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Álbum de Testamentos

"Como é possível alguém ter tanta palavra?" – Ivo dos Hybrid Theory PT

Vinte anos de Meteora e outras coisas que mexem com as emoções #2

Segunda parte a análise a Meteora. Podem ler a primeira parte aqui.

 

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Breaking the Habit foi a primeira música dos Linkin Park que conheci, em 2004. Este foi um ano marcante para mim em múltiplos aspetos, alguns bons, alguns maus, que ajudaram a definir muitas das minhas paixões de hoje em dia. Foi quando descobri as MTVs desta vida e, com ela, inúmeros artistas e bandas, músicas em praticamente todos os géneros musicais. Isso na verdade daria azo a um texto por si só (talvez o escreva no próximo ano). 

 

Para este, o que interessa é que a MTV, durante os intervalos, costumava passar excertos dos vários videoclipes em rotação naquele momento – incluindo, por exemplo, My Happy Ending e Nobody’s Home de Avril Lavigne – e Breaking the Habit era um deles. Ainda assim, na altura a música não me cativou logo, só o faria anos mais tarde. 

 

Diz que Breaking the Habit foi uma letra que Mike tentava escrever havia cinco anos. Durante os trabalhos de Meteora, eles compuseram um instrumental de dez minutos, eletrónico, com violinos, com a ideia de usá-lo como interlúdio. Os colegas, no entanto, convenceram Mike a convertê-la numa canção como deve ser. Mike voltou a pegar na ideia antiga e conseguiu concluí-la em duas horas. 

 

Mike refere muitas vezes Breaking the Habit como exemplo quando as pessoas parecem convencidas de que os Linkin Park só fazem música pesada e assim se devem manter e/ou quando as pessoas – incluindo os próprios colegas – acusam Meteora de ser Hybrid Theory parte 2.

 

– Breaking the Habit não tem guitarras – costuma dizer ele – não tem o Chester aos gritos, tem violinos, é uma música muito eletrónica. Nunca se encaixaria em Hybrid Theory. Estão a ver? Meteora é completamente diferente de Hybrid Theory!

 

Claro que aqui estou a exagerar para efeito cómico, mas Mike não está errado. Breaking the Habit é quiçá o maior exemplo da expansão do som dos Linkin Park em Meteora. E estou certa de que ninguém imagina Meteora (ou os próprios Linkin Park) sem Breaking the Habit. É demasiado icónica. 

 

 

Uma palavra para a demo incluída em Meteora20, cantada por Mike. A letra é ligeiramente diferente da versão do álbum, mas não é disso que quero falar – é da vozinha do Mike. Sei que isto não foi de todo trabalhado para ser editado como deve ser. É apenas Mike cantando para “um microfone mau”, sem efeitos, sem sequer se esforçar por cantar bem – ele não é nenhum Chester, mas todos sabemos que o Mike consegue cantar melhor do que aquilo. É apenas um rascunho da melodia para servir de guia para Chester fazer aquilo que melhor fazia. O próprio Mike admitiu que se expôs ao embaraço ao incluir esta demo em Meteora20. 

 

Dito isto tudo, sabendo isto tudo… eu fartei-me de rir quando ouvi esta demo pela primeira vez. 

 

E de qualquer forma, como disseram no YouTube, é assim que soamos quando nós, simples mortais, tentamos cantar como Chester. Ainda assim, eu acho que consigo cantar um bocadinho melhor do que aquilo, mas pronto. 

 

Durante muito tempo pensou-se que a letra de Breaking the Habit era sobre toxicodependência – talvez inspirada por Chester ou, como cheguei a ler num sítio qualquer, por um amigo ou conhecido de Mike. Mike desmentiu essa teoria há pouco tempo. Nesta fase do campeonato – Hybrid Theory e Meteora – as letras dos Linkin Park eram mais abstratas, focando-se menos em situações específicas e mais numa determinada emoção. Mike chegou a explicar que às vezes, quando ele e Chester escreviam letras em conjunto, cada um deles pensava em cenários diferentes. 

 

E, conforme referem neste artigo, o facto de as letras se focarem mais nas emoções em si em vez de cenários mais concretos poderá ter sido fulcral para Meteora e Hybrid Theory terem repercutido tanto entre adolescentes. Gente ainda sem a inteligência emocional para compreenderem o que estavam a sentir e porquê.

 

 

E a letra de Breaking Bad é particularmente sombria, mesmo quando comparada com o resto de Meteora. O narrador está em sofrimento profundo, em guerra consigo mesmo, possivelmente sem que os outros em volta reparem. 

 

O verso “You all assume I’m safe here in my room” chega a ser assustador. Sobretudo se o imaginarmos num contexto de família: pais que não sabem o que se passa quando os filhos estão sozinhos. Podem estar a consumir drogas, podem estar a ser abusados por pessoas próximas ou online, podem estar a auto-mutilar-se ou, pura e simplesmente, a sofrer com depressão, ansiedade ou outra doença mental. O próprio Chester costumava dizer que a sua mente era um lugar hostil, que ele não devia explorar sozinho. 

 

Na mesma linha, em “Clutching my cure”, suspeito que a cura poderá não ser bem uma cura. Pelo contrário, poderá ser um “coping mechanism” pouco saudável.

 

O narrador percebe, no entanto, que algo tem de mudar, que tem de terminar este ciclo – de uma boa forma ou de uma má forma (não me peçam para explicar a má forma). Os versos “I’ll never fight again and this is how it ends” podem ser interpretados como apontando para a segunda opção.

 

Eu no entanto prefiro acreditar que, bem, o hábito foi quebrado da melhor forma: o narrador abandonou a situação tóxica, largou as más práticas e procurou ajuda. Prefiro acreditar que Breaking the Habit deixa uma mensagem de esperança, semelhante a Somewhere I Belong, apesar do tom sombrio. 

 

Regressando à génese da música, como vimos acima, Mike escreveu a letra. Ao lê-la, o Chester reviu-se de tal maneira que se desfez em lágrimas. Durante as gravações, tinha de interromper a cada dois versos para chorar. 

 

 

Depois disto, Breaking the Habit passou a ser a música preferida do Chester, passou a ser a música do Chester, a história dele – mesmo que tenha sido o Mike a escrevê-la sobre outra coisa qualquer. Depois de ter sabido desta, arrependi-me de pelo menos parte das críticas que teci a One More Light por o Mike ter escrito letras do ponto de vista do Chester. Penso ter ouvido o Chester dizer há uma data de anos, já não me lembro onde, que quando cantava Breaking the Habit ao vivo sentia tudo de novo – dá para ver em vídeos como este. Breaking the Habit tornou-se tão a música do Chester que ninguém a cantou no concerto de homenagem no. Hollywood Bowl e o Mike nunca a tocou na digressão Post Traumatic. 

 

Falta falar sobre o videoclipe. Nunca liguei muito aos videoclipes dos Linkin Park (aqui entre nós, os AMVs que montei ficaram melhores que os respetivos vídeos oficiais), mas deste tenho de falar. Um vídeo animado, realizado por Joe Hahn em colaboração com estúdios de animação japoneses. 

 

Linkin Park e anime sempre casaram bem, em parte graças a este vídeo. Uma grande parte do impacto da música dos Linkin Park refletiu-se nos AMVs, começando nos primórdios do YouTube (ou mesmo antes?). Eu mesma contribuí para isso, ainda que vim vários anos de atraso. Mike revelou, aliás, que queria lançar um AMV para Lost, precisamente para prestar homenagem a isso. Só que is estúdios de animação japonesa são muito ciosos do seu material e não deixaram. 

 

É uma grande pena. 

 

Regressando ao vídeo de Breaking the Habit, na preparação desta análise, vi-o por completo pela primeira vez em vários anos e… au! Começa logo com uma cena de morte por suicídio: de Chester. 

 

Acho estranho isto não ter sido mais comentado ao longo dos últimos anos, que eu tenha visto pelo menos. Mas, sinceramente, foi pelo melhor. 

 

 

De resto, o vídeo mostra várias personagens em situações más, em sofrimento. A partir de certa altura, no entanto, as cenas começam a rebobinar. Da maneira como vejo, é a determinação do elenco em abandonar os maus hábitos que faz com que as situações voltem para trás, que faz com que os finais das histórias mudem.

 

E eu daria tudo para que o mesmo tivesse acontecido na vida real.

 

Chegámos finalmente a Numb – um caso óbvio de “last but not least”, provavelmente a música mais conhecida dos Linkin Park, a par de In the End. As notas de teclado na introdução são absolutamente icónicas, daquelas que toda a gente conhece. Quando era mais nova, costumava erguer a minha mão fechada durante a introdução, para a abrir quando entravam as guitarras elétricas – como que libertando a explosão (também fazia isso com Pushing Me Away). 

 

Também gosto imenso do piano nesta música.

 

Pode-se argumentar que Numb funciona como um resumo, uma conclusão do conceito de Meteora, pelo menos em termos de letra. Para além de falar de apatia e de cansaço, é a que melhor explora a ideia de supressão e mesmo mudança da própria identidade para agradar a outra pessoa. Uma vez mais, esta situação poderia aplicar-se a relações românticas – sobretudo se uma das partes se apaixonou por uma ideia que tinha da pessoa e não pela pessoa em si. 

 

Mas Numb marcou a adolescência de inúmeros por um motivo – mais do que qualquer outra explorando temas assim em Meteora, pois foi single. Toda a gente se identifica com Numb a certa altura da sua vida. Mesmo nas famílias mais saudáveis, todos têm uma ideia, uma expetativa de quem os filhos são, de quem se vão tornar. Procuram empurrá-los numa determinada direção, muitas vezes com boas intenções, até. O próprio Mike escreveria vários anos mais tarde, em Invisible, sob essa perspetiva.

 

 

No entanto, quase sempre (para não dizer sempre) os filhos contrariam esses planos. Faz parte do crescimento: a partir de certa altura, todos nós temos de nos libertar das expectativas dos demais, cometer os nossos próprios erros, traçar o nosso próprio caminho, abraçarmos quem realmente somos. Daí Numb ter uma mensagem tão universal (que eu sempre achei semelhante à de Nobody’s Fool, de Avril Lavigne). 

 

Eu adoro Numb. Foi uma das primeiras a cativar-me em 2007, no tal mp3 cheio de música dos Linkin Park. Mas, tenho de confessar: gosto um bocadinho mais de Numb/Encore.

 

Estava com receio de que o Collision Course fosse esquecido no meio do hype em torno de Meteora20. Afinal de contas, o vigésimo aniversário é só em finais do próximo ano. Felizmente não foi o caso – têm falado dele nalguns entrevistas.

 

Não que alguma vez tenha dado muita rotação a Collision Course – devia fazê-lo. No entanto, Numb/Encore tem elevado valor nostálgico para mim. Foi a segunda canção dos Linkin Park que conheci e a primeira a cativar-me. Fartava-se de ver o videoclipe na MTV e afins – há certas cenas do vídeo que ficaram logo gravadas na minha memória (espero que metam o vídeo em HD em breve, como fizeram com os de Meteora). Também me lembro de a ouvir na rádio da minha escola secundária.

