Há sete anos que sei que isto poderia acontecer. Passei este tempo dizendo a mim mesma que lidaria com isso quando a altura chegasse.
Pois bem, a altura chegou. Eis-me lidando com isso.
Os Linkin Park são a minha banda preferida. Por uma questão de princípio costumo dizer que estão empatados com os Paramore. Mas, se quiser ser sincera comigo mesma, nenhum outro artista ou banda me deu tanto, mudou tanto a minha vida como eles. Sobretudo no último ano, ano e meio – ainda que de forma indireta neste caso.
Quando o vocalista Chester Bennington morreu, há sete anos, custou-me horrores. Ainda custa. O luto não tem sido linear – por exemplo, para mim a pior fase foi no ano passado – e acho que nunca aceitarei esta perda por completo. Tenho vários textos neste blogue documentando diferentes fases do luto – é assim que tenho digerido esta perda.
E é para isso que estamos aqui hoje. Não queria voltar a escrever sobre o universo Linkin Park tão cedo – tirando textos de fim de ano, no meu blogue só tem dado Linkin Park e Paramore, Paramore e Linkin Park nos últimos dois anos. Mas esta é uma nova fase do luto e há muita coisa para processar.
Daí as sete mil e quinhentas palavras, mais coisa menos coisa, que se seguem. Não couberam todas numa única publicação, logo, este texto vem dividido em dois. A ver se publico a segunda parte ainda hoje ou, no máximo, amanhã.
Sete anos é muito tempo. Vivi muitas vidas desde 2017 e, ao longo deste tempo, fui fazendo flip-flop nas minhas opiniões em relação a um possível regresso dos Linkin Park ao ativo sem Chester. Não havia opção que não doesse de uma maneira ou de outra. Podiam reativar a banda, com ou sem um vocalista novo, mas nunca serão capazes de preencher o buraco em forma de Chester.
Por outro lado, há Linkin Park para além do lendário vocalista, sempre houve. Seria um desperdício se passassem o resto da vida parados, esgravatando baús à procura de faixas inéditas na voz do Chester para irem lançando em edições de aniversário. Os próprios membros sobreviventes dos Linkin Park foram deixando mensagens contraditórias ao longo destes últimos anos em relação a um possível regresso – o que é perfeitamente compreensível.
Neste último ano, não fazia questão que os Linkin Park voltassem já ao ativo. Como quase toda a gente na minha vida está farta de saber, há um certo tributo português à banda que se entranhou no meu coração. Já fui a doze concertos deles no total e, conforme já expliquei antes, fiz inúmeras amizades entre os fãs de Hybrid Theory. Chamamo-nos a nós mesmos família – e, mais recentemente, seita – e tenho sido muito feliz com eles.
Por estes dias, nos meus piores momentos, quando me sinto mais cansada e desanimada com todas as controvérsias em torno da banda original, quase que desejo que os Linkin Park tivessem ficado quietinhos por pelo menos mais um ano ou dois. Que me deixassem como estava, linda e maravilhosa com os meus HT, banda e família – até porque não me foi fácil chegar a esse ponto – sem ter de lidar com a inevitável confusão emocional que viria sempre com um hipotético regresso dos Linkin Park sem Chester.
Mas estou a adiantar-me.
Este regresso pareceu-me muito repentino, mas a verdade é que já havia sinais há algum tempo. Em fevereiro deste ano (com a vida intensa que tenho levado, parece já ter sido há uma eternidade), os Linkin Park lançaram Friendly Fire, uma faixa excluída do álbum One More Light, como primeiro avanço do álbum de êxitos Papercuts, que sairia um par de meses depois.
Um breve aparte para referir que ando com vontade de escrever sobre Friendly Fire cá no blogue. Só não o fiz ainda porque, em primeiro lugar, lá está, tem havido muito Linkin Park aqui no estaminé. Em segundo, porque iria entrar em territórios tristes e vocês já tiveram a vossa dose com esta.
Em todo o caso, como já tinha escrito na altura, o timing de Papercuts deixou-me com a pulga atrás da orelha. E as minhas suspeitas aumentaram quando, no início de Abril, Jay Gordon deixou escapar em entrevista que tinha ouvido dizer que os Linkin Park tinham arranjado uma cantora.
O pessoal, naturalmente, passou-se, mas nada foi confirmado oficialmente na altura. Ainda pensei “onde há fumo, há fogo”, mas agarrei-me à minha resolução de esperar que fosse oficial antes de reagir. O burburinho acabou por esmorecer, eu mesma acabei por me esquecer, quase entrando em negação e relação à possibilidade de os Linkin Park regressarem.
Com isto tudo, passaram-se… *conta pelos dedos* quatro meses. Em finais de agosto, publicaram uma contagem decrescente nas redes sociais, que depois passou a crescente e depois passou a decrescente outra vez – ideia de Mike Shinoda e Brad Delson, aqueles cromos. Finalmente, anunciaram um evento para dia 5 de setembro, às onze da noite, hora portuguesa, com transmissão em direto online. Nessa noite sentei-me em frente ao computador, com várias conversas abertas com pessoas da família HT para comentar na hora – uma das muitas vantagens da seita é ter gente com quem desfrutar destas coisas.
Acabou por ser um exemplo perfeito de “show, don't tell”. A banda pura e simplesmente apareceu em palco – um baterista diferente, um guitarrista diferente. O Mike disse-nos olá e começou a cantar uma música que não conhecíamos, confirmando o título The Emptiness Machine que andara a circular nas internetes nos dias anteriores. Na segunda parte da música, juntou-se uma mulher aos vocais.
Estes são os Linkin Park agora. Mike Shinoda, Joe Hahn e Dave Phoenix Farrell nos papéis habituais. Emily Armstrong como co-vocalista. Brad Delson ainda com todas as funções anteriores mas substituído em palco por Alex Feder. Finalmente, Rob Bourdon não regressou à banda, logo, a bateria ficou a cargo de Colin Brittain. A banda regressou aos palcos menos de uma semana depois e já deu seis concertos até agora (sete, se contarmos com o concerto de apresentação). O novo álbum deles chama-se From Zero e sai a 15 de novembro.
Ah, e eu vou vê-los a Paris.
Não faltaram entrevistas depois da revelação onde a banda explicou como é que isto aconteceu. Recuemos no tempo de novo.
A perda do antigo vocalista e a súbita paragem na carreira dos Linkin Park não foi fácil para ninguém e, para os membros sobreviventes, foi pior que para quaisquer outros, tirando a família e amigos de Chester. Zane Lowe, na sua entrevista com a banda, referiu – e muito bem – o álbum a solo do Mike, Post Traumatic (que eu continuo a adorar, mais que alguns álbuns dos Linkin Park). Todos os membros sobreviventes tiveram de passar pelo luto, cada um à sua maneira.
O baixista Phoenix, por exemplo, chegou a pensar nunca mais voltar ao mundo da música. Mike, por seu lado, nunca deixou de fazer música – foi a sua maneira de processar a perda nos primeiros meses, e ele é daquele tipo de pessoas criativas que tem de estar sempre a trabalhar na sua arte. Mas não para os Linkin Park – Mike terá mesmo pensado, há uns momentos, que o povo já tinha perdido o interesse na banda. Os próprios membros sobreviventes da banda chegaram a reduzir o contacto entre si.
A partir de certa altura os membros sobreviventes foram retomando o convívio. Sem pressão, sem intenções de reativar a banda, só vibes, só renovando amizades. Tiveram algumas sessões espaçadas para criarem música ao longo dos anos, incluindo com outros artistas (entre os quais Emily Armstrong e Colin Brittain), mas que não deram em nada. Só nos últimos dois anos, mais coisa menos coisa, é que terão mais deliberadamente a tentar criar música para os Linkin Park… mas não todos.
O que nos leva a uma das partes mais tristes deste evento: Rob Bourdon, o primeiro baterista dos Linkin Park, não quis voltar.
Eu e outros fãs já tínhamos reparado que o Rob não aparece em público em anos. Pensava que a última vez tinha sido no concerto de homenagem ao Chester, em outubro de 2017, mas no outro dia um fã desenterrou o vídeo acima, da altura do HybridTheory20 – um discurso muito bonito, dedicado aos fãs de Linkin Park e que, agora, soa a uma despedida. Para o Meteora20 já não apareceu. Ainda assim tínhamos esperança – não não, tínhamos quase a certeza de que, se os Linkin Park regressassem, Rob regressaria com eles.
Enganámo-nos.
Confesso que a ausência do Rob me custa. Não custa tanto como a ausência do Chester, mas é mais difícil de aceitar. Sabíamos que o Chester não regressaria, por motivos óbvios. Mas, lá está, não estávamos à espera que o Rob ficasse de fora.
Não que estivesse muito muito afeiçoada ao Rob. Sempre gostei de todos. Mike e Chester foram sempre os meus preferidos e, se calhar, até gostava mais de Brad ou de Phoenix. Mas para mim os Linkin Park sempre foram os seis membros originais, a amizade entre eles. Sempre dei valor ao facto de a banda ter conseguido manter o mesmo alinhamento durante dezassete anos. Não é fácil – a minha outra banda preferida são os Paramore, sei que não é fácil. E essa ideia dos Linkin Park como um bromance inquebrável a seis, mesmo com a perda do Chester, conforme mostrado neste desenho, foi um dos meus consolos nestes últimos sete anos. Foi também por isso que, inicialmente, não reagi muito bem quando Brad anunciou que não iria tocar em palco, mesmo continuando a fazer parte da banda.
