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Álbum de Testamentos

"Como é possível alguém ter tanta palavra?" – Ivo dos Hybrid Theory PT

A história turbulenta da banda que vai abrir a Eras Tour em Portugal #4

Chegámos à última parte da história dos Paramore (que começámos a contar aqui). Retomamo-la algures em 2018, quando Hayley e Taylor terão começado a namorar. Sim, é ele o amor da vida dela a que me referi antes. Segundo declarações e letras escritas à posteriori, de início Hayley tentou reprimir os seus sentimentos. Em parte precisamente porque já não era a primeira vez que se envolvia com um colega de banda – e o fim da relação com Josh dera cabo da amizade entre os dois e quase destruíra os Paramore. 

 

Mas também terão existido outros motivos. Depois do traumático relacionamento anterior, acredito que Hayley tenha receado apaixonar-se de novo. Ao mesmo tempo, a jovem não estava habituada a uma relação saudável. Parte de si não se sentia à vontade com isso – mais sobre isso adiante.

 

Mas, de uma maneira muito típica e muito descrita em inúmeras canções de amor, os sentimentos foram mais fortes.

 

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Na altura – 2018 – não dei por nada, mas alguns fãs já desconfiavam. Uma das pistas mais óbvias foi um par de histórias do Instagram, que podem ver acima. Hayley publicou uma de um jardim (?) à chuva, com as palavras “I love you”. Poucos minutos depois, Taylor publicou uma, desta feita de árvores à chuva, com a palavra “same” de pernas para o ar. 

 

Mais sobre este romance já a seguir.

 

Apesar deste desenvolvimento feliz, no início de 2018, durante as filmagens do vídeo de Rose Colored Boy, Taylor soube da morte de um amigo de família – uma perda dolorosa. Ainda durante essas mesmas filmagens, falou com Zac e Hayley e os três acordaram que, assim que cumprissem os compromissos que tinham agendados, a banda faria uma pausa prolongada.

 

E assim foi. O último concerto da era de After Laughter foi o festival Art + Friends, em Nashville, em setembro de 2018. Como vimos antes, a saúde mental de Hayley melhorara durante esta era. No entanto, a larga maioria dos seus problemas ficara apenas em águas de bacalhau. Quando Hayley regressou a casa, veio tudo à tona.

 

E infelizmente uma das vítimas foi a relação com Taylor. Como referi antes, Hayley não estava habituada a uma relação saudável. A sua experiência com o amor – quer as suas relações anteriores, quer as relações dos seus pais – não era essa. Ao ver que o seu romance com Taylor era pacífico, seguro, relativamente fácil, uma parte de si ter-se-á assustado, levando à separação.

 

Não tenho a certeza absoluta de que terá sido esse evento específico a mostrar a Hayley que precisava de ajuda e de lidar com os seus traumas como deve ser. Mas é provável que tenha sido. A própria Hayley o disse uma vez: sim, ela tinha, ainda terá, uma certa tendência para se boicotar a si mesma. Já se divertiu com isso em música, em jeito de auto-depreciação – “No, I don’t need no help, I can sabotage me by myself”. No entanto, a partir do momento em que Hayley não era a única a ser magoada, a coisa já não tinha assim tanta graça.

 

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Foi nesta altura que Hayley começou a tratar a sério de si mesma. Chegou a estar internada numa instituição de reabilitação, onde foi finalmente diagnosticada com depressão e stress pós-traumático. Ao mesmo tempo, terá falado com a sua mãe sobre os casamentos falhados dela e começado a desatar os nós provocados pelos múltiplos divórcios dos pais.

 

Pelo meio, ela e Taylor retomaram a relação.

 

Como parte da terapia, Hayley foi encorajada a escrever, a compôr. Os Paramore, no entanto, estavam em pausa – e, de qualquer forma, os temas abordados e o estilo das músicas não encaixariam no trabalho da banda. Hayley, no entanto, não queria lançar as músicas a solo, depois de todas as acusações de que fora alvo ao longo dos anos. Taylor, como sempre, soube aconselhá-la, encorajou-a a lançar aquelas músicas – e ele mesmo produziu aquele que se tornaria Petals For Armor, o primeiro álbum de Hayley em nome próprio. 

 

Hayley e os seus amigos e colaboradores passaram quase todo o ano de 2019 criando este disco em segredo. No final desse ano, no seu trigésimo-primeiro aniversário, Hayley largou a bomba – ainda hoje me lembro do choque. 

 

Ela deixou bem claro múltiplas vezes que não tencionava deixar os Paramore para trás. E de qualquer forma, isto não foi uma cedência ao comercialismo. Foi algo criado como catarse, com a ajuda de amigos seus – inclusive Zac e Taylor. 

 

Petals For Amor foi editado em maio de 2020. Era suposto Hayley ir em digressão para promover o álbum mas, claro, a pandemia veio boicotar esses planos. Por outro lado, a espera por esse lançamento acabou por ser um dos meus poucos consolos durante os primeiros dois meses do confinamento. Hayley deu uma série de entrevistas muito pessoais – que, na verdade, foram as principais fontes deste texto. Houve também uma altura em que divulgava uma música nova do álbum por semana.

 

 

Para mim, Petals For Armor ficará para sempre associado a esse período.

 

Mas também gosto muito deste álbum por si só. Uma das minhas músicas preferidas neste álbum é Simmer: uma canção sobre raiva no feminino que precedeu mad woman em cerca de seis meses. Outra é Dead Horse, inspirada pelo seu divórcio, em que Hayley é particularmente (e merecidamente) cáustica para com o ex-marido – quatro anos mais tarde, ainda estou a recuperar de “held my breath for a decade, dyed my hair blue to match my lips”.

 

Também adoro as canções de amor dedicadas a Taylor, sobretudo Crystal Clear. Vimos antes que Taylor foi o produtor. Nesta, ele incorporou um excerto de Friends Or Lovers, uma música composta e cantada por Rusty Williams, o avô de Hayley. 

 

Crystal Clear faz-me lembrar um pouco Daylight de Taylor Swift, na verdade. O tom é semelhante: romântico mas sereno. O tema da letra também: sobre deixar maus hábitos para trás e entregar-se ao amor. A frase “I wounded the good and I trusted the wicked” podia ter sido escrita por Hayley. 

 

Foi mais ou menos nesta altura que dei pela primeira vez com os rumores de que Hayley e Taylor se tinham juntado. Não é a primeira vez que o refiro aqui no blogue, mas a minha primeira reação não foi muito positiva – sobretudo tendo em conta o que aconteceu com Josh. De tal forma que andei em negação, ao ponto de achar que o sample de Friends or Lovers fora um gesto de amizade. 

 

Às vezes consigo ser muito ingénua. 

 

 

Só comecei a levar os rumores a sério quando saiu o segundo álbum em nome próprio de Hayley – Flowers For Vases/descansos, editado em 2021.

 

Antes de avançarmos para ele, referir que, apesar de ter confirmado, com o lançamento de Petals For Armor, que tinha um novo amor na vida dela, Hayley estava a cumprir a quarentena sozinha. Na altura achei estranho. Cheguei mesmo a perguntar-me se ela teria terminado a relação com esse misterioso novo amor.

 

Ao contrário do que aconteceu com o álbum a solo anterior, Hayley praticamente não deu entrevistas, não deu nenhuma indicação sobre as inspirações para as músicas de Flowers For Vases. O que vou dizer a seguir é pura especulação, baseando-me em letras deste álbum e em entrevistas posteriores dos Paramore – duvido que estas teorias venham a ser confirmadas. Mas Taylor revelou que também teve de lidar com problemas de saúde mental nos últimos anos. Teve de deixar de beber, foi diagnosticado com hiperatividade e défice de atenção e, com o confinamento, começou a sofrer de agorafobia. 

 

Calculo que, algures em 2020, teve de se afastar um pouco de Hayley para lidar com estes problemas. Hayley parece passar uma boa parte de Flowers For Vases tentando lidar com esse afastamento. Em músicas como Wait On e HYD, sente dificuldades. Em Find Me Here, finalmente, aceita-o.

 

Flowers For Vases foi, assim, um álbum criado durante o confinamento – criado por causa do confinamento, à semelhança de folklore. Hayley não só compôs todas as músicas sozinha como também tocou todos os instrumentos e fez as gravações em sua casa. Não é um mau álbum, mas não o adoro. Podem ler mais sobre isso aqui

 

Em todo o caso, Flowers For Vases praticamente provou-me que Tayley era cânone. Possui demasiadas alusões a Taylor para ser de outra maneira.

 

Teríamos de esperar mais de um ano e meio pela confirmação oficial, no entanto. Pouco depois da edição de Flowers For Vases, Hayley, Zac e Taylor começaram a trabalhar no sucessor a After Laughter. Este ficou pronto no ano seguinte e a era de This is Why começou no outono de 2022 – ainda que o álbum só tenha sido editado em fevereiro do ano seguinte.

 

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Foi nessa altura que Hayley e Taylor confirmaram que estavam juntos. Penso que a maior parte dos fãs reagiu bem à notícia – mesmo eu, nesta altura, já me habituara à ideia. Como já referi antes aqui no blogue, eles têm sido bastante discretos. Acho que nunca se beijaram em público sequer. Contam-se pelos dedos de uma mão as vezes que eles falaram sobre o relacionamento – tirando, claro, as entrevistas de Petals For Armor, antes de ter confirmado a identidade do amante. Sabemos que estão a viver juntos, pouco mais. 

 

Pessoalmente, não me importo com a discrição. Respeito-a. Ao mesmo tempo, à semelhança de outros fãs, fico contente com as migalhas que vão deixando: dois segundos de vídeo com eles de mãos dadas, as suas interações em palco. 

 

Esta é a era mais recente da banda. Pode-se argumentar que ainda está a decorrer neste momento. Tenho poucas coisas a acrescentar à análise que lhe escrevi no ano passado

 

Uma delas é curiosa. Não tenho noção se isso acontece muito com fãs mais ferrenhos de Taylor Swift e os seus álbuns e eras. Mas os membros dos Paramore têm a minha idade e há anos que sinto que eles têm crescido comigo. Quando lançam um álbum – incluindo aqueles que Hayley tem lançado em nome próprio – estes por norma refletem a fase da vida por que estou a passar na altura.

 

Isso tem acontecido com partes de This is Why, sim. Músicas como The News e sobretudo Crave. Por outro lado, noutros aspetos, sinto que a minha vida tem sido o completo oposto. Um dos slogans desta era, por exemplo, reza “this is why I don’t leave the house”. No entanto, neste momento estou a atravessar talvez a era mais extrovertida de toda a minha vida.

 

Uma coisa muito boa desta era é que Hayley parece mais confortável do que nunca na sua própria pele. Mais confiante, indiferente às opiniões dos demais. Como dizem os anglo-saxónicos, “unhinged”

 

Dá gozo ver.

 

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Esta tem também sido uma das eras mais bem sucedidas deles entre a crítica – ao ponto de terem ganho um par de Grammys no início deste ano. Um para o Melhor Álbum de Rock com This is Why (foram a primeira banda com uma vocalista feminina a ganhar) e para a Melhor Apresentação de Música Alternativa com o single homónimo. 

 

Conforme já referi antes aqui no blogue, acho que os dois álbuns anteriores a This is Why mereciam mais distinção. Mas para mim os Paramore merecem todo o reconhecimento que recebem, seja por que for.

 

Recuando um pouco, no início deste ano apanhámos um susto. A banda limpou as suas redes sociais e o site oficial. Depois, começaram a cancelar compromissos. A comunidade de fãs, quais gatos escaldados com medo de água fria, entrou logo em pânico. Até mesmo eu fiquei nervosa – tal como expliquei aqui

 

No entanto, um dia depois de ter publicado esse texto, no primeiro aniversário de This is Why, a banda regressou às redes sociais para anunciar que, agora que o infame contrato com a Atlantic Records/Fueled By Ramen finalmente terminou, os Paramore são agora uma banda independente. Algumas semanas depois, lançaram um videoclipe para Thick Skull, juntamente com uma nota de Hayley. Depois de anos de introspeção, já não se sente na obrigação de agradar aos demais. Já não duvida de si mesma como líder dos Paramore.

