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Álbum de Testamentos

"Como é possível alguém ter tanta palavra?" – Ivo dos Hybrid Theory PT

Digimon Frontier #8 – Alienação parental e outras coisas adequadas ao público-alvo

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Conforme temos vindo a assinalar ao longo desta análise, a maior parte dos miúdos de Fronteira não têm passados particularmente dramáticos, em contraste com temporadas anteriores. Kouji é uma exceção, como vimos antes, com uma história mais complicada. Mas mesmo assim, apesar das semelhanças com a história de Juri, resolve-se com relativa facilidade quando Kouji decide aceitar a madrasta.

 

E depois, decorridos três quartos da temporada, surge Kouichi, o irmão gémeo idêntico perdido de Kouji e o herói de Digimon com um dos passados mais sombrios até ao momento. 

 

Não fui a única a achar isto bizarro, pois não?

 

Isto é basicamente uma versão (ainda mais) retorcida do enredo de Pai Para Mim… Mãe para ti/The Parent Trap. Os pais de Kouji e Kouichi separaram-se quando os filhos eram muito pequenos. Cada progenitor ficou com um dos irmãos e estes cresceram ignorando a existência um do outro.

 

Mesmo sem contarmos as particulares deste caso específico, penso que todos concordamos que separar gémeos à força é uma crueldade. Eu até gosto do Pai Para Mim… Mãe Para Ti – a cena em que Hallie reencontra a mãe ainda hoje me traz lágrimas aos olhos – mas, se pensarmos nas premissas do filme durante mais do que uns minutos, tudo se torna menos fofinho. Que tipo de pessoas separam irmãs gémeas e nem sequer as informam da existência uma da outra? Que tipo de pessoas permitem que uma das filhas seja criada a um oceano de distância, sem qualquer contacto?

 

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É daquelas coisas que até são românticas em ficção – um gémeo que não sabíamos que tínhamos, um pai ou mãe desaparecidos que reentram nas nossas vidas – mas que na vida real têm repercussões graves. Como o ato de separar gémeos deliberadamente. Há estudos que comprovam que gémeos começam a interagir logo dentro do útero, logo a partir das catorze semanas de gestação – sobretudo se estivermos a falar de gémeos idênticos, já que partilham o saco amniótico. 

 

Tendo isto em conta, calcula-se que a separação de gémeos à nascença ou de tenra idade seja traumática para as crianças. Pela lógica deverá ser assim… mas nas minhas pesquisas sobre o assunto não encontrei nenhum artigo sobre o impacto psicológico da separação nos próprios gémeos. Tirando este e mesmo assim. A maior parte dos artigos que encontrei foca-se no facto de estes gémeos separados apresentarem muitas semelhanças entre si, apesar de não terem crescido um com o outro – uma demonstração do peso da genética.

 

Encontrei mais informações sobre o impacto da morte de um gémeo à nascença no gémeo que sobrevive. Infelizmente tivemos um exemplo conhecido disso há pouco tempo. Estudos demonstraram que os irmãos sobreviventes apresentam um risco maior de desenvolverem problemas de saúde mental, como depressão e ansiedade – mesmo quando não sabem que perderam um irmão gémeo. 

 

Pode-se deduzir a partir destes dados que os efeitos de uma separação à nascença ou na primeira infância serão semelhantes. Pode-se argumentar que, pelo menos em parte, é daí que virá a personalidade mais emo de Kouji, as suas tendências anti-sociais e sobretudo a sensação de que algo não bate certo na sua família. E, claro, a afinidade de Kouichi para a escuridão, como veremos já a seguir. 

 

Isto tudo já de si é cruel. Ainda se torna mais cruel quando consideramos o resto: o pai dos gémeos não só aceitou abdicar de um dos filhos (isto se não tiver sido dele que partiu a iniciativa) como ainda mentiu a Kouji durante toda a sua vida. Não só ao não esconder-lhe a existência de um irmão mas também ao dizer-lhe que a mãe biológica tinha morrido. A sua insistência em que Kouji trate a sua segunda mulher por mãe ganha contornos (ainda mais) mesquinhos: é como se ele quisesse apagar a ex-mulher (e indiretamente Kouichi) da existência.

 

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Que tipo de monstro faz isso?

 

Eu uso o termo “alienação parental”, mas nem sequer sei se esta é a designação correta. Também não sei até que ponto a situação seria realista. Acho que, mesmo dentro do universo, mesmo sem a intervenção de Kouichi e/ou Ophanimon, Kouji descobria a verdade mais cedo ou mais tarde.

 

Depois temos a questão da pensão de alimentos. Em flashbacks vemos que a mãe dos gémeos tem dificuldades económicas, mantém-se num emprego fisicamente exigente para sustentar Kouichi. Isto dá a entender que o pai dos gémeos não lhe dá apoio monetário nenhum – ou, se dá, este é claramente insuficiente. Outra pedra para lhe atirarmos. 

 

Havemos de regressar ao tema da família dos gémeos mais à frente. Eu no título refiro o público-alvo de Fronteira mas a verdade é que duvido que uma criança visse a situação da maneira que eu vejo. Provavelmente pensa apenas algo tipo “Que fixe, o Kouji tem um irmão gémeo perdido!”. Um adulto é que não conseguirá evitar pensar nas implicações todas. 

 

Um pouco antes dos eventos de Fronteira, Kouichi descobre a verdade da boca da sua avó, literalmente no seu leito de morte. A partir desta altura, o jovem começa a fazer stalking a Kouji e ao seu núcleo familiar, tentando juntar coragem para se apresentar ao irmão. Nós na audiência sabemos que, mesmo antes de saber a verdade sobre o irmão e a mãe biológica, a vida familiar de Kouji não era perfeita. No entanto, visto de fora por Kouichi, ele, o pai, a madrasta e o pastor-alemão (que eu aprovo) parecem uma família feliz. Kouichi sente afeição a Kouji, mas ao mesmo tempo sente raiva, a ele e ao pai, por terem uma vida desafogada enquanto ele e a mãe passam por dificuldades.

 

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O dia em que os eventos de Fronteira começam é outra ocasião em que Kouichi faz stalking a Kouji. Da primeira vez que vemos Kouichi no comboio, no episódio 21 (aquele em que Takuya regressa ao Mundo dos Humanos e ao passado), eu imaginei um cenário diferente. Kouji saberia perfeitamente que tinha um irmão mas estava a fugir dele e mentira quando lhe perguntaram se tinha irmãos.

 

Também poderia ter sido interessante.

 

Depois de não ter conseguido entrar no elevador onde Kouji e Takuya tinham entrado, Kouichi vai pelas escadas mas dá uma queda feia. Quando volta a si encontra-se no Mundo Digital, numa estranha dimensão de trevas – chega a perguntar-se se morreu e aquilo é o Além (...mais sobre isso adiante). É aqui que Cherubimon o encontra. Este aproveita-se das emoções mais negativas de Kouichi em relação à sua família para assumir o controlo sobre a sua mente e impôr-lhe o Espírito da Escuridão – ao ponto de o jovem se esquecer de quem é, só começando a lembrar-se mais tarde, quando se cruzou com Kouji. 

 

Pergunto-me se Cherubimon se identificou com os sentimentos de solidão, abandono e rejeição de Kouichi, daí tê-lo escolhido para marioneta. Teria sido interessante se Fronteira tivesse ido por aí. 

 

Este é um caso excecional nos Espíritos Digitais dos Guerreiros Lendários. Em vez de se limitar a representar um elemento (ou possivelmente uma zona do Mundo Digital), este tem características parecidas com os Cartões e/ou virtudes  (virtudes é como quem diz…) do universo de Adventure – no sentido em que exploram uma faceta da personalidade de Kouichi. 

 

Neste caso em particular, Fronteira brinca com o tropo do gémeo bom e o gémeo mau – e devia tê-lo explorado melhor. É engraçado porque, à primeira vista, se me dissessem que um dos gémeos teria o Espírito da Luz e o outro o Espírito da Escuridão, eu atribuiria a Luz a Kouichi, que tem um temperamento mais gentil que o irmão. É um caso curioso de yin e yang, de gémeos semelhantes nalgumas coisas e diferentes noutras. 

 

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Eu gostava de explorar esta ideia mais a fundo, mas a caracterização de Kouichi é escassa, deixa-me com pouco com que trabalhar. 

 

Não é a primeira vez que Digimon explora a ideia de luz e escuridão como dois lados da mesma moeda. E também a ideia de usar a escuridão para fazer o bem – veja-se o Ken de 02, que usou a sua afinidade com o Mar Negro para ajudar os heróis a derrotarem o Demon. Kouichi passa por um desenvolvimento semelhante ao reconhecer o seu lado sombrio e ao usá-lo para desbloquear as digievoluções corretas do Espírito da Escuridão e fazer frente a Cherubimon.

 

Infelizmente, depois de ser libertado da influência de Cherubimon, Kouichi tem pouco que fazer. Isso em parte é um efeito secundário do Takuya-e-Kouji-mais-quatro, mas também Kouichi interage pouco com os outros tirando o irmão, não altera as dinâmicas do grupo.

