foi Symbiosis, ou seja, Simbiose. No entanto, o dia em que o filme saiu, o título passou a ser Coexistence, Coexistência. Fiquei um bocadinho chateada porque Simbiose é um título perfeito para este filme, o melhor título até agora em Tri, na minha opinião. O principal tema do filme, como veremos a seguir, é a relação simbiótica entre um Escolhido e o seu Digimon. Além disso, uma das coisas que permanece sob ameaça ao longo do filme é a simbiose entre o Mundo Real e o Digital – levando a algumas medidas extremas.
Por comparação, o termo Coexistência pouco ou nada tem a ver com o filme.
Kyousei começa exatamente no ponto em que Soshitsu terminou (muito mal): quando o Dark Gennai (ou Homem Mistério, segundo as informações oficiais) ataca Meiko, de modo a desestabilizar Meicoomon. Vai repetindo várias vezes: “Não devias ter nascido. Não devias ter nascido.”
Esta frase será importante mais frente. Para já, somos brindados com um flashback do outono de 1999: ou seja, poucos meses após os eventos de Adventure. Também não parece ser muito depois de Meiko ter “adotado” Meicoomon.
Não aprendemos nada que não tivéssemos suspeitado antes: vemos que Meicoomon, de vez em quando, sofre ataques de fúria destrutiva, um deles no laboratório onde estava a ser estudada. A única coisa que descobrimos é que Maki testemunhou esse ataque, no laboratório.
Está é, aliás, uma das únicas aparições de Maki neste filme. Mais vale falar já sobre as outras – que, na verdade, se limitam a dois vislumbres. Se na última vez que a vimos em Soshitsu, depois de reencontrar Bakumon, ela parecia estar à beira de um ataque psicótico, em Kyousei, esse ataque já deve ter ocorrido. Ouvimos Maki chamando por Bakumon (entretanto desaparecido), balbuciando sobre salvarem juntos o Mundo Digimon.
Seria esse o plano dela? Colaborar com Yggdrasil até recuperar Bakumon e depois, de novo na condição de Escolhida a sério, salvar o Mundo Digital das garras dele? Em jeito de indireta para a Homeostase, dando-lhe a entender que fizera mal em sacrificar Bakumon e em descartá-la como Criança Escolhida?
De referir, também, que Maki, nesta cena, enverga uma das armas anti-Digimon (que tinham aparecido em Ketsui por um instante e esquecidas desde então). Isto apesar de, segundo o que se vê em Kokuhaku e Soshitsu, Maki ter ido de mãos a abanar para o Mundo Digimon.
Como é que Maki arranjou a arma de um filme para o outro? Eu diria que só as Bestas Sagradas o sabem mas, à luz do que aprendemos em Soshitsu, seria de mau gosto.
O segundo vislumbre ocorre já perto do fim do filme, que mostra que Maki indo parar ao Mar Negro. Chega a encontrar os Divermon e tudo! Aponta-lhes uma arma (desta vez uma pistola vulgar, que sempre faz mais sentido), mas acaba por se deixar afundar nas águas escuras.
Pontos para Kyousei por ter resgatado um dos elementos mais interessantes de 02. Resta saber, agora, como é que Maki se vai escapar das profundezas do Mar Negro – ou melhor se se vai escapar.
Regressemos ao início do filme e ao ataque do Dark Gennai a Meiko. Este, ao que parece, consegue o que quer com esta habilidade: quebrar a ligação entre Meiko e Meicoomon. Esta última digievolui para Meicrackmon, entra em modo berserk e as distorções multiplicam-se, inclusivamente para o Mundo Real, que começa a ser invadido por Digimon. Meiko recupera a consciência e, quando chama por Meicrackmon, esta ataca-a. A jovem só sobrevive porque Tai a desvia a tempo. Depois desta, Meicrackmon foge… outra vez.
As consequências, desta feita, são mais graves – agora temos uma invasão em massa de Digimon no Mundo Real, trazendo o caos. Ainda assim, fica a sensação de que o pior ainda está para vir.
Um aspeto curioso nesta parte da história é que, pela primeira vez neste universo, os civis identificam estes monstros como Digimon. Não é claro como é que se descobriu a verdade (mais à frente no filme, fala-se de fugas de informação para a Imprensa). Também descobrimos que a Homeostase – provavelmente através de Hackmon – tem andando em contactos com o governo.
