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Álbum de Testamentos

"Como é possível alguém ter tanta palavra?" – Ivo dos Hybrid Theory PT

Digimon 02 #11 - Oikawa, as Sementes da Escuridão e a batalha final

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Quando Oikawa aparece pela primeira vez em 02, tudo na sua aparência grita "Sinistro!", mas também isto é uma série infantil, não precisam de muita subtileza. Ele aborda a mãe de Matt e T.K e parece saber mais sobre Digimons que o cidadão comum. Nos episódios seguintes, com a ajuda dos seus minions Arukenimon e Mummymon, começa a recrutar crianças (para todos os efeitos, rapta-as) em quem, conforme já foi referido anteriormente, implantará Sementes da Escuridão. Descobrimos, mais tarde, que foi ele quem manipulou Ken para que se tornasse Imperador Digimon. Também se descobre que Oikawa criou Arukenimon e Mummymon, misturando o seu próprio ADN com dados digitais.

 

Ainda não falei sobre Arukenimon nem Mummymon, pois não? Falo agora rapidamente. Na altura em que ainda não se conhece a verdadeira identidade de Arukenimon, o mistério à volta da mulher, que cria Digimons a partir de Torres Negras e parece conhecer Ken demasiado bem, está bem construído, com as respostas sendo reveladas a pouco e pouco. Eventualmente, monta uma (óbvia) armadilha às Crianças Escolhidas, que as obriga a esforçarem-se para lhe sobreviverem. É também nessa altura que revela a sua verdadeira identidade e que Mummymon se junta a ela. No entanto, o par prolonga a sua estadia por demasiado tempo. A partir de certa altura tornam-se pouco mais que um mal conseguido alívio cómico. Eu tê-los-ia excluído da história mais cedo, no fim do arco "BlackWarGreymon e as Pedras Sagradas" - e de forma mais bondosa do que aquela que acabam por receber.

 

Enfim, voltando a Oikawa, já tinha dado a entender em entradas anteriores que este tem uma história de vida semelhante à de Ken. Oikawa era uma criança solitária, cujo único amigo era Hiroki, o pai de Cody. Ambos gostavam muito de videojogos, tendo sido capazes de descobrir o Mundo Digimon. O avô paterno de Cody, Chikara, tenta refrear a obsessão do filho pelos videojogos, mas não é bem sucedido. Hiroki e Oikawa crescem, mas o seu interesse pelo Mundo Digital não desaparece. É dado a entender que Oikawa começa a trabalhar na criação de Arukenimon e Mummymon encorajado por Hiroki. Até que este último morre em serviço. À semelhança do que aconteceu com Ken, Oikawa cai numa depressão, ninguém procura ajudá-lo, ficando vulnerável à influência das Trevas.

 

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O ponto mais baixo de Oikawa ocorre durante a cronologia de Adventures, no dia em que as Crianças Escolhidas derrotam VenomMyotismon e regressão ao Mundo Digital para enfrentar os Dark Masters. Quando Oikawa está imerso numa mistura de inveja, desespero e raiva, o espírito do recém-derrotado Myotismon apodera-se dele e usa-o para colocar em prática um plano - algo rebuscado, diga-se - para recuperar a sua forma física.

 

Tal como referi na entrada anterior, BlackWarGreymon é a primeira personagem a perceber o que se passa com Oikawa e a ter noção da gravidade disso. Tenta aconselhar Oikawa a resistir ao domínio. Quando não é bem sucedido, usa a sua morte para encerrar a passagem entre o Mundo Real e o Digital, numa tentativa de conter a força maligna que controla Oikawa. 

 

Isto ocorre pouco após Chikara confrontar Oikawa. O pai de Hiroki não mostra arrependimento por ter tentado afastar o filho dos videojogos, mas confessa que se arrepende de não ter tentado ajudar Oikawa após a morte de Hiroki, mesmo sabendo que o melhor amigo do filho precisava - da mesma maneira como os pais de Ken se arrependem de não terem apoiado o filho mais novo quando este mais necessitava. Chikara tenta corrigir o seu erro, estende uma mão a Oikawa e este, por um momento, parece conseguir escapar à influência de Myotismon... apenas para que Myotismon recupere o controlo de novo e ataque Chikara. Como sabemos, BlackWarGreymon salva a vida ao avô de Cody metendo-se à frente do ataque.

 

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No episódio seguinte, Oikawa reúne as portadoras as Sementes da Escuridão e usa o seu poder para abrir a passagem para o Mundo Digital. Aparentemente consegue e as Crianças Escolhidas seguem-nos... mas acabam por ir parar ao Mundo dos Sonhos - não se percebe ao certo se isto é devido ao selo de BlackWarGreymon, se é pela combinação errada das cartas, se é pela influência de Myotismon. É aqui que este recupera o seu corpo, assumindo a forma de MaloMyotismon. E começa a batalha final. 