 

O “problema” é que Kouichi é facilmente perdoado. O que faz sentido, atenção! Ao contrário de Ken e Oikawa em 02, o jovem não tinha controlo quase nenhum sobre as suas ações quando estava sob influência do Cherubimon, nem sequer se lembrava de quem era. Não precisou de ser perdoado individualmente por cada um dos outros Escolhidos, ao contrário de Ken. O que é uma pena no sentido em que se perdeu uma oportunidade para desenvolver os outros – e para desenvolver Kouichi. 

 

Na verdade, Kouichi ainda é um dos não-Takuya-ou-Kouji que mais tem para fazer, por pouco que seja, durante o arco dos Cavaleiros Reais. Conforme já referi antes, o jovem traz ao de cima a faceta mais calorosa de Kouji. Mas, mais importante, Kouichi começa a reparar que, nas inúmeras vezes que os Cavaleiros Reais derrotam os heróis, surgem anéis de DigiCódigo à volta de cada um dos miúdos… exceto Kouichi.

 

Eventualmente, Kouichi suspeita que poderá estar morto no Mundo dos Humanos, tendo vindo ao Mundo Digital apenas em espírito. O jovem procura guardar segredo, sobretudo de Kouji – que ainda por cima começa a falar sobre passarem tempo um com o outro depois de salvarem o Mundo Digital.

 

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É uma situação dolorosa, talvez um pouco sombria demais para o que Fronteira estabelecera até ao momento. Dito isto, é uma das melhores partes do arco dos Cavaleiros Reais. Fronteira fez um bom trabalho com esta linha narrativa.

 

Kouichi a certa altura desabafa com Bokomon e Neemon. O primeiro, alguns episódios mais tarde, dá com a língua nos dentes ao resto do grupo, quando os gémeos estão a ter uma conversa a sós. Kouji suspeita que algo está errado, mas fica completamente às escuras até ao último momento. Só descobre a verdade na pior altura possível: em pleno combate com Lucemon, depois de o Louwemon levar com um ataque, quando tentava escudar os amigos. 

 

Imenso respeito a Kouichi por esta, por ter conseguido usar a situação a seu favor – de novo as semelhanças com Ken. Ao sacrificar-se e ao entregar os seus espíritos ao irmão, permitiu aos amigos desbloquearem Susanoomon. 

 

Kouichi só volta a ser mencionado dois episódios mais tarde, na segunda metade do último episódio. O que é um pouco estranho, mesmo frio. Parece que os miúdos ultrapassaram a perda muito depressa. 

 

Só depois de Lucemon ter sido finalmente derrotado, de os miúdos se terem despedido do Mundo Digital, de Bokomon e dos outros, quando já estão a meio caminho do Mundo dos Humanos, é que o espírito do Louwemon revela que Kouichi ainda está vivo. 

 

Assim, mal chegam ao Mundo dos Humanos, os miúdos correm para o local onde Kouichi tinha caído pelas escadas abaixo. O jovem já lá não estava, já tinha sido levado para o hospital. Aqui os médicos tentavam reanimar Kouichi, sem grande sucesso. Os miúdos irrompem pela sala de tratamento (ou bloco operatório?), Kouji à frente. A lágrima deste, bem como a luz dos dispositivos digitais regredindo à forma de telemóveis, chegam para trazer Kouichi de volta à vida e aos braços do irmão.

 

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É um momento lindíssimo, um dos melhores de Fronteira, acho que ninguém discorda. Dito isto, o Dr. Mike podia encher um vídeo inteiro só com as imprecisões médicas nos dois ou três minutos que a cena dura. 

 

Para começar, como é que Kouichi teve uma paragem cardíaca após uma queda? A minha irmã médica confirmou-me que isso é impossível. Só se ele tivesse partido uma costela e esta lhe tivesse lacerado o coração. Além de que Fronteira comete o erro comum em ficção de usar o desfibrilhador num caso de paragem cardíaca. Só se usa o desfibrilhador quando o coração está em fibrilhação o que também não aconteceria após uma queda. 

 

Além disso, como é que cinco crianças conseguem entrar numa sala de tratamento sem que ninguém as impeça? Como é que conseguem permanecer junto à cama de Kouichi tempo suficiente para o milagre acontecer sem que ninguém intervenha?

 

Eu podia continuar mas pronto, estamos a falar de uma história para crianças. E, como disse acima, foi um momento bonito. 

 

Pergunto-me se Kouji se cruzou com a mãe biológica no hospital, durante o internamento de Kouichi (mesmo depois do milagre, ele deve ter ficado internado durante algum tempo para observação). Pena não termos visto esse reencontro.

 

O que nos leva ao epílogo de Fronteira. Não ao estilo de 02, ao estilo de Tamers, mostrando o futuro próximo do elenco. Pegando de novo da história da família dos gémeos, descobrimos que, no pós-Fronteira, Kouji reencontrou a mãe biológica e estabeleceu uma relação com ela (bem como com o irmão), mas considera a madrasta a sua verdadeira mãe. Por seu lado, a mãe dos gémeos está mais feliz agora – pelo menos é o que Kouichi acha.

 

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Pois bem, eu tenho algumas dúvidas. Ou, na melhor das hipóteses, não nos estão a contar a história toda. Se antes dos eventos de Fronteira Kouji hesitava em aceitar a madrasta, a sua aventura no Mundo Digital deveria ter exacerbado essas dúvidas. Não que o contrário não seja credível – talvez Kouji ache que a madrasta não é cúmplice nas mentiras do pai. E talvez a afeição que nutre por ela tenha nascido de forma natural, independente das pressões do pai. Mesmo assim, acham mesmo que Kouji aceitou bem o facto de toda a sua vida ter sido uma mentira até aos eventos de Fronteira?

 

É possível que o pai tenha caído em si, tenha pedido desculpa à ex-mulher e aos filhos pelo mal que fez e começado a pagar a pensão de alimentos, melhorando significativamente a qualidade de vida da mãe dos gémeos. Mas isto são especulações minhas, eu tentando ter boa vontade para com os digiguionistas em vez de assumir que é apenas mais escrita. O texto dá pouco em que me basear. A ideia com que fico é que os digiguionistas criaram esta situação familiar mas não pensaram nas implicações. Como tal, esta foi uma conclusão insatisfatória para esta linha narrativa. 

 

No geral, Kouichi até é das personagens mais complexas e interessantes em Fronteira. E ainda assim acho pouco. Queria mais caracterização dele para além do facto de ter sido a marioneta de Cherubimon, a relação com Kouji e a sua experiência de quase-morte. Mas lá está, ninguém neste elenco teve grande desenvolvimento, porque seria Kouichi uma exceção?

 

Uma palavra breve para o epílogo. Não adoro pois é um exemplo de explicar em vez de mostrar (uma adaptação da expressão anglo-saxónica “show, don’t tell”), dizendo-nos diretamente que os miúdos mudaram, evoluíram, em vez de o vermos diretamente. No caso de Tomoki, dos gémeos e de Takuya até certo ponto, aceita-se até certo ponto pois já tínhamos visto sinais do desenvolvimento deles. No entanto, nos casos de Izumi e Junpei não resulta – nunca chegámos a ver exemplos daquilo que referem.

 

Por outro lado, este é o final mais feliz a ocorrer em Digimon até ao momento. Ninguém morreu (embora Kouichi tenha ficado perto), para começar. Além disso, é mais fácil a este elenco deixar o Mundo Digital pois não têm de deixar companheiros Digimon para trás. Só mesmo Bokomon, Neemon e as formas Infantis dos três Anjos, mas quem terá saudades deles, sobretudo Bokomon? Os miúdos de Fronteira nem sequer mantém os dispositivos digitais, mas não estou a vê-los com grande vontade de regressar ao Mundo Digital. Não tanto como os miúdos do universo de Adventure ou de Tamers, pelo menos. 

 

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No geral, as falhas que apontei aqui não chegam para estragar este final emocionante. O caminho até aqui deixou muito a desejar, mas no fim os digiguionistas acertaram no essencial. Dou-lhes crédito por isso. E os miúdos de Fronteira mereceram esta vitória. 

 

Nós, no entanto, ainda não terminámos. Ainda falta uma publicação para falarmos de música, dobragens, entre outras coisas. Continuem por aí.

Digimon Frontier #7 – O choramingas, o enfeite, o stalker

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Julgo que esta não é uma opinião popular – e de resto, pela parte que me toca, não está gravada em pedra – mas Tomoki é a minha personagem preferida em Fronteira. Não significa que o adore – não adoro nenhum dos miúdos deste elenco, o que é um bocadinho triste. Mas é com Tomoki que eu mais me identifico. 

 

Não me surpreende não ver muita gente citando Tomoki como uma personagem de que gostam. Ele não é o género de personagens de que uma audiência infantil goste muito: não é confiante, não é particularmente corajoso e é um pouco choramingas, sobretudo na primeira metade da história. Por outras palavras, é um miúdo realista.