Suponho que tudo isto seja para abrir caminho para a parte do Epílogo em que “toda a gente tem um Digimon”. Agora que penso nisso, o tema recorrente em Tri, dos danos colaterais dos Digimon no Mundo Real, parece ser uma preparação para esse desfecho.
Inteligente como sou, precisei de quase dois anos para me aperceber disso...
Entretanto, Daigo encontra-se com o Professor Mochizuki, o pai de Meiko – ambos, ao que parecem, marginalizados pela organização governamental. Quando Mochizuki explicava a Daigo a experiência da filha como Escolhida, Hackmon junta-se a eles e explica, finalmente, qual é o problema de Meicoomon.
Meicoomon nasceu infetada com um fragmento de Apocalymon. Este é responsável pelo seu temperamento instável e poderes destrutivos. Devido à sua instabilidade, Meicoomon foi banida (pela Homeostase? Não é dito preto no branco, mas estão quase todos a assumir que foi ela a tomar a decisão) para o Mundo Real. Arranjaram-lhe, também, uma Criança Escolhida cuja presença e afeição contrabalançasse as tendências destrutivas de Meicoomon.
A minha antiga teoria de que Meicoomon teria sido criada de propósito para o Reinício estava errada, portanto. Contudo, esta também é uma boa explicação, consistente com a cronologia do universo Adventure e mostra um lado diferente da Homeostase e mesmo do conceito de Crianças Escolhidas.
Tem sido mesmo um dos temas recorrentes em Tri: a desconstrução da dinâmica de escolher crianças para salvar o Mundo Digimon.
Na primeira metade de Tri, essa desconstrução foi protagonizada pelos oito Escolhidos originais. É possível ser-se um Escolhido quando as nossas ações parecem agravar mais o problema? (Saikai) Ou quando os deveres de Escolhido entram em conflito com outras responsabilidades? (Ketsui) E se, de repente, vos dessem a opção de não serem Escolhidos, de fingirem que os últimos seis anos nunca aconteceram? O que fariam? (Kokuhaku)
Na segunda metade de Tri, por sua vez, esta desconstrução foca-se em Maki e, sobretudo, em Meiko. Já na análise a Soshitsu tínhamos questionado a ética do conceito habitual de Crianças Escolhidas – sobretudo depois de descobrirmos o que a Homeostase fizera a Maki.
Mas aquilo que fez a Meiko? Impôr a uma menina de onze anos uma criatura que, se não for controlada, pode atuar como uma bomba atómica? Não há palavras.
Não é de surpreender que Daigo se enfureça, quando Hackmon revela que ele e a Homeostase vão matar Meicoomon, com a colaboração do próprio governo japonês. Daigo vira a sua amiga de infância (e ex-namorada… certo?) perder o seu Digimon às mãos da Homeostase. Acabara de descobrir que essa perda lançara Maki num caminho destrutivo. Afeiçoara-se a Meiko, bem como aos outros miúdos, presenciara as suas batalhas, estivera lá quando o Reinício ocorreu e os Escolhidos perderam os Digimon. Fizera, desde o início de Tri, para proteger os miúdos, bem como Meicoomon. Agora a Homeostase dizia fora tudo em vão, que Meicoomon tinha de morrer?
O facto de Hackmon mandar uma indireta sobre o suposto falhanço da missão das Primeiras Crianças Escolhidas não ajuda – pelo contrário, acentua a frieza da Homeostase, que usa e descarta os seus peões com um desprendimento impressionante.
Tudo isto, bem como a perceção de que mais ninguém defenderá os Escolhidos, faz com que Daigo comece a agir por contra própria pela primeira vez em Tri – finalmente! O que faz ele? Veremos adiante…
Para já, regressemos ao Mundo Digital que, depois da fuga de Meicoomon, parece estar a voltar-se contra os Escolhidos. Temos alguns momentos caricatos, à Looney Tunes, em que o chão literalmente desaparece debaixo dos pés dos miúdos. Também também ataques de Digimon (muito mal animados e despachados em três tempos) e das próprias árvores. Kari, com a sua intuição, confirma a certa altura que o Mundo Digimon está a rejeitá-los. Daí estes fenómenos, a meteorologia instável e os ciclos dia/noite irregulares.