 

Quanto à banda, eles têm, então, a Eras Tour, que lhes vai ocupar uns meses. Depois disso, não têm nada planeado. Vinte anos depois, os Paramore estão finalmente livres para fazerem o que bem entenderem. 

 

E estão apenas a começar. 

 

 

Como podem ver, depois deste testamento todo, é um pequeno milagre podermos vê-los no Estádio da Luz daqui a menos de dez dias, abrindo para Taylor Swift. A banda por estes dias graceja que tem de fazer um documentário (há quem especule que eles estão a tratar disso neste momento) ou de escrever um livro. Eu mesma acabo de gastar quase doze mil palavras só para contar a história dos Paramore – e sou apenas uma fã. E existem coisas que deixei de fora, muitas músicas excelentes que não referi aqui.

 

Se eu consigo escrever tanto, o que não conseguirá uma jornalista profissional e/ou uma pessoa dentro da própria banda?

 

Deviam também fazer uma biopic daqui a uns vinte ou trinta anos. Eu chamar-lhe-ia Conspiracy ou Misguided Ghosts. Mas o nome mais provável seria Misery Business.

 

O percurso até aqui foi acidentado, mas não estou preocupada com o futuro dos Paramore. Os três estão na casa dos trinta, são todos adultos, sobreviveram a inúmeros conflitos, aprenderam as suas lições. Não terão faltado oportunidades para desistirem de vez, mas não o fizeram – e só faz falta quem lá está, quem quer lá estar. Eles sabem quando é necessário fazer uma pausa, têm liberdade para explorarem projetos laterais, para em geral terem uma vida fora dos Paramore – sobretudo agora que se tornaram independentes. Uma relação muito mais saudável.

 

Sim, Hayley e Taylor estão a namorar e, na História da música, isso costuma terminar mal. Mas também não estou muito preocupada com isso. Eles já estarão juntos há uns seis anos, mesmo com uma ou outra crise pelo meio. São amigos há mais de vinte anos – e dizem que as melhores relações começam assim. Aqui entre nós, às vezes pergunto-me se a afeição de Hayley por Taylor é um reflexo da sua afeição pelos Paramore, pela família que escolheu. 

 

Desde que seja saudável.

 

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Se calhar poucos apostariam nisso há uns doze, quinze anos, mas os Paramore foram das poucas bandas dos anos 2000 que conseguiram sobreviver até agora, que conseguiram manter a qualidade da sua música. São adorados pela comunidade LGBT+, como vimos antes, pela comunidade negra, influenciaram inúmeros músicos que vieram depois deles: Olivia Rodrigo, Billie Eilish, Soccer Mummy, Willow Smith, entre vários outros. 

 

E eu sinto-me muito orgulhosa deles, da história que tenho partilhado com os Paramore ao longo de mais de treze anos, do quanto eu e eles crescemos, do quanto evoluímos, desde aquele primeiro concerto no Optimus Alive. Se no dia 25, durante a atuação deles, for a única no Estádio da Luz a cantar, a dançar, a chorar, a gritar em coro com Hayley “WE! ARE! PARAMOOOOORE!!!”, não me importo.

 

Acho que não vou ser a única, no entanto. E de qualquer forma espero ter convertido algum de vocês, caros leitores – ou que, pelo menos, vos tenha deixado mais abertos a eles, a deixarem que a banda vos conquiste. Como fã dos Paramore, peço encarecidamente que os recebam bem em ambas as noites da Eras Tour cá em Portugal. Como poderão concluir, eles são sobreviventes, são resilientes e… são bons músicos. Merecem.

 

E, se gostarem de nós, talvez fiquem com vontade de voltar cá, com um ou mais concertos em nome próprio.

 

No que toca aqui a este blogue, devo ficar sem publicar mais algumas semanss. Como escrevi no fim dos textos de fim de ano, era suposto ter escrito primeiro sobre a terceira temporada de Ted Lasso mas, conforme previ, acabei por me atrasar. Esse texto já está planeado, até já rascunhei um parágrafo ou dois. Só que, entretanto, veio Abril e achei por bem voltar-me para este.

 

Agora temos o Euro 2024 está aí à porta. Ou seja, terei de me voltar para o meu outro blogue. Talvez consiga ir trabalhando no texto de Ted Lasso – pelo menos nas semanas de preparação, antes do Europeu propriamente dito. Mas será quase impossível enquanto a Seleção estiver na Alemanha – e eu espero que só regresse a 15 de julho.

 

Entretanto, amanhã estreia nos cinemas portugueses o filme de Digimon 02, The Beginning/O Início, sequela a Kizuna. Finalmente. Como é óbio, vou escrever sobre ele depois do texto sobre Ted Lasso. Depois disso? Logo se vê.

 

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Muito obrigada pela vossa visita e por lerem. Foi divertido recordar a história da banda durante a contagem decrescente para voltar a vê-los. Um agradecimento ao podcast Still Into You, uma fonte importante para este texto. Deixo aqui uma playlist com aquilo que considero os essenciais dos Paramore – as músicas de que fomos falando ao longo do texto e mais algumas. Estou super entusiasmada em relação à Eras Tour. Façamos e troquemos pulseiras da amizade (Como podem ver, já fiz uma para os Paramore. As próximas serão com os títulos de algumas das minhas músicas preferidas da Taylor neste momento). Causemos atividade sísmica na zona em volta. Que sejam noites inesquecíveis. Aos Paramore e a Taylor Swift!

Petals For Armor: Self-Serenades e Música 2020

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No passado dia 18 de dezembro, Hayley Williams lançou o EP Petals For Armor: Self-Serenades. Segundo declarações da própria, este EP reflete, pelo menos em parte, os largos meses que Hayley passou em casa, com apenas a sua guitarra por companhia – bem, a sua guitarra e o seu cãozinho, Alf. O EP consiste em versões acústicas de Simmer e Why We Ever – originalmente lançadas no álbum Petals For Armor – e uma única faixa inédita, Find Me Here…

 

...e, aqui entre nós, soube-me a pouco. 

 

Find Me Here é uma faixa com menos de dois minutos de duração, que mais parece um interlúdio (semelhante aos do Self-Titled) do que uma canção a sério. Admito que eu estava com expectativas muito altas. O EP foi anunciado há cerca de dois meses e, desde então, criei um hype exagerado em torno de Find Me Here – ainda que apenas para mim mesma. Andava há semanas a planear a minha escrita já a contar com a análise a essa canção. 

 

Assim, quando ouvi a música pela primeira vez, a minha primeira reação foi:

 

– …só isto?

 

Mesmo deixando de lado as minhas expectativas defraudadas, continuo a achar a canção curta demais. Sobretudo porque o minuto e cinquenta segundos, mais coisa menos coisa, de Find Me Here é lindo! Eu queria mais! 

 

 

Find Me Here é um pequeno número acústico, só mesmo guitarra e voz. Não é difícil imaginar Hayley tocando isto sentada no seu jardim com a sua guitarra. Gosto dos vocais – não percebo se são um efeito qualquer que fizeram à voz de Hayley, ou se temos duas faixas de vocal, uma mais grave do que a outra. Em todo o caso, ficou bem.

 

A música e, por conseguinte, a letra são curtas mas passam a mensagem de forma eficaz. Quando uma pessoa passa por um mau bocado, ou lida com uma crise, regra geral, é importante ter um ente querido por perto, por motivos óbvios. No entanto, existem certos problemas, certas crises, que uma pessoa tem de resolver sozinha. Pessoas amadas não podem ajudar, podem até ser prejudiciais ao processo.

 

É sobre isso que Find Me Here fala. A narradora vai dar espaço ao ser amado para resolver o que tiver a resolver, mas vai deixar uma porta aberta para quando o ente querido voltar. Se quiser.

 

É demasiado curta, podia ter tido uma segunda estância, mas é uma canção bonita. Ficaria bem como encerramento de um álbum. Estará a encerrar a era Petals For Armor? Ou apenas 2020? 

 

Umas palavras para as versões acústicas de Simmer e Why We Ever. Nenhuma delas está ao nível das versões do álbum, a meu ver – a força das canções parte muito da instrumentação e, no caso de Simmer, daquela hipnótica interpretação vocal.

 

Ainda assim, gosto da Simmer acústica, ainda que não tanto como da versão original. Este arranjo dá um carácter completamente diferente à música. O refrão fala sobre o dilema entre raiva e piedade – a versão acústica parece adotar a piedade, enquanto a versão do álbum se inclina mais para a ira. 

 

 

A versão acústica de Why We Ever, no entanto, não me diz muito. Não foi só a instrumentação a mudar, a melodia também sofreu alterações, ficando irreconhecível. Não gosto muito do resultado final.

 

Na verdade, noutras circunstâncias, nem teria escrito sobre este EP. No entanto, como o final do ano se aproxima a passos largos, quero aproveitar a boleia e fazer a minha costumeira retrospetiva musical.

 

2020 não foi um mau ano em termos de música, mas a pandemia mudou muita coisa. Antes os artistas e bandas lançavam álbuns depois de semanas de singles e hype – ou então lançavam-nos de surpresa, de um dia para o outro. Depois do lançamento, continuavam a lançar singles, atuavam nas televisões e, ao fim de algum tempo, partiam em digressão. 

 

Com o Coronavírus, no entanto, parece que os ciclos terminam abruptamente com o lançamento do álbum. Não é possível dar concertos e mesmo videoclipes e apresentações das músicas são arriscadas. Aconteceu com Petals For Armor, aconteceu com o aniversário de Hybrid Theory – várias entrevistas nas semanas anteriores, grande excitação, grande antecipação. Mas depois de o álbum sair, parou tudo. No caso de Petals For Armor, só agora há pouco tempo – talvez por causa do Self Serenades – é que tivemos coisas como a sessão do Tiny Desk. 

 

Tem sido frustrante, sim. Mas continuamos a ter o que mais importa: a música em si.

 

Nesse aspeto, 2020 para mim pertenceu a Hayley Williams. O ano musical começou e terminou com ela. Abriu com o lançamento de Simmer, em janeiro, encerrou-se agora com o Self Serenades. 

 

 

Custa a acreditar que foi ainda este ano que ouvimos Simmer pela primeira vez, que saiu a primeira parte de Petals For Armor. Adorei escrever o texto sobre Simmer e Leave it Alone, bem como a análise ao álbum completo, mais tarde. Quer a solo quer com os Paramore, a música que Hayley compôs tem esta capacidade, praticamente única, de me levar à introspeção – o que é excelente para a escrita. Nos primeiros meses da pandemia, com o confinamento e o cancelamento de quase tudo o que dava alegria às nossas vidas, o lançamento pouco convencional da segunda parte de Petals For Armor foi um excelente consolo. 

 

Para o melhor e para o pior, este álbum ficará para sempre associado ao Coronavírus – não sei se teria conseguido manter a sanidade sem ele, sobretudo nos primeiros meses. Talvez tivesse sido sempre esse o desígnio. Em todo o caso,  com tanta música extraordinária – Simmer, Cinnamon, Sudden Desire, Dead Horse, Over Yet, Roses/Violet/Lotus/Iris, Pure Love, Sugar on the Rim, Crystal Clear… – deu para provar que Hayley é excelente, quer numa banda, quer em nome próprio.

 

2020 também ficou marcado pelos Linkin Park – pela análise a One More Light em maio, mas sobretudo pelo vigésimo aniversário de Hybrid Theory. Esse foi outro texto que me entreteve durante meses, com pesquisas e rascunhos que me levaram aos primórdios dos Linkin Park enquanto banda. Serviu para fazer uma renovação de votos, para cimentá-los como a minha banda preferida, a par dos Paramore – mesmo que o futuro deles continue incerto.

 

O nome mais surpreendente no meu ano musical é Taylor Swift. Surpreendente é como quem diz… como escrevi antes, era apenas uma questão de tempo. 