 

Nesse aspeto, Tomoki tem algumas semelhanças com Takato, outra personagem que não se encaixa perfeitamente nos arquétipos do género – ainda que no caso dele se note mais por ser o gogglehead – e por ser outro com quem me identifico. Diz bastante sobre mim, não é? Revejo-me em personagens inseguras e “choramingas”. Por outro lado, são personagens que se vão tornando mais fortes ao longo da história. Gosto de pensar que o mesmo tem acontecido comigo.

 

No início da história, Tomoki é o único que não veio de livre vontade para o Mundo Digital (tirando Kouichi, mas ele só se torna relevante muito mais tarde). Foi literalmente empurrado para dentro do Trailmon. Tomoki é o mais novo do grupo, vítima de bullying, um tudo nada mimado demais pelos seus pais e o que mais tem dificuldades em adaptar-se à vida no Mundo Digital. Uma vez mais, nada disto é irrealista num miúdo de nove anos.

 

Um aspeto interessante é que Tomoki tem plena consciência das suas limitações. Um dos motivos pelos quais, depois de lhe abrirem uma porta para regressar a casa, Tomoki escolhe permanecer no Mundo Digital é precisamente porque ele quer tornar-se mais forte. Chega mesmo a dizer que os pais apoiariam essa decisão se soubessem. Vários episódios mais tarde, quando os dispositivos dos rapazes são roubados e ele tenta recuperá-los, Tomoki está mais preocupado com os de Takuya e Kouji do que com o seu. 

 

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E a verdade é que a narrativa não procura desenganá-lo. Deixa bem claro que Takuya e Kouji são os únicos que interessam, como temos vindo a assinalar. É um dos aspetos infames em Fronteira, mas dentro do universo Tomoki aceita-o sem problemas.

 

Já tinha referido no texto anterior que adoro a maneira como Takuya e Tomoki se adotam um ao outro como irmãos, assumindo papéis a que estão habituados. Takuya traz ao de cima o lado heróico de Tomoki: veja-se a maneira como o mais novo desbloqueia o seu Espírito Humano.

 

Ao mesmo tempo, no episódio de Tomoki do arco de Sephirotmon, descobrimos que o seu irmão mais velho, Yutaka, ocupa na família uma posição semelhante à de Takuya: de irritação por o mais novo levar com demasiada indulgência. Em retrospetiva, Tomoki de início pensa que o irmão tem ciúmes dele ​​– isso talvez fosse verdade se Yutaka fosse mais novo, mas Tomoki refere noutro episódio que o irmão já está na faculdade, ou seja, terá dezoito anos. Se tem ciúmes de um miúdo com metade da sua idade, alguma coisa estará mal. 

 

O mais certo é as queixas de Yutaka partirem de preocupações honestas com o irmão mais novo. Yukata acusa Tomoki de não saber fazer nada sozinho e de estar à espera que esteja lá sempre alguém para lhe fazer a papinha toda. Isso poderá acontecer enquanto os pais estiverem lá, mas o mundo real não funciona assim (Alexa, toca Ain’t It Fun dos Paramore).

 

Ora, Tomoki tem apenas nove anos. Em circunstâncias normais, ainda é um bocadinho cedo para o obrigarem a ser independente. Ainda assim, ainda tirando o fator Mundo Digital da equação, Tomoki é vítima de bullying e não tem amigos. 

 

No que toca à primeira questão, por princípio discordo com argumentos que colocam a responsabilidade pela situação na vítima. Ainda assim, pode-se argumentar que a indulgência dos pais de Tomoki já está a causar danos. Que se tornam ainda mais evidentes quando o jovem vem para o Mundo Digital, onde é obrigado a lutar com as próprias mãos (este é outro conflito interno que não poderia ocorrer, ou ocorreria de maneira diferente, se existissem companheiros Digimon neste universo). Aliás, o argumento de Yutaka não é muito diferente do de Kouji no episódio 7, que comentámos no texto anterior. 

 

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Assim, Tomoki percebe finalmente o que o irmão mais velho queria dizer. E promete a si mesmo dizer-lho quando regressar a casa. 

 

A evolução de Tomoki fica concluída durante o arco dos Cavaleiros Reais, quando se descobre que os antigos bullies fazem parte do segundo grupo de miúdos que veio parar ao Mundo Digital. Estes de início procuram intimidar o mais pequeno de novo, tentando convencê-lo que ele é demasiado fraco para o Mundo Digital e que devia regressar a casa. No fim, porém, Tomoki vence-los salvando-lhes o couro (eu tê-los-ia deixado às aranhas um bocadinho), provando que já não é o mesmo miúdo frágil que eles empurraram para dentro do Trailmon.

 

Tomoki pode não ser o grande herói de Fronteira e pode, à semelhança dos não-Takuya-ou-Kouji, ter-se tornado irrelevante no último terço da história. No entanto, ao longo da história, tornou-se numa versão mais heróica de si mesmo. Às vezes isso é suficiente.

 

Vamos agora falar das personagens de que menos gosto no elenco de heróis. No primeiro caso isso não é por culpa própria. Deverá ser das personagens sobre a qual tenho mais a dizer… mas não por bons motivos.

 

Izumi é a única rapariga no elenco de heróis. Isso já de si é um sinal de alarme – todas as temporadas anteriores tinham pelo menos duas raparigas heroínas (As meninas também gostam de Digimon!). Mas a maneira como Fronteira trata a sua única personagem principal feminina deixa muito a desejar – e estou a ser simpática. 

 

Penso que não é a primeira vez que admito aqui que, em análises anteriores, fui demasiado crítica em relação ao tratamento recebido pelas personagens femininas em Digimon. Além disso, Tamers tinha dado vários passos em frente ao incluir Ruki e Juri, duas personagens femininas muito bem construídas. Fronteira, no entanto, anulou esses progressos e recuou ainda mais ao fazer de Izumi, a) a única rapariga, b) praticamente sem desenvolvimento, c) excessivamente sexualizada, d) de longe a mais inapta.

 

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Podemos começar por falar das digievoluções de Izumi? Sobretudo da Fairymon? Esta não é a primeira vez nem será a última que temos o Digimon com o aspeto de uma mulher em trajes menores, claro que não. Quando falamos de Digimon “puros”, por norma não sou muito comichosa em relação a isso. Vocês estão à vontade para discordar, mas na minha opinião, em termos de progressão de maturidade, é difícil traçar paralelismos entre Digimon e humanos. Depende de muitos fatores, começando pelo universo: no universo de Adventure, é dado a entender que, regra geral, a maturidade avança com o nível de digievolução. A única exceção é Meicoomon, que de resto é um caso à parte em muitos aspetos.

 

Assim, até agora, os principais exemplos de sexualização não eram assim tão questionáveis. Tanto Tailmon como Renamon têm uma maturidade acima da média.

 

No entanto, no que toca a Izumi, estamos a falar de uma menina de onze anos no máximo essencialmente vestindo o corpo de uma mulher adulta. Uma mulher adulta usando lingerie. Nem sequer é um visual interessante: as fatiotas da Angewomon e da Rosemon ao menos são engraçadas. Além disso, é uma péssima indumentária para ir à luta, já que deixa todos os órgãos vitais desprotegidos. 

 

Tecnicamente já tinha acontecido o mesmo com Ruki em Tamers, mas, em primeiro lugar, Sakuyamon foi muito menos sexualizada (o único caso mais questionável foi aquela ocasião em que deixou cair a armadura). Em segundo lugar, era a fusão de Ruki e Renamon: quem determina onde acaba uma e começa a outra?

 

Com Izumi é menos ambíguo. Tecnicamente esta estará a ser possuída por uma entidade externa, como vimos antes, mas fica bem claro que é ela quem controla o corpo e toma as decisões. Uma criança. 

 

Se mesmo assim precisássemos de mais argumentos, basta referirmos as infames cenas imaginárias do episódio 15. Estamos a falar de uma menina de onze anos, uma criança. Nem sequer uma adolescente pós-puberdade, uma criança. Nojento!

 

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Eu até poderia tolerar (bem… mais ou menos) este tratamento se, adicionalmente, não tivessem tornado a personagem tão incompentente, a pior do grupo. 

 

Começando logo pelo quarto episódio. Izumi encontra o seu Espírito Humano, como todos os outros, digievolui e tal. No entanto, não vence o combate – tem de vir Kouji vencer a luta por ela e capturar o DigiCódigo. Na estreia de uma digievolução! Uma ocasião em que, nalguns casos, os digiguionistas forçam as circunstâncias de modo a dar ao miúdo em questão o seu momento de glória (como, por exemplo, no episódio 26 de Adventure. O Vandemon ataca o grupo mas aquele é o episódio de Sora, logo, só deu Garudamon – apesar de nesta altura já três dos miúdos tinham desbloqueado formas Perfeitas). Izumi não tem direito nem a essa pequena cortesia. 

 

E infelizmente este episódio dá uma boa indicação do tratamento que a jovem recebe no resto da temporada. 