Deixando a parte sentimental de lado, talvez não fosse razoável assumir que mais nada mudaria para além da perda do Chester. Sete anos é muito tempo, aconteceu muita coisa, incluindo uma pandemia. Como dei a entender antes, não sou a mesma pessoa que era em 2017, eles também não o serão.
Talvez Rob não tenha querido voltar por não querer continuam numa banda sem Chester. Toda a gente compreende. Mas mesmo que o Chester não tivesse morrido, quem nos garante que o Rob não sairia da banda à mesma? Eles estão à beira dos cinquenta anos, o Rob já teve de ser seguido por problemas nas costas. Este estilo de vida não é fácil e infelizmente tive um exemplo das consequências há bem pouco tempo (mais sobre isso adiante). E se ao Brad, como explicou, fosse custando cada vez mais tocar em palco, mais cedo ou mais tarde desistiria à mesma, com ou sem Chester. Legítimo.
Há que fazer o luto pela versão dos Linkin Park que conhecíamos até inícios de setembro. A que tinha o Chester, o Rob e o Brad em palco. Haverá uma lição de vida aqui: todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades. E ainda nem chegámos a Colin e sobretudo a Emily.
Serve de consolo saber que esta versão dos Linkin Park não está perdida por completo… mas já aí vamos.
Dizia eu que os membros sobreviventes se foram encontrando ao longo dos anos, convivendo, retomando as amizades e, a partir de certa altura, criando música. O Mike e os outros dizem que o álbum novo foi nascendo assim. Suponho que o próprio processo tenha inspirado o título From Zero: eles repetiram o processo por que passaram quando eram miúdos e criaram a banda. Amigos primeiro, banda(s) depois. O “Zero” funciona também como referência a Xero, um dos primeiros nomes, antes de Chester se ter juntado à festa.
Dito isto, não concordo a cem por cento com este título – não é completamente honesto. Eles fizeram um soft reboot à banda, mas não estão verdadeiramente a começar do zero: têm sete álbuns e mais de vinte anos de história no mundo na música a sustentá-los. E, para desagrado de muitos (eu não incluída), eles não tencionam abdicar da discografia anterior.
Outra coisa que me faz confusão é o timing disto tudo – porque eu fui seguindo os trabalhos do Mike, com mais ou menos distância, ao longo destes sete anos. A ideia que tenho é que o Mike foi mantendo várias panelas ao lume: os seus trabalhos como produtor, a sua música a solo e, pelos vistos, isto. Há um ano, o Mike andava a lançar música a solo e dando a entender que iria continuar a fazê-lo – quando supostamente já estaria a trabalhar em músicas para o regresso dos Linkin Park. Se calhar, nessa altura ainda não se queria comprometer com um regresso da banda.
Para ser justa, não é a primeira vez que o Mike faz uma coisa destas. Entretanto recordei-me de Welcome: um single do seu projeto lateral Fort Minor, que foi lançado com bastante pompa e circunstância em 2015. Também na altura o Mike deu a entender que era o início de algo maior… para depois não dar em nada. Deve ser uma mania dele.
O Mike agora diz que os Linkin Park são o seu verdadeiro amor, que nenhum dos seus outros projetos o satisfaz da mesma maneira. Vou acreditar nele.
Voltando ao assunto dos Linkin Park, estão a ver todos os cenários que fomos colocando ao longo de sete anos para um possível regresso deles? Eles pensaram em todos – ou, vá lá, quase todos. Só o Mike nos vocais, um vocalista novo, vários vocalistas convidados. E também adotarem um novo nome, como muitos fãs têm sugerido antes e sobretudo depois do regresso da banda – quiçá a maior fonte de polémica neste último ês. mês.
Da maneira que vejo, a maior parte da controvérsia centra-se numa questão muito simples: o que é Linkin Park? O que entendem por Linkin Park? O que significa para vocês? É uma marca? É Chester-mais-cinco? É Mike-mais-cinco? Os seis originais? Com o Mike como cérebro e o Chester como coração? É nu-metal? É rock com rap? É a banda que nunca se contentou com um único género musical? É só a música ou são também as pessoas por detrás? Tiram-se um ou dois membros e já não é Linkin Park?
Não existem respostas erradas e é legítimo se uma grande parte delas – se não for a maior parte – não for racional. Cada um de nós, fãs, tem os seus motivos para terem adotado os Linkin Park e para os terem mantido na sua vida.
No meu caso, nunca me fez sentido os membros sobreviventes dos Linkin Park regressarem com outro nome, sobretudo se tencionassem continuar a tocar as músicas antigas. Lá está, não é uma coisa racional, é instintiva e só agora, que me sentei a escrever este texto, é que consigo explicar por palavras.
Linkin Park é muitas coisas para mim e uma delas é o legado de Chester. É o oposto daqueles que dizem que sem Chester não há Linkin Park. Para mim, seguirem com outro nome seria um desrespeito à memória do Chester, fingirem que ele nunca existiu. Linkin Park será sempre Chester. Manterem o nome, tocarem as músicas que ele ajudou a criar, de uma maneira ou de outra, é uma forma de manter o legado dele vivo, é uma forma de honrar a memória dele.
Da mesma forma, cada vez que ouvimos e cantamos músicas dos Linkin Park, cada vez que vamos a concertos da banda original ou de tributos como os Hybrid Theory, cada vez que convivemos e nos ligamos a outros fãs, estamos a homenagear o Chester e aquilo que nos deixou.
Dito isto, os motivos que o Mike e os outros deram para manter o nome Linkin Park são diferentes. Em entrevista, disseram que a música que criaram em conjunto soava a Linkin Park. Uma vez mais, não foi uma coisa racional, foi instintivo. Eles sentiam que era Linkin Park. Dar-lhe um nome diferente seria desonesto.
E, agora que já conhecemos duas das primeiras músicas que eles criaram com este novo formato, tenho de concordar que isto é Linkin Park. Talvez até seja demasiado Linkin Park, mas já falamos sobre isso.
É legítimo discordar com a manutenção do nome. Não há como negá-lo, esta é uma banda diferente. Mas foram o Mike, o Brad e os outros a criá-la. Linkin Park significa coisas diferentes para diferentes pessoas, mas os seus membros têm mais autoridade do que nós para determinar o que a banda é ou deixa de ser.
Eu prefiro pensar neste novo capítulo como uma expansão do que é Linkin Park. Na minha era de “both/and”, nada e sobretudo ninguém se define por um único atributo. Somos todos várias coisas, talvez contraditórias à primeira vista, mas que não se excluem umas às outras. Linkin Park é o Chester, são os seis membros originais, mas não só. O universo dos Linkin Park é grande. Cabe muita gente.
O que nos leva, assim, à questão do vocalista – da vocalista. A primeira vez que vi alguém colocar a hipótese de uma mulher nos Linkin Park foi em finais de 2017 – a propósito das participações de Kiiara e Amy Lee no concerto de homenagem ao Chester. A possibilidade começou a ser debatida em força este ano, com os rumores iniciados por Jay Gordon.
A minha principal objeção à ideia tem a ver com um aspeto dos Linkin Park sobre o qual li nas minhas pesquisas para os textos sobre Hybrid Theory e Meteora. A importância que a banda têm tido para rapazes adolescentes, sobretudo com os seus primeiros álbuns. Deu-lhes uma forma de lidar com emoções e vulnerabilidades que a sociedade nem sempre tolera no masculino. O Chester, então, era um excelente exemplo disso – ele que nunca escondeu o seu lado negro, o seu lado vulnerável e assim conquistou os corações de tantos.
Com uma mulher é diferente. É mais tolerado da parte de mulheres e meninas exprimirem vulnerabilidade e tristeza. Não há como negá-lo
Dito isto, este argumento vale o que vale. Não sou nem nunca fui homem ou rapaz, não posso falar como um. Quem me garante que vai deixar de haver essa ligação, esse veículo, só porque agora é uma mulher a cantar. Até porque continuam a haver cinco homens na banda. The Emptiness Machine, então, foi compôsta por Mike, Brad e Phoenix. Não deixa de ser uma banda masculina.
Ao mesmo tempo, mesmo que os Linkin Park sempre temnham apelado em particular a rapazes e homens, nunca faltaram raparigas e mulheres entre os fãs. E nem se pode dizer que os temas das músicas só sejam aplicáveis ao género masculino – eu, por exemplo, sempre me identifiquei com Numb. Ainda agora somos imensas mulheres no grupo de fãs dos Hybrid Theory. Sessenta por cento homens e quarenta por cento mulheres, mais coisa menos coisa segundo o que me dizem. Adiantando-me um pouco, a Emily também idolatrava o Chester e foi influenciada por ele. É uma de nós.
Além disso, pelo menos nesta fase, mulheres do rock não são demais. E uma parte de mim acha muito fixe ter uma mulher vocalista nos Linkin Park, a minha banda preferida. Uma mulher da comunidade LGBT+, ainda por cima. Uma mulher perto da casa dos quarenta – já na terceira idade, segundo os critérios da indústria musical. Uma mulher cujas roupas já ando a cobiçar. O facto de existirem fãs aziados só por haver uma senhora nos Linkin Park é mais um ponto a favor.
Os Linkin Park garantem que não houve casting formal para um ou uma nova vocalista. Houve quem o sugerisse. Um concurso estilo Ídolos, chamado “Quem quer ser o próximo vocalista dos Linkin Park?” se calhar – acho que nunca detestei tanto uma ideia.