 

Ainda assim, Taylor foi um pouco mais prevalente nas minhas audições este ano. Tive fases de obsessão com diferentes músicas dela. Perto do início do ano era Red – por ter um bocadinho a ver com um texto que escrevi no meu outro blogue. Durante um par de semanas em julho foi All Too Well, quando escrevi sobre ela. Na semana seguinte foi Cornelia Street. Na semana seguinte foi Call it What You Want. Entre outras. 

 

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Pelo meio, Taylor lançou folklore. Concordo com a opinião popular – este álbum é uma obra-prima. Eu ainda estava – ainda estou – a digeri-lo quando saiu evermore.

 

Se esta pandemia trouxe alguma coisa de bom às nossas vidas foram estes dois álbuns. Acho que ninguém discorda.

 

Ainda não processei estes álbuns por completo, sobretudo o evermore. Taylor continuará, por isso, a ser relevante para mim em 2021. Não tenciono analisar álbuns inteiros aqui no blogue, pelo menos não por enquanto. Sou ainda uma fã demasiado casual – existe muita gente por aí melhor habilitada do que eu para criar conteúdo sobre Taylor. 

 

Mas posso escrever mais textos de Músicas Ao Calhas, se me apetecer. Já tenho uma segunda canção de Taylor que tenciono analisar, mais cedo ou mais tarde.

 

Tenho também ouvido Billie Eilish, tal como já fizera no ano anterior. A minha irmã também gosta da música dela, o que é sempre fixe. Gosto imenso de Ocean Eyes, mas se tivesse de escolher neste momento, diria que a minha preferida é Everything I Wanted – é a sua Leave Out All the Rest. Uma vez mais, ainda sou uma fã muito casual – por agora. 

 

 

 

Deixo aqui a playlist com as músicas que mais ouvi no Spotify. Se bem que o tenha usado menos que o costume este ano – só nos primeiros dois ou três meses do ano e agora, nas últimas semanas, aproveitando a promoção de três meses pelo preço de um. E aparentemente o mês de dezembro não entra para estas contas. Não é a primeira vez que digo que o Spotify não é a minha única fonte de música – oiço CDs no meu carro e ficheiros mp3 no meu telemóvel.

 

A verdade é que nem todas as músicas que me ajudaram a sobreviver a 2020 estão no Spotify. Bright não está, o cover de Crawling, dos Bad Wolves, não está e, tal como me queixo há anos, a música de Digimon não está. 

 

Mesmo não tendo escrito sobre Digimon aqui no blogue este ano, mesmo não tendo havido encontro no Odaiba Memorial Day, a música de Digimon volta a ocupar um lugar de destaque na minha retrospetiva musical, sobretudo durante o verão. Vi Frontier pela primeira – e até agora única – vez e acrescentei vários temas às minhas listas (em 2021 irei ver a dobragem portuguesa, já tomando notas para analisá-la no blogue). No que toca a Adventure 2020, até agora, só este tema foi digno de se juntar à lista. 

 

Na verdade, nas últimas semanas deixei de ter vontade de ouvir música de Digimon. Um dia destes explico.

 

E foi isto 2020 em termos de música para mim. Foi um ano da desgraça em muitos aspetos, mas, como acabámos de ver, não foi assim tão mau em termos musicais. Tirando a parte dos concertos cancelados.

 

Aliás, tive a sorte de ir a um concerto há pouco tempo – o concerto acústico do Rui Veloso no Campo Pequeno. Não foi exatamente a experiência completa de um concerto, tal como gosto. Nunca fui que andar ao moche, mas confesso que sempre gostei da parte mais “suja” de música ao vivo: de suar por todos os poros, de estar rodeada de gente a suar por todos os poros, de ter de me sentar no chão, de ficar com a garganta crua de tanto cantar e gritar, de ficar com dores por todo o lado durante dias, de precisar de tomar um duche ao chegar a casa. 

 

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Em comparação, o concerto do Rui Veloso foi muito certinho, muito sossegado. Estávamos todos sentados, todos de máscara. Não podia ser de outra maneira, claro. O mais radical que aconteceu foi as nossas máscaras terem ficado inutilizadas depois de termos cantado o Anel de Rubi em coro.

 

Soube-me bem à mesma. Serviu para matar o bichinho, para estar de novo em sintonia com uma multidão, passados estes meses todos (que mais parecem anos).

 

Já que falo sobre isso, o concerto de Avril Lavigne em Zurique tinha sido remarcado para fevereiro de 2021, mas vai ser adiado outra vez – bem como o resto da digressão. Triste, mas já se calculava. Há quem diga que só se realizarão em 2022.

 

Se algum dia conseguir ver a mulher ao vivo até vou achar que é mentira.

 

Entretanto, Avril tem passado as últimas semanas em estúdio. Anunciou música nova para janeiro de 2021, até andei algo entusiasmada por uns dias – dez anos depois de What the Hell no dia de Ano Novo e toda a espera por Goodbye Lullaby… Depois de um ano como 2020 saberia bem.

 

Mas não, será um dueto com Mod Sun (não sei quem é…) para o álbum dele. Bem, era bom demais. Não sei ainda se escrevo sobre Flames (o nome da música) quando sair – logo decido. 

 

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Em todo o caso, é possível que Avril esteja já a preparar o seu próximo álbum. Pode ser que saia já em 2021 mas, conhecendo eu os ritmos dela, o mais certo é só sair daqui a dois anos. Cepticismo à parte, talvez ela queira esperar até ao fim da pandemia, para poder ir em digressão depois de editar o álbum.

 

Eu pelo menos não estou com grande pressa. Em primeiro porque Head Above Water só saiu há dois anos (embora pareça mais). Em segundo porque, depois desse álbum, estou com menos entusiasmo do que o costume. 

 

Talvez não seja má ideia ter as expectativas baixas.

 

No que toca a Lorde, no entanto, ninguém tem expectativas baixas. O terceiro álbum da neozelandesa tem estado no formo há algum tempo e quer-me parecer que será em 2021 que este será, finalmente, editado. Há cerca de um mês, Ella escreveu um texto sobre uma viagem que fez à Antártica em inícios de 2019, que alegadamente inspirou-a para voltar ao estúdio depois de Melodrama.

 

A viagem ocorreu há quase dois anos e agora é que Lorde fala dela? Não deve ser coincidência. Aposto que será uma questão de meses.

 

Não gostava de estar no lugar de Ella, para ser sincera. Ter de compôr um álbum digno de suceder a Pure Heroine e Melodrama? Eu entrava em parafuso. 

 

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Talvez devêssemos todos baixar um bocadinho as expectativas, não sermos demasiado duros se este terceiro álbum não conseguir chegar ao nível dos antecessores. Parecendo que não, Lorde é humana. 

 

Dito isto… não se admirem se Ella conseguir arrebatar-nos de novo com o seu terceiro álbum. Se existe artista capaz de um hat-trick, essa é Lorde.

 

Não me parece que hajam mais artistas do meu nicho preparando-se para lançar música em 2021, pelo menos que eu saiba. Ainda assim, da maneira como as coisas estão, tudo pode acontecer. Logo se vê.

 

E era isto que tinha para dizer. Que as vacinas funcionem e que possamos voltar em breve a jantaradas com amigos e família, a viajar sem restrições, a concertos com moche, a jogos de futebol, a Raids presenciais, a encontros no Odaiba Memorial Day. Boas entradas num ano melhor do que este. Vemo-nos em 2021!

 

Hayley Williams – Petals For Armor (2020) #3

Terceira parte da análise a Petals For Armor. Podem ler as partes anteriores aqui e aqui

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Vamos agora começar a falar sobre a terceira parte do álbum, a tal que representa a fase da borboleta. Esta é a parte mais homogénea das três – tirando Watch Me While I Bloom, todas as faixas são canções de amor, todas sequelas maduras a The Only Exception, de uma forma ou de outra. Não surpreende que estas músicas tenham sido lançadas todas de uma vez, com o resto do álbum. São muito parecidas umas com as outras, talvez até demasiado parecidas, não fazia sentido individualizá-las.

 

Suponho que o elefante na sala seja o novo amor na vida de Hayley, depois do divórcio. Não se sabe se é o mesmo referido em Sudden Desire e Why We Ever – se ela conseguiu reparar a relação que sabotou – ou se é outro homem. Pessoalmente inclino-me para a primeira hipótese, mas é um mero palpite, não tenho nada em que me basear. 

 

Hayley tem explicado muito sobre as músicas deste álbum, mas não revelou a identidade do seu novo companheiro. Não tem essa obrigação. A filosofia Petals For Armor é muito bonita e tal, mas quando envolve outra pessoa o caso muda de figura (aqui entre nós, já é um bocadinho questionável não conhecermos a perspetiva do ex no que toca ao casamento falhado). 

 

Quase toda a gente diz que é o Taylor. Eu sinceramente espero que não. Em parte porque, da última vez que ela namorou um companheiro de banda, a coisa correu mal (é certo que Hayley e Taylor já não são adolescentes… mas mesmo assim).

 

Enfim. Quando Hayley e o namorado estiverem para aí virados (isto se não tiverem acabado entretanto), logo anunciam a relação. Eu pessoalmente não tenho pressa em saber.

 

 

Pure Love, que abre a terceira parte, parece uma resposta direta aos erros cometidos aquando de Why We Ever (isto é, segundo o contexto dado por Hayley). Uma vez mais, musicalmente é guiada pelo baixo e pela bateria, com um ritmo interessante. Quando começam os vocais começa também o teclado (é Hayley quem o toca, pelo menos uma parte. Gosto em particular das notas claras no refrão, a condizer com os agudos (menos polidos, sobretudo nos últimos refrões) de Hayley.

 

A letra de Pure Love é essencialmente a filosofia Petals For Armor aplicada ao romance. Essencialmente, para fazer o seu amor resultar, Hayley teve de aprender a deixar cair os muros, a ser vulnerável, a ser forte em vez de impermeável, como vimos antes. Hayley está disposta a fazer a sua parte para que a relação resulte (“I give a little, you give a little”).

 

No refrão, Hayley fala em ser “experimental”. Segundo ela, é no sentido de descobrir como é ter uma relação adulta e saudável – a primeira da sua vida – ultrapassando o seu medo de intimidade. Também admitiu que pode ser interpretado no sentido sexual, mesmo não tendo sido essa a sua intenção quando escreveu a letra – iria em linha com o tema de Sudden Desire, na minha opinião.

 

Quase todas as músicas desta parte do álbum andam à volta deste tema. Fazem-me lembrar o casal Emma e Hook em Once Upon a Time. Não foi por acaso que me lembrei dela, entre outras personagens, quando Hayley apresentou a filosofia Petals For Armor. Lá está, o romance Captain Swan foi apenas a faceta romântica da coisa – foi, aliás, o último muro a cair.

 

Taken é muito parecida com Pure Love, parecendo quase uma continuação desta última. A instrumentação é praticamente a mesma: baixo, percussão, teclados (ainda que estes últimos só apareçam no refrão). Tem no entanto notas de guitarra que lhe dão um toque de blues – eu gosto. A melodia é mais grave, sem os agudos de Pure Love.

 

 

Mesmo a letra acaba por entrar em territórios parecidos, de uma forma mais vaga até. Fala sobre acreditar de novo no amor, estar disposta a arriscar, tornar oficial: Hayley já não está o mercado. Acrescenta pouco a um álbum que já tem Pure Love e Crystal Clear.

 

Não me interpretem mal, eu gosto de Taken – gosto do ritmo e das influências de blues. No entanto, se tivesse de retirar uma faixa a Petals For Armor, retirava esta – na minha opinião, seria a única em que não se notaria a falta.

 

Sugar on the Rim é uma das músicas mais divertidas e experimentais de todo o álbum. Está entre as minhas preferidas. Claras influências disco nos sintetizadores, os vocais meio artificiais repetindo “sugar on the rim”, o tom algo sexy. Definitivamente nada compatível com o que os Paramore fariam.

 

O título da música vem de uma técnica de preparação de cocktails, em que se fixa açúcar na borda no copo para enfeitar ou alterar o sabor de uma bebida. Brian uma vez fez isso com uma margarita durante um almoço com Hayley (com margaritas é mais comum usar-se sal), dando a ideia para esta canção. 