 

Izumi apenas se destaca pela positiva em dois aspetos. Em primeiro lugar, por ser a única com um controlo perfeito sobre a sua forma Animal. Sempre é alguma coisa, mas eu suspeito que isso se deva, pelo menos em parte, ao facto de a Shutumon ter características mais Humanas que a maior parte das formas Animais. Parece mais um Espírito Híbrido na verdade.

 

Já que falo nosso, descobri há pouco tempo que existem formas Híbridas para as outras linhas que não a do Agnimon e do Wolfmon. Por final, Jet Silphymon, a forma Híbrida da Fairymon, é muito fixe. Aproveito para dizer que deviam ter deixado Izumi, Junpei e os outros desbloquearem as formas Híbridas durante o arco do Sephirotmon. 

 

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E com isto desviei-me ligeiramente. Regressemos a Izumi. O segundo único momento positivo da jovem é quando derrota Ranamon sozinha. Não é um feito menor – Tomoki não se pode gabar de ter feito um Guerreiro Lendário regredir até ao estado de DigiOvo. 

 

Mas mesmo a rivalidade entre Ranamon e Izumi tem os seus problemas. Como referimos antes, Ranamon define-se pela sua beleza e implica com Izumi sobretudo porque acha que a jovem é mais bonita do que ela – uma opinião que é reforçada por terceiros como os Toucanmon, que a certa altura Ranamon recruta mas que trocam de lado quando descobrem que a forma Animal dela, Calamaramon, é “feia”. É daqueles tropos misóginos tão velhos como o tempo mas que deviam ser enterrados de vez.

 

Aquando destas duas vitórias, Izumi debita clichés de girl power – como se isso nos fizesse esquecer a forma como a jovem é tratada no resto da história. Além disso, por muito que tenha a apontar ao tratamento recebido por outras personagens femininas antes de Izumi, nunca faltaram momentos fortes com elas. Seja Shaochung recusando-se a deixar Lopmon ou Ai reconhecendo os seus erros com Impmon. Para não falar de outros mais óbvios, como Sora cuidando dos amigos às escondidas, Mimi procurando maneiras menos violentas de salvar o Mundo Digital, Hikari finalmente fazendo frente ao irmão, Miyako puxando Hikari para a luz, Meiko lutando por Meicoomon, Ruki… sempre que aparece no ecrã, Juri… sempre que aparece no ecrã. 

 

Nenhuma delas precisou de justificar estes momentos dizendo que foi porque as mulheres são isto ou aquilo. Elas limitaram-se a ser elas mesmas. 

 

À parte isto tudo, Izumi como personagem até tem algumas premissas interessantes. Como o facto de ser filha de emigrantes em Itália. Na versão original, os ataques de Fairymon são em italiano. Tenho pena que a dosagem portuguesa não tenha mantido esse pormenor. 

 

Izumi é também outra personagem com dificuldade em fazer amizades. Sente necessidade de companhia, mas não se quer esforçar por se integrar num grupo e socializar – o que é muito eu. 

 

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No entanto, isto é uma coisa que Izumi diz, não tanto uma coisa que ela faz. Tirando alguma fricção natural nos primeiros episódios, Izumi encaixa-se relativamente bem no grupo, não exibe comportamento anti-social nem se separa de livre vontade do grupo. Não que isso não seja plausível – eu também sou introvertida, mas se fosse parar ao Mundo Digital também não quereria venturar-me sozinha, sobretudo se não tivesse companheiro Digimon. E pode ter sido o facto de Izumi ter sido obrigada a permanecer com o grupo que a tornou menos anti-social.

 

Ainda assim, Fronteira podia ter explorado melhor este aspeto. 

 

Outra coisa que não ajuda em relação a Izumi é o facto de ter havido “ship tease” com todos os outros elementos do elenco de heróis (tirando Tomoki – corrijam-se se estiver enganada!). O que nos leva a Junpei. 

 

Este é o único no elenco de heróis de quem não gosto. Não sou grande fã de Izumi mas, como referi acima, não é tanto por culpa dela. É mais pela maneira como a narrativa a trata. De Junpei não gosto mesmo pela sua personalidade.

 

Nomeadamente o facto de metade da sua caracterização (ou talvez mais) se centrar no fraquinho que nutre por Izumi – o que só reforça o papel dela na história como enfeite, mero objeto de desejo. Admito que é daqueles tropos que, em miúda, não me incomodava e às vezes até achava piada – como o Brock da franquia concorrente – mas que envelheceu muito mal. 

 

É certo que esta não é a primeira vez que temos personagens humanas apaixonando-se umas pelas outras em Digimon. Também não adoro a história entre Daisuke e Hikari em 02, mas tolero-a muito melhor: é apenas uma faceta na caracterização de Daisuke e, de qualquer forma, a paixoneta vai-se desvanecendo ao longo da temporada. Por sua vez, o fraquinho de Takato por Juri é importante para o enredo de Tamers, mas, em parte por ser mais tímido, Takato é muito mais respeitador para com Juri.

 

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Com Junpei não há nada disso, infelizmente. Ele, aliás, só permanece no Mundo Digital para poder andar atrás de Izumi. Nem sequer tem a qualidade redentora de querer ser um herói e/ou proteger os amigos. Ele praticamente não tem qualidades redentoras, ponto. Mesmo alguns dos seus melhores momentos – como quando Izumi perde o seu espírito e Junpei advoga com o grupo para tentarem recuperá-lo – vêm, pelo menos em parte, com a segunda intenção de se tornar mais desejável aos olhos de Izumi. 

 

À parte isso, Junpei é outro anti-social. A cena dele é, como diz Pulver, confundir amigos com fãs, tentar comprar amizades com chocolates e truques de magia. O que denota alguns problemas de auto-estima: Junpei sentirá que ele mesmo não é suficiente para cativar os demais, que precisa de se tornar mais interessante e esforça-se demasiado. 

 

Uma vez mais, isto podia ter sido explorado de maneira interessante. Fronteira podia até ter feito um paralelismo entre ele e Izumi: ela não se quer esforçar para fazer amizades, Junpei esforça-se da maneira errada. Mas não acontece nada disso. Ele forma amizades dentro do grupo, sim – o que é credível, não me interpretem mal – mas isso aconteceria com qualquer um. A caracterização de Junpei não faz diferença. O único desenvolvimento de Junpei ao longo da história é tornar-se menos irritante.

 

Não tenho mais nada a dizer sobre ele. Por hoje ficamos por aqui. Só falta falarmos sobre mais um Escolhido e achei por bem deixar um texto inteiro só para ele. Estou ansiosa por escrevê-lo, na verdade, ele é um caso… interessante. 

 

Não garanto, no entanto, que esse seja o próximo texto aqui no blogue. No dia 17 de julho aqui o estaminé completa dez anos online e vou querer escrever sobre isso e publicá-lo nesse dia. 

 

Obrigada pela vossa visita e, já agora, feliz vigésimo-quinto aniversário de Digimon!

Digimon Frontier #6 – Takuya e Kouji mais quatro

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Quero resistir à tentação de dizer que Takuya e Kouji são meras cópias de Taichi e Yamato de Adventure. É uma leitura demasiado comum, demasiado simplista, que se torna preguiçosa. 

 

Não que esteja errada. Sim, existem semelhanças entre os dois pares de personagens e é óbvio que estas foram intencionais. Veja-se a maneira como as linhas digievolutivas incluem referências às linhas do Agumon e do Gabumon. 

 

No entanto, existem pontos de divergência claros entre as personagens mais velhas e as personagens mais novas. Para começar, Takuya e Kouji são menos desenvolvidos que Taichi e Yamato em Adventure. Além disso, as suas situações familiares podem ser parecidas à primeira vista (o líder é um irmão mais velho com uma típica família nuclear, o “lancer” vive com o pai divorciado e tem um irmão que vive com a mãe), mas olhando mais de perto não são assim tão semelhantes. E é sobretudo daí que, na minha opinião, nascem as diferenças.

 

Começando por Takuya, que tem um irmão mais novo, Shinya. Aliás, os eventos de Fronteira começam – podemos dizer mesmo que decorrem – no dia de anos de Shinya. Longe do estranho vínculo que Taichi e Hikari cultivavam em Adventure, Takuya tem uma relação mais normal com Shinya: não se dão particularmente bem, mas aparentemente não há nada de tóxico entre eles. Como irmão mais velho, Takuya ressente-se por os pais serem mais indulgentes para com o irmão mais novo (sei o que isso é…), mas não deixa de reconhecer que ele também não é perfeito como irmão.

 

No entanto, quando vem para o Mundo Digital, um dos companheiros de Takuya é Tomoki, um miúdo da idade de Shinya. Quando Tomoki tem um descontrolo emocional quase suicida ao chegar à Aldeia do Fogo, o primeiro instinto de Takuya é protegê-lo – o que o leva ao seu Espírito Humano.

 

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Aliás, uma das coisas de que mais gosto em Fronteira é o vínculo entre Takuya e Tomoki. A maneira como estes se adotaram um ao outro como irmãos. Na versão original, Tomoki trata o amigo mais velho por Takuya-oniichan. Não sei se é habitual em japonês, mas imagino que seja precisamente para ilustrar a maneira como Tomoki vê Takuya. Ao mesmo tempo, é possível que Takuya esteja a tentar compensar com o amigo mais novo pelas suas falhas com o seu irmão biológico.