 

Uma das partes que mais gosto é do acompanhamento, que reutiliza o melhor da versão original: a sequência no teclado e o piano. Gosto das partes do Jay Z quanto baste – nunca liguei muito à letra de Encore. É o típico braggadocio do rap que nunca foi a minha praia, mas que aqui tolero. 

 

 

Tirando isso, creio que o principal motivo pelo qual adoro Numb/Encore é nostalgia – pelo menos noventa por cento. Não consigo explicar, só sei que o meu sangue se enche de serotonina ao ouvir esta música. 

 

Nas últimas digressões, os Linkin Park ganharam o hábito de incluir o refrão de Numb/Encore no início e no fim das apresentações de Numb – alterando um dos versos para “Cooking raw with the LA boys”. Fizeram-no no Rock in Rio 2014, por exemplo (embora tenham mantido o "Brooklyn"), e na versão ao vivo de Numb imortalizada no One More Light Live. Gosto da piscadela de olho. 

 

Os Hybrid Theory, aliás, fizeram o mesmo no Pavilhão Atlântico. Eles por sua vez cantaram “Cooking raw with the HT boys”, o que faz sentido. Mas, aqui entre nós, tenho uma certa pena que não tenham cantado “Cooking raw with the Lagos boys” (eu explico mais tarde), mas pronto.

 

Não posso falar de Numb/Encore sem falar de Numb/Encore/Yesterday (títulos alternativos são Yesternumb ou Yesternumbencore). Como vimos acima, os Grammys ignoraram criminalmente Meteora, mas ao menos Numb/Encore foi nomeada para Melhor Dueto cantado ou em rap (não sei se é essa a tradução) e ganhou. Jay Z e os Linkin Park foram convidados para atuar na cerimónia dos Grammys, mas não lhes apeteceu cantar Numb/Encore outra vez – já o tinham feito no Roxy Theatre e no Live 8 – quiseram fazer algo diferente. Como Sir Paul McCartney ia estar presente na cerimónia, Mike e Brad Delson (guitarrista) resolveram fazer qualquer coisa com uma música dos Beatles. Yesterday encaixava-se bem num mash-up com Numb/Encore e Sir Paul aceitou cantá-la com Jay Z e os Linkin Park.

 

 

Ficou uma versão muito gira. Não existe áudio oficial, mas estava incluída no tal mp3 do meu irmão – só anos mais tarde é que me apercebi que Sir Paul também cantava. Na altura estava a ter aulas de guitarra e um dia o meu professor comentou comigo que Yesterday era das canções com mais versões no mundo. Eu falei-lhe desta, mas tive uma branca e não me lembrava do nome do Jay Z – só me recordava que era o namorado da Beyoncé (acho que ainda não estavam casados). 

 

Fica esta historieta pessoal.

 

Este mash-up também tem um valor especial porque consta que foi um dos momentos mais felizes da vida de Chester: cantar ao lado de Sir Paul, um dos seus heróis. Fico feliz por ele. 

 

Passemos agora às B-sides presenteadas em Meteora20. Essencialmente são cinco: Lost, Fighting Myself, More the Victim, Massive e Healing Foot. As outras que não são versões beta de outras músicas estão incompletas – ou então são Sold My Soul to Your Mama. Das cinco que referi acima, a única de que não gosto muito é Healing Foot. Adoro todas as outras, cada uma pelos seus próprios motivos, conforme explicarei de seguida.

 

Começando por Lost, claro. Este foi o primeiro single de Meteora20, lançado em meados de fevereiro. Como Mike e os outros já se fartaram de contar, Lost esteve muito perto de entrar no alinhamento final de Meteora. No entanto, era demasiado parecida com Numb (mais sobre isso adiante) e decidiram deixá-la de fora. Mike e os outros hoje garantem que sempre gostaram da música e que esperavam lança-la como B-side ou assim, mas não calhou. Quando avançaram para Minutes to Midnight, decidiram não olhar para trás, fazer tábua rasa dos seus métodos e esqueceram-se de Lost.

 

 

Ainda assim, partes do instrumental de Lost já eram conhecidas dos fãs mais hardcore da banda. Dá para ver no vídeo acima Chester cantando sobre este instrumental no Making of Meteora – Mike já confirmou que foi uma fase do desenvolvimento de Lost. O instrumental também aparece num par de vídeos antigos da LPTV.

 

Eu simpatizo com estes fãs ​​– e com aqueles, como este, que andavam há quase vinte anos à espera de Healing Foot (mais sobre isso já a seguir). Não tenho e nunca terei este nível de hardcore pelos Linkin Park, mas estive perto disso há uns quinze anos, mais coisa menos coisa, com Avril Lavigne. Ainda hoje tenho esperança de ouvir Daydream por completo na voz dela e de ouvir vocais neste instrumental espetacular (mesmo que até nem seja uma música dela).

 

Regressando a Lost, esta foi encontrada numa hard drive qualquer, quando os membros da banda e os seus colaboradores andavam à procura de material para Meteora20, praticamente pronta para ser editada.

 

Percebo porque é que Lost ficou de fora. Tem de facto muitas semelhanças com Numb em termos de estrutura: uma sequência de notas de teclado e/ou eletrónicas na abertura que servem de imagem de marca, guitarras elétricas juntando-se a elas (convidando-me a fazer o gesto que descrevi acima, de libertar a explosão), Chester cantando-a toda, Mike dizendo algumas frases no pré-refrão.

 

A voz de Chester soa tão bonita que dói. Como Brad gosta muito de assinalar, suave nas estâncias, poderosa e agressiva no refrão. Não admira que tenha deixado uma data de homens adultos a chorar no YouTube.

 

 

Confesso que gosto um bocadinho mais da mistura de 2002. É um pouco menos eletrónica, os instrumentos ouvem-se melhor. E fez com que me apercebesse que Lost também tem semelhanças com In the End, sobretudo na terceira parte.

 

A letra fala de alguém que está preso ao passado, a um passado doloroso. O narrador não consegue libertar-se das más recordações, sobretudo quando está sozinho, sem nada que o distraia da sua própria cabeça. É um tema muito Linkin Park, um tema muito Chester. Um cenário que se encaixa no “You all assume I’m safe here in my room” de Breaking the Habit, feridas que não saram, dor difícil de controlar, como em Crawling, uma mente que é um lugar hostil, como em Heavy e Papercut.

 

Lost está a ser o maior sucesso dos Linkin Park em anos, deixou, como referido acima, muita gente emocionada ao ouvir Chester de novo. Por um lado fico confusa – não me lembro de uma reação assim quando saiu Cross Off em 2019 ou quando saíram as faixas inéditas de Hybrid Theory no vigésimo aniversário, como She Couldn’t e Pictureboard.

 

Bem, não vou dizer que não compreenda. Cross Off não é uma música de Linkin Park (mas é excelente, oiçam-na). Por sua vez, She Couldn’t e Pictureboard têm qualidade de demos. Em contraste, Lost estava pronta para ser editada e… é fantástica.

 

Por isso sim, concordo com a opinião popular. Não lamento que não tenha sido editada com o resto da Meteora original, sobretudo se o preço fosse deixar Numb de fora – inconcebível! E, de certa forma, Deus escreveu direito por linhas tortas pois Lost está a ter o momento que merece, mesmo que com vinte anos de atraso. Dificilmente o teria se Lost tivesse sido lançada apenas como B-side.

 

Fighting Myself foi o segundo avanço de Meteora20, lançado algumas semanas depois de Lost. De início, pensei que era outra que estivera perto de alinhar na edição-padrão de Meteora. Pelos vistos não foi o caso. Consta que, durante muito tempo, Mike pensava que só existia uma versão com o seu rap, sem a voz de Chester. Mas depois alguém encontrou os ficheiros com os vocais e conseguiram fazer a mistura. Mike disse que, ainda assim, Fighting Myself não está bem no ponto. Se fosse para editá-la como deve ser em Meteora, ainda passaria por uma última ronda de produção.

 

 

Mike percebe melhor disto do que eu, mas a mim a música parece-me acabada. Enfim.

 

Gosto muito de Fighting Myself. É clássico Linkin Park: acompanhamento rock (com um sample lindíssimo da voz de Mike), rap e melodia de Chester. Gosto do ritmo do rap, combina bem com o instrumental, sobretudo com a bateria. 

 

Um dos meus momentos preferidos ocorre depois do segundo refrão, com a bateria e os acordes de guitarra. Recorda-me a terceira parte de Papercut, durante o “The face inside is right beneath the skin”.

 

O tema de Fighting Myself é muito parecido com o de Lost: sofrimento interior, esforço por ocultar esses sentimentos dos demais (com fracos resultados), incapacidade em deixar o passado no passado. Na terceira parte da música, Chester repete algumas vezes a expressão “inside of me”, o que me recorda a música com o mesmo nome de Dead By Sunrise

 

Destas cinco inéditas, na minha opinião, More the Victim é a mais interessante em termos de letra. Fala sobre pessoas que, lá está, gostam de se fazer de coitadinhas, que entram em competição para decidir quem tem a vida mais difícil. Conheço pessoas assim – aliás, acho que é uma coisa muito portuguesa. 

 

E nunca gostei. Concordo que existem pessoas com pior sorte na vida que outras e existem "problemas de primeiro mundo". Mas ninguém tem exclusividade sobre o sofrimento. Há quem se afogue em três metros de profundidade, há quem se afogue em meio metro. Ouvir alguém desabafar e responder com "Ah, isso não é nada comparado com os meus problemas" é de uma profunda falta de empatia – talvez mesmo uma variante da ditadura do pensamento positivo. Problemas são problemas, isto não é um concurso. 

 

 

Consta que a letra de More the Victim foi inspirada por um conhecido de Chester. Alguém que tentava pintar-se como menos afortunado que qualquer um. 

 

Se me permitem o humor negro, este tipo tentou mesmo competir com Chester Bennington por quem tinha uma vida mais difícil? 

 

Parece que o Chester estava verdadeiramente irritado enquanto contava a história ao Mike. Este praticamente empurrou-o para dentro da cabine de gravação, para que o Chester pudesse canalizar a sua raiva para a música. 

 

Em termos de sonoridade, esta é outra que é clássico Linkin Park: rap de Mike, melodia de Chester. Gosto imenso do instrumental – das notas de abertura, dos violinos e sobretudo da bateria. E adoro o refrão, adoro a interpretação de Chester. Dá-me vontade de dar headbangs, de cantar em altos berros. 

 

Aparentemente, os Linkin Park acharam que era demasiado pop para Meteora (ou talvez se estivessem a referir a Cumulus, uma versão beta de More the Victim que de facto é mais pop que o produto final). Talvez tivessem razão, mas fico com pena que não a tivessem aproveitado para Minutes to Midnight. Eu diria que é a minha preferida das B-sides, mas é difícil escolher. 

 

Existe uma história engraçada por detrás do título Healing Foot. Durante um concerto, Brad irritou-se com um problema técnico qualquer, pontapeou uma porta e partiu o pé (homens…). O evento inspirou o título para uma das demos de Meteora, Broken Foot, e mais tarde, uma outra, Healing Foot. 

 

 

É algo que eles fazem: usar palavras ao calhas como nomes provisórios para demos e ficheiros de música. Por vezes esses títulos sobrevivem até ao produto final, como por exemplo Faint e Figure.09. 