 

Esse açúcar na borda do copo serve de metáfora (bem… comparação, se quisermos ser rigorosos) para o amor, a alegria que contrabalança com a infelicidade. Ao contrário do Rose Colored Boy, não ignora o lado negro da vida – pelo contrário, Hayley fala em brincar com as sombras, diz que não tem medo do escuro. As coisas boas são suficientes para aguentar as coisas más – no final, doce é o sabor que fica nos lábios (pode também ser uma referência ao amargo em Leave it Alone).

 

 

Por outro lado, Hayley revelou que esta canção também é dedicada à comunidade gay. Suponho que seja por causa do “rimming” (vão ao Google… não em público, atenção!). Mas também a parte da vergonha e de viver escondido é algo com que, infelizmente, muitos da comunidade LGBT se poderão identificar.

 

É um conceito original e uma música muito gira. Se algum dia Hayley conseguir levar este álbum aos palcos, Sugar on the Rim será um ponto alto.

 

Watch Me While I Bloom é a única música nesta parte do álbum que não é uma canção de amor. Funciona um pouco como uma sequela a Rose/Violet/Lotus/Iris no sentido em que usa de novo metáforas florais – sobretudo na parte do “I myself was a wilted woman (...) forgot my roots, now watch me bloom”

 

É sobretudo a canção de vitória de Hayley, que depois dos anos mais difíceis da sua vida, voltou a ser quem era, sente emoções boas de novo. Uma Tell Me It’s Okay mais madura. Hayley está pronta para sair do seu casulo, para desabrochar, para mostrar um novo lado de si mesma. 

 

A música começa precisamente com “How lucky I feel to be in my body again” – aquilo que falámos antes sobre contacto com o próprio corpo. Por outro lado, ninguém me convence que o verso “Big invisible spark” não é uma referência a Let the Flames Begin, Part II e em particular Last Hope.

 

Hayley tem chamado a atenção para os versos “If you feel like you’re never gonna reach the sky ‘til you pull up your roots, leave your dirt behind, you’ve got a lot to learn”. Temos muito a tentação de esperar que a nossa vida esteja perfeitamente resolvida, com as pontas todas atadas, antes de irmos atrás do que queremos. Ou de achar que o processo é linear, que nunca daremos passos atrás. 

 

 

Ora, a vida não funciona assim. Nunca seremos perfeitos, nunca teremos as respostas todas e não podemos ficar parados por causa disso.

 

Havemos de regressar a essa ideia. 

 

Chegamos finalmente a Crystal Clear, a faixa que encerra Petals For Armor, outra que está entre as minhas favoritas. Esta foi outra das poucas em que Hayley não participou na composição da parte musical. Desta feita foi Taylor quem criou este instrumental, com notas de órgão algo etéreas e batidas à Phil Collins. 

 

Uma vez mais temos uma canção romântica, que fala sobre arriscar de novo, acreditar no amor. Quer-me parecer, no entanto, que quando Hayley promete não ceder ao medo não se refere apenas ao romance – também se pode aplicar a outras áreas da sua vida.

 

O título, aliás, pode também aludir à filosofia Petals For Armor. Crystal Clear, transparência, honestidade, vulnerabilidade.

 

Hayley recorre de novo a metáforas aquáticas para falar de um relacionamento amoroso, desta feita numa luz muito mais positiva – o que condiz com a sonoridade, que faz pensar em águas calmas e transparentes, raios de luz atravessando o subaquático. Ao contrário do romance descrito em Pool, este dá-lhe oxigénio em vez de tirar-lho. Não tem medo de mergulhar até ao fundo porque a água continua transparente. Hayley está a arriscar de novo – pode ser que seja desta. 

 

 
 
 
 
 
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O pormenor delicioso desta canção ocorre na parte final, com versos cantados por Rusty Williams, o avô de Hayley – ela trata-o por “Grandat”. Rusty era um “crooner” quando era jovem (consta que era o nome dado a cantores masculinos que cantavam baladas, como Frank Sinatra por exemplo) e Hayley cresceu ouvindo-o cantando canções de amor compostas por ele mesmo. A sua preferida é uma chamada Friends or Lover. Um dia, Rusty tocou-a ao piano em casa de Taylor. Este gravou-a e, como surpresa para Hayley, incorporou uma parte dos vocais de Rusty em Crystal Clear.

 

O Taylor é um anjo.

 

Ficamos assim a saber a quem Hayley sai. A jovem fala muito sobre os avós, que começaram a namorar aos doze anos e ainda hoje estão juntos (isto é, dentro do possível, foi esta a avó que caiu das escadas e perdeu faculdades). É super amoroso, uma bonita homenagem àquela que será a história de amor preferida de Hayley.

 

E é isto Petals For Armor. Como fomos observando, este álbum começou sombrio e tornou-se gradualmente mais luminoso. Mas não nos deixemos enganar, nenhum destes casos ficou completamente resolvido. Hayley afirmou que a sua vida contiua uma confusão, que ainda passa por cada uma das músicas de Petals For Armor. Ainda sente raiva, luto, medo, dor, amor, tudo. Ainda não tem todas as pontas atadas, ainda tem lições por aprender. “As histórias são infinitas, cada uma delas entrelaçada com dor e esperança”, escreveu ela quando lançou o álbum.

 

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Confesso que foi este o meu erro durante a era do Self-Titled: achar que já sabíamos tudo, que nunca voltaríamos atrás, que de alguma forma tínhamos ficado prontos para enfrentar qualquer coisa. Daí o choque quando Jeremy saiu da banda e com os temas abordados em After Laughter. A vida não é assim tão simples, de facto – e se a atual pandemia provou alguma coisa foi que tudo pode mudar de um momento para o outro, quase sem darmos por isso.

 

Por estranho que pareça depois deste testamento todo, ainda estou a processar o álbum. Gosto de todas as faixas, algumas mais do que de outras, mas não consigo escolher uma única como favorita absoluta. As minhas opiniões estão sempre a mudar. Daqui a uns meses, se calhar, terei novas coisas a dizer sobre este álbum.

 

Posso adiantar desde já, de qualquer forma, que Petals For Armor é um belo trabalho. Em termos musicais, é razoavelmente consistente em termos de instrumentação, conforme assinalado ao longo deste texto, mas é bastante eclético em termos de estilos musicais. Temos pop, new wave, disco, baladas, um bocadinho de rock, um bocadinho de jazz, um bocadinho de blues… Hayley e Taylor tiveram uma oportunidade de sair do território habitual dos Paramore, divertir-se um bocadinho noutros estilos musicais. Eu gosto de músicos multifacetados, que conseguem criar música em vários géneros – até porque eu mesma sou multifacetada, nunca fui de me interessar por uma só coisa.

 

Petals For Armor assemelha-se a álbuns como Melodrama e Post Traumatic no sentido em que as músicas funcionam muito bem como conjunto. O álbum é melhor que apenas o somatório das suas partes: vale tanto pelas músicas individuais como pela história que contam em conjunto. Um capítulo da história de Hayley, que continuará no próximo disco que ela lançar (quer a solo ou, mais provável, juntamente com os Paramore). 

 

Tivemos, aliás, uma combinação de temas novos, com perspectivas diferentes, com temas já recorrentes no cânone dos Paramore e não só. Raiva, luto, desejo, feminilidade no primeiro caso. Amizade, esperança, redenção, desgostos românticos e acreditar de novo no amor no segundo. Há coisas que são clichés por algum motivo – há lições que temos de estar sempre a aprender. 

 

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Devo dizer, ainda, que foi divertido estar a olhar para as metáforas e temas recorrentes deste álbum, mesmo nem todos sendo super originais. E estou grata por Hayley ter dado tantas entrevistas, fornecido tanto material para esta análise. Demoro mais tempo a escrever, escrevo autênticos testamentos – gastei quase noventa páginas A5 com o primeiro rascunho manuscrito (é certo que a minha letra é grande), isto já vai em quase dez mil palavras – mas é uma delícia.

 

O que acontece agora? O plano de Hayley era ir em digressão, levar Petals For Armor aos palcos, mas isto é 2020, um péssimo ano para planos. Ela tenciona ir em 2021, mas sabe-se lá se será possível – até porque a situação está catastrófica nos Estados Unidos. Não dá para calcular quanto tempo durará a era Petals For Armor – talvez mais um ano, talvez mais dois. Talvez a pausa nos concertos se prolongue tanto que Hayley se canse de esperar e ela e Taylor comecem a trabalhar noutra coisa. 

 

Já que falamos nisso, Hayley tem deixado pistas em relação à direção tomada no próximo álbum dos Paramore. Para o júbilo de muitos fãs, a jovem admitiu que ela e Taylor têm saudades das guitarras pesadas dos álbuns pré-After Laughter. 

 

Eu devo ser a única fã da banda que não fazia questão de regressar a essa sonoridade. Adoro as músicas antigas deles, claro que adoro, mas fazem parte do passado – tal como o cabelo cor de chama de Hayley. Nunca lhes pediria para voltarem para trás – a uma altura em que, agora sabemos, eles não estavam assim tão felizes. Não quando, hoje em dia, continuam a fazer música de qualidade, melhor até nalguns aspetos.

 

Mas se eles mesmo quiserem regressar a esse estilo não me queixo. O mais certo é adorar à mesma – tenho adorado todos os álbuns até agora… 

 

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Na verdade, mais do que o género musical, estou curiosa em relação à influência de Petals For Armor nos próximos trabalhos dos Paramore. Irá Hayley contribuir para a composição dos instrumentais ou voltará ao hábito antigo de esperar pelo material composto por Taylor e Zac? Por falar em Taylor, irá ele produzir os próximos álbuns sozinho? (Tenho quase a certeza que sim.) Voltarão a compôr com Joey? Irão incorporar estilos de Petals For Armor na música da banda?

 

Eu espero que sim, espero que algumas coisas mudem. Na minha opinião, seria um desperdício não aproveitar o que aprenderam com Petals For Armor para enriquecer o som dos Paramore.

 

Eu, aliás, tenciono escrever em breve sobre All We Know is Falling e Brand New Eyes, os dois álbuns que me faltam analisar. Estes são daqueles textos que ando a adiar há anos mas, pelo menos neste caso, estou contente por ter esperado. Não só porque, como já é habitual no cânone dos Paramore, Petals For Armor fez com que olhasse de maneira diferente para esses álbuns. Mas também Hayley prestou novos testemunhos sobre esses períodos nas múltiplas entrevistas que deu, em particular nesta.

 

Não vou escrever já já sobre esses álbuns. Depois de tanto tempo à volta de Petals For Armor, preciso de uma pausa de tudo o que se relacione com os Paramore.

 

Os meus planos a curto, médio prazo para este blogue ainda estão um bocadinho incertos. Estou a pensar escrever uma entrada de Músicas Ao Calhas, um texto mais rápido e curto que estes últimos dois e, possivelmente, os textos seguintes.

 

É aí que as coisas estão um pouco indefinidas. Já revelei antes que quero escrever sobre Hybrid Theory e Meteora dos Linkin Park em breve. Queria no entanto que o primeiro saísse no dia em que completa vinte anos, ou seja lá para 24 de outubro. Provavelmente começo já a escrever sobre ele em agosto. Sei que o texto vai demorar e, como em setembro e outubro devo estar ocupada com o meu outro blogue (porque, se tudo correr bem, a Seleção irá regressar, fazendo de mim uma mulher feliz), mais vale deixar o trabalho adiantado.

 

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Pelo meio, gostava de escrever sobre o filme Digimon Adventure: Last Evolution Kizuna, quando conseguir vê-lo. Tecnicamente já dá para sacar na Internet, mas é uma versão de fraca qualidade, não me atrai. Talvez se surgir uma versão melhor entretanto… mas mesmo assim não sei. Supostamente o filme sairá nos cinemas portugueses a 12 de novembro – se isso se cumprir, eu quero ir ver, mesmo que já tenha visto o filme antes. E talvez espere por essa data para escrever e publicar a análise.