 

Tendo tudo isto em conta, eu diria que, no início da história, Takuya tem mais em comum com Yamato do que com Taichi. Um episódio em que isso se vê bem é o sétimo, imediatamente depois da primeira derrota perante o Grottemon. Takuya, Kouji e Tomoki são separados do resto do grupo e falam sobre o que aconteceu no episódio anterior. 

 

Eu acho piada a este episódio pois faz de Takuya e Kouji pais adotivos de Tomoki, em conflito sobre a melhor maneira de educar o filho. Kouji é o pai mais severo. Como veremos adiante, nesta parte da história, ele é o mais motivado do elenco para cumprir a missão. Está preocupado com a derrota recente e não tem paciência para os choradinhos de Tomoki, acha que o miúdo não tem estaleca para ser uma Criança Escolhida e que Takuya o mima demasiado. Por sua vez, Takuya considera que Kouji é demasiado duro para com Tomoki, que é um par de anos mais novo que eles e nem sequer veio para o Mundo Digital de livre vontade.

 

É um daqueles casos em que nenhum dos lados está cem por cento ou errado. Sim, Tomoki precisa de se adaptar às dificuldades da sua missão no Mundo Digital. No entanto, já tínhamos visto em Adventure o que acontece quando insistimos em seguir em frente às cegas, sem pararmos para cuidarmos de nós mesmos e lidarmos com o que está a acontecer.

 

Os papéis de Takuya e Kouji invertem-se mais tarde, quando Duskmon se junta à festa. E a quem os miúdos não conseguem fazer um arranhão que seja, ficando obrigados a bater em retirada. Kouji em particular percebe que este adversário não é como os anteriores, não está ao alcance deles. Por muito determinado que esteja em levar a missão para a frente, Kouji não é estúpido, não tenciona arriscar a vida ao desbarato. 

 

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Por seu lado, Takuya formula um plano para enfrentarem o Duskmon. Basicamente, ele digievoluirá para Agnimon, agarrará o Duskmon pelas costas e os outros atacá-lo-ão em conjunto.

 

Como se o Duskmon aceitasse placidamente ser agarrado pelo Agnimon.

 

Kouji discorda e di-lo abertamente, mas também não tem nenhuma ideia melhor que ir fugindo ao Duskmon. Na minha opinião, este é outro caso em que ninguém está cem por cento errado. Kouji faz bem em alertar os amigos para o poder do adversário. No entanto, até quando conseguiriam escapar a Duskmon? Um segundo confronto era inevitável, mesmo que a iniciativa não partisse dos miúdos. Mais valia terem um plano para quando isso acontecesse. 

 

Kouji chega a ter uma conversa em privado com Takuya. Acusa-o de não levar nada daquilo a sério, de não ter consciência da mortalidade, tanto dele como dos amigos. Conclui dizendo a Takuya para executar o plano por sua conta e risco, se morrer pela sua própria estupidez, o problema é dele. Mas que deixe Kouji e os outros de fora das consequências.

 

O Duskmon ataca-os pouco depois. Os miúdos executam o plano de Takuya que, como o previsto, dá para o torto. Agnimon fica à mercê do Duskmon, que se prepara para um ataque possivelmente fatal. Apesar do que dissera antes, Kouji (sob a forma de Garummon) não aguenta e atira-se para a frente do ataque.

 

Como disse antes, este é o meu momento preferido em Fronteira. Um plot twist bem feito que desenvolve o carácter de três personagens principais. Takuya, que vê Kouji quase morrendo por causa dos seus erros; Kouji, que revela assim não ser tão desprendido como dá a entender; Duskmon, que tem uma reação estranha ao descobrir a identidade do Digimon que atacou e enche o campo de batalha com uma estranha névoa. Takuya decide embarcar num Dark Trailmon de regresso ao Mundo dos Humanos. 

 

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(fonte)

 

As semelhanças deste evento ao que aconteceu a Taichi em Adventure, no final do arco do Etemon, são evidentes. Para além do óbvio, ocorrem numa parte da história em que tanto Taichi como Takuya são confrontados com a sua própria imprudência. Ao mesmo tempo, ambos os eventos são a antítese um do outro. Taichi regressa ao Mundo dos Humanos num ato de coragem. Takuya regressa num ato de cobardia.

 

Mais: Takuya nem sequer regressa como ele mesmo. Regressa como Flamon, a forma Infantil do Agnimon. Algo que impede Takuya de retomar a sua vida normal, algo que o recordará daquilo que fez sempre que se olhar ao espelho. A marca da vergonha. É brilhante, na verdade. 

 

Não podendo ficar ele mesmo no Mundo dos Humanos, Takuya decide tentar impedir o seu eu do passado de regressar ao Mundo Digital – por motivos que não são explicados, Takuya viaja ligeiramente para trás no tempo. O jovem passa, também, todo o episódio sendo assombrado pelo espectro do Duskmon. Como era de esperar, no último momento, Takuya muda de ideias e decide regressar para proteger os amigos. 

 

É facilmente um dos melhores episódios da temporada. É uma pena que a repercussão no resto da história seja mínima. Takuya reencontra os amigos com relativa facilidade no episódio seguinte e ninguém torna a comentar o facto de Kouji lhe ter salvo a vida, depois de ter prometido que não o faria. O impacto emocional teria sido maior se a visita de Takuya ao Mundo dos Humanos (fruto da sua própria cobardia, recordo) tivesse feito com que o grupo se dividisse, como aconteceu em Adventure (hum…). 

 

Aliás, depois deste evento, o desenvolvimento de Takuya é quase inexistente. As únicas exceções serão quando ajuda Kouji a salvar Kouichi (mais sobre isso mais tarde) e o último episódio, quando ele finalmente vai abaixo depois de tantas derrotas – e mesmo assim não dura muito. Infelizmente não é caso único em Fronteira – e nem sequer é dos piores casos.

 

Falemos sobre Kouji, que sempre é um bocadinho mais interessante como personagem. Como referimos antes, o jovem é o mais motivado do grupo para salvar o Mundo Digital. Isto porque a missão é pessoal para ele: o apelo de Ophanimon inclui a possibilidade de o Mundo Digital lhe dar respostas sobre si e a sua família.

 

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Kouji vem de uma situação familiar muito particular. Descobrimos durante o arco do Sephirotmon que ele é órfão de mãe (isto é… mais ou menos). O pai voltou a casar e praticamente obriga o filho a tratar a madrasta por “mãe”. Kouji estava a preparar-se para dar esse passo quando recebeu a mensagem de Ophanimon. 

 

Se formos a ver, isto é basicamente a mesma história de Juri. No entanto, a maneira como as personagens lidam com isso é diametralmente oposta – Kouji parece-se mais com Ruki nesse aspeto. Além de que Juri está mais longe de aceitar a madrasta. 

 

Aliás, acho interessante que, apesar de estar a meio do ato de comprar flores para a madrasta, Kouji larga tudo para ir para o Mundo Digital. Prova que, apesar de tudo, o jovem ainda tinha dúvidas – e a mensagem de Ophanimon reforçou-as. Isso serve-lhe de motivação durante os primeiros episódios de Fronteira, mas por alturas do arco do Sephirotmon, Kouji está mais determinado do que nunca a regressar a casa e a adotar a madrasta como mãe. Isso não muda, nem mesmo com os eventos dos episódios seguintes – mais sobre isso noutra ocasião.

 

No fundo, Kouji é parecido com Yamato, sim, mas com um Yamato sem Takeru. O Yamato do Reboot, aliás, é mais parecido com Kouji do que o Yamato original. Nenhum deles tem um irmãozinho com eles no Mundo Digital e estão mais motivados que os outros para cumprir a missão. No caso do Yamato do Reboot, este tem Takeru sozinho no Mundo dos Humanos e quer protegê-lo à distância do efeito dos distúrbios no Mundo Digital. 

 

Para além deste aspeto, tanto Kouji como o Yamato do Reboot são introvertidos (também se aplica ao Yamato original), preferem agir sozinhos no início da respetiva história, não têm grande consideração pelo resto do elenco de heróis mas acabam por se juntar ao grupo quase sem darem por isso. No caso de Kouji, mesmo quando entra na equipa, são várias as vezes em que se afasta e procura resolver os seus problemas a solo. 

 

No entanto, é de notar que, no momento mais difícil de Kouji – quando descobre a verdade sobre a sua família e sobre Kouichi – ele apoia-se nos amigos. Sobretudo Takuya. Ele explica-lhe, da melhor maneira que consegue, o que é ser irmão e, mais importante, dá-lhe o equivalente psicológico a um murro à 02 – para que Kouji se recomponha e salve o irmão da influência de Cherubimon. 

 

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Depois disto, Kouji torna-se um pouco mais caloroso, ainda que seja quase só com Kouichi e, vá lá, um pouco com Takuya – mais em situações de combate. 