 

Esta batalha prolonga-se por sensivelmente dois episódios e meio, muita coisa acontece. As Crianças Escolhidas são encurraladas numa realidade ilusória e escapam dela. Enfrentam MaloMyotismon com todas as evoluções possíveis ao mesmo tempo (é um momento muito fixe). O combate acaba por abrir uma brecha no Mundo dos Sonhos, conduzindo ao Mundo Digimon. A partir daqui MaloMyotismon tenta contaminar tanto o Mundo Real como o Digital com Escuridão. Há um momento bonito em que todas as Crianças Escolhidas por todo o Mundo (incluindo o elenco de Adventures) usam a Luz dos seus dispositivos digitais para contrariar a Escuridão. Eventualmente essas mesmas Crianças conseguem abrir passagens entre o Mundo Real e o Mundo Digimon e são transportadas até ao palco do combate.

 

Mas nem assim se consegue derrotar MaloMyotismon - o desânimo das crianças portadoras das Sementes da Escuridão mantém-no vivo, sobretudo quando estas lamentam não serem Crianças Escolhidas. Só quando os heróis as obrigam a revelar os seus sonhos é que MaloMyotismon é, finalmente, derrotado.

 

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Há quem ache este desenvolvimento um pouco lamechas, não sei razão, mas eu acho que faz sentido dentro do tema de 02. Tal como o final de Adventures fez sentido: numa temporada muito centrada no desenvolvimento das personagens, faz sentido que o momento decisivo tenha sido as Crianças recordarem o caminho que percorreram e serem capazes de invocar as Virtudes que lhes atribuíram mesmo sem os Cartões. 

 

Aquilo que é, ao mesmo tempo, o melhor e o pior de 02 é o facto de esta ser menos a história das Crianças Escolhidas e mais a história dos vilões: Ken, Oikawa, mesmo BlackWarGreymon de certa forma contribuíram mais para o avanço e resolução do Enredo que os heróis, conforme de resto tenho vindo a dar a entender. O mesmo volta a acontecer agora, no final, com as crianças portadoras de Sementes da Escuridão. Tal como Ken e Oikawa, ao deixarem-se dominar pelos seus sentimentos negativos - neste caso, baixa auto-estima, ansiedade escolar, rejeição - foram facilmente influenciáveis pelas Trevas. Vimos que Ken só conseguiu escapar ao controlo da Escuridão ao fazer as pazes com os pais, consigo mesmo e com a memória de Osamu, ao recuperar a esperança. Vimos que a única altura em que Oikawa escapou ao controlo de Myotismon foi quando alguém lhe ofereceu a sua amizade. O mesmo acontece com as portadoras das Sementes da Escuridão: ao recordarem os seus próprios sonhos, recuperam a inocência, a alegria de viver, a esperança. Recuperam o poder que Myotismon lhes tirou, permitindo que este seja derrotado.

 

É este o tema de 02: o triunfo da vontade própria, da esperança, da inocência e, claro, da amizade e do amor sobre o poder da Escuridão. O tema de Adventures é essencialmente o mesmo, é certo, mas em 02 a Escuridão não está apenas num qualquer Digimon monstruoso: está dentro de nós. Acaba por ser uma mensagem muito parecida com as de Once Upon a Time, sobre o poder da vontade própria, bem como a importância do amor nas suas diversas formas - sobretudo na temporada atual, que viu Emma, a protagonista, possuída igualmente pelas Trevas.

 

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O que me chateia neste final é, lá está, a irrelevância das Crianças Escolhidas. Em quase todos os momentos-chave em 02, as coisas resolvem-se com Deus Ex-Machinas ou devido a ações de outras personagens sem serem os protagonistas. Acontece o mesmo aqui. Todo o contributo que as Crianças Escolhidas fazem para a vitória consiste em darem a Luz dos seus D3 (à semelhança de outras mil crianças) e encorajarem as portadoras das Sementes da Escuridão a vencerem Myotismon à sua maneira.

 

Mudando um pouco de assunto, também achei "batota" que as portadoras das Sementes da Escuridão, depois de se convencerem que podiam ser felizes mesmo não sendo Crianças Escolhidas... recebem cada uma um companheiro Digimon. Aliás, o final dá a entender que todos os seres humanos arranjam um companheiro Digimon. Tri já veio desmentir... por agora.

 

As coisas não acabam com a derrota de Myotismon, no entanto. Tal como referi antes, Cody faz questão de ajudar um moribundo Oikawa a cumprir o seu sonho de visitar o Mundo Digimon. O destino é-lhe simultaneamente cruel e generoso ao dar a Oikawa um companheiro Digimon quando este está prestes a morrer. Nesse momento, Oikawa usa o poder do Mundo dos Sonhos de modo a que o que resta da sua energia vital repare e proteja o Mundo Digimon. Curiosamente, essa energia assume a forma de borboletas, o que referencia a música-tema de Adventure.

 

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Uau. Será que Oikawa é o sujeito narrativo em Butterfly? Ele esteve sempre lá desde o início? Eis algo sobre que pensar...