 

É assim que tenho sobrevivido a isto tudo: escrevendo, lendo, vendo Digimon (os episódios da nova versão de Adventure ao domingo e, quando esta esteve em pausa porque Covid, vi Frontier pela primeira vez), jogando Isle of Armor, a expansão de Pokémon Sword&Shield, recordando antigos jogos da Seleção Nacional, sobretudo no Euro 2016. Sempre foi mais ou menos assim, agora ainda mais. Como sempre, obrigada por lerem e por me aturarem. Até à próxima!

Hayley Williams – Petals For Armor (2020) #2

Segunda parte da análise a Petals For Armor. Podem ler a primeira parte aqui

 

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Hayley referiu que a divisão de Petals For Armor por partes se inspira também no ciclo de vida da borboleta: lagarta, casulo, borboleta. Uma vez mais, está longe de ser uma metáfora super original. Borboletas até têm sido um elemento recorrente no cânone dos Paramore (Brick by Boring Brick, a capa de Brand New Eyes, Part II, Still Into You…). Petals for Armor explora a sua simbologia mais comum: metamorfose. A trilogia de vídeos Simmer/Leave it Alone/Cinnamon parece inspirar-se nesse conceito. 

 

Falo sobre isto nesta fase da análise porquê? Porque a segunda parte de Petals For Armor corresponde à fase do casulo, a fase mais importante segundo Hayley – porque é quando ocorre a maior transformação. 

 

E de facto, tirando My Friend, todas as músicas da segunda parte de Petals For Armor representam transformação, mudança, de uma forma ou de outra. Dead Horse e Why We Ever ilustram etapas fulcrais na recuperação psicológica de Hayley, como veremos adiante. Por sua vez, Over Yet é uma canção motivacional, apelando à mudança. Por fim, um dos temas de Roses/Violet/Lotus/Iris é crescer e desabrochar. 

 

Falemos então sobre Dead Horse. Hayley foi dando pistas sobre esta música durante semanas, dizendo que estava com medo de lançá-la. Em parte por ser uma música mais pop, por ter medo que se tornasse a sua Hollaback Girl. Em parte porque traz partes negras do seu passado para a luz, é mesquinha tanto para o seu ex-marido como para si mesma. É a primeira da segunda parte da tracklist, mas foi a última a ser lançada. 

 

O instrumental de Dead Horse foi composto por Daniel James. Esta foi uma das poucas canções em Petals For Armor em que Hayley não participou na criação do instrumental – como costumava acontecer com os Paramore, o instrumental foi-lhe “dado”, ela “só” teve de compôr a letra e a melodia. 

 

A faixa, aliás, começa com uma mensagem de voz de Hayley para Daniel, quando lhe enviou os rascunhos em áudio – que foram partilhados no Instagram da jovem. Aparentemente atrasou-se no envio porque esteve deprimida. Fora desse contexto, no entanto, não é difícil ouvir a canção e imaginar que é um pedido de desculpas ao ex pelo que vai ouvir já de seguida.

 

 

Dead Horse tem uma sonoridade algo tropical, com notas de xilofone e batidas dançantes. Faz lembrar o estilo de After Laughter, embora se note que não foi Taylor a compôr este instrumental. Durante os trabalhos desse álbum, Hayley refilava por Taylor só lhe enviar música alegre quando ela se sentia na fossa. No entanto, nestas entrevistas Hayley admitiu que dançar enquanto cantava sobre temas difíceis a ajudava, tinha efeito terapêutico. O mesmo acontece com Dead Horse. 

 

Para falarmos da primeira estância, precisamos de falar sobre o elemento que falta: água. Hayley referiu em entrevista que este sempre foi um tema recorrente nos seus sonhos e pesadelos, daí ter composto algumas canções à volta do tema. Há uma referência breve em Proof, mas o maior exemplo é Pool. 

 

Esta é uma canção de After Laughter, mas Hayley, começou a trazê-la à baila em diversas entrevistas  – de forma algo inesperada na altura mas, depois de ouvirmos Dead Horse, fez sentido. Hayley revelou que Taylor compôs o – fantástico – instrumental, mas esta só conseguiu criar letras e melodias um ano depois. 

 

A jovem queria por força criar uma canção de amor, algo que provasse que o que ela e o ex-marido tinham era verdadeiro, que o casamento fora uma boa ideia. Aquilo que saiu foi uma música em que ela compara a relação a uma onda indomável, um mar agitado em que ela se está a afogar, mas em que ela insiste em mergulhar, à espera de um resultado diferente. E vocês sabem o que se diz de pessoas que fazem o mesmo outra e outra vez, à espera de resultados diferentes…

 

Para ser sincera, Pool é ainda uma das minhas preferidas em After Laughter e, antes disto, nunca me parecera assim tão sombria. A minha interpretação da água é diferente da de Hayley. A água é o meu elemento, representa liberdade, mistério, misticismo. Para mim o subaquático, mar agitado q.b., uma onda indomável, representam excitação, não perigo ou sofrimento. 

 

Mas, lá está, é a minha opinião, compreendo que nem todos vejam assim. 

 

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A primeira estância de Dead Horse é, assim, toda ela uma referência a Pool. A relação é de novo comparada a um afogamento, mas numa luz muito menos positiva. Da primeira vez que ouvi a música, os versos “Held my breath for a decade, dyed my hair blue to match my lips” deixaram-me de olhos arregalados durante o resto da faixa. Credo, Hayley… 

 

Quem não perceber, que vá ao Google e pesquise cianose.

 

A expressão “beat it like a dead horse” refere-se a insistir em algo que já não vai a lado nenhum. Como um casamento. A expressão “I sang along to a silly little song”  e suas variantes podem aludir a várias faixas antigas de Hayley. Toda a gente concorda que se refere às várias canções de amor que a jovem dedicou ao ex-marido – The Only Exception, Proof, Still Into You… – mas a mim também me recorda Stop This Song (Lovesick Melody), em que uma atração romântica e comparada a uma canção irresistível. 

 

Na segunda estância, então, sai a verdade feia: “I was the other woman first”. Hayley começou a andar com o ex quando este ainda estava casado com a primeira mulher, Sherri DuPree. 

 

Para ser sincera, ponho muito menos culpas em Hayley do que no ex. As facetas mais misóginas da nossa sociedade gostam de falar na “outra”, na mulher provocante que seduz um homem para o pecado mas, por amor de Deus, Hayley era uma miúda! Legalmente já era adulta, tinha dezoito ou dezanove anos, mas na prática gente dessa idade ainda mal deixou a adolescência.

 

Por sua vez, o ex já tinha vinte e seis anos, era um homem feito, casado, experiente – enquanto que, para Hayley, conforme referido acima, aquela seria provavelmente a primeira ou quando muito a segunda relação a sério. Acham mesmo que a iniciativa partiu dela?

 

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Hayley assume que estava numa posição vulnerável na altura em que começou a andar com o, agora, ex-marido. Ela e Josh tinham terminado a relação há pouco tempo e os Paramore enquanto banda estavam em guerra. Hayley sentia-se sozinha, provavelmente com a auto-estima em baixo, quando um músico como ela, mais velho, começou a mostrar interesse por ela, ela foi na cantiga.

 

Não quero com isto dizer que Hayley está isenta de culpas. Ela podia ser ainda nova, mas já tinha idade suficiente para saber o que estava a fazer, ao envolver-se com um homem casado. Não é a primeira a cometer este erro, não será a última. Eu mesma não posso garantir a cem por cento que dessa água não beberei – às vezes a paixão e o desejo falam demasiado alto. Mas não deixa de ser um erro, algo que magos profundamente as partes envolvidas. 

 

Hayley tem dado a entender que esteve muito tempo em negação, enterrando bem a fundo essa vergonha ("Held my breath for a decade"): o facto de ter roubado o marido a outra mulher. Tentou racionalizar a coisa, justificar o que fizera a Sherri, dizendo a si mesma e a toda a gente que o ex era o amor da vida dela, a sua… a sua única exceção. 

 

Mesmo quando a coisa começou a descambar, mesmo quando ele começou a trair Hayley (ainda há pouco tempo vimos que, regra geral, se ele ou ela traiu alguém contigo, mais cedo ou mais tarde vai trair-te também), ela insistiu, manteve o noivado, manteve o casamento. Hayley queria, ao mesmo tempo, imitar o casamento vitalício dos seus avós e queria evitar aqueles que, aos seus olhos, tinham sido os erros dos pais. Ao contrário deles, ela conseguiria manter um casamento, em vez desistir à primeira dificuldade. 

 

Ai Hayley, Hayley… 

 

O estado em que ela ficou nestes últimos anos não surpreende tendo em conta os sonhos de que teve de acordar, aquilo que teve de admitir a si mesma e ao mundo inteiro. Pode ter sido essa a batata quente a que After Laughter parece aludir, o piano que caiu em cima dela, conforme referiu no texto que escreveu há dois anos. Não admira que, hoje em dia, Hayley não queira nem ouvir falar de Misery Business (e aqui entre nós, quando descobri que a rapariga a quem a música chama p*ta tinha treze ou catorze anos nos eventos que inspiraram a letra… yep, cancelem Misery Business). 

 

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Sim, as botas que Hayley enche de cimento no videoclipe são as mesmas que usou no casório. Ela mesma o confirmou.

 

Há que dar crédito à Hayley – não é toda a gente que admite erros deste calibre assim, preto no branco. Faz parte da filosofia Petals For Armor: mostrar as partes feias. Deitar cá para fora a raiva, a vergonha, a mesquinhez para, depois, seguir em frente. 

 

Felizmente, consta que Hayley a certa altura entrou em contacto com Sherri e pediu-lhe desculpa. Continuo a achar que o maior culpado é o ex – que ainda por cima já arranjou uma terceira noiva, uma mulher ainda mais nova que Hayley. 

 

Em todo o caso, Dead Horse termina com "And now you get another song". Que seja a última. 

 

Não há muito a dizer sobre My Friend. Musicalmente, está dentro do estilo da maior parte do álbum: notas de guitarra, baixo e bateria leve nas estâncias, teclados no refrão. A letra é uma homenagem a Brian, melhor amigo de Hayley, seu esteticista e co-fundador de Good Dye Young. Conforme Hayley referiu quando lançou a música, eles conhecem-se desde o fim da adolescência, acompanharam-se um ao outro durante muitos altos e baixos (ambos se divorciaram no mesmo ano), são unha e carne. 

 

My Friend está longe de ser um grande destaque em Petals For Armor, mas não deixa de ser uma música bonita. É a World’s On Fire deste álbum – a música que homenageia as pessoas que ajudaram na recuperação emocional descrita em Petals For Armor. 

 

Over Yet é algo diferente da generalidade das músicas em Petals for Armor. É conduzida pelo baio, como várias outras, mas tem um ritmo mais rápido, uma sonoridade algo new wave, à anos 80 e 90 – não muito diferente de algumas faixas de After Laughter. É uma música estival – não admira, tendo em conta que Hayley a compôs, juntamente com Joey e Stephanie Marziano durante uma curta escapadinha de verão – muito gira, com uma mensagem de otimismo e motivação…

 

 

...que não tem nada a ver com o que tem vindo de Hayley nos últimos anos.

 

Lembro-me de ter estranhado logo no dia em que saiu. A letra parece ter sido escrita do ponto de vista do Rose Colored Boy, com o tom otimista irritante de que Hayley se queixava em After Laughter. Diz essencialmente “what doesn’t kill you makes you stronger”

 

Cheguei a perguntar-me se Hayley tinha sido raptada e Over Yet era a maneira que arranjara de pedir ajuda. 

 

Hayley revelaria mais tarde que, de facto, estranhara a letra otimista que lhe estava a sair da caneta. Para terminá-la teve de se imaginar na pele (pele é como quem diz…) de uma instrutora de aeróbica num universo distópico futurista que, a meio da canção, perde a pele revelando ser um robô (podia ser uma personagem de Sonic Underground). De uma maneira paradoxal, para escrever esta letra luminosa, Hayley teve de aceder a uma parte bastante sombria de si mesma.

 

Eu confesso que, de início, não adorei a letra. Em parte por causa do timing: saiu no início de abril, em pleno estado de emergência. It’s the right time to come alive? Qual quê! Aquela ela a altura perfeita para não nos levantarmos da cama – para quê, se nem sequer podíamos sair de casa? Mesmo quando Hayley publicou um vídeo de aeróbica (com o cabelo pintando de laranja. Não me parece que tenha sido coincidência), não me entusiasmei – para ser justa, apanhou-me num mau dia.