 

Uma vez mais, não existe um desenvolvimento por aí além de Kouji. A partir de certa altura a história é “Takuya e Kouji mais quatro” em termos de combates, Fronteira é infame por isso, mas nem sequer temos um desenvolvimento decente dos dois. Mas esse é um problema global, como vimos no texto anterior. 

 

E ficamos por aqui hoje. Continuaremos a analisar as personagens individualmente no próximo texto. Eu já me demorei mais do que queria com este e o próximo poderá demorar outra vez – a Seleção irá regressar ao ativo e terei de dar prioridade ao meu outro blogue. Em todo o caso, obrigada pela vossa visita. Até à próxima!

Digimon Frontier #5 – Dando o corpo ao manifesto

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Mais do que nas temporadas anteriores, o grupo de Fronteira é o que melhor se encaixa no tropo da “Five Man Band” – grupo de cinco. Takuya é o líder, Kouji é o “lancer” – o típico segundo na liderança, muitas vezes a antítese do líder. Izumi é a rapariga, geralmente o coração do grupo. Kouichi é o sexto ranger

 

Só Tomoki e Junpei é que não se encaixam muito bem na fórmula. Superficialmente, poder-se-á dizer que Junpei é o tanque/músculo, mas apenas porque tem a aparência de um miúdo grande. Na prática, não desempenha um papel particularmente defensivo ou mais físico que os demais. Por outro lado, existem algumas variantes a este tropo que incluem “a criança” – Tomoki encaixa-se perfeitamente neste papel.

 

A principal categoria que fica por preencher é “o cérebro”/o inteligente. Aliás, este é o primeiro elenco de heróis em Digimon que não possui um “cérebro”: uma personagem com mais inclinação tecnológica e/ou que se destaque pelos seus conhecimentos ou pela sua capacidade de resolver problemas. O mais parecido que temos com isso é o Bokomon. 

 

O que me leva às mascotes de Fronteira. Tenho de dizer, depois do Culumon, que para além de adorável é um herói subvalorizado de Tamers, Bokomon e Neemon foram uma desilusão. O segundo só está lá para tentar ser engraçado (sublinhe-se “tentar”) e para ser maltratado pelo primeiro. Bokomon sempre tem um pouco mais que fazer, não que seja uma grande melhoria: está lá sobretudo para debitar informação. Também passa uma data de episódios grávido com o DigiOvo do Seraphimon. Uma vez mais, suponho que era para ser engraçado – não é. Mesmo que tivesse, acho que ainda faltará uns anos à audiência-alvo para compreender as piadas. 

 

Ao menos é fofinho vê-lo como papá-mamã do Patamon, depois deste nascer. 

 

Por outro lado, admito que, depois do episódio 13 de Ghost Game, custou um bocadinho ver Bokomon quando retomei a maratona de Fronteira. 

 

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Mas regressemos aos miúdos humanos. Tenho de dizer que, como elenco, este é o mais fraquinho até ao momento. Não que não goste dos miúdos, mas estes são menos interessantes e, sobretudo, menos desenvolvidos que noutros universos. 

 

Começando com os seus passados – um de vários aspetos em que Fronteira rompe com outras temporadas. Com uma única exceção – ou melhor, duas – os miúdos tiveram todos vidas estáveis e normais, sem grande drama. Tendo em conta que a ficção em geral adora infâncias infelizes e pais imperfeitos – e as outras temporadas de Digimon são infames por isso – isto é uma desvantagem.

 

É claro que, na vida real, nada disto tem piada. Eu, aliás, gosto de pensar que fãs de Digimon se tornam melhores pais – o anime está cheio de personagens afetadas negativamente pelas suas famílias.

 

Não sei se isso acontece na prática, no entanto. Não há por aí ninguém disposto a fazer um estudo observacional?

 

Dito isto, admito que, a partir de certa altura, Digimon tenha exagerado. Não convém esquecer que a audiência-alvo são crianças. Uma coisa é termos mais divorciados e rebeldias (pré)adolescentes. Outra coisa é termos mães ou irmãos mortos. Faz sentido que, numa temporada que se queria mais leve do que Tamers, os digiguionistas tenham decidido diminuir os dramas familiares (com uma notável exceção).

 

Além disso, como diz Adam Pulver, outro crítico de Digimon, não existirão muitos miúdos identificando-se com uma personagem procurando seguir as pisadas de um irmão que morreu, mas existirão uns quantos identificando-se com personagens com dificuldades em fazer amigos. 

 

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Esse, aliás, é o denominador comum a quase todos os Escolhidos. Temos uma miúda filha de emigrantes com dificuldade em integrar-se. Temos um miúdo um bocadinho mimado demais e vítima de bullying. Um rapaz que prefere agir sozinho. Temos… o Junpei. Kouichi é mais difícil de avaliar, mas ele parece ser tímido. Só Takuya é que não revela tendências anti-sociais – pelo contrário, como vimos acima, encaixa-se no estereótipo do líder extrovertido e impaciente.

 

Ainda assim, esse podia ter sido um dos temas desta temporada: um grupo de misfits, de anti-sociais, que têm de aprender a lidar uns com os outros para poderem sobreviver. Infelizmente não exploram muito esse aspeto, tirando no arco do Sephirotmon

 

Chegou a altura de falarmos sobre o óbvio: é a primeira (e única vez) que o elenco humano não tem companheiros Digimon. São as próprias Crianças Escolhidas a digievoluir e a lutar.

 

Ora, apesar de isto poder ser considerado um sacrilégio, não é necessariamente uma coisa má por si só. Pode-se argumentar que os miúdos de Fronteira fazem mais que os heróis de outras temporadas – meros treinadores de bancada. Sobretudo os do universo de Adventure, cuja única intervenção nos combates é desbloquear as digievoluções – os Digimon é que fazem o trabalho sujo. 

 

Universos como Tamers e Ghost Game tentam contrariar esta limitação pondo os miúdos a orientar os ataques dos seus Digimon, de uma forma ou de outra. E depois temos o Reboot de Adventure, em que os miúdos estão quase sempre montados nos seus Digimon durante os combates. O que é fixe… até ao momento em que os miúdos, inevitavelmente, levam com ataques em cima mas raramente sofrem danos. Assim não vale!

 

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Por seu lado, Takuya e os outros não têm ninguém que os proteja. O que não lhes serve de impedimento. Por muitas falhas que possamos apontar ao grupo de Fronteira, há que dar-lhes crédito: eles dão o corpo ao manifesto. Logo desde o primeiro episódio, por um mundo que, dez minutos antes, não sabiam que existia. E como vimos antes, eles perdem muitos combates – fisicamente. Usando palavras mais brejeiras: eles levam porrada. Repetidamente. E mesmo assim levantam-se de novo, continuam a lutar.

 

Além disso, não sei se alguém alimentava alguma fantasia de se tornar e lutar como um Digimon mas, se existia, pode vê-lo em Fronteira. 

 

Dito isto, tenho algumas críticas a fazer ao conceito. Nomeadamente à natureza das digievoluções.

 

Até aqui, noutros universos, as digievoluções estavam associadas sobretudo a fatores internos, psicológicos e/ou afetivos. Em Adventure, era crescimento pessoal, ligado às virtudes dos Cartões. Em 02, eram as ligações entre as Crianças Escolhidas. Em Tamers, eram as ligações entre humano e Digimon.

 

Em Fronteira, no entanto, os fatores são externos. Os miúdos herdam os espíritos dos Dez Guerreiros Lendários, que representam um elemento ou, possivelmente, uma zona do Mundo Digital. Os miúdos só precisam de encontrar os respetivos espíritos, Humanos e Animais. Mais tarde, os espíritos Híbridos são obtidos via DigiOvo do Seraphimon Ex Machina; o KaiserGreymon e o MagnaGarurumon são obtidos via sacrifício da Ophanimon; o Susanoomon é obtido via sacrifício de Kouichi. 

 

É como se os miúdos estivessem apenas a vestir um fato com super-poderes (como o Tony Stark/Homem de Ferro(?) ou Devi Morris e a sua Lady Gray) ou, quanto muito, a ser possuídos por uma entidade externa. Quase naada é exigido aos miúdos em termos de introspeção. As únicas exceções são as digievoluções de Kouichi e, se quisermos ser generosos, a última aparição de Susanoomon. Isto torna-se um problema ainda mais grave para mim porque digievoluções catalisadas por desenvolvimento das personagens foi sempre uma das minhas partes preferidas de Digimon. E como os miúdos não precisam de crescer como pessoas para digievoluir, o desenvolvimento deles em Fronteira é reduzido, sobretudo quando comparado com as temporadas anteriores. 

 

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Além disso, praticamente todas as vantagens de miúdos digievoluindo eles mesmos são anuladas na última grande parte da temporada – quando Izumi, Junpei, Tomoki e Kouichi têm de abdicar dos seus espíritos para que Takuya e Kouji desbloqueiem o nível Extremo. Kouichi, ainda por cima, tinha acabado de conseguir as suas digievoluções não corrompidas – quase não teve oportunidade de usá-las. 