 

Broken Foot também foi editada em Meteora20. Infelizmente não parece ter grandes semelhanças com Healing Foot. Seria engraçado se Broken Foot fosse uma versão beta de Healing Foot. 

 

Como referi acima, esta é outra música de que os fãs estavam à espera há quase vinte anos. Desta feita, foi por causa deste excerto dos Making Of Meteora, do baterista Rob Bourdon tocando bateria sobre o instrumental de Healing Foot. 

 

Esta música abre com uma sequência de notas agudas de piano que lhe servem de imagem de marca, antes de os outros instrumentos se juntarem – como Numb ou Lost. Há aqui uma certa incongruência entre o piano, que soa quase a uma canção de embalar, o resto do acompanhamento mais pesado e a voz agressiva de Chester. Eu gosto.

 

Tirando isso, como disse acima, é a de que gosto menos das inéditas de Meteora. Não me diz muito.

 

A última música sobre a qual quero falar é Massive. Não que tenha muito a dizer sobre a sua letra e instrumental – ambos são OK. Para mim Massive é especial por ser uma nova prova de que Mike começou a cantar antes de Minutes to Midnight. Hybrid Theory teve So Far Away, de que ainda hoje gosto bastante, Meteora tem Massive. 

 

 

É possível que Mike tenha gravado estes vocais apenas para servirem de guia para Chester mas, sinceramente? Não sei se soaria melhor na voz de Chester – não teria o mesmo carácter, pelo menos. Gosto imenso da interpretação de Mike e não sou a única – são vocais naturais, sem efeitos. O problema é que a mistura não está muito bem feita – os instrumentos por vezes sobrepõem-se à voz de Mike. 

 

O pior é que aquele totó nem sequer se lembrava de ter cantado em Massive. Andava a estranhar os tweets que recebeu na altura em que Meteora20. E não concorda com os elogios (A sério, Shinoda…?). 

 

Se quisessem editar Massive em Meteora ou noutro álbum qualquer, Mike teria de ser o principal vocalista. Chester ficaria nos vocais de apoio, talvez no refrão, harmonizando com Mike, como tanto gosto. 

 

Como disse acima, existe mais material extra em Meteora20, mas sobre o qual não tenho muito a dizer. Os instrumentais em geral são muito fixes e vou mantê-los em rotação.

 

E é isto Meteora, essencialmente. Continuo a preferir Hybrid Theory e Living Things por uma quesão de sentimentalismo, mas consigo ver porque é o preferido de muitos. Além disso – no que toca à edição-padrão, claro – durante muito tempo liguei mais à sonoridade das músicas do que às letras (tal como já tinha acontecido com Hybrid Theory). Escrever esta análise permitiu-me dar a devida atenção a essa faceta e compreender ainda melhor porque é que Meteora ressoou com tantos de nós, sobretudo enquanto adolescentes. 

 

Ao mesmo tempo, continua a ter muitas semelhanças com Hybrid Theory. Compreendo o motivo pelo qual os Linkin Park sentiram necessidade de fazer tábua rasa para Minutes to Midnight – mesmo que nem esse álbum nem os posteriores tenham tido a aclamação que os dois primeiros tiveram. Eu pelo menos acho que veio muita coisa boa depois de Meteora… mas vou guardar essa conversa para textos futuros.

 

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Já que falo disso, em princípio, o próximo álbum dos Linkin Park sobre o qual escreverei será A Thousand Suns. No ano passado, dei-lhe a oportunidade que lhe devia há muito tempo e não me arrependi. 

 

Por outro lado, fi-lo no início da invasão da Ucrânia por parte da Rússia. Ouvir A Thousand Suns numa altura em que se temia que os russos recorressem a armas nucleares foi… desagradável.

 

Estou a pensar escrever essa análise em 2025, a propósito do seu décimo-quinto aniversário. Depois, em 2027, lá escreverei sobre Minutes to Midnight e já terei coberto todos os álbuns de estúdio dos Linkin Park. Isto é… se nada mudar entretanto.

 

Mais sobre isso na próxima parte deste texto. Sim, ainda não acabámos, ainda há muito sobre que falar. Devo avisar, algumas das coisas serão pesadas. 

 

Em todo o caso, obrigada pela vossa visita. Continuem por aí.

Vinte anos de Meteora e outras coisas que mexem com as emoções #1

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No passado dia 25 de março, o segundo álbum de estúdio dos Linkin Park, Meteora, completou vinte anos desde a sua edição. Tal como já tinha acontecido com o seu antecessor, Hybrid Theory, a banda lançou uma edição comemorativa desse vigésimo aniversário com uma série de conteúdo extra: demos, versões ao vivo, faixas inéditas, o documentário do making of, entre outras coisas. Assim, tal como já tinha feito com Hybrid Theory, vou aproveitar a ocasião para escrever sobre Meteora. 

 

Tal como já tinha acontecido com Hybrid Theory, esta análise focar-se-á sobretudo na edição-padrão deste álbum. Não vou, no entanto, deixar de referir as demos lançadas na edição de vigésimo aniversário (vou passar a chamar-lhe Meteora20, por uma questão de simplicidade) quando achar relevante. E, claro, hei de falar de Lost e das outras inéditas. Como sempre, tenho imenso a dizer, logo, este texto virá dividido em três partes, mas só as duas primeiras é que se focarão na Meteora propriamente dita. Na última, vamos falar de um tipo diferente de Hybrid Theory – o excelente tributo português aos Linkin Park – e também sobre outros aspetos relacionados com a banda.

 

Vamos a isso, então. Meteora.

 

Antes de mais nada, contexto. Como toda a gente sabe, o álbum Hybrid Theory foi um sucesso monstruoso. Foi sugerido aos Linkin Park começarem a trabalhar num segundo álbum assim que possível, para aproveitarem a onda. Os trabalhos começaram ainda no autocarro da digressão – mais ou menos em paralelo com os trabalhos para Reanimation – ainda que não tenham aproveitado muito do que produziram, tirando coisas para samples. Por exemplo, aquele que deu origem a Somewhere I Belong terá saído desta fase. Em 2002, começaram a gravar no estúdio caseiro de Mike Shinoda – vocalista/rapper, compositor, multi-instrumentista, cérebro dos Linkin Park e no geral uma das pessoas mais fixes de sempre – e os trabalhos para o álbum durante o resto do ano.

 

Por esta altura, andava a circular pela imprensa musical um rumor de que os Linkin Park tinham, na verdade, sido fabricados pela editora, que eram pouco melhores que uma boysband.

 

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O que é irónico, tendo em conta a vida negra que a editora lhes fez durante os trabalhos de Hybrid Theory, como já tinha comentado quando escrevi sobre esse álbum. Nas entrevistas a propósito de Meteora20 descobri, por exemplo, que uma pessoa na editora quis expulsar Mike e meter um cantor de reggae em In the End.

 

O que é que aquela gente andava a fumar?

 

Uma das condições que os Linkin Park impuseram para voltarem a trabalhar com Don Gilmore foi que este os protegesse melhor do assédio da editora. Mas também, depois do sucesso de Hybrid Theory, claro que a editora ia deixá-los fazer o que quisessem.

 

Em todo ocaso, este tipo de comportamento por parte da comunicação social é uma das coisas de que não tenho saudades em relação ao início dos anos 2000. A Avril teve de lidar com o mesmo género de má-língua na altura. Na minha opinião não tinham de fazê-lo mas, para desmentir esses rumores, os Linkin Park decidiram filmar os trabalhos de Meteora – e acabaram por fazer o mesmo com todos os álbuns depois desse. Daí pérolas como esta e esta.

 

O nome Meteora foi inspirado por umas formações rochosas no centro da Grécia, onde está construído um complexo de mosteiros ortodoxos. Segundo os membros da banda, essas formações representam o carácter do álbum: conjugação de elementos que ninguém imaginava que fossem compatíveis, um misto de Natureza e obra humana, algo grandioso, quase sobrenatural. Pessoalmente, o nome Meteora lembra-me "meteoro" ou "meteorito", faz-me pensar em eventos astronómicos, o que também se encaixa no tema. 

 

Umas palavras sobre a minha história com este álbum. Só em 2017 é que ouvi estas músicas em contexto de álbum, quando comprei Meteora em CD (tal como Hybrid Theory). Durante muitos anos, ouvi-as em modo aleatório, à mistura com o resto da discografia dos Linkin Park, ou integradas noutras playlists. Como escrevi na análise ao primeiro álbum, a maior parte das músicas que preferia vinham de Hybrid Theory. No que toca a Meteora, preferia os singles e, vá lá, Figure.09. 

 

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É por isso que, apesar de concordar que Meteora é objetivamente o álbum melhor, gosto mais de Hybrid Theory: porque me afeiçoei mais depressa às músicas. E, em minha defesa, os próprios Linkin Park também parecem gostar mais do seu primeiro álbum. No que toca a concertos, nunca deixaram de dar rotação a músicas como With You e Points of Authority – enquanto temas como Easier to Run, Hit the Floor e Don’t Stay desapareceram relativamente depressa dos alinhamentos.

 

No entanto, quando ouvi o CD do princípio ao fim em 2017, gostei muito. Estas músicas mereciam mais atenção por parte da banda – isto é, antes desta edição de aniversário, claro.

 

Há quem acuse Meteora de ser um Hybrid Theory parte 2. Não estão completamente errados, mas não acho os dois álbuns assim tão parecidos. Diria que Meteora não é uma repetição de Hybrid Theory e sim uma expansão. Atinge um bom equilíbrio (não um perfeito equilíbrio) entre recriar aquilo que funcionou no seu antecessor e experimentar coisas novas. Não é fácil.

 

Claro que algumas faixas de Meteora encaixariam bem em Hybrid Theory. O exemplo mais óbvio é Easier to Run – musicalmente soando como uma Crawling 2.0. O instrumental é parecido, o estilo das melodias é parecido (vá lá, o refrão não é tão absurdamente agudo), a estrutura é parecida.

 

Dito isto, a certa altura Mike chamou a atenção para a bateria, surpreendentemente complexa, algo que nenhum baterista iniciado conseguiria tocar. Tem razão, de facto. Sugiro que oiçam, também, a demo instrumental Interrogation, onde se nota um bocadinho melhor. 

 

Não me interpretem mal. A musicalidade de Easier to Run é ótima. Estes elementos já tinham funcionado em Crawling, voltaram a funcionar aqui, mesmo sendo demasiado derivativo.

 

 

A letra de Easier to Run fala, como diz o título, de ser mais fácil fugir aos problemas do que tentar resolvê-los. Ser mais fácil suprimir os sentimentos negativos do que procurar lidar com eles, com ou sem ajuda, e adotar comportamentos mais saudáveis. 

 

Quem nunca?

 

Os Linkin Park depressa deixaram de tocá-la em concerto. Mais tarde, os membros da banda confessariam não gostar muito de Easier to Run, descrevendo-a como “melodramática”. Consigo compreender até certo ponto, mas o tema da letra é muito universal e faz sentido no contexto do resto de Meteora – incluindo as faixas-extra Lost e Fighting Myself.