 

No dia seguinte, no entanto, lá experimentei fazer os exercícios do vídeo. Durante todo o mês de abril e parte do mês de maio fiz este vídeo quase todos os dias, para compensar pela falta de natação e de longos passeios a pé.

 

 

Este sim é o tipo de exercício, de dança, que está dentro das minhas capacidades. Não digo que fizesse todos os passos na perfeição, mas ao menos mexia-me. De início fazia os exercícios de calças de ganga porque nem sequer tinha calas de fato de treino – como nunca fui de ir ao ginásio, nunca tinham feito falta. Além disso, nunca gostei de leggings e, parva como sou, não me lembrei de calças de pijama. Eventualmente comprei um par online.

 

O vídeo de Over Yet tornou-se, assim, parte da minha rotina durante o estado de emergência. Infelizmente, quando retomei o horário normal do trabalho, deixei de ter tempo – e, sejamos sinceros, energia – para fazer o vídeo. Eu na verdade devia retomar esse hábito… mas está demasiado calor. Em todo o caso, fez com que me afeiçoasse à música. 

 

Como referido acima, Hayley alega que a mensagem de Over Yet não é completamente honesta, insinuando mesmo que é uma paródia. O que é estranho, tendo em conta o conceito deste álbum. 

 

Além disso, a letra não me parece tão pouco genuína quanto isso. Pode aproximar-se perigosamente do cliché, mas incorpora o estilo de escrita de Hayley, dando-lhe um carácter próprio. Frases como “make it a friend”, “get out of your head” (um conceito familiar em saúde mental) e, sobretudo “for every darkened part of me, there’s a light I can see, both belong, both are me”). 

 

Não é a primeira vez que refiro aqui, aliás, que Hayley tem dentro de si partes cínicas e partes sonhadoras e isso nota-se na música dela. Ela pode racionalizar como quiser mas a letra de Over Yet veio de algum lado.

 

E não há mal nenhum nisso. Às vezes precisamos mesmo de uma música motivadora, mesmo que não muito original, para nos dar energia. Ou, pelo menos, para fazermos aeróbica em confinamento. 

 

 

Num álbum chamado Petals For Armor, era de esperar pelo menos uma canção sobre flores. Essa é Roses/Violet/Lotus/Iris. De início não achei grande piada ao título comprido – não teria sido melhor chamar-lhe Flowers ou Garden? Mas acabei por me habituar – sobretudo depois de decorarmos a letra do refrão. 

 

Musicalmente temos de novo a prevalência do baixo, mas também temos guitarra acústica e violinos delicados. A mim soa-me um pouco a música de fundo, à banda sonora de um documentário sobre a Primavera – o que até condiz com a letra. Confesso que precisei de algum tempo para tomar-lhe o gosto. A faixa conta com a participação das cantoras Julien Baker, Phoebe Bridger e Lucy Dacus, que formam o grupo boygenius. 

 

Roses/Violet/Lotus/Iris usa flores como metáfora para feminilidade e resiliência, força e vulnerabilidade em simultâneo. Uma analogia que, a própria Hayley admite, é tão velha como o tempo. Flores representam a jornada emocional de Hayley, de “mulher murcha”, abrindo caminho através da terra até desabrochar à superfície. Flores crescem a ritmos diferentes, sem se prejudicarem umas às outras, por vezes com a ajuda uma das outras.

 

O lótus em particular, referido no refrão, cresce em lama ou em águas estagnadas. Daí que, em várias culturas, simbolize beleza interior, pureza, renascimento, visto ser capaz de se alhear do ambiente feio e hostil onde nasce e desabrochar à superfície com grande beleza. 

 

Flores silvestres em geral, que adoro ver nos campos, sobretudo durante a primavera, nascem onde querem, quando querem, segundo as suas próprias regras. A papoila vermelha, a minha flor preferida, livre para crescer num campo qualquer. 

 

Roses/Violet/Lotus/Iris possui, assim, uma mensagem feminista sobre resiliência, rebeldia e solidariedade feminina. Um dos temas recorrentes nas entrevistas disse respeito à misoginia que teve de enfrentar ao longo de toda a sua carreira. 

 

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Ao mesmo tempo, nem sempre terá tido as melhores relações com outras mulheres. Veja-se a misoginia internalizada de Misery Business e também a história contada em Dead Horse. Uma das coisas que Hayley aprendeu nos últimos anos foi, então, a abraçar a sua própria feminilidade e a cultivar amizades com outras mulheres. Roses/Violet/Roses/Iris é uma homenagem a isso.

 

Segundo Hayley, Why We Ever reflete um ponto de viragem na sua vida. Conforme Sudden Desire dera a entender, Hayley entrara noutra relação após o seu divórcio. Até estaria a correr bem mas, segundo o que consigo deduzir das declarações de Hayley, o seu medo de ser magoada de novo levou a que sabotasse a relação – magoando o parceiro, ironicamente.

 

Uma coisa é Hayley sofrer por causa do seu passado, pelos múltiplos divórcios dos pais, pela falta de estabilidade na infância, pela relação tóxica que durou uma década. Outra coisa é quando outras pessoas, entes queridos de Hayley, saem magoados. 

 

Terá sido nesta altura que Hayley percebeu que os seus traumas, o seu medo de abandono, afetavam todas as suas relações, nem sequer apenas as românticas (eu pergunto-me mesmo se terão contribuído, pelo menos em parte, para os múltiplos conflitos nos Paramore). Atraía pessoas tóxicas e alienava pessoas boas. Estava na altura de mudar isso, de Hayley tomar responsabilidade pela sua própria saúde mental, identificar os seus maus hábitos e tentar mudá-los, aprender a amar melhor. 

 

Isto é tudo muito bonito (não estou a ser irónica), mas se ouvíssemos a música por si só, sem contexto, não chegávamos ao significado oficial. Why We Ever parece apenas sobre uma relação falhada, sobre saudades e arrependimento, em que a narradora quer uma oportunidade para pedir desculpa e consertar as coisas. Tudo muito vago – o que é uma pena. Se Why We Ever refletisse a história por detrás dela como deve ser, teria uma letra muito diferente. 

 

 

Musicalmente, Why We Ever é conduzida pelo teclado, a que mais tarde se junta o baixo, a bateria e notas de guitarra. Terá sido a primeira música que Hayley gravou sozinha em sua casa, usando o ProTools e equipamento que comprou em finais de 2018 – embora a primeira tentativa não tenha saído grande coisa. Dá para ver vídeos dessa experiência no seu Instagram

 

A mim recorda-me o cover de Nineteen, de Tegan e Sara, que Hayley gravou em 2017. Esta é uma versão minimalista, apenas com sintetizadores e voz. Tem um tom mais intimista e vulnerável que a versão original, parecido ao de Why We Ever.


Em retrospetiva, não admira que Hayley tenha gravado este cover naquela altura. A jovem teria, de facto, dezanove anos no início da relação com o, agora, ex-marido. E este cover saiu poucos meses após o anúncio do divórcio. Pergunto-me a quem se dirige o verso que Hayley acrescentou, “Could you blame me?”. Ao ex, a Sherri ou a si mesma?

 

E com isto chegámos ao fim da segunda parte de Petals For Armor, ou seja, ficamos por aqui hoje. Regressem amanhã para a terceira parte. 

Hayley Williams – Petals For Armor (2020) #1

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Hayley Williams, mais conhecida como vocalista dos Paramore, lançou no passado dia 8 de maio o seu primeiro álbum a solo, intitulado Petals For Armor.

 

Este álbum foi lançado três anos quase certinhos depois do último álbum dos Paramore, After Laughter. Como vimos na altura, este álbum fala sobre o que acontece quando a batata quente explode nas nossas mãos – aspetos da vida de quem lida com problemas de saúde mental ou que, pura e simplesmente, passa por… bem, tempos difíceis (desculpem-me, eu sei que é a terceira vez, não torno a repetir). 

 

Por incrível que pareça agora em retrospetiva, durante os trabalhos de After Laughter e mesmo durante quase todo o ciclo do álbum, Hayley nunca admitiu preto no branco, nem sequer a si mesma, que sofria de depressão. Deixava pistas numa entrevista ou outra, mas hesitava em chamar-lhe pelo nome – em parte para evitar títulos clickbait, em parte porque ainda não fora diagnosticada oficialmente. 

 

Hoje a jovem admite que estava em negação, a reprimir questões, emoções (sobretudo raiva) com que mais tarde teria de lidar. As letras de After Laughter foram apenas dos primeiros sinais.

 

Aliás, antes do lançamento de Petals For Armor, estive a ouvir todos os álbuns dos Paramore, em jeito de preparação. Reparei que After Laughter fala, de facto, de dor, de tristeza, mas não sobre as causas de tais emoções – tirando músicas como Forgiveness (que mesmo assim é muito vaga, falando apenas de ter sido magoada e não conseguir perdoar) e Tell Me How. 

 

Sabendo o que sabemos agora, dá para ver que After Laughter – ou seja, Hayley – não estava a contar a história toda. Foi apenas o começo.

 

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Praticamente toda a era After Laughter foi difícil para Hayley. Esta anunciou o divórcio de Chad Gilbert depois de apenas um ano de casamento poucas semanas após o lançamento do álbum. A certa altura, Hayley deixou de comer, começou a beber em excesso como auto-medicação para a sua depressão (e eu acho que também terá tido o seu quê de rebeldia à adolescente, pois o ex-marido é “straight edge”, não bebe álcool), deixou mesmo de ter ciclo menstrual.

 

Uma coisa boa dessa fase má foi que os seus amigos – membros oficiais da banda, membros acompanhantes, equipa técnica (é esse o termo?) em torno da banda – se uniu protetoramente em torno de Hayley, tomou conta dela. 

 

Eventualmente a saúde mental de Hayley melhorou um pouco. De qualquer forma, só quando o ciclo de After Laughter terminou é que a jovem começou a lidar a sério com os problemas que adiara durante meses, mesmo anos. Foi nessa altura que Hayley foi finalmente diagnosticada com depressão e stress pós-traumático, chegando mesmo a ser internada durante um breve período. 

 

Durante os tratamentos psicológicos, Hayley foi encorajada a compôr música para fins terapêuticos, apesar de os Paramore estarem em pausa por decisão conjunta. De início, Hayley queria pura e simplesmente lançar as músicas no Spotify sob um pseudónimo (duvido que resultasse, a voz dela é demasiado reconhecível), mas isso não faria justiça ao material. Daí Petals For Armor.

 

As primeiras músicas deste projeto foram lançadas no início d-e 2020 (parece que foi há anos). Na altura, analisei as primeiras duas, Simmer e Leave it Alone. Numa boa parte desse texto escrevi longamente sobre os anos anteriores a Petals For Armos em jeito de contexto. 

 

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Desde que publiquei essa análise, no entanto, Hayley deu muitas – mesmo muitas – entrevistas sobre os últimos anos, fornecendo muitos mais pormenores. Em vez de estar a reescrever a introdução da análise com base nessas entrevistas, só mencionarei essas informações quando estas forem relevantes para a análise das músicas. 

 

Até foi bom, por um lado, ter escrito esse texto antes dessas entrevistas todas. Permitiu-me o exercício de fazer as minhas próprias interpretações, com apenas o artigo no L’odet e pouco mais em que me basear e, mais tarde, ver onde tinha acertado ou não. 

 

Na verdade, Hayley lançou mais três músicas – Cinnamon, Creepin’ e Sudden Desire – poucos dias após eu publicar a minha análise. Anunciou também que o álbum sairia em três tranches (podia ter avisado logo que saiu Simmer, eu teria esperado pela primeira parte toda antes de escrever). A ideia era lançar a primeira parte no inverno (e assim aconteceu), a segunda no início da primavera, a terceira no dia 8 de maio (dia do lançamento oficial do álbum), perto do verão.