Os miúdos lá arranjam um intervalo entre os ataques do Mundo Digimon para fazerem o ponto da situação à volta da fogueira. Meiko, como tem vindo a fazer desde Kokuhaku, culpa-se por tudo o que acontecera até ao momento. Agora que sabemos a história toda, ou quase toda, acho que todos concordamos que este era um fardo demasiado para alguém suportar.
Meiko fez o melhor que podia. Duvido que tivesse sido diferente com qualquer um dos outros Escolhidos – com T.K.não foi. Meiko tivera um momento de hesitação após o Reinício, mas acabara por fazer aquilo que Sora, T.K., Mimi e os outros lhe tinham ensinado: viera ao Mundo Digital e lutara pela sua companheira. No entanto, fora pior a emenda que o soneto: ao vir ao Mundo Digimon, colocara-se a jeito para ser usada por Gennai para desestabilizar Meicoomon.
É de surpreender que Meiko passe este filme quase todo numa crise existencial?
Os outros Escolhidos tentam ajudá-la da maneira que sabem: fazendo-a acreditar em si mesma e na sua ligação com Meicoomon. É uma cena adorável, aliás – o lindíssimo tema instrumental de Butter-fly, tocando no fundo ajuda nisso – com as nossas eternas Crianças Escolhidas mostrando o porquê de eu as adorar, mesmo passados estes anos todos.
Os conselhos de cada um, aliás, refletem perfeitamente a evolução de cada um como personagem. Sora, por exemplo, encoraja Meiko a não sofrer em silêncio. Kari aconselha-a a não ceder às suas próprias inseguranças e a pedir ajuda quando não conseguir enfrentá-las sozinha. Matt lembra-lhe que nenhum Escolhido está sozinho, eles são uma equipa. Tai – invulgarmente caloroso para com Meiko neste filme – diz-lhe para não fugir dos problemas.
Queria, de resto, comentar este comportamento de Tai. Este tinha passado os quatro filmes anteriores, não ignorando Meiko, mas interagindo menos com ela que os outros veteranos (tirando Joe, acho eu). No entanto, de Soshitsu para Kyousei – nem se pode dizer que tenha sido da noite para o dia, porque a mudança começou logo na cena do ataque a Meicoomon, que se dividiu pelos dois filmes – Tai começou a portar-se como o melhor amigo de Meiko (ou algo mais). Trocam confidências, estabelecem contacto físico, ele desvia-a de ataques na sua direção.
Tem graça, aliás, a maneira como nenhuma das personagens femininas é capaz de se mexer quando alguém tenta atingi-las. Tem de vir um dos rapazes protegê-las (ou, no caso de Sora em Soshitsu, dois ao mesmo tempo).
Mas estou a desviar-me.
Não que eu não goste deste lado mais caloroso de Tai, pelo contrário. E também compreendo que os digiguionistas tivessem querido voltar os holofotes para o jovem, em jeito de preparação para o que acontece no fim (embora isso me recorde o problema dos tempos de antena desiguais em Adventure). Mas podiam ter feito esta mudança de forma mais gradual. Ou, pelo menos, dado uma explicação para o novo comportamento – culpa por não ter protegido Meiko do Dark Gennai, genuína preocupação e empatia com a situação dela, sei lá…
A conversa profunda à volta da lareira é interrompida de forma hilariante por Agumon, que acorda de repente, pensando que estão a falar sobre comida – o que irrita os outros Digimon.
Uma coisa que me tem vindo a incomodar desde Kokuhaku, aliás, é a mudança na personalidade de Agumon. Em Tri, quase tudo o que sai da boca dele é relacionado com comida. Do género:
– O que é um Reinício? Dá para comer?
Não que Agumon alguma vez tenha sido particularmente inteligente ou sofisticado em Adventure ou 02, mas sempre foi ele quem ajudou BlackWarGreymon nas suas dúvidas existenciais. E, na larga maioria das vezes, não tem piada, é apenas irritante – sobretudo porque uma das primeiras vezes que acontece é durante a cena em que os Digimon descobrem acerca do Reinício.
A diferença em relação aos filmes anteriores é que Kyousei, ao menos, faz bom uso da unidimensionalidade de Agumon. Na cena da fogueira, pela primeira vez, referências a comida fazem rir – mais porque interrompe uma cena particularmente emocional do que por outro motivo qualquer. Outro exemplo virá mais à frente.