 

Além de que Easier to Run é uma daquelas músicas dos Linkin Park que se torna trágica à luz da morte por suicídio do vocalista Chester Bennington, em 2017. Uma prova que todos dispensávamos daquilo que é senso comum: fugir não resulta a longo prazo. 

 

Claro que ninguém tem o direito de tecer juízos de valor sobre quem tem estes comportamentos escapistas, mesmo auto-destrutivos. Se aprendemos alguma coisa nos últimos anos, com toda esta conversa sobre saúde mental, é que muitas vezes as pessoas não conseguem lidar com estas coisas sozinhas. Muitas vezes é preciso ajuda.

 

Que isto sirva de lembrete a vocês, caros leitores, para pedirem ajuda caso estejam a passar por dificuldades em termos de saúde mental – tal como o narrador de Easier to Run e de, bem, a larga maioria de Meteora. 

 

Tirando este aspeto, no entanto, não adoro Easier to Run. Prefiro Crawling. Na minha opinião, executa melhor o conceito de música melodramática e estou mais afeiçoada a ela – penso que não sou a única.

 

 

Por sua vez, Figure.09 é uma das minhas preferidas em Meteora. Tem uma sonoridade muito Hybrid Theory (não lhe chamaria uma One Step Closer 2.0, mas o instrumental tem algumas semelhanças), podia ter sido incluída nesse primeiro álbum e ninguém daria pela diferença. Tive uma altura em que pensava que Figure.09 fazia parte do primeiro álbum. Tem aquela energia contagiante que caracteriza a larga maioria de Hybrid Theory – e que eu adoro. A edição de aniversário de Meteora inclui duas demos para Figure.09. É engraçado pois a Figure.09 parece uma combinação de ambas. 

 

A letra de Figure.09 é interessante. Parece ser sobre uma antiga relação abusiva – pode ser romântica ou não. As recordações dos maus tratores são tão marcantes, tão vívidas, que se tornaram parte da personalidade do narrador. Encaixa-se naquele que será o maior tema recorrente em Meteora: supressão da própria identidade. E na pior das hipóteses, em situações como esta, se a pessoa não tem cuidado, arrisca-se a perpetuar o ciclo de maus tratos.

 

Como disse acima, esta é uma das minhas preferidas neste álbum. E este ano está a ser engraçado com Meteora20, pois os Paramore lançaram uma música chamada Figure 8.

 

Pode haver quem inclua Don’t Stay nas que se assemelham ao estilo de Hybrid Theory. Concordo até certo ponto. Durante muito tempo considerei-a uma faixa quase puramente rock, com as guitarras elétricas e Chester cantando um verso em screamo no meio das estâncias – um estilo que, tanto quanto me lembro, não aparece em mais nenhuma música dos Linkin Park. Só recentemente, ao pesquisar para este texto, é que reparei melhor em elementos como a percussão de hip-hop e o solo do DJ Joe Hahn arranhando discos. 

 

Um instrumental muito bem conseguido, em suma.

 

 

Uma vez mais, em Don’t Stay o narrador está numa situação ou numa relação em que não se sente bem. Em que, lá está, sente que está a perder a sua identidade, a transformar-se em algo de que não gosta.

 

Por fim, temos Numb. Já tinha escrito a propósito de Hybrid Theory que esta soa a uma versão melhorada de Pushing Me Away. Eu no entanto não agrupo Numb juntamente com Easier to Run e as outras de que falámos antes. Numb é demasiado grande, demasiado icónica, com imenso carácter e peso. Sim, provavelmente não existiria se não fosse Pushing Me Away, mas Numb cresceu muito além de uma nova versão de uma música pré-existente. 

 

De tal forma que não vou falar dela para já. Fica para mais à frente.

 

Falemos, então, sobre músicas que pintam fora das linhas traçadas por Hybrid Theory. O primeiro single, Somewhere I Belong, já representa uma ligeira expansão. Sempre a considerei uma balada, ainda que dentro da fórmula rap-sobre-rock dos primeiros anos dos Linkin Park. Um ritmo mais pausado e sentido. 

 

A letra, aliás, está um passo à frente do espírito de Hybrid Theory e mesmo de outras partes de Meteora. Como em noventa por cento da discografia dos Linkin Park, mais coisa menos coisa, o narrador de Somewhere I Belong encontra-se numa situação má. A diferença em relação às demais é o desejo de mudança, determinação em fazer o trabalho necessário para sair do buraco e encontrar, se não a felicidade, pelo menos um alívio para a dor constante. “I will never know myself until I do this on my own”

 

From the Inside tem algumas semelhanças com Somewhere I Belong no sentido em que a vejo um pouco como uma balada – pelo ritmo mais lento e pela maneira como Chester canta nas estâncias. Gosto imenso do riff introdutório, como que indiciado algo épico. A letra fala essencialmente de, uma vez mais, tormenta interior e não confiar na outra pessoa. 

 

 

A demo de From the Inside, Shifter, é interessante. Tem mais rap – aliás, Mike canta tudo, o rap e as partes melódicas. A letra é intrigante – muito à moda de Meteora, fala sobre dificuldades em corresponder às expectativas dos outros.

 

Não tenho muito mais a dizer em relação a From the Inside. Não está entre as minhas preferidas.

 

Outra de que não gosto por aí além é Hit the Floor. Combina batidas hip-hop com acordes pesados de guitarra elétrica, rap de Mike nas estâncias e refrão de Chester em screamo e rap. A letra foge ao padrão de Meteora. Fala sobre pessoas que ascendem a posições de poder, muitas vezes à custa de outros, sem noção da posição precária em que se encontram. De que podem perder tudo a qualquer momento. 

 

Gosto muito mais de Lying From You, sobretudo pela musicalidade. Começa com notas de teclado, a que se juntam as guitarras pesadas. Uma vez, temos a estrutura clássica dos Linkin Park, estâncias em rap pontuadas por versos cantados, Chester no refrão. 

 

Gosto imenso deste refrão, aliás.

 

A minha parte preferida é a terceira. Nem sequer consigo descrever bem o que as guitarras estão a fazer: ganham um tom grave, dramático, criando um efeito de “descida” que fica excelente.

 

 

Uma vez mais, temos uma letra que descreve uma relação em que a outra parte não aceita o narrador tal como é. Uma vez mais, pode ser uma relação romântica, pode ser a relação de um adolescente com os adultos da sua vida – os versos “I remember what they taught to me, remember condescending talk of who I ought to be” aplicam-se bem a esse cenário. Em Lying From You, o narrador está a tentar ser a pessoa que os outros querem que seja, está a tentar manter a máscara, mas, subconscientemente ou não, começa a ter atitudes que desagradam à outra pessoa, como forma de afastá-la.

 

Não seria mais fácil terminarem de uma vez? 

 

Nobody’s Listening é uma das mais interessantes musicalmente em Meteora. Mais do que qualquer outra, esta é uma música hip-hop: usando um sample de High Voltage e outro de shakuhachi, uma flauta japonesa feita de bambu, como tem sido amplamente comentado. Consta que, na altura, a banda estava preocupada por ser um som demasiado diferente do resto do álbum, mas depois criaram um refrão mais rock, com vocais de Chester, para fazer a ponte com o resto de Meteora.

 

Não sei como é com vocês, mas gosto muito do resultado final. Tem aquele je ne sais quoi do hip-hop de meados dos anos 2000.

 

O meu primeiro contacto de que me recordo com Nobody’s Listening foi no mash-up com Step Up e It’s Going Down. O áudio fazia parte do mp3 cheio de música dos Linkin Park que o meu irmão trouxe de casa dos meus padrinhos, que já tinha referido no texto sobre Hybrid Theory. Pelos vistos, a designação “oficial” nos alinhamentos era Hip-Hop Medley.

 

Gostaria de referir, por nenhum motivo especial, que, como dá para ver no início do vídeo abaixo, durante o Rock Am Ring em 2004, o Chester atirou um “I love you, Mike” para o meio das instruções deste último para o público. Repito, falo deste momento por nenhum motivo especial. 

 

 

Por outro lado, é sempre fixe ver Chester na guitarra elétrica. Uma visão rara, mas não tão rara como se calhar alguns imaginam. 

 

Uma palavra rápida para Session, a faixa instrumental de Meteora, uma tradição em quase todos os álbuns dos Linkin Park. Quase literalmente, porque não tenho muito a dizer sobre Session em si. É uma faixa instrumental, agradável, é um mood – ainda que ache algumas das demos instrumentais de Meteora20 mais interessantes.

 

Queria só assinalar que esta é a única faixa em Meteora a receber uma nomeação para um Grammy… o que, pensando bem, é ridículo. Chester ficou particularmente aziado na altura. Acho alguma piada a isso por um lado, por outro compreendo. Session é a única música em Meteora, tirando Foreword (que é só Mike descarregando frustrações num leitor de CDs), em que Chester não participa. Claro que ele ia vê-lo como uma chapada de luva branca. E existem várias outras canções em Meteora que mereciam uma nomeação – e mesmo ganharem.

 

É por estas e por outras que, hoje em dia, ninguém leva os Grammys a sério.



As três músicas de que ainda não falámos na edição-padrão de Meteora são as minhas preferidas – penso que não sou caso único. Aliás, penso que todos concordamos que estas três fazem parte facilmente do top 10 dos Linkin Park.

 

Começando por Faint. Aquele sample com os violinos é icónico, bem como o ritmo acelerado – uma excelente bateria – e o rap de Mike a condizer. Consta que é (era? é?) uma das preferidas de Mike para tocar ao vivo e até concordo – a energia de Faint tem de ser libertada em palco.

 

 

Ou então na plateia. No concerto dos Hybrid Theory, Faint foi estrategicamente ensanduichada entre One Step Closer e Bleed it Out, mesmo para andarmos ao moche.

 

Ainda não vos contei, pois não? Eu andei ao moche no concerto dos Hybrid Theory. Eu! OK, não estava mesmo no meio, estava mais perto da borda dando uns headbangs mas, mesmo assim. Sou mais metaleira agora do que quando tinha dezoito anos. Espero que a progressão continue – hão de me apanhar aos oitenta anos fazendo crowd surfing.

 

E devo dizer, é mais fácil andar ao moche quando, se alguém caía, os outros ajudavam a levantar. Exatamente como Chester queria

 

Regressando a Faint, a letra desta encaixa-se no tema de Meteora e é bastante direta: o narrador sente-se rejeitado, negligenciado e está farto de sofrer em silêncio. É outra que serve para adolescentes projetarem as suas revoltas.

 

O verso mais associável a rebeldias juvenis e provavelmente o mais trágico de toda a letra é “But I’ll be here ‘cause you’re all that I’ve got. Aplica-se bem a relações entre pais e filhos, em que os segundos estão dependentes dos primeiros e não podem abandonar a situação de livre vontade, por mais tóxica que seja. Claro que também se pode aplicar a outras relações, como um romance ou um emprego, em que a pessoa sente (corretamente ou não) que estará pior sozinho. 

 

É um clássico.

 

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Ficamos aqui por hoje. Na próxima parte vamos, então, falar das duas faixas que faltam da edição-padrão e olhar para Lost e as outras inéditas. Continuem por aí.