Muito se tem falado sobre os dotes vocálicos da Emily – mesmo nós havemos de falar disso. Têm sido referidos outros nomes, tanto homens como mulheres, que poderiam desempenhar esse papel – incluindo um certo pitoco dos Algarves. Mas, conforme o Mike e os outros explicaram, não bastaria ao candidato ser capaz de fazer os dezassete segundos do grito de Given Up. Se assim fosse, contentar-se-iam com um ou mais vocalistas convidados.
Em vez disso, eles procuravam gente com quem podiam trabalhar, criar música, ir em digressão, que se integrava bem na banda. O Colin, por exemplo, terá conhecido o Mike em 2021. O Colin é produtor e multi-instrumentista (ainda que a bateria seja o seu instrumento principal), tal como o Mike, ambos terão filosofias musicais semelhantes, encaixam bem um com o outro. Assim, quando chegou a hora de reativar os Linkin Park, convidar o Colin terá sido o passo natural.
Da mesma forma, o Mike e os outros foram trabalhando com outros artistas, terão tido outros vocalistas cantando as músicas que criaram. Vários até cantavam bem, mas só a Emily é que soava como se encaixasse em Linkin Park.
E a verdade é que ela parece bem integrada. No artigo da Billboard que saiu no dia da revelação, referem a cumplicidade entre o Mike e a Emily. Agora que já se passaram umas semanas e alguns concertos, já deu para ver a Emily em brincadeiras com os colegas: aqui com o Phoenix, por exemplo.
A minha primeira reação não foi muito favorável, confesso: cheguei a sentir alguns ciúmes no lugar do Chester, sobretudo no que toca ao Mike. Por outro lado, se era para arranjar gente nova para os Linkin Park, tem de haver cumplicidade, tem de haver química. Porque, lá está, para mim Linkin Park é também as amizades entre os membros. Menos do que isto não era aceitável.
Mas agora temos de falar do reverso da medalha: a polémica em torno do passado do Emily. Nomeadamente o facto de ter sido criada no seio da igreja da Cientologia.
Isto tem sido a pior parte desta história toda, a mais cansativa. Não percebo o suficiente sobre o assunto, mas quer-me parecer que as pessoas estão a culpá-la por fatores que não estão sob o controlo da Emily. Literalmente as circunstâncias do seu nascimento. Mesmo que ela, a certa altura, tenha acreditado naquilo que a Igreja propagava e até praticado a religião, não seria a primeira nem seria a última pessoa a revoltar-se contra a fé em que foi criada.
Até porque, de acordo com o que pesquisei, tirando uma ocasião em que a Emily esteve numa gala da Igreja em 2013, não há provas concretas de que ela ainda pratique a Cientologia. Aliás, as ações dela contrariam essa ideia. A Cientologia é homofóbica mas a Emily é lésbica assumida, para começar. Muitos têm também invocado as posições dessa igreja em relação à saúde mental, que contrastam com o que os Linkin Park têm pregado sobre o tema, sobretudo depois de o Chester ter morrido por suicídio. No entanto, olhando para as letras da sua antiga banda, Dead Sara, um dos temas é precisamente ideação suicida – tal como várias letras do próprio Chester. Se não foi a própria Emily a escrevê-las, pelo menos assinou por baixo.
E é possível que ela não fale abertamente contra a Cientologia porque, segundo dizem, eles retaliam brutalmente contra que o faz e respectivas famílias. Se a Emily foi criada nessa igreja, talvez ainda tenha familiares associados à mesma, logo, numa posição vulnerável.
Mais difícil será justificar ter sido testemunha de defesa daquele sujeito condenado por violação. Segundo a publicação dela, a Emily considerava-o um amigo e admitiu ter-se enganado em relação a ele. Não foi ela quem cometeu um crime, nem acho que seja automaticamente má pessoa só porque foi das que diziam “Ah, mas ele parecia-me tão bom rapaz!”. E é de muita má-fé dizer que a Emily “apoia” a violência sexual por princípio (?) por causa desta situação.
Em paralelo, muitos fãs parecem falar do Chester como se tivesse sido um santo. O que eu até compreendo: a tendência muito humana de santificarmos quem já perdemos, de não querermos falar mal dos mortos. Eu mesma sou culpada disso, mesmo não sendo daqueles que só deram valor ao Chester depois de ele morrer.
Mas apesar de ter sido uma excelente pessoa, sobretudo tendo em conta a vida que teve, o Chester não era perfeito. Ele era alcoólico, toxicodependente, teve cinco filhos biológicos (e um adotivo) com três mulheres diferentes, magoou muitos, incluindo as pessoas que o amavam. O que, claro, não faz dele um monstro. O Chester era humano tal como nós, tal como a Emily, fazendo o melhor que podia.
Podia escrever um texto à parte sobre a cultura de cancelamento, sobre má-fé, sobre a forma como pinta o mundo a preto e branco, como muitos dos seus praticantes parecem passar demasiado tempo online, sem saber o que é lidar com pessoas na vida real. No caso da Emily, não sei se é misoginia ou se qualquer vocalista novo “substituindo” (ênfase nas aspas) o Chester, homem ou mulher, estaria sujeito a isto (aqui entre nós, ainda bem que o Ivo dos HT não está nesta posição). Mas há várias outras figuras públicas por aí bem mais militantes da Cientologia – Tom Cruise por exemplo – que não aturam nem metade daquilo que Emily tem levado.
Esta minha posição vale o que vale. Não quero insinuar que a Emily seja cem por cento inocente. Mas não acho que haja matéria que chegue para repudiá-la.
Para mim, é mais legítimo avaliar a Emily pelo seu desempenho como vocalista dos Linkin Park. Há fãs que adoram incondicionalmente, há fãs que detestam. Na família HT há muitos que até gostam da voz dela nas músicas novas, mas não gostam de ouvi-la cantando músicas antigas dos Linkin Park.
No início, eu estava mais ou menos a meio deste espectro e com o tempo a minha opinião tem vindo a tender para o favorável. Aquele primeiro concerto, transmitido em direto a 5 de setembro, não lhe correu bem: a expressão que tenho usado para descrever é “muito hit or miss”. Gostei da nova versão de Lost, por exemplo, e de Papercuts – vê-la lado a lado com o Mike, tal como o Mike e o Chester faziam, tal como o Ivo e o Pedro fazem.
Outros momentos deixaram muito a desejar, no entanto. De Faint não gostei nada. The Catalyst e Waiting for the End também não correram bem. Nós, na conversa online da família HT, fomos mauzinhos:
– Se a mulher não aguenta The Catalyst, é melhor nem tentar Given Up!
Eu e outros fomos tentando ser caridosos. Talvez ela estivesse nervosa, ainda a adaptar-se. Mais tarde, o Mike revelaria em entrevista que a Emily estava a chorar durante Waiting For the End, pelo menos, daí lhe ter falhado a voz. Isso voltou a acontecer em concertos posteriores, logo, a música definitivamente mexe com ela.
E eu sou a última pessoa que lhe pode atirar pedras. Waiting for the End é uma música especial. Quando andava mais sensível, com saudades do Chester, no ano passado, era uma de várias que me faziam chorar. Há várias partes da letra que se podem aplicar à perda, à situação dos Linkin Park nos últimos anos e a esta transição. Nós fartámo-nos de citar esta música uns aos outros nos dias antes do anúncio. “I know what it takes to move on”, “the hardest part of ending is starting again”.
Mesmo assim, uma coisa de que não gostei foi de terem mudado o tom das músicas para serem compatíveis com a voz da Emily. Compreendia… mas não gostava. Estava a esforçar-me para ser caridosa naquela noite e a minha primeira reação a Numb foi:
– WTF?! Numb versão nightcore!
Para ser justa, estive a ver um vídeo do concerto deles em Nova Iorque e já gostei mais – de Numb e do resto que tenho visto. Não muito muito, para não ter demasiados spoilers para o concerto de Paris. Mas o suficiente para ficar mais descansada em relação à Emily. O benefício da dúvida deu resultado, ela está a melhorar com o tempo.
E sim, ela parece ter a energia certa. Canta, ela faz screamo – as pessoas têm vindo a comentar que a Emily grita com raiva, enquanto o Chester gritava com dor. É uma opinião interessante – ainda não sei se concordo ou discordo mas, de qualquer forma, acho que encaixa em Linkin Park.
Continuo a preferir o Chester/os Linkin Park antigos ou o Ivo/os Hybrid Theory. Por exemplo, a nova versão de Given Up não soa mal, mas a Emily ainda não está preparada para ela. O Ivo, por sua vez, seria capaz de fazer aquele grito a dormir, aposto. Mas pronto, mantenho o benefício da dúvida. Para já, a Emily está aprovada.
E mesmo que não gostasse, nunca aceitaria que os Linkin Park deixassem de tocar as músicas antigas. Até compreendo quem o defende mas, pelo menos no meu círculo, quem o defende é gente na posição privilegiada de quem vai com regularidade a concertos dos Hybrid Theory (já falamos melhor sobre eles). A maior parte dos fãs de Linkin Park não tem essa sorte – o Mike disse mesmo que um motivo pelo qual reativou a banda foi para dar novas oportunidades às pessoas que não puderam ver Linkin Park.
E se houve algo que reaprendi neste último ano e meio é que as músicas desta banda – e não falo apenas de Numb ou de In the End – são intemporais, fazem parte da paisagem musical, do ADN cultural. Criaram-nos, salvaram-nos, continuam a ganhar novos significados, mesmo passados quinze ou vinte anos. Como os próprios HT defendem, foram feitas para o palco. E como disse antes, na minha opinião, são a melhor forma de homenagear o Chester.
Para já ficamos por aqui. Na segunda parte falamos, então, sobre as músicas novas que saíram até agora, entre outras coisas. Publico-a assim que puder. Não saiam daí.