Nesta fase, a prioridade dos Escolhidos é regressarem ao Mundo Real – algo que, mesmo assim, só ocorre a meio do segundo episódio. É um dos problemas deste filme: a tensão está mais elevada do que nunca, estamos todos à espera que a bomba rebente mas, mesmo assim, as coisas demoram a acontecer.
Havemos de regressar a isso. A certa altura, o Mundo Digimon larga os miúdos sem cerimónias no Mundo Real, logo no pior sítio possível: no meio de pessoas que sabem exatamente o que são Digimon – algo que, para eles, é inédito – incluindo polícias.
Tai, sendo o mestre da subtileza que é (a sério, como é que este miúdo se torna um diplomata?), decide que a melhor atitude é dar à sola. Os outros seguem atrás dele porque, depois de duas temporadas e quatro filmes, os Escolhidos continuam à espera que seja Tai a tomar as decisões – mesmo que estas nem sempre façam sentido.
Lembremo-nos disso mais adiante.
A fuga, ao menos, dá-lhes tempo para esconderem os Digimon no sistema informático criado por Izzy, antes de serem detidos. E para Joe se lamentar por, agora, ter cadastro, o que lhe pode arruinar a carreira.
Tenho algumas dúvidas relativamente à legalidade desta detenção. Oito dos nove miúdos são menores de idade, para começar. Para além disso, não parece que tenham sido informados que teriam direito a pedir um advogado – assumindo que as leis japonesas são semelhantes às nossas, nessa área. Seria de esperar, por outro lado, que pelo menos Joe ou Matt tivessem alguma noção dos seus direitos.
Felizmente, Daigo aparece a tempo e usa a sua posição para obter a custódia dos miúdos.
Daigo é uma das minhas personagens preferidas neste filme. O António do Odaiba Memorial Day Portugal concorda comigo, chegou a chamar-lhe o “pai das Crianças Escolhidas”. Eu não escolheria esse termo – na minha opinião, o seu papel assemelha-se mais a um irmão mais velho. Alguém com idade suficiente para se sentir à vontade entre adultos: para se responsabilizar pelos miúdos perante os pais deles, para falar em nome deles com outros adultos, para dar-lhes boleia de um lado para o outro, para zelar pela segurança deles. Mas, ao mesmo tempo, suficientemente jovem para ser acessível para os Escolhidos, para ainda se recordar de como é ter a idade deles.
Quando era miúda e me imaginava como personagem no universo de Digimon, imaginava-me como uma Criança Escolhida – tal como todos nós fizemos nessas idades, calculo eu. Desde que redescobri Digimon há dois anos, no entanto, vejo-me mais num papel semelhante ao de Daigo. Ou ao de Jim Kido, o irmão mais velho de Joe, durante os episódios 44 e 45 de 02. Até porque não seria um papel muito diferente do que, às vezes, desempenho com a minha irmã adolescente e os amigos dela.
Com as devidas diferenças, já que a minha irmã não é uma Criança Escolhida. Se o é, esconde-o muito bem.
Agora que penso nisso, pergunto-me se isto terá sido intencional. Se Daigo e Maki foram criados, pelo menos em parte, como representação da audiência de Tri: crianças aquando da exibição original de Adventure, em 1999, e agora, aquando de Tri, na casa dos vinte; homens e mulheres feitos, mas ainda Crianças Escolhidas no seu coração.
Também é possível que seja eu a projetar-me nestas personagens. Já sabem como sou.
Ficamos aqui por hoje, amanhã continuamos – o melhor ainda está para vir!
Hoje vamos falar, finalmente, sobre Soshitsu – peço imensa desculpa por este épico atraso. Soshitsu (que, em português, significa Perda), é o quarto de seis OVAs que constituem Digimon Adventure Tri – uma série que serve de sequela às duas primeiras temporadas do anime de Digimon, também conhecidas por Adventure e 02. Desta feita, a análise virá dividida em três partes: as próximas duas virão amanhã e depois, em princípio.
Numa altura em que vamos em dois terços da série, podemos já assinalar um dos maiores problema de Tri: a inconsistência. Temos alternado entre filmes bons e filmes menos bons. Saikai, o primeiro, é um filme bom, mas o segundo, Ketsui, está uns quantos furos abaixo. Kokuhaku suplantou os seus antecessores e elevou as expectativas para o filme seguinte.