Linkin Park – Hybrid Theory (2000) #2

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Segunda parte da análise a Hybrid Theory. Podem ler a primeira parte aqui

 

Uma das minhas preferidas, não apenas neste álbum, mesmo de toda a discografia da banda, é With You. Descobriu-se há pouco tempo que é também a preferida de Bella Swan, do Twilight. Não sei o que fazer com essa informação.

 

With You tem uma letra algo vaga, não se percebendo ao certo qual é o assunto. Parece falar de uma pessoa querida que está separada do narrador. Morreu? Partes da letra parecem apontar nesse sentido – “Even though you’re close to me, you’re still so distant and I can’t bring you back”. “The sound of your voice painted on my memories/Even if you’re not with me, I’m with you.” – mas é possível que seja apenas sobre uma separação. A letra também dá a entender que o relacionamento não seria muito saudável – e que o narrador guarda arrependimentos em relação a isso. 

 

Para mim, o melhor da música é o seu instrumental. Gosto muito da introdução – embora não consiga identificar todos os sons, tirando os discos giratórios de Mr. Hahn. Estes, aliás, estão presentes em toda a música, quase tão prevalentes como a guitarra, tendo até direito a um solo.

 

Já que falamos de guitarras, adoro a sequência dos acordes, imediatamente antes da primeira estância. Durante o rap de Mike, nas estâncias, a instrumentação torna-se mais leve, mais atmosférica (algo que torna a acontecer noutras faixas de Hybrid Theory, como veremos adiante). Ouvem-se apenas notas de teclado por cima da bateria – para depois se repetir a sequência inicial, durante o pré-refrão e o refrão. 

 

Não resisto a contar-vos uma historieta pessoal engraçada. Alguns de vocês devem conhecer a música Get With You, so Ritchie Campbell. No refrão, ele canta "but I just can't get with you, with you". Eu ganhei o hábito de, quando apanhava a música na rádio, pôr-me a cantar "You, now I see, keeping everything inside" ou "You, now I see, even when I close my eyes" durante os "with you, with you". Por algum motivo, isto irrita a minha irmã – logo, comecei a fazê-lo de todas as vezes que ouvíamos Get With You. 

 

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Quem tiver irmãos compreende. 

 

A partir de certa altura, bastavam soar os primeiros acordes para a minha irmã se virar para mim e dizer:

 

– Nem penses! 

 

Eu não cantava, mas ficava a rir que nem uma perdida. 

 

Tenho de confessar que, depois de Chester morrer, deixei de fazê-lo. Ainda assim, agora que já passaram uns anos, era capaz de voltar a irritar a minha irmãzinha com estes versos. Mas a verdade é que não a temos apanhado na rádio ultimamente. 

 

Durante muito tempo quis fazer um AMV para esta música. Era a próxima na lista há meia dúzia de anos, quando andava a fazê-los com os filmes de Pokémon. Só que o Windows Movie Maker deixou de funcionar no meu computador. O desejo não desapareceu por completo, confesso, mas agora tenho menos tempo livre. Quando o tenho, prefiro escrever.

 

 

Outra que também esteve sempre entre as minhas preferidas (agora nem tanto, anda a ser destronada) é Points of Authority. Esta é uma das músicas com mais demos em todo o álbum – como dá para ver agora, na edição de aniversário. Numa dessas versões o rap de Mike – que, na versão final, serve de introdução e de terceira parte – toma o lugar do refrão. Outra versão usa o refrão do álbum, mas o rap é diferente – pior, na minha opinião, mais previsível. 

 

Em suma, prefiro mesmo a versão final. Gosto imenso do rap na terceira parte, sobretudo quando Chester se junta a Mike (pelo menos nas versões ao vivo). Além disso, o refrão flui tão bem depois das estâncias que custa a acreditar que, a certa altura, a banda pôs a hipótese de não inclui-lo. 

 

Uma confissão: espero não ter sido a única a ficar baralhada por um momento quando, no Rock in Rio de 2014, cortaram o rap introdutório. Demorei a perceber que música era. 

 

Outra confissão: examinar a letra de Points of Authority para esta análise estragou-me um bocadinho a música para mim. Parva como sou, nunca me tinha apercebido de que o verso "while taking pleasure in the awful things you put me through" poderá ser uma referência aos abusos sexuais a que Chester foi sujeito em miúdo. Existem também referências a comportamentos auto-destrutivos, e dá-se a entender que o agressor também foi uma vítima, que está apenas a lidar com a vida da maneira que sabe. 

 

O que é capaz de ser verídico. 

 

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O instrumental não é dos mais interessantes neste álbum, mas sempre tem uma espécie de beatbox ao longo de toda a faixa, dando-lhe carácter próprio. O que de resto alude ao rap, que fala em corridas demasiado rápidas, em alguém que não está à altura do desafio. 

 

Neste momento e no que toca às últimas semanas, desde que comecei a examinar este álbum para escrever esta análise, as minhas músicas preferidas em Hybrid Theory são A Place For My Head e Forgotten. Já gostava delas individualmente antes disto – explicá-lo-ei porquê já a seguir – são ambas enérgicas, agressivas e soam muito bem em sequência, como surgem no alinhamento do álbum. A Place For My Head termina um pouco de repente – só temos um segundo para respirar, antes de Forgotten abrir logo a matar, com o potente refrão. 

 

Além disso, nestas últimas semanas tenho passado mais tempo com estas duas canções do que com a maioria das outras. A Place For My Head e Forgotten são as faixas mais antigas de Hybrid Theory, compostas ainda no tempo dos Xero. A edição de vigésimo aniversário inclui demos das mesmas – intituladas Essaul e Rhinestone – ainda com a voz de Mark Wakefield. E, como vimos antes, estas demos faziam parte da cassete de audição de Chester. 

 

A Place For My Head é uma das faixas mais pesadas em Hybrid Theory, com as guitarras e os gritos de Chester. Começa enganadoramente suave, com um riff de guitarra que faz uma boa ponte com o final de In the End. Seguem-se a bateria e os discos giratórios. É então que começa o rap de Mike, numa altura em que o riff passa a ser tocado por uma guitarra elétrica. As guitarras tornam-se mais pesadas por alturas do refrão. 

 

Um dos melhores momentos da música é a terceira parte. Quem disser que nunca se assustou quando Chester passa dia sussurros aos gritos está a mentir. 

 

 

Outra das minhas partes preferidas é o encerramento:os acordes trovejantes de guitarra, a bateria, os gritos de Chester antes de Mike repetir o rap do pré-refrão. Quando abriram o concerto do Rock in Rio de 2012, eles recriaram esta parte na introdução e ficou espetacular, como poderão ouvir. 

 

Muitos destes elementos da instrumentação de que gosto em A Place For My Head já vinham da demo Essaul – que recebeu o nome de um dos amigos de Mike e dos outros membros dos Xero. Já lá está a introdução, os sussurros que passam a gritos, a conclusão. 

 

A diferença mais significativa é o rap de Mike: bem mais rápido, que tem sido comparado a Eminem. É de facto impressionante – gosto em particular do início da segunda estância, da pequena explosão musical quando Mike diz "stronger than a nuclear bomb". Ainda assim, prefiro o rap na versão final – só mesmo porque esse consigo acompanhar, consigo cantar. O outro não. 

 

Por outro lado, o verso "Soon the Aztec Moon will heat my room, heal my wounds" é hilariante. Que raio significa? 

 

 

Para ser justa, a letra da versão final também não é espetacular. Não é má, apenas simples e inespecífica. Fala de pessoas tóxicas, calculistas, que fazem favores só para poderem cobrar de volta. O narrador deseja fugir delas. 

 

Quando tinha dezassete ou dezoito anos, esta era uma das músicas que me repelia, demasiado pesada para as minhas sensibilidades ainda muito pop. Hoje no entanto, como referi antes, é uma das minhas preferidas. Não sou a única – consta que é bastante popular entre os fãs. 

 

A letra de Forgotten é um bocadinho pior que a de A Place For My Head – pinta cenários vagamente emo, vagamente sombrios, mais nada. Uma vez mais, vale pelo instrumental. 

 

Nesse aspeto, Forgotten tem algumas semelhanças com With You no sentido em que alterna guitarras elétricas com momentos mais leves e atmosféricos, algo eletrónicos, nas estâncias. Gosto imenso do refrão, com Chester e Mike alternando na primeira metade e depois a parte melódica – quase de todas as vezes que oiço esta música, dou por mim a cantar esses versos, sobretudo no final: "In the memory, you will find me". E gosto da maneira como o último verso soa estranhamente esperançoso "until the sun rises up". 

 

By Myself é uma faixa muito parecida com Forgotten, não apenas no instrumental como também pelo facto de o refrão ser meio rap meio melódico. A letra é melhor, a musicalidade não (não que seja pior, é apenas menos impressionante). É uma música algo deprimente, que fala sobre solidão, cansaço, desânimo, insegurança, derrotismo. Só coisas boas, como podem ver. Se uma pessoa não se distrai dando uns headbands, fica na fossa. 

 

 

Consta que Chester não gostava muito de Runaway. Dizia que era uma das piores da banda, ao ponto de não querer mais tocá-la ao vivo. Eles mesmo assim mantiveram-na nas setlists até pelo menos 2012 – acho que só não a retiraram mais cedo porque sabiam que até era popular entre os fãs. 

 

Na minha opinião, é exagero dizer que é das piores dos Linkin Park, mas de facto não é nada de especial. A letra deixa um pouco a desejar – à semelhança de Forgotten, temos imagens sombrias, de revolta adolescente. Musicalmente segue a fórmula de Hybrid Theory, mas não tem a acutilância, a ferocidade de temas como One Step Closer ou A Place For My Head. 

 

Na verdade, agora que saiu a edição de vigésimo aniversário, gosto mais da versão demo desta faixa, Stick N Move – outra que vem dos tempos dos Xero. A versão mais antiga, com a voz de Mark Wakefield, não foi incluída na edição de aniversário, mas está disponível na Internet – em baixa qualidade. 

 

O instrumental é parecido com o de Runaway, mas o vocal é outro: as estâncias são em rap, o refrão é diferente. A versão cantada por Chester tem uma terceira parte apenas instrumental, mas a versão dos Xero tinha um rap de Mike interessante. 

 

Por mim, teria mantido a versão de Stick N Move cantada por Chester, juntamente com o rap da versão dos Xero. Sempre era um pouco mais interessante que Runaway. Mas consta que Don não gostava de Stick N Move. Mike e os outros também não morriam de amores pela canção, por isso, não se importaram que se transformasse em Runaway (mas no fim também não gostaram muito dessa…). Enfim. 

 

Crawling é uma música que tem subido na minha consideração nos últimos anos, se bem que não pelos motivos mais felizes. Musicalmente é uma balada, uma das músicas mais lentas de Hybrid Theory, mas não é menos pesada que a maioria do álbum – com alguns elementos eletrónicos, nomeadamente na introdução. Em termos de vocais, é impossível não assinalar os agudos impossíveis de Chester no refrão – falaremos sobre isso já de seguida. 

 

 

Todos concordam que esta será uma das músicas mais autobiográficas de Chester. O próprio explicou que a letra de Crawling é sobre admitir, por difícil que seja, que se tem um problema consigo mesmo, que não se tem controlo sobre si mesmo. No caso de Chester, isso diz respeito ao seu alcoolismo e toxicodependência, aos seus traumas, aos demónios que, no fim, lhe custaram a vida. Crawling é sobre ser-se o seu próprio pior inimigo. 