 

É um tropo recorrente em Digimon os níveis Extremos estarem reservados para os dois rapazes “protagonistas” do grupo. Nunca gostei muito disso. Ainda assim, as outras personagens continuavam a contribuir para os combates, por pouco que fosse, mesmo com digievoluções de nível inferior. Mas impedi-los completamente de digievoluir? Demasiado mau.

 

Ainda se tolerava se estivéssemos a falar apenas dos combates importantes com o Cherubimon e o Lucemon. Mas a situação arrasta-se por todo o arco dos Cavaleiros Reais. É possível que os miúdos tivessem conseguido derrotá-los mais cedo se Izumi e os outros tivessem podido lutar também. Uma pessoa pergunta-se porque é que os outros quatro sequer permanecem no Mundo Digital.

 

Dito isto tudo, o grupo de Fronteira tem uma qualidade redentora – e eu só me apercebi dela ao trabalhar neste preciso texto. Durante muito tempo desvalorizei estes miúdos, pelas razões listadas acima e também pelas motivações deles ao responderem ao apelo da Ophanimon. Com as devidas exceções, estas vão de “não tinha mais nada que fazer” a “eh, pode ser giro”. Nem sequer tínhamos lugares-comuns como curiosidade, insatisfação com a vida atual, desejo de aventura. Motivações como estas não chegavam, nem de longe nem de perto, para sustentar uma temporada inteira levando porrada. 

 

No entanto, olhando mais de perto… estes podem ser os motivos para eles terem embarcado nos Trailmon, mas não são os motivos para se terem envolvido nas lutas e encontrado os espíritos digitais. Takuya desbloqueia o Agnimon enquanto tenta proteger um Tomoki em descontrolo emocional ​​– um miúdo que acabara de conhecer. Kouji desbloqueia o Wolfmon enquanto tenta proteger Tomoki e Junpei – Kouji, que prefere agir sozinho e, uma vez mais, mal conhecia aqueles dois bacanos. Tomoki desbloqueia o Chackmon para ajudar Agnimon num combate. Por fim, vários episódios mais tarde, Takuya regressa brevemente ao Mundo dos Humanos, mas escolhe voltar para o Mundo Digital precisamente por causa dos amigos.

 

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Eu podia continuar. Estes miúdos podem deixar muito a desejar em termos de passado, desenvolvimento e mesmo personalidade em geral, mas merecem crédito por isto: desde muito cedo começam a proteger-se uns aos outros e, sobretudo, sai-lhes tudo do pêlo. Pelo menos em termos da luta em si.

 

E ficamos por aqui hoje. Na próxima parte, começamos a falar sobre cada miúdo individualmente. Desta vez, não garanto que cada miúdo tenha um texto só para si. Nem todos têm pano para tanta manga – e aqueles que têm não será necessariamente por bons motivos. 

 

Em todo o caso, obrigada pela vossa visita. Continuem por aí. 

Digimon Tamers #12 – Vilões entre aspas

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Outra diferença de Tamers em relação ao universo de Adventure é o facto de não existir Luz versus Escuridão, no sentido de Bem versus Mal. A única ocasião que se aproxima disso é quando surge o Megidramon. Talvez porque, em Tamers, não existem bons e maus propriamente ditos – ou pelo menos não no sentido habitual das histórias dirigidas ao público infantil.

 

Isto na minha opinião é um ponto a favor. É realista. Parte dos conflitos em Tamers – alguns dos quais podiam e deviam ter sido melhor explorados – sobretudo durante a primeira metade da narrativa, derivam de pontos de vista contrário, choque de culturas, desconfiança em relação ao que é diferente, revolta de um grupo oprimido contra o seu opressor. Tudo conflitos semelhantes aos que ocorrem no nosso mundo, que ocupam uma larga fatia das nossas notícias. 

 

Ninguém em Tamers está cem por cento certo ou errado, nem mesmo o D-Reaper. Existe verdade nas suas crenças de que tanto a Humanidade como os Digimon têm imperfeições. A solução dele para tais problemas é que, obviamente, não será a mais adequada.

 

Mas não nos adiantemos. 

 

O primeiro antagonista em Tamers é a organização Hypnos e o seu líder, Yamaki. Como referido antes, estes não se revelam de imediato. Durante vários episódios, apenas vemos as mesmas imagens de Reika e Megumi anunciando o aparecimento de Digimon selvagens em Shinjuku, bem como de Yamaki brincando com o seu isqueiro. Só ao sétimo episódio é que descobrimos ao certo quem são eles: uma organização que se dedica a crescente rede digital. 

 

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Ou seja, o Hypnos é o equivalente japonês ao NSA dos Estados Unidos. 

 

É de facto espantoso o quão à frente do seu tempo Tamers estava. Só nos últimos anos – em 2013, com as denúncias de Edward Snowden, e no ano passado, com o escândalo do Facebook (embora a Google também o desconcertante hábito de registar cada um dos nossos passos) – é que o cidadão comum se apercebeu verdadeiramente das implicações da Internet. Mas a verdade é que já havia quem alertasse para a possibilidade no início dos anos 2000. 

 

Tamers não foge ao assunto. Yamaki garante a um inspetor do governo que só estão interessados em informações criminosas – é claro que cada um arranja a definição que mais lhe convém para esse termo. De tal forma que a existência do Hypnos é mantida escondida do público – o inspetor diz mesmo que, se a verdade viesse a público, o governo cairia. 

 

Ora, nesta equação, os Digimon são uma espécie invasora que atrapalha o trabalho do Hypnos. Conforme dei a entender antes, a inutilidade da organização para tratar destas ameaças chega a ser caricata. O trabalho que lhes compete acaba por ser feito por crianças de dez anos (incluindo Takato na sua fase de tentativa e erro). O que nos leva às motivações do Hypnos, em particular de Yamaki.

 

Este até começa com relativas boas intenções – quão nobres poderão ser as intenções de alguém que procura controlar a Internet? É claro que era necessário alguém com experiência e recursos para lidar com a ameaça dos Digimon. Também não estão errados quando dizem que crianças deviam andar a brincar com criaturas capazes de destruir edifícios e matar pessoas. 

 

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Só que o Hypnos é realmente muito mau a fazer o trabalho que lhe compete. As duas primeiras ativações do Shaggai só pioram as coisas em vez de melhorarem: a primeira abre a porta aos Deva. A segunda leva ao colapso do quartel-general do Hypnos. Pelo meio, a certa altura, Yamaki parece deixar-se levar pelo poder e começa a tornar aquilo pessoal. Note-se o momento em que deita as mãos a Jian.

 

O que, tenho de dizê-lo, é completamente inaceitável. Jian é uma criança, Yamaki é um adulto, tem a obrigação de se controlar. 

 

A destruição do Hypnos e consequente perda de emprego tem o condão de obrigar Yamaki a descer à Terra. Vemo-o recolhido no seu (?) apartamento juntamente com Reika – é assim que se descobre que eles namoram. Consta que, quando leram o guião escrito por Konaka, os seus colaboradores foram apanhados de surpresa por esta revelação. O guionista revelou, também, que terá sido Reika a impedir Yamaki de sucumbir por completo à depressão.

 

Em todo o caso, quando os Treinadores se preparam para ir para o Mundo Digital para resgatar Culumon, Yamaki consegue deixar o seu abatimento de lado, ainda que por pouco tempo. Vai ter com eles imediatamente antes de partirem e empresta-lhes um dispositivo que lhes permitirá comunicarem com o Mundo Real enquanto estiverem no Mundo Digital. 

 

Ainda assim, Yamaki mantém-se confinado ao apartamento, com a namorada (o que, sejamos sinceros, não é assim tão mau). Certo dia, um tipo qualquer do governo decide ativar o Shaggai de novo porque… razões. Corre quase tão bem como das duas primeiras vezes – e vemos o efeito que isso tem no Mundo Digital. Têm de vir Yamaki e Reika para corrigirem a asneira do outro e, no processo, recuperam as rédeas do Hypnos. 

 

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Depois desta, Yamaki e o Hypnos estabelecem-se firmemente como aliados dos Treinadores, em colaboração com o Grupo Selvagem. Existe um momento em que Yamaki se culpa pela crise do D-Reaper. Reika faz-lhe ver que ele foi apenas o primeiro a querer controlar a Internet – e como vimos acima, o tempo veio a dar-lhe razão. 

 

Da ideia que tenho, ninguém acha os Deva muito interessantes enquanto vilões. Eu concordo. Quando começam a aparecer no início da segunda parte da narrativa, pouco mais são que vilões-do-episódio, que os heróis derrotam sem pensar duas vezes. São níveis Perfeitos, e alguns até são difíceis de derrotar, mas outros são derrotados por níveis Adultos.

 

Acho também que não sou a única que nem sequer consegue decorar os nomes de uma boa parte deles. São o Deva-Cobra, o Deva-Cavalo, o Deva-Rato e por aí fora.