Terceira parte da história dos Paramore. Podem ler as partes anteriores aqui e aqui.
Mesmo com as desistências de Josh e Zac Farro, Hayley, Taylor e Jeremy eventualmente decidiram continuar com a banda – e o mundo susteve a respiração para saber como sobreviveriam os Paramore sem dois dos seus membros fundadores. O tal concerto no Optimus Alive decorreu cerca de seis meses depois da bomba. Lembro-me de estar sentada no chão da plateia, no meio de muitas pernas, conversando com uma fã mais experiente do que eu – penso que terá sido entre as atuações dos Kaiser Chiefs e dos Paramore. Ela explicou-me que Josh fora o principal parceiro de Hayley na composição – e não sabia se Taylor conseguiria desempenhar esse papel.
Enquanto escrevia o parágrafo acima, fiquei com umas estranhas saudades dessa rapariga, cujo nome não recordo, e dos outros fãs de Paramore que conheci nesse festival. Gostava de falar com eles sobre tudo o que aconteceu com a banda depois de 2011 (e aconteceu muita coisa, esta procissão ainda vai no adro). Será que não gostaram do rumo que os Paramore tomaram nos álbuns seguintes e deixaram de segui-los? Ou será que concordam comigo que, no fim, a banda deu a volta por cima?
Fechemos este parêntesis. Com menos dois membros, a banda foi obrigada a reinventar-se. Os três foram mesmo viver para Los Angeles, quando Nashville se tornou um local hostil para a banda por causa desta confusão toda. Taylor foi, então, promovido a co-compositor principal e de início tentou replicar o estilo de Josh.
Isso funcionou, mais ou menos, com o Singles Club: quatro músicas lançadas ao longo de 2011, como forma de a banda provar que conseguiam funcionar sem Josh e Zac, que ainda tinham algo a dizer.
Destas quatro, a única que não adoro é Monster. Gosto muito de Renegade e de Hello Cold World. Mas a mais importante, diria eu, é In the Mourning, na qual os membros dos Paramore fazem o luto pelas partidas dos antigos colegas.
Quando chegou a altura de prepararem o álbum seguinte, no entanto, a coisa ficou mais complicada. Tanto porque Taylor não era Josh, mas também porque, de início, Hayley tentou ao máximo não escrever sobre os irmãos Farro – o que lhe provocou um bloqueio criativo.
O segundo problema resolveu-se de uma maneira fora do convencional: a banda compôs três musiquinhas com o ukulele, que serviram de veículo para deitar cá para fora aquilo que precisavam de deitar cá para fora. Essas músicas acabaram por ser incluídas no alinhamento final do álbum como interlúdios – este ficaria incompleto sem elas.
Por outro lado, depois de Hayley ter rejeitado, da forma mais simpática que conseguiu – as ideias de Taylor-tentando-compôr-como-Josh, Taylor mostrou-lhe outras ideias que ele criara para si mesmo, sem intenção de transformá-las em material para os Paramore. Uma delas, por exemplo, foi uma sequência de notas de marimba. Ora, foi dessas ideias que Hayley gostou – essas notas de marimba acabaram por dar origem a Ain’t It Fun, um dos maiores êxitos da banda (mais sobre isso já a seguir).
O quarto álbum representou, assim, uma espécie de reboot para os Paramore, uma reintrodução. Precisamente por isso deram-lhe o nome da própria banda. Por norma aqui no blogue chamo-lhe Self-Titled, que é o nome que os fãs anglo-saxónicos usam, para o distinguir de outros álbuns homónimos.
É o álbum mais longo dos Paramore até ao momento, o mais heterogéneo em termos de sonoridade. As velhas influências emo/pop punk, sim, mas também elementos pop, funk, sintetizadores, new wave – estes últimos em particular seriam ainda mais explorados no álbum seguinte – e os tais interlúdios no ukulele. Músicas tão diferentes umas das outras em termos instrumentais como Grow Up, Daydreaming, Ain’t it Fun, Part II, Last Hope, Hate to See Your Heart Break, (One of those) Crazy Girls.
Em termos de letra, o Self-Titled explora temas de crescimento, resiliência, esperança, vitória. Celebra o facto de os Paramore terem sobrevivido à turbulência dos anos anteriores. É o meu álbum preferido deles – ainda que o seguinte, After Laughter, ande a ameaçar essa posição nos últimos anos,
Várias músicas dignas de destaque neste álbum. Uma delas é Last Hope – não só a minha preferida da banda, mas também uma das minhas músicas preferidas de todos os tempos. Também é bastante popular entre os fãs dos Paramore. Adoraria que eles a cantassem na Luz, mas não é single, é pouco provável.
Outra música especial neste álbum é Hate to See Your Heart Break. Daquelas que foi ganhando novos significados com o tempo. Hayley escreveu a letra para Taylor, que terá passado por um período difícil algures durante os trabalhos do Self-Titled.
Havemos de falar mais à frente sobre os problemas de saúde mental de Hayley, mas Taylor também tem tido a sua dose. Ele, no entanto, é mais reservado do que Hayley. A ideia que tenho é que os dois foram ficando mais próximos depois de Zac e Josh terem desistido da banda. E, anos depois de Hate to See Your Heart Break ter sido composta, quando foi Hayley a passar por um mau bocado, a mensagem passou a ser de Taylor para ela.
Um dos grandes êxitos deste álbum foi Still Into You. Uma música bastante diferente daquilo que os Paramore haviam criado até ao momento: bastante pop, muito alegre, de tal forma que Hayley chegou a perguntar a Taylor se lhe era permitido. A letra fala de um amor que tem resistido a tudo.
À semelhança de The Only Exception, Hayley inspirou-se no seu relacionamento com Chad. Quando isso colapsou, no entanto, a letra de Still Into You passou a ser “oficialmente” sobre a relação de Hayley com os Paramore. A letra encaixa-se surpreendentemente bem.
O que diz muito sobre Hayley, na verdade.
O maior êxito do álbum no entanto foi, como referi acima, Ain’t it Fun. Uma música que mistura vários géneros musicais: pop, rock, funk (o baixo nesta música é fantástico) e um coro gospel na terceira parte. A letra é daquelas universais sobre as dificuldades de entrar na idade adulta e ganhar independência – so what are you gonna do when the world don’t orbit around you?
E aparentemente é necessário dizê-lo: o refrão é irónico. Nada disto é divertido na verdade.
Ain’t It Fun valeu aos Paramore o seu primeiro Grammy, para melhor música rock, no início de 2015. Curiosamente, ambos os Taylors na vida de Hayley – Swift e York – deram-lhe a notícia ao mesmo tempo, por mensagem. Não sei se consideraria Ain’t it Fun uma música puramente rock – tem demasiados elementos de outros géneros – mas merece todos os prémios. É fantástica.
Vou cantar e dançar tanto quando eles a tocarem na Luz.
O ciclo do Self-Titled foi comprido, terminou em 2015, mais de dois anos depois do lançamento do álbum. Anos mais tarde, Hayley admitiria que foi demasiado longo, não souberam quando parar (aqui entre nós, tenho medo que Taylor Swift venha a ter esse problema). O burnout poderá ter contribuído para o que se passou depois.
Eis um sumário do que aconteceu nestes dois anos. Hayley voltou a emprestar a voz para uma canção pop – desta feita, Stay the Night, de Zedd. Não foi um sucesso tão grande como Airplanes, mas gosto mais desta. No final de 2013, nasceu a filha de Jeremy. Em 2014, Hayley adotou Alf, um cãozinho, mistura de poodle e de golden retriever . No fim desse ano, os Paramore lançaram uma edição deluxe do Self-Titled. Foi também nessa altura que Hayley ficou noiva de Chad.
No fim desse ciclo, em 2015, a batata quente explodiu.
Não sei qual dos eventos ocorreu primeiro, mas um deles foi a desistência de Jeremy. Tenho de confessar: na altura em que Zac e Josh saíram, eu tinha acabado de me tornar fã, não me afetou muito. Este afetou. Já seguia os Paramore há uns anos, afeiçoara-me aos seus membros, vira-os ao vivo. E a banda passara toda a era anterior garantindo ao mundo que estavam mais fortes do que nunca, depois do que acontecera com Zac e Josh.
Uns meses mais tarde, Jeremy e a banda envolveram-se numa disputa legal pelos créditos de composição. Ainda não tenho cem por cento de certezas sobre quem tem razão neste conflito. Na altura em que isto se passou, tenho de confessar, até eu comecei a questionar o papel de Hayley nesta história. Eu gostava dela, respeitava-a – ainda o faço – em grande parte porque parece partilhar muitos dos meus valores. Mas se os Paramore estavam constantemente a perder peças, será que o problema era ela?
Em retrospetiva, Jeremy sempre pareceu ter sempre um pé dentro e outro fora. Como vimos antes, ele desistiu durante os trabalhos de All We Know is Falling. Mais tarde, durante os trabalhos de Riot!, segundo a carta de Josh, foi despedido temporariamente por causa da sua “ética de trabalho” e por “participar em coisas com as quais o resto da banda não concordava”. E agora, em 2015, deixa os Paramore para, ao que parece, não mais voltar.
A ideia que a maior parte dos fãs parece ter é que Jeremy se encosta ao trabalho dos colegas e queria, com este processo, garantir um cheque até ao fim da vida. Não sei se o conseguiu – ele e a banda chegaram a acordo em 2017, mas não divulgaram o resultado.