 

Há pouco tempo, Mike contou uma história engraçada sobre a letra do refrão. Se ouvirem a versão demo, lançada agora na edição de aniversário, hão de reparar que, tirando uma secção de rap que foi cortada na versão final, existem algumas diferenças pontuais na letra. Por exemplo, o verso "Fear is powerful", no refrão. Consta que, quando Mike e Chester mostraram esta versão a Don e lhe perguntaram a opinião sobre a letra, ele respondeu:

 

– Está boa. Gosto muito do verso "Fear is how I fall". 

 

Don ouvira mal a letra, mas Mike e Chester não disseram nada – concordaram tacitamente que a versão de Don era melhor. 

 

Em todo o caso, esta história chamou-me a atenção para esse verso. "Fear is powerful/how I fall, confusing what is real". O medo deita abaixo, altera a nossa perceção da realidade. Os nossos traumas, as nossas inseguranças fazem-nos recear coisas a que, racionalmente, não daríamos importância. 

 

Chester deu a entender que compôr e cantar Crawling, pôr a nu as suas partes mais negras, obrigou-o a tomar responsabilidade sobre si próprio, sobre a sua saúde mental. Chester não tinha problemas em admitir o seu passado difícil, os seus comportamentos aditivos e autodestrutivos. Tinha mesmo orgulho em ser um alcoólico em recuperação, em canalizar essas facetas para música que, como no caso de Crawling, depois se vendia aos milhões, ganhava Grammys e tocava ouvintes lidando com problemas semelhantes. 

 

Pois… 

 

 

Queria agora falar sobre um momento que contribuiu para a minha elevada consideração por Crawling. Foi, uma vez mais, no concerto de 2012 no Rock in Rio (que coincidiu com a altura em que estava a tomar o gosto à música mais pesada dos Linkin Park). Quando tocaram Crawling, Chester foi cantar para junto do público. Houve um engraçadinho que colocou um cachecol do FC Porto aos ombros do vocalista – um momento hilariante que, como o próprio Chester descreveu, deixou "muita gente feliz e muita gente fula". 

 

Tenho apego a esse momento porque envolveu Chester provando um bocadinho de portugalidade, envolvendo-se por breves instantes nas nossas rivalidades clubísticas. Chester foi um bocadinho nosso. 

 

Mas mesmo sem o cachecol, foi um momento bonito – sobretudo para os sortudos dos fãs, até tiveram o privilégio de contactar com só um dos melhores vocalistas de todos os tempos. Fiquei com inveja, claro, mas também fiquei contente por eles, por fãs portugueses terem tido essa sorte. Sobretudo o rapaz que cantou o refrão cara a cara com Chester. 

 

Agora que ele já não está entre nós, recordações como esta – bem como quando lhe agarrei a mão por um momento no concerto do Rock in Rio de 2014 – ganharam um carácter agridoce. Pergunto-me como terão reagido aqueles fãs à notícia da morte de Chester. Terão dado graças por terem tido aquela oportunidade? Terão sentido pena por essa já não se poder repetir? Sentem mágoa, como eu, por as vozes deles cantando Crawling não terem falado mais alto que as vozes na cabeça dele? 

 

Depois do que aconteceu há três anos, tenho pensado muito no verso "Against my will I stand beside my own reflection, it's haunting", em como ele escolheu cantar esta música específica para junto do público – não apenas no Rock in Rio 2012, também noutras ocasiões, como no vídeo da digressão One More Light. Penso no verso de No Friend, dos Paramore (já não é a primeira vez que escrevo sobre isso aqui no blogue, pois não?): "I see myself in the reflection of people's eyes/Realising that what they see may not even be close to the image I see in myself". Seria por isso que Chester vinha para junto dos fãs? Para se ver refletido nos nossos olhos, para tentar ver-se a si mesmo como nós o víamos? Não o seu pior inimigo mas sim alguém digno de admiração, de carinho? 

 

Nunca saberemos. 

 

 

Queria agora falar sobre a versão de Crawling editada no álbum da digressão One More Light. Em linha com o disco menos pesado e agressivo, esta é uma versão apenas com piano num tom um pouco mais grave que a versão do álbum, mais cantada que gritada – Chester bem se tinha queixado que a melodia original era difícil de cantar. 

 

A música fica com um carácter completamente diferente assim. A versão de estúdio, com o refrão agudo, barulhento, soa raivosa, algo melodramática. Encaixa-se no estilo de Hybrid Theory, não me interpretem mal, e sei que é catártica para muitas pessoas, mas acho que distrai um pouco da mensagem trágica da letra. 

 

O que não é necessariamente um ponto fraco, agora que penso nisso. Um dos feitos de Hybrid Theory, é dos Linkin Park em geral, diz respeito à maneira como deram voz às angústias e revoltas de adolescentes, sobretudo rapazes. Isto nunca altura em que sentimentos no masculino ainda eram menos tolerados que agora. Ainda assim, a emoção dominante em Hybrid Theory é a raiva, que, como já tínhamos visto antes é a única emoção que homens podem exprimir, segundo o patriarcado. 

 

Nesse sentido, Crawling é um bom exemplo desta… ambiguidade, à falta de melhor palavra. À primeira vista (ou melhor, audição), esta é uma música dominada pela ira. No entanto, basta prestar um pouco de atenção para se perceber que essa ira esconde muita coisa.

 

A versão ao piano é mais transparente, nesse aspeto – o que faz sentido mais de quinze anos depois, num homem mais maduro. Esta é uma Crawling mais triste, mais resignada. Eu chorei da primeira vez que a ouvi, quando saiu o álbum ao vivo (tecnicamente já tinha ouvido esta versão antes, quando lançaram Heavy em fevereiro desse ano, mas muita coisa acontecera entretanto, tinha-me esquecido completamente). Ainda tinha passado pouco tempo, a dor era ainda recente. Esta versão soava – ainda soa – como uma versão memorial. Ainda agora, ao ver o vídeo da apresentação ao vivo, ao vê-lo cantando junto dos fãs, lacrimejei um pouco. Abracem-no. Abracem-no e não o larguem. 

 

Eu diria, para resumir, que a versão de estúdio de Crawling é a versão adolescente. A versão ao piano é a versão adulta. 

 

 

Existe outra versão adulta de Crawling, outra versão memorial. Eu já tinha falado dos Bad Wolves aqui no blogue, a propósito do cover de Zombie, que lançaram pouco depois da morte de Dolores O'Riordan. Este ano voltaram a homenagear outra lenda do rock que partiu demasiado cedo. Lançaram um cover de Crawling na semana do aniversário da morte de Chester. 

 

Este cover acaba por ter um tom semelhante da versão de Crawling ao piano. É uma versão acústica no fundo: conduzida pelo piano, também, acompanhada por guitarra acústica, violinos, percussão. Incluíram também um solo de guitarra muito fixe. Gosto muito deste cover. 

 

Quando publicaram esta versão de Crawling no Facebook, juntaram-lhe uma mensagem dolorosa sobre os efeitos a longo termo de abusos sexuais na infância (a parte de desvalorizar o racismo é que era desnecessária). Chester infelizmente foi um bom exemplo. 

 

Por paradoxal que seja, gosto cada vez mais de Crawling, em parte por causa destas versões mais recentes. Mas também reconheço que, depois de 20 de julho de 2017, é uma das mais dolorosas. Antes da morte de Chester, havia muita gente que não levava a letra de Crawling a sério. Achavam que era exagerada, talvez para apelar aos dramas de adolescentes – sendo esses próprios dramas desvalorizados. 

 

Mas não, não era exagero nenhum, era real – e quando muitos de nós o descobriram já era tarde. E foram precisamente as coisas sobre as quais cantou que o mataram. 

 

Eu sei que tanto a vida como a morte de Chester terão ajudado muitas pessoas. Se hoje se fala mais sobre saúde mental, se as mentalidades estão a mudar, é pelo menos em parte por causa do que lhe aconteceu. Mas dói à mesma. Nos meus piores dias tenho vontade de mudar a letra para "these wounds will never heal". 

 

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*suspiro* Às vezes chateia-me que, desde julho de 2017, sempre que se fala dos Linkin Park, falamos inevitavelmente do que aconteceu a Chester. Já foi um alívio não ter tido de falar no assunto quando escrevi sobre She Couldn't, tirando uma referência muito breve. Imagino que seja mil vezes pior para Mike e os outros – talvez seja por isso que ainda não regressaram em força como banda. 

 

Que se pode fazer? Chester era o coração dos Linkin Park. Sem ele é tudo diferente, sobretudo tendo partido da maneira como partiu. Talvez um dia seja possível recordar Chester sem dor, só com alegria. Quanto a mim e a este blogue, vou tentar não puxar o assunto sem necessidade, mas quando achar que se justifica não vou deixar de assinalá-lo. 

 

Enfim, perdoem-me este desabafo, perdoem-me terminar esta parte da análise numa nota tão triste. A terceira e última parte será menos deprimente. Publico-a amanhã. 

Linkin Park – Hybrid Theory (2000) #1

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Hybrid Theory, o primeiro álbum de estúdio dos Linkin Park, completou na semana passada vinte anos bem contados desde a sua edição. Conforme o prometido, para assinalar o aniversário (ainda que com alguns dias de atraso), hoje vamos começar a examinar este álbum. Digo começar porque, como o costume, tinha muito a escrever e, assim, a análise terá três partes. Esta é a primeira.

 

Sendo Hybrid Theory um álbum de estreia, não podemos falar sobre ele sem falarmos sobre as origens da banda. Até porque, no passado dia 9 de outubro, saiu uma edição especial do álbum, comemorativa do vigésimo aniversário, com uma data de material adicional, parte dele completamente inédito, que vai até aos primórdios dos Linkin Park enquanto banda. 

 

Já que falo nisso, quero desde já avisar que esta análise focar-se-á sobretudo no alinhamento padrão do álbum, como já tinha dito antes. Isto porque, em primeiro lugar, é aquele com o qual estou mais familiarizada. Tirando um caso ou outro, no que toca aos Linkin Park, oiço sobretudo os álbuns de estúdio. Antes desta edição de Hybrid Theory, nunca liguei muito a B-sides, a demos ou mesmo a álbuns de remixes, como o Reanimation, o Collision Course ou o Recharge (exceto singles como Numb/Encore e A Light that Never Comes). Sou uma fã pouco hardcore

 

Em segundo lugar, esta nova edição de Hybrid Theory é constituída por nada menos que oitenta faixas, quatro horas e vinte e cinco minutos de música de acordo com o Spotify. É certo que uma parte parece ter sido para encher chouriços: algumas são versões ao vivo e, por exemplo, temos uma versão de One Step Closer literalmente igual à versão de estúdio, apenas sem os discos giratórios. Mas de qualquer forma, é demasiado material e esta análise já vai ser longa. Vou deixar algumas impressões sobre as B-sides mais perto do fim (tirando High Voltage e My December), e hei de referir algumas demos quando analisar as faixas principais do álbum. Mais nada.