 

A certa altura Jian consulta o seu instrutor de kenpo para descobrir mais sobre os Deva – que foram inspirados pelo zodíaco chinês, que por sua vez colheu inspiração dos Doze Generais Celestiais do budismo. Quando o instrutor revela que os Deva originais eram figuras benevolentes, Jian acaba aprendendo que o mal e o bem são uma questão de perspetiva. 

 

O que é irónico se tivermos em conta que os Deva são o mais próximo que Tamers têm dos típicos maus da fita de desenhos animados: unidimensionais, interessados apenas em debitar propaganda anti-humanos e provocar o caos no Mundo Real.

 

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Os únicos Deva minimamente interessantes são Makuramon, Chatsuramon e Antylamon. O último, obviamente, por ser o companheiro de Shaochung. Por sua vez, Makuramon é um dos que ganha mais tempo de antena. Durante a segunda parte da narrativa, disfarça-se de criança humana e tenta infiltrar-se no grupo de amigos de Takato – para poder aproximar-se de Culumon. Não se pode dizer que o disfarce resulte pois, embora não descubram logo que o miúdo tentando colar-se é um Digimon, o seu comportamento é sinistro e enervante.

 

Para os miúdos e para mim, diga-se. Entre este e o Etemon, está visto que Digimon inspirados em macacos não são comigo.

 

No fim, Makuramon acaba por ser o único a fazer o seu trabalho, ou pelo menos parte dele: deitar as mãos a Culumon e levá-lo para o Mundo Digital. 

 

Chatsuramon, o Deva-Leão (ou gato?), é o mediador do pacto de Impmon com o diabo. Uma incoerência que não passa despercebida é o facto de os Deva serem todos do nível Perfeito mas, quando recrutam Impmon, este digievolui para o nível Extremo. Três questões: um, se Zhuqiaomon consegue, indireta ou indiretamente, desbloquear um nível Extremo de outro Digimon, para que precisa de Culumon? Dois, porque não fez  mesmo com os seus minions, parte dos quais são fracos até para níveis Perfeitos? Por fim, porque tornaram um recruta recente mais poderoso do que eles – talvez capaz de fazer frente a Zhuqiaomon? Estão mesmo a pedir para serem apunhalados pelas costas.

 

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É assim que os Devam acabam, aliás, tirando Antylamon. Makuramon e Chatsuramon podem até ter tido algum interesse, mas as suas mortes são meras notas de rodapé em episódios que a atenção da audiência está no duelo entre Beelzebumon e Megidramon/Dukemon. Ninguém sentirá a falta deles.

 

É mais ou menos nesta altura da história, um pouco mais tarde, que descobrimos que, no universo de Tamers, os deuses do Mundo Digital são as Bestas Sagradas. Os Deva, no entanto, só falam de um deus que substituiu os humanos – provavelmente Zhuqiaomon, o seu amo. Descobrimos também que este último precisava de Culumon para, como referimos antes, digievoluir tudo o que se mexe para combater o D-Reaper.

 

E de facto é isso que Culumon faz, quando lho pedem. E uma pessoa fica tipo “Porque é que não lhe pediram com jeitinho mais cedo?” Podiam ter evitado pelo menos metade dos eventos de Tamers – sobretudo a morte do Leomon, que deixou Juri vulnerável ao D-Reaper. 

 

Parece uma falha do enredo, mas eu não acho que o seja. Não a cem por cento pelo menos. Acho que é um erro de Zhuqiaomon. Este parece ser o único das Bestas Sagradas que se ressente dos humanos – possivelmente passando as suas crenças aos seus servidores. É possível que tanto os Deva como Zhuqiaomon tenham aproveitado a busca por Culumon para se vingarem da Humanidade. As consequências desse ódio para Zhuqiaomon é perder os seus minions e conferir mais poder ao inimigo que queria derrotar.

 

Por outro lado, descobre-se que fora Qinglongmon a transformar a luz da digievolução num Digimon e a enviá-lo para o Mundo Real. A ideia era que Culumon fugisse do alcance do D-Reaper, para que este não o usasse como catalisador. Mas não se lembrou de avisar o colega Zhuqiaomon, que passara metade de Tamers tentando recuperar o pequenote.

 

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Este é, na minha opinião, o maior ponto fraco do enredo de Tamers. As Bestas Sagradas não comunicam entre si? Não faria mais sentido atuarem em conjunto perante um inimigo tão poderoso como o D-Reaper? Em vez darem tiros nos pés ao levarem a cabo planos que contradizem os dos colegas? 

 

Se isto não for uma falha do enredo (e não estou convencida que não o seja), este parece ser um daqueles casos em que um aliado incompetente causa mais danos que um vilão. Quase culpo mais Qinglongmon do que Zhuqiaomon pelos eventos de Tamers. Zhuqiaomon pecou por ódio e preconceito. Qinglongmon pecou por negligência. 

 

Falemos, então, sobre o D-Reaper. Este é um caso típico de uma inteligência artificial tão inteligente, tão inteligente (passe a redundância) que chega à conclusão de que a Humanidade é demasiado tóxica e deve ser eliminada. O D-Reaper no início era um programa muito simples de eliminação de dados em excesso. O problema foi que, com a expansão do Mundo Digital, em paralelo com o crescimento da Internet, o D-Reaper sofreu também uma digievolução à sua maneira – tornando-se uma ameaça ao Mundo Digital. 

 

Tecnicamente, o D-Reaper é o grande vilão de Tamers. Se pode, no entanto, ser considerado vilão é questionável – porque o D-Reaper não tem noção do bem e do mal, faz apenas aquilo para que foi programado. Não tem noção da moralidade.

 

Bem, pelo menos em teoria. Mais sobre isso já a seguir.

 

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Vemos o D-Reaper pela primeira vez no episódio da estreia da Sakuyamon. No início, este era apenas uma massa disforme, cor-de-rosa, que solta bolhas. Ao contrário do estilo desenhado à mão de praticamente todo Tamers, o desenho do D-Reaper mete CGI e o contraste entre os dois estilos é desconcertante. 

 

As bolhas são, em teoria, um exemplo de carnificina sem sangue, sem violência, adequadas ao público infantil. Na prática, a ausência de sangue, de violência, é o que mais me assusta nelas. Basta um toque apenas para a vítima pura e simplesmente deixar de existir. Uma pessoa não consegue oferecer resistência, não consegue debater-se. Apenas desaparece deste mundo. Nem sequer deixa um cadáver ou partículas digitais para trás. 

 

É horrível.

 

Quando o D-Reaper chega ao Mundo Digital, o seu tamanho aumenta exponencialmente. Forma uma massa gigantesca que irradia calor, com centro no parque de Shinjuku – aparentemente a partir da brecha para o Mundo Digimon no casinhoto de Guilmon. É dado a entender nos últimos episódios de Tamers, quando a expansão acelera e surgem massas noutras grandes cidades, que o plano do D-Reaper é erradicar a espécie humana por aquecimento global.

 

Como se os humanos precisassem de ajuda nesse capítulo. O D-Reaper é apenas um catalisador. Aqui não há Greta que nos valha. 

 

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A criatura possui diversos agentes e/ou formas para levar a cabo os seus fins. A mais notável é, claro, a Juri-Type, sobre quem falámos antes, de passagem. É a única dos agentes que não possui um cordão umbilical que a una ao D-Reaper, a única que consegue funcionar longe dele. Durante muito tempo, assume uma aparência muito similar à de Juri – tirando os olhos e a palidez – que lhe permite tomar o lugar da menina entre os Treinadores e ir para o Mundo Real. Vimos antes que o seu objetivo era analisar a espécie humana. 

 

Quando Juri-Type revela a sua verdadeira natureza perante Takato, ganha formas mais monstruosas: a de uma Juri mais velha, alada, ou de uma figura feminina, também alada, mas de pele azul, olhos grandes e cabelo espetado. Parece ser ela a responsável pela tortura psicológica de Juri, pois tenta fazer o mesmo com Takato. 

 

Teoricamente, à semelhança dos outros agentes, Juri-Type não terá vontade independente do D-Reaper – que como vimos não tem código moral, não age por malícia. Mas até que ponto isso será verdade para a Juri-Type? Até que ponto pode uma criatura usar tortura psicológica para neutralizar as suas vítimas sem intenções maliciosas?

 

O D-Reaper funciona, assim, bastante bem como grande vilão da temporada, se bem que ache que a sua introdução na história poderia ter sido menos forçada. Continuo a achar que, do ponto de vista puramente do enredo e da temática, teria feito mais sentido se o Zhuqiaomon fosse o grande vilão da temporada, com intenções de exterminar a raça humana. No entanto, o D-Reaper é um vilão deveras assustador, poderoso, retorcido, fora do convencional, proporcionando alguns dos momentos mais memoráveis em Tamers. 

 

Além disso, consta que será Digimon Savers a explorar a fundo a via Mundo Real versus Mundo Digital. Tri também tentou ir nessa direção, sem grande sucesso.

 

E com isto terminamos a análise ao elenco de Tamers. Estamos quase a chegar ao fim. O próximo texto será o último – mas ainda haverá muito sobre que falar. 

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