Soshitsu, infelizmente, não foi capaz de corresponder a essas expectativas.
Não me interpretem mal, eu gosto de Soshitsu. Fez várias coisas bem – sobretudo o facto de fazer o que nenhum dos filmes anteriores tinha feito: dar-nos respostas (embora não sejam aquelas que alguns de nós desejavam). Percebe-se, também, que os digi-guionistas tinham uma série de potenciais boas ideias. O pior é que não souberam pô-las em prática: ou as exploraram mal ou não as exploraram de todo.
É esse o grande problema de Soshitsu: a execução.
Antes de prosseguirmos, os alertas habituais...
1) Spoilers: as entradas desta série terão inúmeras revelações sobre o enredo do primeiro, segundo e terceiro filmes de Digimon Adventure Tri e, possivelmente, dos enredos de Adventure e 02. Leia por sua conta e risco.
2) Alguns conceitos próprios desta série animada têm traduções controversas – na língua portuguesa, têm mais do que uma possível. Neste texto, vou adotar as traduções com que estou mais familiarizada e/ou que considero mais adequadas.
3) Apesar de as legendas do filme usarem os nomes japoneses das Crianças Escolhidas, eu vou usar as versões americanizadas dos nomes, visto que estou mais habituada.
É frustrante, pois Soshitsu tinha tudo para ser um filme bem melhor – dá para ver claramente, ao longo do filme, onde se podia melhorar. Até porque Soshitsu começa de forma bombástica, com um flashback em estilo filme retro, mudo, capaz de deixar os fãs a especular durante anos.
Confesso que não estava à espera que Maki e Daigo fossem as Crianças Escolhidas Originais (referidas de forma muito rápida na reta final de Adventure, as primeiras a derrotar os Dark Masters/Mestres das Trevas). Olhando agora, em retrospetiva, no entanto, não sei como é que não considerei a hipótese (julgo ter dado com ela algures na Internet). Mas também nunca dei muita importância a essas misteriosas Crianças Escolhidas Originais.
No entanto, agora que sabemos a verdade, faz todo o sentido. Descobrimos, assim, que, quinze ou vinte anos antes dos eventos de Tri, Maki e Daigo fizeram parte das primeiras cinco Crianças Escolhidas a salvar o Mundo Digimon nos Mestres das Trevas. Pelos óculos caídos junto a Daigo, este terá sido o líder.
Este flashback confirma algo que, segundo consta, vinha referido na versão em livro da história de Adventure: o facto de as quatro Bestas Sagradas terem sido, originalmente, os parceiros dessas Crianças Escolhidas Originais. A única exceção foi o parceiro de Maki: Bakumon/Tapirmon, na forma Infantil, Megadramon na forma Perfeita/Super Campeã, que, segundo o que percebi, foi exigido como sacrifício por parte da Homeostase.
Descobrimos mais à frente no filme que Maki terá passado a segunda metade da sua vida – talvez mais – procurando uma maneira de recuperar o seu parceiro Digimon. Noutro flashback, de quando Maki e Daigo eram adolescentes, Maki aparece já estudando a hipótese de um Reinício.
Nesse flashback, vemos, aliás, Daigo preocupado com o rumo que Maki está a tomar: incapaz de deixar o passado no passado, obcecada por trazer Bakumon de volta à vida. Ele sabe perfeitamente que aquilo não vai acabar bem. Daigo tenta ajudar Maki a sair daquele buraco, oferece-se mesmo para tentar preencher o vazio deixado pela morte de Bakumon.
Em vão. Daigo poderá, aliás, ter feito mais mal do que bem – é provável que Maki, depois daquele episódio, tenha tomado precauções extra para que o amigo não descobrisse o que ela andava a fazer.
Em todo o caso, isto prova que as minhas suspeitas, que começaram em Ketsui, estavam certas: Maki deixara Meicoomon vulnerável ao falso Imperador Digimon de propósito; podia ter evitado o Reinício e escolhera deliberadamente não fazê-lo. O Reinício fazia parte dos planos dos vilões.
Estão a ver? Aqui a Sofia tinha razão!