 

Comecemos então pelo princípio. Mike Shinoda, hoje multi-instrumentista, vocalista/rapper e em geral cérebro dos Linkin Park, sempre mostrou aptidão para a música. Esta e o desenho são as suas grandes paixões. Aos seis anos já tocava piano. Em adolescente fazia misturas de música rock com hip-hop só pelo gozo, com equipamento de produção comprado por ele mesmo. Foi assim que aprendeu a produzir música.

 

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Quando estava no equivalente americano ao Secundário, Mike formou uma banda chamada Xero, juntamente com os seus amigos Brad Delson (atual guitarrista dos Linkin Park), Rob Bourdon (atual baterista) e Mark Wakefield, amigo de infância de Mike, como vocalista. Mais tarde, o grupo conheceu Joe Hahn (DJ) e Dave “Phoenix” Farrell (baixista) na faculdade e acolheu-nos nos Xero. Mark, no entanto, acabou por desistir da banda e, segundo Mike, acabou por seguir uma carreira como agente de bandas. 

 

Por esta altura, entretanto, Chester Bennington, cantor, tinha deixado a sua banda, Grey Daze. Esteve perto de desistir da música quando, no dia em que completava vinte e três anos, recebeu uma cassete com demos dos Xero. A edição de aniversário de Hybrid Theory inclui essas demos – segundo o que consegui averiguar com fãs mais bem informados do que eu, as faixas terão sido Pictureboard, Rhinestone (uma versão beta de Forgotten) e Essaul (uma versão beta de A Place For My Head). Chester terá faltado à sua própria festa de aniversário para gravar por cima das versões instrumentais destas faixas. 

 

Quando ouviram as músicas com a voz de Chester, Mike e os outros ficaram rendidos. Brad inclusivamente, a propósito do lançamento da edição de aniversário de Hybrid Theory, falou há pouco tempo sobre o momento em que ouviu Pictureboard cantada por Chester – o guitarrista quase chorou. 

 

Quem nunca?

 

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Brad e os outros pediram a Chester para vir, mas por algum motivo não lhes ocorreu desmarcarem as audições com outros cantores. Já estavam a ensaiar com Chester, mesmo a gravar com ele, mas oficialmente ainda estavam à procura de vocalista. As audições decorreram ao longo de três dias, com a banda a interromper os ensaios com Chester para ouvir outros candidatos.

 

Ora, Chester não estava a achar piada nenhuma à brincadeira. Eu, para ser sincera, reagiria da mesma forma, se tivesse sido comigo. Qual é a lógica de fazer audições se o vocalista já estava praticamente escolhido? Era muito mais honesto desmarcar as audições – ao menos não davam falsas esperanças aos candidatos. 

 

Consta que um desses recusou-se mesmo a fazer a audição depois de ouvir Chester a cantar, nos ensaios da banda. 

 

– Vocês são uns idiotas se não aceitarem este gajo [Chester] – terá ele dito. Depois voltou-se para Chester e disse – Se eles não te aceitarem, liga-me e começamos nós uma banda. 

 

Felizmente, Mike e os outros não foram idiotas. 

 

Assim, Chester juntou-se ao grupo e assumiram como nome “Hybrid Theory” – precisamente pela sua filosofia de fundirem géneros musicais. Como vimos antes, She Couldn’t foi uma das primeiras músicas a compôrem – embora não a tenham incluído no EP que gravaram de forma independente e começaram a enviar às editoras discográficas. Esse EP, também intitulado Hybrid Theory, foi incluído na edição de aniversário. Ao mesmo tempo, recorriam à Internet para fazerem a sua música chegar diretamente a possíveis fãs. 

 

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A Internet do final dos anos 90, há que sublinhar. Muito antes de o YouTube, o Soundcloud e afins existirem. Não deve ter sido fácil. 

 

De início tudo o que era editora os rejeitou, apesar de estarem a ter algum sucesso na Internet. Mesmo a Warner só aceitou assiná-los após os ter rejeitado três vezes – e a ideia com que fico é que o fez de má vontade, pois os primeiros tempos não foram fáceis para eles. Consta que o presidente da Warner não gostava deles, não queria lançar-lhes o álbum. Houve quem lhes dissesse para arranjarem algo que os distinguisse dos demais, tipo Joe Hahn usando bata de laboratório em palco (eu pessoalmente não me importava, mas pronto). 

 

O pior de tudo foi terem tentado meter Chester como protagonista da banda e despromoverem os outros membros a banda de apoio. Queriam mesmo expulsar Mike, o que seria uma blasfémia. Felizmente, Chester não era uma besta e disse-lhes onde podiam enfiarem essa ideia.

 

Até o produtor que trabalhou com eles, Don Gilmore (que mais tarde produziria algumas faixas de Under My Skin) lhes fez a vida negra. No entanto, fê-lo porque acreditava neles, não o contrário.  Consta que Don obrigou-os a comporem e gravarem uma grande parte do Hybrid Theory em dois meses – veja-se o facto de só A Place For My Head e Forgotten terem sobrevivido deste os tempos dos Xero até ao alinhamento final. Don obrigava-os a rescreverem letras umas trinta vezes, a regravarem instrumentais até ao infinito. A partir de certa altura, Mike e os outros já não podiam vê-lo à frente.

 

A meu ver, Don era como certos pais e professores muito exigentes com as crianças, não por maldade, antes por quererem extrair o melhor delas. Em pequenos não gostamos nada, mas mais tarde reconhecemos que a sua exigência nos tornou melhores. É claro que, com crianças, é preciso ter cuidado com tais pressões, podem ter o efeito oposto. Ao menos Mike e os outros já eram adultos – o que mesmo assim não os impediu de se irritarem com Don, ao ponto de escreverem uma letra sobre ele, como veremos adiante. E para sermos justos com Don, ele admitiu que sim, era exigente com Chester e os outros e estes irritavam-se, mas seguiam as suas instruções e os resultados estão à vista. 

 

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Chester contribuía para as letras baseando-se na sua vida difícil, com o divórcio dos pais, abuso sexual, toxicodependência, como todos sabemos – contrabalançando com a infância mais saudável de Mike e dos outros. Tentavam ser honestos, mas não demasiado específicos de modo a poder ressoar com a maioria da audiência. Consta que Don lhes ia dizendo:

 

– Não quero ouvir os vossos problemas, quero ser entretido!

 

Confesso que devo ser uma exceção à regra entre os fãs de Linkin Park porque, tirando alguns casos, no que toca a Hybrid Theory, ligo menos aos “problemas” e mais ao entretenimento: à sonoridade, à atitude, aos headbangs, ao mood. Como referi algumas vezes neste blogue, este género de música inspira-me quando escrevo cenas de ação, de luta, em ficção. Só há pouco tempo – e nalguns casos só agora, nas pesquisas para esta análise – é que comecei a prestar atenção à parte dos “problemas”.

 

Em todo o caso, os Linkin Park nunca tiveram problemas em combinar o seu lado autobiográfico com o lado do entretenimento.

 

Quando o álbum ficou pronto, toda a gente na editora se rendeu, esquecida de quaisquer problemas que pudessem ter com o grupo. O álbum passou a ser a prioridade número um. E, mais tarde, Don voltaria a colaborar com eles nos trabalhos de Meteora.

 

Não puderam, contudo, manter Hybrid Theory como nome da banda. A editora já tinha um grupo chamado Hybrid, ia criar muita confusão. E, aqui entre nós, Hybrid Theory não soa bem como nome de banda – é pouco fluido. Além de que, se quisessem algum dia criar música que não se encaixasse em teorias híbridas, estariam a contradizer o seu próprio nome. 

 

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Um dia Chester passou por um parque público chamado Lincoln Park. Consta que existe um em quase todas as cidades americanas. Tentaram adotá-lo como nome para a banda, mas quando tentaram criar um site o domínio “lincolnpark.com” já existia. Apropriarem-se dele sairia caro. Saiu mais barato mudarem para linkinpark.com – que, todos concordam, soa muito melhor.

 

Hybrid Theory ficou, deste modo, o nome do álbum. Eu, no entanto, não comecei por aí. Quando descobri os Linkin Park, estávamos em 2004/2005 – era de Meteora, quiçá de Collision Course. Mesmo assim, só fiquei a conhecê-los mais a fundo em 2007, na era Minutes to Midnight. No verão desse ano, o meu irmão foi passar férias com os meus padrinhos, que têm um filho pouco mais novo que ele. Regressou a casa com o MP3 cheio de música dos Linkin Park. Ele nunca me disse onde a obteve, mas estou certa de que foi legal. 

 

Na altura tinha dezassete anos. Gostava de rock, desde que não se afastasse demasiado do pop – embora já começasse a ouvir Green Day, também por influência do meu irmão. Sou uma exceção à regra no sentido em que comecei a ouvir música mais pesada como adulta (bem, adulta legal) e não como adolescente. Os Linkin Park foram, a par dos Green Day (que hoje em dia já praticamente não oiço), a banda que me ajudou a fazer a transição. 

 

Nesse primeiro ano, quando ouvia Linkin Park, ouvia as faixas todas em aleatório, sem querer saber a que álbum pertenciam. De início, as músicas que mais me atraíam eram as mais levezinhas – ou seja, Pushing Me Away e, mais tarde, In the End, no caso de Hybrid Theory. 

 

Vou admiti-lo desde já: o motivo pelo qual Pushing Me Away me atraiu diz respeito às semelhanças com Numb. O riff na introdução, as guitarras que se juntam, a estância cantada por Chester, umas frases em rap de Mike no pré-refrão. Isso na altura não pesou, mas outra semelhança é o facto de, tal como Numb, surgir no fim do alinhamento, depois de uma faixa instrumental. 

 

 

Mesmo a letra entra em territórios parecidos com Numb – no sentido em que o narrador se queixa de ter de suprimir emoções, uma parte de si, para agradar a outra pessoa. 

 

Sei que não é justo estar a comparar uma canção com outra composta mais tarde. Mas como ouvi Numb primeiro não consigo evitar – e, em minha defesa, a própria banda admitiu há pouco tempo que, se não tivessem criado Pushing Me Away, provavelmente não teriam composto Numb, que Numb é uma versão melhorada de Pushing Me Away. Esta faixa pode ter sido a primeira a cativar-me neste álbum, mas hoje considero-a a menos interessante. Isto sem deixar de ser uma boa canção. 

 

A segunda música de Hybrid Theory a cativar-me foi In the End – isto quando já ouvia a amálgama de músicas dos Linkin Park há uns meses. Tornou-se rapidamente uma das minhas favoritas. 

 

Não é difícil compreender o motivo pelo qual esta canção se distinguiu das demais: é uma versão mais leve, mais pop, mais acessível, da fórmula rap sobre guitarra elétrica dos Linkin Park, sobretudo no início da carreira deles. In the End começa com uma sequência de piano, composta por Mike, que se repete várias vezes ao longo da música. As estâncias são acompanhadas por notas de guitarra e baixo e, de vez em quando, piano. Os acordes mais pesados – mesmo assim, não demasiado – só surgem no refrão e na terceira parte. In the End terá sido incluída em Hybrid Theory e lançada como single precisamente para servir de ponte entre o mainstream e o som mais pesado do resto do álbum.