E a verdade é que, à semelhança do que aconteceu com Josh, o tempo apagou quaisquer saudades que muitos de nós pudéssemos ter. Cinco anos depois da sua partida, Jeremy lançou-se como “rapper” – uso aspas porque, do pouco que ouvi, aquilo é mesmo muito mau. Foi uma das muitas coisas bizarras que aconteceram em 2020.
E a gracinha acabou por ter o pior resultado possível para Jeremy: ninguém quis saber. Teria sido uma coisa se o seu “trabalho” como Jerm Beats tivesse viralizado e sido ridicularizado por toda a gente – pela lógica de “não existe má publicidade”. Mas a maior parte do mundo ignorou-o. Acredito mesmo que a maior parte dos fãs dos Paramore nem faz ideia do que aconteceu ao antigo baixista.
Adiantando-me um pouco, mesmo o álbum seguinte da banda, After Laughter, acaba por não falar muito sobre a partida de Jeremy. Só mesmo Tell Me How. Os próprios Paramore têm feito questão de apagá-lo da história da banda – ao ponto de, por exemplo, substituírem a capa do Self-Titled, em finais de 2022.
Não que eu concorde com isso. Não por ter pena de Jeremy, mais pelo princípio da coisa: não se pode mudar o passado.
Tenho algumas saudades do Pressure flip e tenho pena de não ver a filha dele a crescer. Tirando isso, não faz falta. E, tal como a Josh (talvez ainda mais), não lhe perdoo por quase ter destruído os Paramore e pelo efeito que as ações dele tiveram nos antigos colegas, sobretudo Hayley.
Até porque foi mais ou menos na mesma altura que Hayley teve uma crise no seu relacionamento com Chad, levando-a a adiar o casamento. Ela nunca confirmou preto no branco o que aconteceu ao certo na altura, mas terá havido traição da parte dele. Não terá sido a primeira vez, provavelmente não foi a última, mas, segundo consta, terá sido com uma amiga de Hayley.
Com tudo isto, Hayley entrou em depressão (ainda que só tenha sido devidamente diagnosticada muito mais tarde) e assim se manteve durante um par de anos. Houve uma altura em que deixou de comer, emagreceu imenso, deixou mesmo de ter menstruação. Teve ideação suicida, só não foi para a frente porque sabia que Alf, o cãozinho dela, ficaria à espera dela, não saberia porque é que a dona não voltou para casa.
Como alguém que também é dona de um patudo – ou melhor de uma patuda – compreendo e só de escrever isto fico com um nó na garganta. Por outro lado, vindo para o presente, Hayley acabou de perder um amigo, um menino de treze anos (!!!), para o suicídio.
Aproveito a ocasião para recordar que o mundo precisa de vocês. Se suspeitam que alguém perto de vocês está com dificuldades, perguntem-lhe se precisam de ajuda. Se estão com dificuldades, por favor, peçam ajuda. Existem recursos para isso: aqui, caso estejam a ler em Portugal, aqui, caso estejam a ler no Brasil.
Regressando aos Paramore e aos finais de 2015, inícios de 2016, Hayley foi para a frente com o casamento à mesma – um erro gigantesco por vários motivos. Anos mais tarde, Hayley admitiria que o fez contra os seus próprios instintos, que uma parte de si sabia que o casamento estava destinado ao fracasso. Mas terá sentido que tinha mesmo de se casar, de fazer tudo para que a relação resultasse – senão, teria magoado outra mulher para nada.
Uma vez mais, falo melhor sobre a questão no meu texto sobre Petals For Armor.
Pelo meio, Hayley desistiu em segredo dos Paramore. Lá está, estava farta da novela, farta das críticas, farta de duvidar de si mesma e da sua capacidade de manter a sua banda, a sua família, junta. Ao mesmo tempo, já não se sentia capaz de ser a ideia que o público tinha da Hayley Williams, a vocalista dos Paramore – daí ter pintado o cabelo de loiro platinado nesta altura, abandonando o icónico laranja.
Mais tarde, Hayley daria a entender que Chad a terá pressionado no sentido da desistência. Vindo de outra pessoa, eu até admitiria boas intenções: se a banda causava tanto sofrimento, para quê insistir? Mas é bem possível que Chad apenas quisesse isolar a noiva/esposa dos demais, mantê-la sob controlo.
Quem verdadeiramente ajudou Hayley foi Taylor. Este deu liberdade a Hayley para escolher, sem pressão, garantindo-lhe que a apoiaria sempre. E eventualmente Hayley decidiu continuar nos Paramore e ambos começaram a trabalhar no quinto álbum da banda.
Vou contar-vos um segredo, caros leitores: Taylor York é a pessoa mais importante dos Paramore. Quem achar que a pessoa mais importante é Hayley está redondamente enganado. Hayley é a cara da banda, a porta-voz e, sim, a primeira pessoa em quem toda a gente pensa quando se fala dos Paramore. Mas Taylor está por detrás da larga maioria dos instrumentais, sobretudo no quarto e quinto álbuns (o sexto, mais recente, foi muito mais colaborativo) – definindo o carácter da música. Hayley “apenas” cria as melodias e as letras de modo a condizem.
Mas, ainda mais importante do que isso, Taylor foi o único que nunca abdicou dos Paramore de livre vontade – só se juntou em 2007 porque não o deixaram juntar-se mais cedo. E nas múltiplas crises que se seguiram, não abandonou o barco, fez exatamente o correto para que a banda sobrevivesse. Adiantando-me um pouco na história, esteve por detrás do regresso de Zac. Soube quando estava na altura de fazer uma pausa, uns anos depois. E encorajou Hayley quando esta quis criar música fora da banda.
Nem sempre terá sido fácil para ele. Como vimos antes, ele também tem tido problemas com a sua saúde mental. Devemos-lhe muito. Sem ele, não haveria Paramore.
Mas não lho digam na cara, que ele detesta elogios. Vejam o discurso que Hayley lhe fez em 2016, no vídeo acima – Taylor merece cada palavra mas o moço, coitado, parece estar com vontade de se enfiar num buraco.
Estes foram uns anos difíceis para a banda e para Hayley, mas também aconteceram coisas boas. Uma delas foi o lançamento de Good Dye Young. Outra foi, então, o regresso de Zac Farro.
Zac tinha passado uns anos na Nova Zelândia e regressara a Nashville havia pouco tempo. Ele e Taylor reencontraram-se e retomaram a amizade – nesta altura, Hayley manteve-se afastada, deixando-os à vontade. Um par de meses depois, Taylor convidou-o para tocar bateria no álbum novo, sem quaisquer outras expectativas.
Lembro-me vagamente dessa altura, em 2016, de ver Zac e Hayley loira nas fotos e vídeos que iam aparecendo nas internetes. Zac confirmou publicamente que estava apenas a tocar bateria no novo álbum dos Paramore, nada mais.
Mas estávamos todos a fazer figas.
E as nossas esperanças foram confirmadas no início de 2017. Os Paramore anunciaram oficialmente o regresso de Zac – com uma t-shirt. As minhas memórias desse evento são vagas. Recordo-me de uma sensação de irrealidade. Como disse acima, Zac deixara os Paramore na altura em que comecei “oficialmente” a seguir a banda. E tínhamos passado as eras anteriores tentando lidar com a partida dele.
Mas depressa me habituei.
Como referi antes, Zac não se arrepende de ter deixado a banda quando deixou. Durante esses anos sem Paramore, aprendeu fotografia, realização, criou um projeto lateral, Half-Noise – projeto esse que tem mantido em paralelo com os Paramore, ao ponto de tocar músicas dele em concertos. Acho que isso é um fator importante para a saúde da banda nos últimos anos.
Mais sobre isso adiante.
Recuemos um bocadinho. Como disse acima, Hayley estava deprimida durante os trabalhos do quinto álbum. A música que Taylor andava a criar, no entanto, era muito alegre: vagamente tropical, com influências do synth pop/new wave dos anos 80. Hayley de início teve dificuldades – lá está, a sua disposição não condizia de todo.
– Por amor de Deus, manda-me música triste! – terá dito Hayley a certa altura.
Eventualmente Hayley começou a escrever letras tristes sobre melodias e instrumentais alegres. Essa dissonância tornou-se o carácter, mesmo o próprio conceito de After Laughter. Reflete um dos temas do álbum: positividade tóxica, como se diz hoje em dia, as dificuldades em manter uma cara alegre, em esconder a própria infelicidade. À primeira parece música feliz, estival – só quando prestamos atenção é que descobrimos a verdade. Da mesma maneira como muitos de nós parecem felizes, ter tudo sob controlo, mas muitas vezes basta raspar a superfície para descobrir que é tudo fachada.
Um pouco como Taylor Swift e I Can Do It With A Broken Heart, na verdade.
Aliás, After Laughter coincidiu com o início da mudança de atitude em relação a questões de saúde mental. Diriam mesmo que contribuiu para isso. Hayley ainda assim ia tentando evitar o uso do termo “depressão”, em parte porque ainda não tinha sido diagnosticada como deve ser, em parte para evitar sensacionalismos.
Como disse acima, After Laughter é o meu segundo álbum preferido dos Paramore, não muito longe do primeiro. Como tem sido a regra com a discografia da banda, o álbum espalhou essa fase da minha vida – uma fase menos feliz.
After Laughter saiu na véspera da final do Festival da Canção desse ano, quando o Salvador ganhou. O último capítulo do estado de graça que o nosso país atravessava na altura – que começara com a nossa vitória no Euro 2016. O verão desse ano foi difícil, tanto a nível individual como coletivo. Foi o verão da tragédia de Pedrógão Grande, tive alguns problemas pessoais, Chester Bennington, o vocalista da minha outra banda preferida, morreu por suicídio. Outra coisa a contribuir para a mudança de mentalidades no que toca a psicologia, mas que eu dispensava – custou imenso, ainda hoje custa.