Ter um humano a colaborar com os vilões não é nada de novo em Digimon, nem mesmo no universo de Adventure. Pelo contrário, os paralelismos com Oikawa são evidentes. Ambos perderam um amigo próximo, que associam à sua infância. No caso de Oikawa, foi Hiroki, o pai de Cody, o seu melhor amigo de infância, na companhia de quem descobriu o Mundo Digimon. No caso de Maki, foi o seu companheiro Digimon. Nenhum deles é capaz de fazer o luto como deve ser, o que os coloca numa posição vulnerável à influência dos vilões.
Mas existem diferenças. Oikawa foi controlado por Myotismon, não fez nada por vontade própria. Tendo em conta que o público-alvo de 02 era o infantil, não admira que os digi-guionistas tenham escolhido este desenvolvimento mais simplista, mais a preto e branco. Por sua vez, Tri é dirigido a uma audiência mais velha, os digi-guionistas podem tornar Maki mais ambígua moralmente.
Pode-se questionar como é que uma antiga Criança Escolhida trai o Mundo Digimon desta maneira mas, na minha opinião, motivos não lhe faltam. Se assumirmos que as coisas se passaram de maneira semelhante a Adventure, Maki, Daigo e as outras Crianças Escolhidas Originais terão sido atirados, quase literalmente, para o Mundo Digimon, sem que ninguém lhes tivesse perguntado se era isso que queriam. Terão, depois, sido obrigados a sobreviver só com a ajuda dos respetivos companheiros Digimon. Pelo meio, terão descoberto que o Mundo Digital estava em perigo e só eles podiam salvá-lo, blá blá blá, Whiskas Saquetas.
Como penso já ter referido aqui, no blogue, pedir a crianças de dez ou onze anos (ou talvez mais novas) que arrisquem a vida por um mundo inteiro já de si é uma violência. A Homeostase tem, ainda, o desplante de exigir Bakumon (a única coisa boa que Maki recebera como Criança Escolhida) como sacrifício.
Não sei como é com vocês, mas eu também ficaria a odiar a Homeostase e talvez mesmo o próprio Mundo Digimon e tudo o que ele representa. E diria a Daigo e a outros que tais onde poderiam enfiar a conversa recorrente em Tri, sobre “seguir em frente” e “crescer”.
Por falar em Daigo, é durante o presente em Soshitsu que este descobre a verdade acerca de Maki. Depois de os miúdos terem partido para o Mundo Digimon, Maki desaparece sem deixar rasto. Daigo investiga no gabinete dela e acaba por descobrir os seus planos para o Reinício, e-mails trocados com Gennai, uma lista com a localização dos Digimon da Ilha do Ficheiro, com o nome de Bakumon destacado.
De seguida, Hackmon aparece no gabinete. Depois de ter passado a primeira metade de Tri sendo misterioso, observando os principais acontecimentos à distância, finalmente revela quem é e o que quer da vida. Hackmon apresenta-se a si mesmo como um mensageiro da Homeostase – cargo que antes, era ocupado por Gennai, antes de ele, tal como o próprio Hackmon confirma, se juntar ao lado negro da Força.
Hackmon confirma, também, tudo o que Daigo acabara de descobrir e ainda mais: Maki fizera um acordo com Yggdrasil usando Gennai como intermediário. A antiga Criança Escolhida trabalharia para ele e ele ajudar-lhe-ia a provocar um Reinício. Acho que ninguém o confirma preto no branco no filme, mas vários dão a entender que Meicoomon terá sido criada de propósito para ser o veículo da Infeção – não percebo, no entanto, se a ideia partiu de Yggdrasil ou de Maki.
Agora que penso nisso, Maki a ter a ideia de usar um Digimon como veículo da Infeção e, depois, oferecê-lo como companheiro a uma criança – essencialmente impôr a Meiko um destino semelhante ao seu, se não for pior – seria de uma frieza arrepiante. Mas como nada disto ainda foi confirmado oficialmente, não vou por aí.
Falaremos de Gennai e Yggdrasil mais adiante. Para já, queria só comentar que, nesta fase, esperava mais participação de Daigo nos acontecimentos. Passou os três primeiros filmes a reboque de Maki – nem sempre concordando com as ações dela e dizendo-o explicitamente, mas nunca indo contra a vontade ela. Agora, em Soshitsu, pouco mais foi que o avatar da audiência na revelação das motivações de Maki e da história principal de Tri.
Espero que, nos próximos filmes, Daigo tenha um papel mais ativo. É provável, aliás, que seja ele a chamar Maki à razão, quando for necessário.