 

Na próxima entrada falaremos, então, sobre esse tão controverso epílogo...

Digimon 02 #6 - O barómetro moral

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Por algum motivo, na dobragem portuguesa (que foi adaptada da espanhola), tornaram Cody uma rapariga. Não acho que isso tenha prejudicado a história, tirando no epílogo, em que ele aparece homem feito. Na minha opinião, Cody funcionaria bem como uma personagem feminina. Lembro-me, inclusivamente, de quando era miúda ter ficado contente por termos um número igual de rapazes e raparigas entre as Crianças Escolhidas. Mas isso seria demasiado progressista...

 

A personalidade de Cody parece ser um híbrido das personalidades de Izzy e Joe. Tal como Izzy, Cody é uma criança um bocado tímida, discreta, obediente e respeitadora para com os adultos da sua família - sobretudo o seu avô. É natural, tendo em conta que o seu pai era polícia e morreu em serviço, protegendo uma qualquer personalidade política. Igualmente em linha com esse facto, Cody dá uma grande importância à honra, ao dever e à honestidade, de uma maneira que recorda Joe, de certa forma.

 

É precisamente de Izzy e Joe que Cody "herda" os Digiovos. Se o Digiovo da Lealdade (pessoalmente, acho que a tradução mais correta é Confiabilidade, mas vou seguir a dobragem portuguesa para não criar confusão) faz sentido, o do Conhecimento não faz sentido absolutamente nenhum. Em nenhum momento Cody funciona como o Cérebro do grupo. Na verdade, tal como expliquei na entrada anterior, Yolei cumpre mais vezes esse papel. Mas uma rapariga representante do Conhecimento? Podia lá ser! As raparigas em Digimon apenas servem ou para serem as mamãs das Crianças Escolhidas, ou para serem fiteiras, ou para serem sobrenaturalmente altruístas

 

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Desabafos feministas à parte, faz sentido que, numa história com vilões complexos, tenham incluído uma Criança Escolhida com uma moralidade a preto e branco, que fizesse de barómetro moral do grupo. Nestas circunstâncias, era muito difícil Cody não evoluir por muito que os guionistas tentassem. Não é de admirar que Cody seja o último a perdoar e a aceitar Ken no grupo, quando este se junta ao lado dos bons. Do mesmo modo, na altura em que as Crianças Escolhidas descobrem que o BlackWarGreymon, apesar de ser constituído por Torras Negras, tem consciência e debatem se é legítimo tentarem matá-lo, Cody não perde tempo e confronta-o de uma maneira suicida. Diz-lhe, parafraseando: "Se na verdade tens coração, não queremos matar-te, por isso pára!". Não serve de muito, mas, tal como disse antes, nesta altura tudo o que as Crianças Escolhidas fazem não serve rigorosamente para nada. 

 

De qualquer forma, é com Oikawa que as convicções de Cody são verdadeiramente testadas - ao descobrir que este foi amigo de infância de Hiroki, o seu falecido pai, e que ambos tinham descoberto o Mundo Digimon por essa altura. Que Oikawa nunca recuperara da perda do melhor amigo. Que Chikara, avô paterno de Cody, se arrepende de não ter estendido uma mão a Oikawa após a morte de Hiroki sendo, portanto, parcialmente responsável pelos eventos de 02.

 

Hei de falar melhor sobre esta faceta da história. Para já, tudo o que interessa é que, (depois de ter testemunhado a redenção de Ken, de conhecer a história de Oikawa, de ver o BlackWarGreymon - o BlackWarGreymon -  salvar a vida do seu avô) a evolução de Cody culmina quando, mesmo depois da vitória final, ajuda um Oikawa enfraquecido por anos de possessão, à beira da morte, a cumprir o seu sonho de visitar o Mundo Digimon.

 

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De entre as Crianças Escolhidas em 02, Cody é o único que eu gostaria de acompanhar nos anos que se seguem aos eventos desta temporada. Agora que a moralidade a preto e branco com que ele foi educado foi questionada e, também, com a revolta natural da adolescência, não me surpreenderia vê-lo rebelando-se contra a mãe e o avô (sobretudo agora que Cody conhece os erros que Chikara cometeu), questionando a "morte honrada" que o pai teve. Sabemos do Epílogo que ele se tornará advogado de defesa em adulto. Em 02 deu os primeiros passos nessa direção. Gostava de ver mais desse percurso.

 

Talvez possamos vê-lo em Tri. 

 

O único problema de Cody é ser um pouco aborrecido. Um pouco à semelhança de Joe, Cody leva-se demasiado a sério. No entanto, ao contrário de Joe, cuja seriedade e rigidez é motivo de piada desde o início e que, de qualquer forma, começa cedo a ganhar sentido de humor, nada disso acontece com Cody. É pena que a Criança Escolhida melhor desenvolida seja, por vezes, a mais enfadonha...

 

No que toca à análise das Crianças Escolhidas, já vamos a meio. Continuem ligados, na próxima entrada falaremos de T.K.

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