 

No entanto, o Coronavirus mexeu com esses planos – como mexeu com os planos de toda a gente para este ano. Numa altura em que ficou toda a gente em confinamento, Hayley decidiu lançar as músicas da segunda parte de Petals For Armor individualmente, mais ou menos uma por semana. A terceira parte, por sua vez, saiu toda no dia 8, à mesma.

 

Acabou por ser melhor assim. As músicas que iam saindo foram um bom consolo, um bom entretenimento durante o estado de emergência, uma altura em que praticamente não acontecia nada que não fosse Covid. Esperei pelo lançamento do álbum antes de escrever sobre as músicas, dando tempo a mim mesma para ir apreciando a espera.

 

Por outro lado, todas as entrevistas, todas as informações que Hayley forneceu sobre as quinze faixas deste álbum deram-me imensa matéria-prima para esta análise. Daí eu ter demorado tanto a escrevê-la, daí esta ter chegado às dez mil palavras. Assim, resolvi dividi-la em três partes – tal como Hayley fez com este álbum. Esta é a primeira parte, as outras duas saem amanhã e depois.

 

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Esta maneira de lançar o álbum fez-me lembrar o que aconteceu com Post Traumatic, de Mike Shinoda. Mike também começou por lançar três músicas no início de 2018, perto do fim de janeiro. Ao longo dos meses seguintes foi lançando outras, concluindo com o álbum completo em junho. O objetivo era criar uma ilusão de tempo real com o lançamento das canções. A própria tracklist segue uma ordem mais ou menos cronológica. 

 

O mesmo aconteceu com Petals for Armor. Também aqui as faixas estão organizadas por ordem cronológica. Hayley procurou lançá-las mais ou menos na mesma altura em que as compusera, no ano passado. As partes, aliás, correspondem todas a uma estação do ano. A primeira ao inverno (daí, como vimos acima, as músicas terem saído em finais de janeiro, princípios de fevereiro), a segunda à primavera, a terceira ao verão. 

 

O pior foi que 2020 não está a ser de todo o melhor ano para esse modelo. A primavera devia ser uma altura de maior leveza, mais luz, de esperança após os rigores do inverno. Só que, este ano, coincidiu com a chegada do Coronavírus a Portugal. Naquela que costuma ser a minha altura preferida do ano, com mais vontade de sair de casa – dias mais compridos, tempo mais quente, flores silvestres em todo o lado – tivemos de ficar em confinamento. 

 

Mais sobre isso adiante. 

 

Uma coincidência engraçada é o facto de os vocalistas das minhas três bandas preferidas da atualidade lançaram álbuns a solo como forma de lidar com momentos difíceis das suas vidas. Sharon den Adel, vocalista dos Within Temptation, criou My Indigo quando o pai adoeceu (acabando por falecer). Mike Shinoda criou Post Traumatic enquanto se tentava adaptar à vida sem o seu melhor amigo e co-vocalista dos Linkin Park, Chester Bennington (e tenho vindo a descobrir que várias das canções desse álbum se aplicam à pandemia, nomeadamente Nothing Makes Sense, Promises I Can’t Keep e World’s On Fire). E agora Hayley criou Petals For Armor após anos em depressão. Os três sentiram necessidade de se separarem das respectivas bandas para estes projetos em específico. 

 

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Os motivos são diferentes em cada um dos casos, contudo. My Indigo tem uma sonoridade bastante diferente da discografia de Within Temptation, tirando um elemento ou outro. Post Traumatic não está muito muito longe do território dos Linkin Park mas, para além de ser muito mais pessoal que o costume com a música da banda, foi criado no primeiro ano após a morte de Chester – demasiado cedo para os Linkin Park voltarem ao ativo. 

 

Os motivos de Hayley para lançar um álbum a solo são um híbrido dos dois acima. Se por um lado as letras dos Paramore foram sempre escritas por Hayley, segundo o seu ponto de vista, em termos musicais existe em Petals For Armor uma certa simplicidade e experimentalismo que talvez não ficasse bem na discografia da banda. Para começar, a maior parte dos vocais são baixos – algo que já tinha acontecido nos momentos mais vulneráveis de After Laughter. Hayley admitiu que não aquecia a voz antes das gravações e isso nota-se em vários dos agudos – Hayley soa mais rouca que o habitual.

 

Em termos de instrumentais, tirando um caso ou outro, estas músicas também não ficariam bem num álbum dos Paramore. A maior parte das faixas de Petals For Armor tem carácter próprio, distinto umas das outras, mas existem instrumentos comuns à quase todas. Nomeadamente a prevalência do baixo – já que muitas das músicas foram co-compostas por Joey Howard, baixista acompanhante. Havemos de ver com maior detalhe adiante. 

 

Além de que alguns dos temas abordados em Petals For Armor, como sexualidade e feminilidade, talvez não se encaixassem muito bem na discografia de uma banda com dois homens. 

 

Por outro lado, apesar de isto ser tecnicamente um projeto a solo de Hayley, os seus companheiros de banda não ficaram de fora. Taylor co-compôs várias faixas – apesar de Hayley ter contribuído mais do que antes para o instrumental – e produziu o álbum todo. Zac contribuiu menos mas sempre tocou bateria nalgumas faixas e realizou o vídeo de Dead Horse. 

 

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No outro dia dei com um meme que troçava das pessoas que acham que os Paramore são só Hayley. Eu ri-me em duplicado porque nem sequer Hayley a solo é apenas Hayley. Por outro lado, li algumas críticas a Petals For Armor dizendo coisas como “Hayley Williams liberta-se das restrições dos seus companheiros de banda” – só prova que o autor não fez o trabalho de casa. Como reza esta entrevista, Hayley está a solo, mas nunca sozinha.

 

Petals For Armor, na verdade, é um álbum de estreias, não apenas para Hayley. É o primeiro álbum a solo dela, é o primeiro em que é creditada na instrumentação, mas também é o primeiro álbum produzido a solo por Taylor. É também o primeiro em que Joey Howard compôs. E essa simplicidade e relativa ingenuidade dá carácter a Petals For Armor.

 

Como vimos acima, este álbum está dividido em três partes e um dos temas dessa divisão são estações. Hayley também afirmou que a divisão também se relaciona com elementos: a primeira parte representa o fogo, a segunda representa a terra, a terceira representa a água.

 

Com a primeira parte concordo, e explicá-lo-ei adiante. Com as outras não. A meu ver, a água e sobretudo a terra aparecem um pouco por todo o álbum, não se limitam apenas à segunda e terceiras partes.

 

O segundo, aliás, relaciona-se com os principais temas de Petals For Armor. Flores que emergem da semente, abrem caminho através da terra para florescerem à superfície. A definição de feminilidade segundo Hayley: mãos na terra, coisas ao mesmo tempo nojentas e belas, como menstruar e dar à luz.

 

Não é uma metáfora propriamente original, a própria Hayley admite-o. A figura da Mãe Terra, Mãe Natureza está presente em muitas culturas. 

 

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Na minha opinião, a imagem das mãos na terra também significa contacto com o próprio corpo. Na cultura judaico-cristã tenta-se fazer uma separação entre o corpo e a mente, mas estarão assim tão desligados um do outro? Afinal de contas, vários problemas de saúde mental, como depressão, estão ou podem estar relacionados com desequilíbrios químicos e/ou hormonais. 

 

Uma das lições, aliás, que Hayley aprendeu, conforme explica nesta entrevista, nestes últimos anos foi que os nossos corpos não mentem. A entrevistadora deu um exemplo de um amigo que percebeu que já não estava apaixonado pelo seu parceiro quando deixou de gostar do cheiro dele. 

 

O que, a mim, me recordam os primeiros meses com a minha Jane, por estranha que seja a comparação. Quem tenha lido este texto saberá que não foi um vínculo instantâneo, que as primeiras semanas não foram fáceis. No entanto, lembro-me que, na altura em que comecei a afeiçoar-me a ela, comecei a gostar do cheiro da cabeça dela, da textura do seu pêlo.

 

Por outro lado, Hayley revelou sofrer de dores de estômago constantes durante imenso tempo. Há uns anos referiu em entrevista ter surtos de acne durante as piores crises dos Paramore. E, como já referimos antes, a perda do seu ciclo menstrual por causa do stress do casamento.

 

Existem várias referências a contacto com o corpo em Petals For Armor. Em Simmer, Hayley fala sobre sentir o rubor da raiva no rosto. Em Cinnamon fala sobre tomar o pequeno-almoço nua. Em My Friend, o amigo em questão (Brian, o esteticista de Hayley e co-fundador da Good Dye Young) viu-a “de todos os lados”. Em Roses/Violet/Lotus/Iris promete não comparar o seu corpo, a sua beleza, com os dos demais (sobretudo os das demais). 

 

Também aborda o lado sexual do contacto com o próprio corpo: veja-se Sudden Desire e a cena da banheira e das ostras no videoclipe de Cinnamon.

 

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Por fim, não é por acaso que Watch Me While I Bloom, o mais parecido com uma canção de vitória em Petals For Armor, abre com "How lucky I feel to be in my body again". 

 

Mas falemos então sobre a primeira parte do álbum. Durante algum tempo não tive a certeza sobre qual das músicas abriria o álbum: Simmer ou Leave it Alone. Acabou por ser Simmer, o que faz sentido: pela introdução com o som de perigo, os fôlegos simbolizando alívio de tensão, a poderosa primeira frase: "Rage is a quiet thing".

 

Como referido antes, escrevi sobre Simmer na altura em que saiu. Fico feliz por ter acertado nas minhas interpretações no que toca à raiva no feminino. E, de certa forma, na parte de a segunda estância ser difícil para Hayley. Esta revelou em entrevistas que quando tentou gravar estes versos pela primeira vez teve de interromper a meio. 

 

Simmer de resto adequa-se ao ano em que saiu, sobretudo pelos protestos do #BlackLivesMatter. Não tenham dúvidas, estes resultam de raiva que borbulhou durante anos, mesmo décadas, até finalmente servir de combustível a estas manifestações. E já teve o efeito de, entre outras coisas, pôr a sociedade portuguesa a falar sobre racismo como nunca falara antes. Não é suficiente, mas é um começo. 

 

 

Continuo a gostar imenso de Simmer, acho que é uma das melhores em Petals For Armor. Quando uma pessoa pensar em raiva, o mais certo é pensar em algo exuberante, barulhento, agressivo. No entanto, por vezes uma raiva explosiva, que se pode confrontar diretamente, assusta menos que uma raiva controlada, que borbulha sob a superfície – porque pode entrar em erupção a qualquer momento. Simmer representa bem essa ideia, com a instrumentação relativamente minimalista e os vocais contidos, magnéticos, de Hayley.

 

Além disso, esta música ensinou-me uma maneira de lidar com a raiva e seus derivados (irritação, impaciência): respirar fundo e sussurrar para mim mesma “simmer simmer simmer simmer simmer… Simmer simmer simmer simmer simmer”, como no vídeo de interlúdio. Tendo em conta o número de covidiotas com que tive de lidar ao longo dos últimos meses, o truque veio em boa altura.

 

Em relação a Leave it Alone, as minhas opiniões não mudaram. Depois de ter de ouvi-la em loop para escrever sobre ela, durante muito tempo não quis ouvi-la pelos motivos que expliquei nessa análise. Em minha defesa, a própria Hayley admite que nem sempre lhe é fácil ouvir Leave it Alone – é uma música pesada em termos de emoções.

 

No entanto, ouvindo-a no contexto do álbum não deprime tanto. 

 

Nesse sentido, o lançamento de Cinnamon, poucos dias depois de concluir a minha análise, veio mesmo a calhar: o sabor doce e amadeirado da canela para contrabalançar com a amargura deixada na língua por Leave it Alone. 

 

Cinnamon é uma das minhas preferidas em Petals For Armor, deliciosamente esquisita – com uma letra que fala de coisas deliciosamente esquisitas e um videoclipe deliciosamente esquisito. Esta crítica descreveu-o de forma soberba: é como se tivesse sido composta do ponto de vista da velhota com cinco gatos (embora Hayley pareça gostar mais de cães). 