Regressemos a Maki. Esta acaba por reencontrar Bakumon perto do fim do filme… mas ele não a reconhece, para surpresa desta.
É uma das muitas inconsistências em Soshitsu. Maki passara metade da sua vida planeando o Reinício, não sabia que um dos efeitos secundários para os Digimon era amnésia? Não faz sentido.
À parte esse aspeto, quando Bakumon não reconhece Maki e se retrai, esta tem um mini surto psicótico, tornando-se algo violenta. É certo que Maki passou por muito. Esperou metade da vida por aquele momento. Passara o dia e meio anterior sozinha, no Mundo Digital, à procura de Bakumon. É possível que estivesse desidratada e privada de sono. É pouco provável, assim, que estivesse capaz de pensar e agir racionalmente. Muitos de nós enlonqueceríamos um bocadinho naquelas circunstâncias.
Mesmo assim, atacar um Digimon inocente, de nível Infantil? Não se faz.
Infelizmente, a cena acaba ali – é capaz de ter durado menos que algumas das sequências de digievolução. Que acontecerá a seguir? Eu diria “só as Bestas Sagradas sabem” mas, nestas circunstâncias, parece-me de mau gosto…
Por esta altura, é óbvio que Maki não passa de um peão nas mãos de forças muito maiores do que ela, que governam o Mundo Digimon. Nesse aspeto, não difere muito dos Escolhidos atuais… Mas estou a adiantar-me.
Tirando o prólogo analéptico, o filme retoma a narrativa poucos minutos após, o filme retoma a narrativa poucos minutos após o final de Kokuhaku – ou seja, poucos minutos após os Escolhidos reencontrarem os seus Digimon amnésicos. Temos direito a uns quantos momentos fofinhos: T.K. certificando-se de que Tokomon está curado da Infeção; Tsunomon intimidado por Matt; Tanemon com medo de que Mimi a comesse; Nyaromon reconhecendo Kari pelo seu cheiro, igual ao do apito, que ela identifica como algo reconfortante.
Gostei desse pormenor. Na “vida real”, o olfacto desempenha um papel importante na memória e nas emoções. Faz sentido, assim, que o olfacto tenha sido fulcral para uma das reaproximações entre Digimon e respetivo Escolhido.
Outro momento de que gostei foi de ver Motimon fascinado por Izzy, pelo seu computador e pelas coisas que sabe. Faz lembrar o discurso de despedida de Tentomon, em Kokuhaku.
Na verdade, quase toda a gente parece dar-se relativamente bem com os seus companheiros Digimon. Demasiado bem, segundo alguns fãs, que esperavam mais dificuldades aquando do reencontro. Eu, por um lado, concordo. Aliás, mais à frente falarei sobre possíveis ângulos que podiam ter sido explorados.
Por outro lado, já no início de Adventure, Digimon e Crianças Escolhidas não demoraram muito a tornar-se amigos do peito. Mesmo os iniciais atritos entre Joe e Gomamon resolvem-se no episódio da estreia de Ikkakumon. Porque não haveria de acontecer o mesmo agora?
Apenas Sora e Yokomon não se entendem à primeira. Para além de começar literalmente com o pé errado, Sora tenta retomar as coisas exatamente no ponto em que tinham terminado, aquando do Reinício – ao invés de, tal como os amigos estavam a fazer, em graus diferentes, ir-se aproximando devagar, dando tempo a Yokomon para se habituar a ela.
Sem surpresas, as atitudes de Sora afastam Yokomon.
Isto é consistente com o que vimos no final de Kokuhaku – Sora deprimida no rescaldo do Reinício, precipitando-se para Yokomon ao reencontrá-la. E esta atitude mais compreensível se torna quando… ninguém parece reparar no que se passa com Sora. Estão todos habituados a ter Sora como mamã do grupo – que, ainda por cima, trouxe uma refeição completa para toda a gente – mas ninguém lhe retribui o favor. Byomon era, literalmente, a única que dava apoio a Sora, mas agora rejeita-a.
Eu gostava que este conflito relativamente ao papel de Sora nos Escolhidos tivesse sido melhor desenvolvido ao longo do filme. Infelizmente, só se explora a relação entre esta e Tai e Matt – o Tri-ângulo amoroso, como chegou a dizer o António do Obaiba Memorial Day. E esta linha narrativa nem sequer tem uma conclusão satisfatória, conforme veremos mais à frente.