A música de After Laughter refletia bem o meu estado de espírito durante grande parte da segunda metade de 2017. A vida acabou por melhorar mais tarde mas, claro, houveram outros períodos difíceis nos anos que se seguiram, que só tornaram After Laughter ainda mais relevante. Sobretudo durante a pandemia – Rose Colored Boy adequa-se que nem ginjas à cena do “Vamos todos ficar bem”. Tantas vezes cantei “Hearts are breaking, COVID’s raging on…”.
O que me leva às músicas. Os singlesHard Times e Rose Colored Boy são óbvios destaques. Caught in the Middle parece-me ser uma das preferidas de Hayley – sobre a sua depressão e tendência para a auto-destruição. Por outro lado, sugiro a outros fãs de Taylor Swift que peguem na letra de Idle Worship e a comparem com as letras de Castles Crumbling e Dear Reader.
Por sua vez, Pool é uma das preferidas dos fãs. Uma música bem estival, uma canção de amor com um lado sombrio. A narradora admitindo que o interesse romântico a magoa, a faz sofrer, mas ela continua a voltar para ele.
Na música, pelo menos. Na vida real, foi nesta altura, quando o álbum estava para sair, que Hayley pediu o divórcio a Chad. O público só o soube um par de meses depois. Na altura, como ainda não conhecia os pormenores sórdidos, fiquei triste.
Hoje digo que já foi tarde – que nunca devia ter começado sequer.
Os primeiros meses da era After Laughter não terão, assim, sido fáceis para Hayley. No rescaldo do divórcio, andou a beber em excesso para medicar a depressão e – um dos detalhes que mais me choca – chegou a viver numa casa com uma infestação de morcegos.
Mas a sua saúde mental acabou por melhorar. Muito graças ao apoio de Zac, Taylor, dos membros da banda de apoio e resto da equipa – Hayley referiu várias conversas honestas que teve com eles. Em 2018, de acordo com um artigo que escreveu na altura, recuperou o seu riso antigo.
E para já ficamos por aqui. A próxima parte será a final. Os próximos capítulos serão mais leves e felizes, mas ainda terão as suas lições e desafios. Não percam! Obrigada pela vossa visita.
Retomamos a nossa história em 2007, 2008 (podem ler o início aqui). Riot! foi, então, o álbum que colocou os Paramore na ribalta. Infelizmente, a banda não lidou muito bem com isso. Uma das piores fases foi no início de 2008. Os Paramore chegaram a cancelar concertos na Europa. Diz que a banda esteve à beira de colapsar nessa altura.
Para começar, Hayley e Josh terminaram a relação algures em finais de 2007. Há quem diga que Hayley o traiu com o futuro marido, Chad Gilbert, guitarrista dos New Found Glory (mais sobre ele já a seguir… infelizmente), mas não encontrei nenhuma confirmação oficial, preto no branco. Algures nesta altura Hayley compôs e gravou uma música a solo – a sua primeira oficial – chamada Teenagers, que acabou por ir parar à banda sonora do filme O Corpo de Jennifer, de 2009. Parece ter sido inspirada por esta separação. Eu mesma só a conheci há relativamente pouco tempo mas acho-a fascinante.
Calculo que tenha sido difícil para ambos serem obrigados a trabalhar juntos na banda depois de se separarem, a partilhar um autocarro de digressão. Até porque Hayley estava a apaixonar-se por outra pessoa. Ao mesmo tempo, Josh ressentia-se amargamente de toda a atenção dada a Hayley, muitas vezes em detrimento do resto da banda.
Não vou dizer que não compreenda a posição de Josh – sobretudo tendo em conta a questão do contrato. Talvez ele nunca se tenha sentido seguro dentro da banda. Por outro lado… ele não sabia como o mundo da música funciona? Não acontece o mesmo com inúmeras bandas, os holofotes virarem-se mais para os vocalistas? Freddie Mercury com os Queen, Bono com os U2, Chris Martin com os Coldplay, Thom Yorke com os Radiohead… Bolas, os Panic! At the Disco foram basicamente um projeto a solo de Brendon Urie nos últimos anos de vida da banda. Hayley ao menos sempre fez questão de dizer que os Paramore eram uma banda, não apenas um projeto a solo.
Dito isto – e isto são apenas especulações minhas – acredito que, a certa altura, durante estes conflitos todos, Hayley poderá ter-se agarrado demasiado à banda, à sua família, o que terá feito mais mal do que bem.
Falando com mais de uma década de distância, Hayley disse – provavelmente com razão – que eles eram miúdos. Estavam a entrar na idade adulta, estavam a crescer em direções diferentes, a lidar com questões com que músicos bem mais velhos têm tido dificuldades em lidar desde que existem bandas musicais. Hayley também disse que, apesar de muita gente destacar a juventude dos Paramore, muitos adultos à volta deles esqueceram-se convenientemente desse facto quando a banda estava em crise e ninguém os ajudou.
Por outro lado, foi nesta altura que Taylor York se juntou à banda – ainda que só tenha sido anunciado como um membro oficial em 2009. Taylor esteve sempre lá desde o início, como referido antes. Compôs algumas canções em All We Know Is Falling e Riot!. No entanto, os pais quiseram que ele concluísse o equivalente ao nosso décimo-segundo ano antes de se juntar aos Paramore.
Foi então nesta altura, um período particularmente vulnerável para Hayley, que esta começou a namorar Chad… um homem de vinte e seis anos. Tal como Taylor Swift, provavelmente na mesma altura até, envolveu-se com um homem mais velho quando ainda mal tinha chegado à idade adulta. O caso de Hayley foi pior: as relações de Taylor com John Mayer e Jake Gyllenhaal foram relativamente curtas. Hayley esteve uma década com aquele gajo, chegou a casar com ele.
E já referi que Chad era um homem casado quando se envolveu com Hayley?
Falo com mais pormenores sobre esta relação retorcida no meu texto sobre Petals For Armor, o primeiro álbum a solo de Hayley (mais sobre isso adiante). Para já, dizer apenas que Hayley sentiu imensa vergonha durante anos por ter “roubado” o marido a outra mulher.
Como se isso não bastasse, Chad era a personificação da frase “se ele traiu para estar contigo, há de te trair também”. Ainda agora, em pesquisas para este texto, dei com esta publicação que, entre outras coisas, detalha várias ocasiões em que Chad traiu Hayley. Não sei se é tudo verdade. Espero que não porque, meu Deus! Como é que Hayley aturou isto tudo?!
Caso ainda não tenha ficado claro, nós odiamos Chad.
Havemos de voltar a ele, infelizmente. Como dissemos antes, 2008 foi um ano particularmente tumultuoso para os Paramore, mas também ficou marcado pelo lançamento de um dos meus maiores êxitos: Decode, para a banda sonora do primeiro filme de Twilight. Ainda no fim do ano passado, num concerto na Austrália, houve alguém que levou uma figura do Edward Cullen.
Como a própria Hayley disse, icónico.
Não sendo das minhas preferidas, Decode é uma bela música, com vocais espetaculares de Hayley e um instrumental que captura perfeitamente o espírito dos filmes da franquia, sobretudo o primeiro: muito emo, quase gótico. Irá de certeza ser tocada durante a Eras Tour.
Por outro lado, Decode tem uma irmã menos conhecida mas igualmente boa, talvez ainda melhor: I Caught Myself. Uma autêntica pérola escondida que, infelizmente, só os fãs mais hardcore devem conhecer. Não foi composta de propósito para Twilight, mas também se encaixa no espírito, logo, também foi para a banda sonora. A letra fala de resistir à tentação de um interesse romântico que, na verdade, não queremos na nossa vida.
Nunca foi confirmado preto no branco, mas é altamente provável que I Caught Myself tenha sido inspirada pela separação de Hayley e Josh. Com o tempo, no entanto, terá ganho nossos significados. Terá passado a ser sobre a relação entre Hayley e Chad. Saltando alguns anos na nossa história, os dois anunciaram o divórcio em julho de 2017. No concerto seguinte, em Hamburgo, na Alemanha, Hayley parece à beira das lágrimas enquanto canta I Caught Myself – quando chega à parte do “don’t know what I want, but I know it’s not you”.
Não admira que esta seja uma das favoritas de Hayley. É especial. É excelente.
Rebobinando quase uma década de novo, Hayley terá conhecido Taylor Swift algures em 2008, 2009. Acho que está mais ou menos confirmado que Hayley foi a amiga que inspirou a letra da canção Speak Now, conforme se suspeita há anos: a tal que viu a sua paixão de infância casando-se com outra. Neste caso Josh, que se casou com Jenna Rice em Abril de 2010.
Ainda há relativamente pouco tempo, a propósito dos anos de Taylor, Hayley falou de ir a esse casamento (ela não referiu Josh pelo nome) na companhia dela. Hayley já estava com Chad, mas continuava a sentir-se pouco à vontade – era o seu ex a casar-se! Taylor, no entanto, terá tornado a experiência divertida e, depois, citando Hayley “baldaram-se ao copo-de-água para irem ao Cheesecake Factory”.
Na letra de Speak Now, a narradora deseja sabotar o casamento, pedir ao noivo para fugir com ela. Pessoalmente, duvido que Hayley alguma vez tenha desejado tal coisa – pelo menos não nesta fase. Mas é possível que Taylor tenha falado com Hayley na brincadeira sobre esse cenário – e que, mais tarde, se tenha inspirado nele para a história de Speak Now.