 

E resultou. Pelo menos comigo resultou, mesmo tendo conhecido a música fora do contexto do álbum. E pela maneira como In the End é uma das canções mais populares da banda, acho que não fui caso único – se calhar, para muitos fãs, esta foi a primeira música dos Linkin Park que conheceram. 

 

In the End caracteriza-se pelo tom leve, de apatia, de frustração. A letra é simples, fala sobre algo pelo qual se lutou, se sacrificou mas que… no fim… falha e/ou não vale o esforço. Pode referir-se a qualquer coisa: uma relação, um projeto, um emprego um objetivo qualquer.  Consta que foi inspirada pelos conflitos entre a banda e a editora – aquelas pessoas que queriam promover Chester a protagonista à custa de Mike. Uma altura em que o grupo receava que o seu sonho de editar um disco fosse ao ar. 

 

 

In the End foi sempre um ponto alto nos concertos dos Linkin Park – falo por experiência própria. Quando a tocaram no concerto do Rock in Rio de 2008, marcou-me particularmente – por ter decorrido poucos meses depois de me ter deixado cativar por In the End. Nunca irei esquecer a emoção de ouvir toda a gente à minha volta cantando (“rapando”?) em altos berros, de ver Mike junto do público. Ainda hoje partilho este vídeo nas redes sociais quando Mike faz anos.

 

In the End sempre foi a canção dos fãs nos concertos. Tecnicamente Chester cantava o refrão, um ou outro verso do rap, a terceira estância. Na prática, era frequente a voz dele afogar-se no coro da audiência. E na segunda parte da terceira estância, Chester pura e simplesmente voltava o microfone para o público. Como tal, não surpreendeu que, no concerto do Hollywood Bowl, o convidado especial de In the End tenha sido o preferido da banda: a audiência. Nem que, durante a digressão de Post Traumatic, Mike tenha escolhido esta música para deixar palavras sábias sobre Chester – antes de tocar a música ao piano, com a audiência cantando as partes melódicas. 

 

Demorei alguns anos a ganhar apreciação pelo som mais pesado dos Linkin Park. Foi na altura em que saiu o Living Things. Passei uma boa parte desse ano e do seguinte a ouvir essas músicas, uma vez mais fora do contexto dos álbuns – à mistura com os excelentes temas do quinto disco. Só mais tarde – em 2017, poucas semanas antes do lançamento de One More Light, quando comprei o Hybrid Theory e Meteora em CD – é que me apercebi que a maior parte das músicas de que mais gostava vinham de Hybrid Theory.

 

Falemos então sobre elas. Começando pelo single de apresentação da banda, One Step Closer. 

 

Este tema é um enorme clássico dos Linkin Park, um bom exemplo da sua sonoridade mais pesada – destaquem-se as guitarras na introdução, mas também Hahn com os discos giratórios, na terceira parte da música. 

 

 

Consta que a letra de One Step Closer foi inspirada pela irritação que Mike e Chester sentiam com Don Gilmore – que, como referimos acima, era muito exigente com eles, raramente ficava satisfeito com o seu trabalho. O “Shut up!” da terceira parte era dirigido a Don. One Step Closer fala de frustração, de raiva, de se sentir puxado até ao limite. É uma letra simples, não demasiado específica, aplicável a milhentas situações. Talvez seja daí que venha o apelo para muitos fãs. 

 

Eu pessoalmente acho a letra algo básica – sobretudo a terceira parte. Os gritos de Chester, entre Hahn arranhando discos, são impressionantes, não me interpretem mal. No entanto, o “Shut up when I’m talking to you” soa-me a um professor a gritar com alunos mal comportados. 

 

Em suma, é uma boa canção, um clássico, presença obrigatória nos concertos – durante vários anos encerrou setlists. Eu em particular tenho uma boa recordação com ela: no início de 2017, no Coliseu dos Recreios, enquanto esperava pelo início do concerto dos Sum 41. Como o costume, estavam a dar-nos música, literalmente – vinda dos altifalantes, para nos entreter. Quando tocaram o One Step Closer, uma grande parte do público, eu incluída, cantou em coro. 

 

Não surpreendeu. Os Sum 41 e os Linkin Park surgiram mais ou menos na mesma altura, têm algumas semelhanças no estilo, partilham muitos fãs. Foi um momento bonito, que serviu de aperitivo para o que viria mais tarde.

 

Ah, as saudades que tenho de concertos…

 

Ainda assim, One Step Closer não está entre as minhas preferidas dos Linkin Park. Nem mesmo de Hybrid Theory.

 

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Quais é que são as minhas preferidas? A resposta fica para amanhã.

Músicas Não Tão Ao Calhas – She Couldn't

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O primeiro álbum de estúdio dos Linkin Park, Hybrid Theory, vai completar vinte anos desde a sua edição a 24 de outubro. Para assinalar este marco, a banda vai lançar uma edição especial que inclui, mas não se limita a, um livro de fotografias inéditas, transmissões em vídeo de concertos, demos de canções conhecidas, faixas inéditas. Em jeito de aperitivo para o que aí vem, a banda lançou uma dessas faixas, She Couldn’t, na passada quinta-feira, dia 13 de agosto.

 

She Couldn’t foi uma das primeiras canções que os Linkin Park compuseram já com o falecido Chester Bennington na banda. O primeiro vocalista da versão beta da banda, chamada Xero, era Mark Wakefield, que chegou a colaborar na composição de canções como Runaway e A Place for My Head. Aparentemente, She Couldn't foi posta de parte relativamente cedo – nem sequer faz parte do EP Hybrid Theory. 

 

No verão de 2009, alguém pôs à venda no eBay um CD com demos dos Linkin Park, incluindo esta canção. Consta que era uma versão de fraca qualidade, cheia de estática.

 

Confesso que, até agora, nunca me tinha interessado muito muito por material suplementar dos Linkin Park. Nem mesmo por álbuns de remixes, como Reanimation e Collision Course, tirando um caso ou outro, como New Divide e A Light that Never Comes. Os álbuns de estúdio sempre foram o meu maior ponto de interesse. Só há relativamente pouco tempo é que conheci My December e há ainda menos High Voltage. Ainda assim, já tinha dado com o título She Couldn’t algumas vezes no Twitter.

 

Imagino a alegria para esses fãs poderem ouvir a música com boa qualidade ao fim de onze anos. 

 

 

Boa qualidade é como quem diz… continua a ser uma demo, a qualidade não é espetacular. A voz de Chester soa um pouco baixa no início das estâncias. Para este lançamento, eles pegaram naquilo que tinham e melhoraram o mais que puderam. No entanto, como referido acima, She Couldn’t deve ter sido descartada numa fase precoce do processo, a banda nunca se deu ao trabalho de gravar uma versão melhor. Não podiam regravar os vocais agora por… motivos óbvios.

 

She Couldn’t é uma música muito suave. Não tem guitarras pesadas, ao contrário de todo o Hybrid Theory. A instrumentação consiste essencialmente em sintetizadores, baixo, notas discretas de guitarra, Joe Hahn arranhando discos. É uma faixa longa, com cinco minutos de duração, foca-se no instrumental. Soa a música de fundo no bom sentido: ajuda a criar uma atmosfera particular, um “mood”, com o seu tom melancólico, muito Linkin Park.

 

A voz de Chester nem sempre se ouve bem, como comentei acima, mas mesmo assim ele teve oportunidade de exibir os seus dotes vocálicos nalguns momentos, sobretudo durante a segunda estância. A música repete várias vezes um excerto da música de The High & Mighty, B-Boy Document 99 – é uma das imagens de marca de She Couldn’t (ao ponto de se tornar um bocadinho repetitiva). Temos alguns versos de rap de Mike Shinoda no mesmo tom do sample – de tal forma que, no início, não percebi que era um sample, pensava que era a voz do Mike, talvez com alguns efeitos.

 

O narrador de She Couldn’t está a consolar uma pessoa, um amigo, que perdeu alguém, uma “ela”. Não se percebe ao certo como ou porque se deu a perda. Partes da letra dão a entender que ela morreu – "The sunlight's shinning on her now", "The sunlight's crying for her now". Outras partes não encaixam bem na teoria, nomeadamente os sentimentos de culpa do amigo do narrador. A menos que tenha sido suicídio…

 

O mais certo é eles terem sabido desde o início que a relação não podia durar muito. Numa determinada data, ela teria de ir para outro lugar, por compromissos profissionais ou assim. Talvez isto tenha sido um romance de verão que se tornou mais intenso do que o esperado. 

 

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Em todo o caso, o narrador de She Couldn't estende uma mão ao seu amigo, ao ouvinte. A propósito do lançamento desta música, Mike referiu que She Couldn't funcionou como um indício de direções futuras da banda, do seu lado mais gentil. "O verso 'You're not alone' cantado suavemente lembra-me que, apesar de nos termos estreado com uma canção que grita 'Shut up!' (cala-te), aquilo que a maior parte dos fãs acabaram por descobrir foi que empatia e comunidade eram também uma parte integral do ADN dos Linkin Park."

 

Essa empatia e comunidade são aquilo que nos tem sustentado nestes últimos três anos. 

 

Em suma, não estando entre as melhores dos Linkin Park, She Couldn't é uma música gira, uma pérola escondida que nos permite imaginar um álbum de estreia diferente. 

 

Se foi bem excluída de Hybrid Theory? Sim e não. Por um lado, o álbum padrão é intenso, é rápido, mesmo os momentos mais pausados, como Crawling e Pushing Me Away têm guitarras pesadas. Nesse sentido, She Couldn't seria um grande outlier.

 

Por outro lado, tal como referi acima, a música tem aquele tom melancólico que caracteriza o estilo dos Linkin Park, sobretudo em início de carreira. Se o Hybrid Theory fosse diferente, um pouco mais variado, incluísse músicas mais calmas como My December (uma faixa com algumas parecenças com esta), She Couldn't teria de ser uma delas. 

 

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Hei de voltar a esta questão em breve. Tenho estado a trabalhar numa análise a Hybrid Theory, para ser publicada no dia 24 de outubro – o dia do vigésimo aniversário. Sim, ainda faltam dois meses, mas vocês sabem que eu trabalho devagar. Ainda por cima, em setembro e outubro vamos ter um total de cinco jogos da Seleção. Haverão alturas em que estarei ocupada com o meu outro blogue. Por um lado vai ser bom, estou cheia de saudades da Turma das Quinas. Por outro, este blogue será um bocadinho prejudicado. É melhor adiantar trabalho. 

 

De qualquer forma, fico contente por já termos She Couldn't. Deu-me uma desculpa para não deixar o estaminé ao abandono durante demasiado tempo, para deixar um cheirinho da análise maior, ao álbum inteiro. 

 

A minha ideia será focar-me mais no alinhamento padrão de Hybrid Theory, visto serem essas as músicas que conheço melhor. No entanto, como a edição especial será editada a 9 de outubro, devo incluir algumas impressões sobre as inéditas que lançarem. Nada de muito detalhado, em princípio.

 

Em relação aqui ao blogue, para que este não fique parado durante muito tempo, estou a pensar fazer algo que não faço há muito tempo: responder a uma tag. A última que fiz foi esta. Só para variar um bocadinho. 

 

Uma vez mais, obrigada por lerem. Até à próxima!

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