 

 

Segundo Hayley, Cinnamon começou com ela brincando na bateria de Taylor. A jovem, aliás, toca vários instrumentos nesta: guitarra, teclados, parte da bateria. É este último instrumento que, de resto, conduz a música: os outros pura e simplesmente vão-se juntando.

 

É um exemplo da simplicidade e ingenuidade que referimos acima, de que Hayley falara na nota de apresentação de Petals For Armor.

 

Em termos de letra, Cinnamon é uma ode à casa de Hayley. A mesma que estava infestada de morcegos, tal como amplamente comentei na análise a Simmer e Leave it Alone. Fiquei aliviada por saber que Hayley pagou a uma empresa para se livrar dos morcegos (dez mil dólares, o que não é nada barato mas, meu Deus… morcegos numa casa!). Eventualmente Hayley começou a decorá-la a seu gosto a pouco e pouco, e a casa tornou-se o seu refúgio.

 

Não admira que Hayley esteja tão apegada à sua casa, tendo em conta que, em criança, nunca teve uma morada fixa. Pais divorciados quando ela era muito pequena. Anos mais tarde ela e a mãe tiveram de fugir do companheiro desta: mudaram-se do Mississipi para Franklin, viveram em hotéis, numa caravana, em casas de amigos, num apartamento com móveis doados. 

 

Entretanto, Hayley juntou-se aos Paramore, passou os últimos anos da sua adolescência em digressão. Mesmo quando arranjara as suas próprias casas, era já tendo em consideração o, agora, ex-marido. 

 

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Esta é a primeira casa que é verdadeiramente sua. Onde é livre para exprimir o seu lado feminino, o seu lado estranho, para acender as luzes todas, para andar nua. Um pouco como Party For One, de Carly Rae Jepsen – Cinnamon é também um hino de introvertidos.

 

A letra de Cinnamon faz também referência a Alf, o cão de Hayley, que também faz vezes de psicólogo. Queria tirar uns parágrafos para falar da coisinha peluda de Hayley. No momento mais doloroso da primeira entrevista com Zane Lowe, a jovem revelou que o motivo pelo qual ela não sucumbiu à depressão foi porque sabia que Alf ficaria à espera que ela regressasse a casa. 

 

Não vou dizer que não compreendo. Quem tem cão – ou mesmo quem conheça a história do Hachiko – compreende. Pode parecer algo frio falar de um animal antes de falar dos seus pais, dos seus avós, de Taylor, Brian, Zac, etc, mas acho que consigo perceber o raciocínio toldado pela depressão de Hayley. Os seus entes queridos humanos conseguiriam compreender o que acontecera, racionalizar, seguir em frente.

 

O que é um disparate. Se eu ainda não consegui aceitar o que aconteceu a Chester e nem sequer conhecia o homem… Mas pronto, depressão.

 

Alf, por sua vez, nunca saberia o que acontecera, ficaria sempre à espera. 

 

Nunca tive pensamentos suicidas assim tão graves, felizmente, mas posso testemunhar que ter um cão, como a minha Jane, dá motivo para viver. E de facto dão bons psicólogos. Ainda há uns tempos estava eu a chorar – stress do trabalho e do Coronavírus – e a Jane deixou-me abraçá-la (algo que nem sempre deixa).

 

*pausa para sessão de festinhas à Jane*

 

 

Regressando à casa em si, Hayley assume mesmo que esta é uma metáfora de si mesma. Assustadora, cheia de morcegos, despida em 2017, melhorando ao longo dos anos seguintes, ganhando carácter e beleza à sua maneira.

 

O videoclipe reflete essa metáfora: o último da trilogia que inclui Simmer e Leave it Alone. Hayley emerge do casulo e explora a casa onde fora parar. Uma casa habitada por figuras sem rosto – personificações da própria casa, da mobília, da decoração. Mesmo dos demónios de Hayley, dos seus lados esquisitos, da sua feminilidade. Como acontecera na vida real com a casa verdadeira, de início Hayley teve medo, mas começa a rever-se nas estranhas figuras e decide ficar.

 

O momento mais inesperado do vídeo de Cinnamon é a coreografia. Hayley alega que esta é a primeira vez que dança oficialmente desde que teve aulas de hip-hop antes de se juntar aos Paramore. No entanto, fãs que foram aos concertos da digressão de After Laughter não ficaram surpreendidos, garantem que Hayley sempre soube dançar.

 

Confesso que esta parte está além das minhas capacidades. Também tive aulas de hip-hop, mais ou menos na mesma idade que Hayley. Não tinha jeito absolutamente nenhum para aquilo. Gosto de dançar, mas à parva, sem coreografia – ou então coreografias muito simples, muito básicas, estilo… aeróbica (mais sobre isso adiante).

 

A música seguinte no álbum é Creepin’. À semelhança de muitas neste álbum, é conduzida pelo baixo. Hayley toca guitarra, teclado, mas a faixa conta também com a participação de Mike Weiss, guitarrista dos MewithoutYou, a banda preferida de Hayley. A faixa tem um tom sombrio mas também vagamente dançante. 

 

 

A letra fala sobre vampiros de energia. Para quem não sabe (eu não sabia), vampiros de energia são pessoas tóxicas, egoístas, egocêntricas, que sugam a felicidade, a energia emocional, das pessoas que as rodeiam. Tais pessoas são incapazes de empatia, o mundo gira à volta delas, deixam os demais exaustos só de lidar com elas. 

 

Não sei se alguma vez conheci pessoas que se encaixem perfeitamente nesta definição, mas conheci parecidas – colegas de escola ou de faculdade, utentes da farmácia… Uma delas nem sequer posso descrever como má pessoa, mas exigia sempre atenção, metia-se em conversas e assuntos que não lhe diziam respeito, nunca percebia quando não era desejada, fazia-se sempre de vítima. 

 

Outra é uma utente da farmácia, tão egoísta, tão tóxica, que eu e as minhas colegas suspeitamos que afastou toda a gente da sua vida. Nós somos as únicas que a aturamos porque não podemos dizer-lhe “não” – por enquanto. 

 

Eu na verdade tenho vindo a aperceber-me, nestes últimos meses, que os verdadeiros vampiros de energia são as redes sociais, nomeadamente o Twitter e o Facebook. Esses sim, sugam a energia e a vontade de viver de nós, com tanto sensacionalismo e discussões estúpidas (embora hajam alturas piores do que outras). Nos tempos mortos tenho tentado trocar essas redes pelo Kindle e pelo TV Tropes. 

 

Em Creepin’, Hayley usa imagens vampirescas para dizer que ela e os seus já não se deixam afetar pela toxicidade (“We bleed holy water”, “I’m a moon in daylight”). No refrão diz que basta baixar a guarda por um bocadinho para o vampiro cravar os dentes e não largar mais. E se o bicho quer sugar parte dela, que sugue as recordações do ex-marido. 

 

É uma música gira, mas não está entre as minhas preferidas.

 

 

Uma que está, no entanto, é Sudden Desire. Esta é outra conduzida pelo baixo, num tom intimista que ganha intensidade no refrão, acompanhando os vocais impressionantes de Hayley. Na altura em que esta música saiu, era a primeira vez em muito tempo que ouvíamos Hayley a atingir tais agudos – After Laughter teve poucos momentos assim, infelizmente, embora seja compreensível porquê.

 

A meu ver, Sudden Desire é o equivalente a Simmer mas para outro pecado capital segundo o cristianismo: a luxúria. Esta no entanto é diferente da raiva. Toda a gente sabe que o cristianismo sempre teve uma relação complicada com a sexualidade. 

 

Durante séculos a Igreja pregou que o sexo fora do casamento era pecado (isto apesar de terem havido papas sexualmente ativos durante o seu pontificado, um rei português cuja amante preferida era uma freira e, pior de tudo, inúmeros praticantes de pedofilia no seio da Igreja). A nossa sociedade é cada vez mais laica, o que é uma coisa boa, mas ainda não conseguimos libertar-nos por completo de tais crenças.

 

Pegando de novo no conceito de contacto com o próprio corpo, eu penso que este desconforto da Igreja com o erótico poderá ter a ver com a separação do corpo e da mente. Acho também que, na prática, a diabolização da sexualidade serviu, sobretudo, para manter as mulheres sob controlo, para reprimir a sua libido, de modo a que os homens não tivessem dúvidas sobre a paternidade dos seus filhos. 

 

E isto nem sequer é um exclusivo do cristianismo. Vejamos a mutilação genital feminina, que afeta 200 milhões de mulheres e meninas no mundo inteiro.

 

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Admito que não sou a melhor pessoa para escrever sobre libertação sexual ou mesmo sobre sexo, ponto. Em todo o caso, na minha opinião, no que toca ao erótico, o importante é haver respeito, consentimento das partes envolvidas e maturidade para lidar com as consequências – sejam elas biológicas (gravidez no caso de pénis-em-vagina, doenças sexualmente transmissíveis, etc) ou emocionais.

 

Sudden Desire parece, aliás, falar sobre isso: sobre o desejo físico e sobre o medo das consequências emocionais. Hayley começou a namorar com o, agora, ex-marido quando tinha dezoito ou dezanove anos. Provavelmente foi o seu primeiro parceiro sexual, ou um dos primeiros. Como se sabe agora, essa relação não era das mais saudáveis e Hayley admitiu, sem dar pormenores, que isso afetou a maneira como olhava para o seu corpo, para os seus desejos.

 

Depois do divórcio, Hayley chegou a achar que ficaria celibatária até ao fim dos seus dias. No entanto, o seu corpo continuava a ter necessidades. Ela conheceu alguém, desejava-o – o que, ao mesmo tempo, excitava-a e aterrorizava-a porque, da última vez que se envolvera sexualmente com alguém, queimara-se. 

 

A linguagem que Hayley usa é particularmente violenta: "Your fingerprints on my skin, a painful reminder" 

 

A letra usa um elefante como metáfora. Confesso que, da primeira vez que a ouvi falar de segurar um elegante com a mão, passou-me pela cabeça uma imagem mais… explícita. No entanto, deverá ser uma metáfora para a luxúria em geral. 

 

É interessante o facto de Hayley não se referir à sexualidade como uma serpente, como na mitologia judaico-cristã, com como um qualquer animal selvagem, feroz. Em vez disso descreve-a como um gigante gentil, amigável, sem malícia, que não sabe a força que tem. Da mesma forma, fala de andar de mãos dadas com ele, ouvir o que ele tem para dizer, em vez de reprimi-lo por completo ou de ser dominada por ele (“Better to walk beside it than underneath”).

 

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Gosto imenso desta música, tanto pela sonoridade como pela forma diferente como fala sobre sexualidade.

 

Sudden Desire encerra a primeira parte de Petals For Armor. Como referido acima, o elemento que representa esta secção é o fogo. Simmer e Sudden Desire são óbvias – o fogo é uma metáfora comum para raiva e desejo sexual. Em relação a Cinnamon, canela, a especiaria que dá o título à música, se ingerida durante o tempo frio, produz uma sensação de calor (embora também produza o efeito contrário: induzindo uma sensação de frescura durante o tempo quente). No que toca a Creepin’, que fala sobre vampiros de energia e usa metáforas vampirescas, o sol é uma conhecida fraqueza dos vampiros. Mesmo o próprio fogo pode ser usado contra vampiros nalguns cânones.

 

Por hoje ficamos por aqui. Acho que faz sentido fazermos a divisão da análise coincidindo com a divisão oficial do álbum. Hoje foi a primeira parte, amanhã será a segunda e, no domingo, a terceira.

 

Acabo de me aperceber que se completam hoje oito anos desde que estreei este blogue. Oito anos.... Eu sabia que já tinha começado há algum tempo mas oito anos... 

 

Muito orgulhosa do que tenho feito até agora com este blogue. Calha bem estar a publicar a primeira parte desta análise hoje – um texto que andava a preparar há semanas, que ansiava partilhar com vocês desde fevereiro ou março. 

 

Fica aqui uma palavra de agradecimento pelo vosso apoio e companhia ao longo destes anos. Quero continuar a publicar bons textos neste blogue, mesmo que estes demorem um bocado. A muitos anos de blogue! Amanhã há mais!

 

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