Vamos, agora, falar de Brand New Eyes, o terceiro álbum da banda, editado em setembro de 2009. É o favorito de muitos fãs, o equivalente dos Paramore ao Rumours dos Fleetwood Mac – com muito menos drogas, tanto quanto sei.
Os conflitos de 2008 nunca chegaram a ser resolvidos e acabaram por verter para as músicas deste álbum. Hayley escreveu algumas das letras inspiradas pelos problemas que tinha com os outros membros da banda, sobretudo Josh. Chegou a contar ao The Guardian sobre as gravações da primeira versão de Ignorance: do quão nervosa estava em relação ao que escrevera, de cantar muito baixinho na cabine de gravação. Calhou Taylor estar junto à coluna de som: ouviu tudo e terá ficado furioso com ela.
Aqui entre nós, custa-me imaginar Taylor zangado seja com quem for. Ainda menos com Hayley.
De qualquer forma, este episódio terá obrigado a banda a conversar e, supostamente, a resolver os problemas que tinham uns com os outros. Exemplos como este estão por detrás da ideia que Hayley pregava na altura de que este álbum salvara a banda. O nome “Brand New Eyes” terá vindo da ideia de que os membros dos Paramore foram obrigados a colocar-se na posição uns dos outros, a verem as coisas sobre novos prismas, com “novos olhos” para conseguirem fazer as pazes.
Pelo menos era o que a banda dizia. A realidade não era bem assim. Já aí vamos.
Queria referir algumas músicas importantes em termos da mitologia da banda em Brand New Eyes. Turn it Off é uma favorita entre muitos fãs (não no meu caso). Misguided Ghosts (que chegou a ser considerada como título para o álbum) mostra uma perspetiva mais suave, mais terna, sobre os conflitos no seio da banda – refletindo a ideia de que, lá está, estavam todos a mudar, a crescer em direções diferentes. Ainda há relativamente pouco tempo, mais de uma década depois, Hayley admitiu que, na altura, os membros da banda lidaram muito mal com as mudanças uns dos outros.
Uma música com quem Hayley e pelo menos uma boa parte dos fãs, eu incluída, tem tido uma relação complicada ao longo dos anos é The Only Exception. Esta foi a primeira canção de amor com todas as letras que Hayley compôs. É um dos maiores sucessos da banda, uma das minhas preferidas deles – foi uma das músicas que, a par de crushcrushcrush, me cativou para os Paramore – e é uma das minhas canções de amor preferidas de todos os tempos.
Na letra, Hayley admite que não acredita no amor, depois de tudo por que passou com os divórcios dos pais. No entanto, o seu interesse romântico – Chad – era a única exceção, o único capaz de fazê-la mudar de ideias.
É uma mensagem bonita que ressoa com muitas pessoas, incluindo comigo mesma. O reverso da medalha é que, segundo o que se deduz de entrevistas posteriores, essa mentalidade foi uma das coisas que fez com que Hayley se mantivesse numa relação tóxica com aquele homem durante tanto tempo. Porque achava que só ele é que poderia amá-la.
Tendo isso em conta, sem surpresas, depois do divórcio, em 2017, Hayley não quis cantar The Only Exception – foi uma situação mais complexa do que, pura e simplesmente, não querer cantar uma canção inspirada por um romance falhado. Mesmo eu “cancelei” a música em 2020, quando descobri mais acerca da relação dela com Chad.
Mas mantive sempre uma esperança secreta de que Hayley mudasse de ideias. Afinal de contas, ela passaria por uma jornada semelhante à descrita em The Only Exception quando encontrou o verdadeiro amor.
E de facto a música foi oficialmente “descancelada” no início de 2023, após um breve discurso de Hayley. Fiquei contente por ter The Only Exception de volta. Podem crer que, quando os Paramore a tocarem no Estádio da Luz, hei de cantá-la a plenos pulmões, tal como já tinha feito em 2011, no Optimus Alive.
E não se admirem se, no fim, estiver de lágrimas nos olhos. Porque não resisto àquele final e porque, depois de tudo por que ela passou, estarei a ver Hayley lado a lado com o amor da vida dela.
Uma música de Brand New Eyes bem menos controversa – longe disso – é All I Wanted. Diria que All I Wanted é mais ou menos equivalente à All Too Well de Taylor Swift – no sentido em que, durante muitos anos, foi uma pérola escondida que só os fãs conheciam, mas cuja popularidade acabou por alastrar para fora da comunidade.
No caso de All I Wanted, a culpa foi do Tik Tok, durante o ressurgimento do emo. Tivemos este bacano e o desafio de cantar o refrão – de tentar atingir os agudos impossíveis de Hayley.
O problema é que, durante muitos anos, Hayley recusou-se a cantá-la ao vivo. Lá está, é um refrão difícil, ela tinha medo de não conseguir fazer-lhe justiça. Os Paramore tocaram todas as outras músicas de todos os outros álbuns, incluindo algumas B-sides, menos esta. A partir de certa altura tornou-se quase um meme entre Hayley e os fãs, sobretudo depois de All I Wanted ter crescido em popularidade nos últimos anos. Vejam, por exemplo, este tweet de 2021.
Ora bem, em Outubro de 2022 começa a era This Is Why, a banda volta a dar concertos pela primeira vez após a pandemia e o ressurgimento da música emo. Participam no festival When We Were Young. No primeiro concerto abrem-me assim:
O pessoal, naturalmente, passou-se. Vivo pelo bacano no vídeo repetindo “No fucking way… No fucking way…”
Depois desta, All I Wanted tornou-se uma faixa mais ou menos regular em concertos dos Paramore. Compreensivelmente não a tocam em todos os concertos – mesmo depois de When We Were Young, passaram-se uns quantos meses até a tocarem de novo.
Mas já é tão bom. Destaque para a noite em que Billie Eilish subiu ao palco para cantar All I Wanted (a favorita dela) com eles. Billie sendo todos nós quando, antes do refrão à capela, gritou: “Hayley… C’mon!”
Demorou, mas All I Wanted está a finalmente a receber o amor que merece.
Voltemos de novo para a era de Brand New Eyes, mais especificamente para 2010. Foi o ano em que Hayley fez um dueto com B.o.B em Airplanes, um dos maiores êxitos de 2010. Mas a maior bomba rebentou no final desse ano, quando Josh e Zac anunciaram a sua saída dos Paramore. Josh então escreveu uma bonita carta de despedida, lavando roupa suja – as réplicas continuam a ser sentidas hoje, quase década e meia depois.
O texto na íntegra pode ser lido aqui (foi difícil de desenterrar). Basicamente, Josh revelou ao público que Hayley era a única com contrato assinado com a Atlantic Records. Acusou os Paramore de serem uma fraude, uma fachada, acusou Hayley de ser uma artista a solo disfarçada de banda. Confirmou que os conflitos dos últimos anos nunca tinham ficado resolvidos e estavam por detrás da decisão de partirem – bem como o facto de sentirem que a vida em digressão lhes roubara a juventude.
Eu compreendo esta última parte. Sempre compreendi, desde o dia em que Josh publicou a carta (isto passou-se pouco depois de me ter tornado fã da banda). Ele fala de ter de se despedir de pais chorosos, de não ver os irmãos a crescer – e descobri mais tarde que os pais se separaram quando Josh e Zac estavam em digressão.
Acredito mesmo que foi esse o principal motivo pelo qual Zac quis sair – ele mesmo confirmaria anos mais tarde que não se arrepende de ter deixado os Paramore quando deixou.
Tudo o resto, no entanto, foi desnecessário. Se quiser ser caridosa, ao ler a carta de Josh, posso argumentar que este não visa Hayley diretamente (tirando a questão da letra de Careful). As suas críticas parecem dirigir-se mais aos pais e ao agente de Hayley e à gravadora. Posso admitir que tenha havido muita imaturidade na maneira como ele lidou com a questão. Josh mais tarde mostrar-se-ia arrependido e Zac demarcar-se-ia das palavras do irmão.
Ainda assim, não sei se alguma vez perdoarei Josh. Com ou sem más intenções, as suas palavras estiveram muito perto de destruir os Paramore, provocaram muito sofrimento aos restantes membros e aos seus fãs, Hayley em particular. Não quero dar a entender que ela nunca cometeu erros nas relações com os colegas de banda. Por exemplo, envolver-se com Josh foi um grande erro.
Mas também, ela tinha o quê? Quinze anos? Dezasseis? Dezassete?
De qualquer forma, vimos antes que Hayley tinha problemas de abandono, só queria uma família, mesmo que subconscientemente. E agora, por causa de Josh, não só perdia dois amigos de infância como tinha uma grande parte do público vendo-a como uma vilã.
Josh e os antigos colegas eventualmente fizeram as pazes alguns anos mais tarde. Por outro lado, volvidos mais alguns anos, vieram à tona uns comentários homofóbicos dele numa publicação qualquer no Facebook. O que só diminuiu ainda mais a popularidade de Josh – até porque os Paramore têm muitos fãs na comunidade LGBT+.
Que vá com Deus e que Deus regresse sozinho.
E é com este desejo que nos despedimos por hoje. Se gostaram de ler sobre estes dramas até agora, vão ficar contentes: a próxima parte, amanhã, vai trazer ainda mais. Como o costume, obrigada pela vossa visita.
Como é do conhecimento geral, Taylor Swift, a D.D.T. do mundo da música, vai trazer a Eras Tour para Lisboa. Mais especificamente para o Estádio da Luz, nos próximos dias 24 e 25 de maio.