Havemos de voltar a Sora. Para já, falemos de outro arco narrativo relevante de Tri. Pouco após o primeiro encontro entre os Escolhidos e os seus companheiros Digimon, Meicoomon aparece perante o elenco lavada em lágrimas, perguntando por Meiko. Antes que os Escolhidos pudessem reagir, Meicoomon foge de novo para as distorções. Tai vai atrás dela – de notar que ele hesita por um segundo – mas não consegue apanhá-la.
Para os Escolhidos, esta é a primeira prova de que o Reinício não funcionou como o previsto – Sora, sem surpresa, é a que reage pior à descoberta. Os miúdos pensam em ir à procura de Meicoomon, mas Tai, ao imício, não parece ter muita vontade. Não é admirar que o jovem sinta algum rancor para com Meiko e Meicoomon. Afinal de contas, elas foram parcialmente responsáveis pelo Reinício – e, conforme veremos mais à frente, Tai não está assim tão satisfeito com a situação. O facto de Meicoomon não ter perdido as suas memórias não ajuda. Suspeito, aliás, que este possível ressentimento venha a ser relevante no futuro… mas estou a adiantar-me. Por agora, o grupo decide ser leal para com Meiko e procurar o seu Digimon.
No entanto, os Escolhidos não chegam a levar a cabo esse plano. Já veremos porquê. Para já, durante a primeira noite que o elenco passa no Mundo Digital, temos uma cena dedicada ao Tri-ângulo amoroso.
É um aspeto caricato deste filme: Sora não tem um único momento a sós com Matt ou a sós com Tai. Os dois aparecem sempre juntos perante ela, como gémeos siameses. Até em momentos em que Sora dá uma de donzela indefesa, Soshitsu foi ao extremo de pôr os dois atirando-se para a frente de um ataque para protegê-la. A ideia que fica é de que os digi-guionistas estavam cheinhos de medo de favorecer um dos vértices do Tri-ângulo amoroso relativamente ao outro – e imagino que isso tenha levado muitos shippers à loucura.
Com tudo isso, tenho visto mais sinais favoráveis a um casal Tai-e-Matt – e não me parece que seja essa a intenção dos digi-guionistas.
Quando Sora se afasta do grupo, Tai e Matt vão atrás dela. Tentam consolá-la mas, de uma forma hilariante, não têm jeitinho nenhum para isso. Tai é um pouco pior, conforme provado pelo vídeo acima – é por estas e por outras que ela, no fim, não se casa contigo, Yagami!
Outro momento delicioso é quando Matt pensa em pedir conselhos a… T.K. A imagem de T.K. ensinando o seu onii-chan, Tai e talvez Izzy a falar com raparigas é irresistível…
É também nisto que está a força de Tri. Aquando de Adventure, quem imaginaria que o bebé do grupo se tornaria a referência em termos sentimentais dos Escolhidos?
Piadas à parte, é um bocadinho triste que nem Tai nem Matt nem nenhum dos outros Escolhidos – amigos de infância de Sora, recordemo-nos – não tenham, ao que parece, reparado que Yokomon/Byomon estava um pouco afastada de Sora e do grupo em geral. Ainda se pode perdoar que dois rapazes de dezassete anos tenham dificuldade em consolar uma rapariga da idade deles – sobretudo se nutrirem sentimentos românticos por ela. Mas é preciso ser-se muito egocêntrico para não se reparar no que se está a passar à frente dos olhos. O mais certo, contudo, é estarem tão habituados a ter Sora tomando conta de toda a gente que não lhes ocorreu que talvez ela precisasse de alguém que se preocupasse com ela.
Sora está perfeitamente ciente disso e, tal como eu tinha previsto, despeja o saco. Atira à cara dos rapazes todas as vezes em que eles andaram às turras um com o outro e ela teve de apaziguá-los. Infelizmente, antes que Sora pudesse dar o golpe de misericórdia, mandando-os dar banho aos… bem, aos respetivos parceiros Digimon, suponho eu (não que Agumon precisasse), Mugendramon/Machinedramon interrompe a cena.
Falaremos sobre o que acontece a seguir da próxima vez. Obrigada pela vossa visita. Continuem ligados!