Mas Taylor não vem sozinha. A abertura dos concertos da digressão europeia tem estado a cargo da banda de Nashville, Paramore. Que por acaso são a minha banda preferida, mais ou menos empatados com os Linkin Park (e respetivo excelente tributo português). Assim, quando foi anunciado que eles viriam com Taylor a Lisboa – e eu depois consegui bilhetes para o dia 25 (dos mais baratos) – não podia ter ficado mais feliz.
Não será a primeira vez que vejo os Paramore ao vivo. Também estive lá quando eles vieram ao Optimus Alive em 2011 (o antigo NOS Alive). Infelizmente foram precisos quase treze anos de espera e um convite de Taylor Swift para eles regressarem a terras lusas.
Não sei quantas das milhares de pessoas que encherão a Luz duas vezes serão fãs dos Paramore. Quero acreditar que não serão assim tão poucas. Eles têm a mesma idade que Taylor, apareceram no mundo da música mais ou menos na mesma altura e têm-se mantido relativamente populares, sobretudo nos últimos anos. Mas mesmo esses eventuais fãs poderão não conhecer assim tão bem a sumarenta história dos Paramore.
É aqui que entro eu. Sei de experiência que o típico fã de Taylor Swift está habituado a conhecer as histórias por detrás das músicas, a mitologia, os “Easter eggs”, como dizem os anglosaxónicos. Quem acompanhe este blogue saberá que sou uma fã recente de Taylor. Acompanho-a mais ou menos de perto desde 1989 (o álbum, não o ano), mas só me passei a considerar fã algures entre folklore e Red (Taylor's Version). Tenho aprendido muito sobre Taylor através de fãs de boa vontade, sobretudo no YouTube, dispostos a explicar a mitologia a fãs mais casuais, como eu.
Como forma de retribuir, eis-me aqui fazendo o mesmo mas para os Paramore. Explicando todo o “lore” a eventuais fãs de Taylor que tenham curiosidade em relação à banda de abertura da Eras Tour.
Até porque a história dos Paramore tem sido tão dramática e atribulada como a de Taylor. Para além de ser amiga dela há já alguns anos, a história de vida da vocalista Hayley Williams em particular tem tido pontos em comum com a vida de Taylor. Ambas se mudaram para Nashville no início da adolescência, ainda que por motivos diferentes. Ambas foram descobertas e assinaram contratos com editoras quando eram ainda muito jovens e esses contratos acabaram por se voltar contra elas. Ambas foram subestimadas, tiveram a sua autenticidade questionada, porque misoginia. Ambas tiveram de lidar com distúrbios alimentares, ainda que ligeiramente diferentes. Ambas, a certa altura, envolveram-se com homens mais velhos e tais relações deixaram-lhes marcas profundas. A história dos Paramore mete romances atribulados, amizades atribuladas, conflitos religiosos, traições, questões legais, abandonos, regressos, resiliência, redenção.
Uma festa, como poderão ver já de seguida.
Se derem uma vista de olhos muito rápida a este blogue, no entanto, notarão que os Paramore são personagens recorrentes aqui no blogue. Já contei partes da história dele noutras ocasiões. Vou fazer um esforço para não me repetir. Assim, resumirei essas partes da narrativa – e deixarei os links para os respectivos textos, caso queiram saber mais pormenores. Ainda assim, há muito sobre que falar. Este texto virá em quatro partes, vou tentar publicar uma por dia. Esta é a primeira.
Vou começar a história, então, com Hayley. Para o melhor e para o pior, este texto vai focar-se muito na vocalista. É ela quem dá a cara, é ela quem escreve as letras e, para o público em geral, é a pessoa que mais importa – o que, como veremos, foi fonte de imenso drama.
Hayley nasceu a 27 de dezembro de 1988 em Meridian, no Mississipi. Infelizmente, não teve uma infância fácil. Os pais eram muito novos quando ela nasceu e o casamento deles não durou. Hayley referiu várias vezes em entrevistas que uma das suas primeiras recordações é de quando, aos quatro anos, se meteu entre os pais enquanto eles discutiam, gritando que se calassem. Depois, uma porta bateu e um dos progenitores já não estava na vida dela.
Se a memória não me falha, Hayley começou a falar desse momento relativamente cedo na sua carreira. No entanto, só há poucos anos, depois de acompanhamento psicológico intenso, é que percebeu que o episódio a marcou profundamente. Deixou-a cética em relação ao amor romântico. Ao mesmo tempo, fê-la sentir-se órfã, deixou-a com problemas de abandono e ansiosa por uma família.
Isso será importante mais tarde.
A mãe de Hayley mais tarde juntou-se a um homem abusivo. Infelizmente as mulheres desse lado da família têm um histórico de relações tóxicas, algumas mesmo com violência doméstica. Como referido acima, não terá sido uma infância fácil. Hayley costumava ver videoclipes de Missy Elliot na MTV, filmes como Spice World, sonhando escapar para esse mundo.
Finalmente, quando Hayley tinha doze anos, regressou a casa vinda da escola e encontrou a mãe de malas feitas. Ambas fugiram do padrasto abusivo de Hayley para Franklin, no Tennessee, onde viviam amigos da mãe. Foi lá que Hayley conheceu os futuros companheiros de banda – mais tarde diria que a sua vida começou nessa altura.
Josh e Zac Farro, dois de cinco irmãos, são de ascendência italiana. Nasceram em New Jersey mas, a certa altura, a família veio também viver para Franklin. Josh, o mais velho dos dois, era um dos guitarristas e, tal como Hayley, um dos compositores. Zac era – ainda é – o baterista e o mais novo do grupo. Foi ele quem conheceu Hayley, durante um jogo de futebol americano da escola, e a apresentou ao irmão e ao amigo Taylor York, com quem já tinha formado uma banda. Taylor (Paramore's Version), como Hayley o apresentou agora em Paris (adoro esta mulher), é também guitarrista e também compôs com Hayley, mas só se juntou oficialmente aos Paramore vários anos mais tarde.
Por sua vez, Jeremy Davis, baixista, chegou a participar com Hayley com uma banda de versões funk. Hayley trouxe-o para os Paramore.
Houveram dois guitarristas que passaram pela banda nos primeiros álbuns – Jason Bynum e Hunter Lamb – mas estes deixaram os Paramore relativamente cedo.
Ainda agora há pouco tempo, os Paramore divulgaram uma foto de um vídeo caseiro da banda nos seus primórdios. Não consigo ultrapassar o facto de Hayley se parecer imenso com Avril Lavigne nestas imagens.
Eu explico-o com mais pormenores no meu texto sobre All We Know is Falling, o primeiro álbum da banda, mas a procura de uma editora foi turbulenta. Tal como terá acontecido com Taylor Swift, mais ou menos na mesma altura, eram miúdos e tiveram de lidar com as manipulações da indústria musical. As editoras só estavam interessadas em Hayley como artista a solo, mas a jovem queria desesperadamente uma banda. Queria a família que não tivera em criança – ainda que, na altura, não tivesse noção disso.
Finalmente, a Atlantic Records acedeu aos pedidos de Hayley, lançando a banda através de uma da Fueled By Ramen, uma das suas subsidiárias. E mesmo assim só Hayley é que assinou com a Atlantic, um contrato de oito álbuns.
Tal contrato assombrou toda a vida da banda. Só agora no início do ano, cerca de vinte anos depois, é que se libertaram finalmente dele.
Como se este não fosse já um começo suficientemente atribulado, quando a banda estava para começar os trabalhos do seu primeiro álbum, Jeremy decidiu desistir da banda, voltar para casa. A sua partida acabou por inspirar uma grande parte do álbum. Várias das músicas, o nome, a sua capa: um sofá vermelho com a sombra de alguém afastando-se.
Sim, o primeiro álbum dos Paramore define-se pela perda de um membro. A ironia não passa despercebida.
Alguns temas que destacaria em All We Know is Falling são os singles Pressure e Emergency, para começar. Esta última é a minha preferida neste álbum e acaba por servir de prequela a umas quantas músicas posteriores – detalhando o ceticismo de Hayley em relação ao amor. Por sua vez, Conspiracy foi a primeira música que os Paramore compuseram, em que a narradora se sente imponente, que está toda a gente contra ela.
Uma vez mais, a ironia não passa despercebida.
Uma música bastante popular neste álbum é My Heart, uma canção de amor para Deus. Eis um aspeto a ter em conta sobre a banda: eles cresceram num meio bastante religioso e, sobretudo nos primeiros anos da sua carreira, não escondiam as suas convicções cristãs – embora não andassem propriamente a pregar. andassem por aí a pregar. Várias músicas deles fazem referências ao cristianismo, My Heart é apenas uma delas. Há fãs que dizem que Josh era o maior impulsionador desta faceta. E, anos mais tarde, a religião foi fator de discórdia dentro da banda – por exemplo, quando Hayley insistiu em incluir o verso “The truth never set me free” numa música, apesar de isso contrariar a Bíblia.
Enfim. Não sou a melhor pessoa para comentar esta faceta da banda, mas não podia deixar de referi-lo numa biografia dos Paramore. Mesmo numa informal como esta.
Jeremy acabaria por regressar à banda mais ou menos na altura em que All We Know is Falling foi editado. Não sei ao certo qual foi o timing, só sei que ele aparece no primeiro videoclipe da banda, para Pressure. E no entanto, não muito depois, durante os trabalhos de Riot!, o segundo álbum da banda, chegou a ser despedido temporariamente por causa da sua “ética de trabalho”– ou falta dela. Aqui entre nós, a ideia que passa é que Jeremy era como aqueles colegas de trabalhos de grupo que não faz quase nada, que se encosta ao trabalho dos outros e no fim quer assinar.
Havemos de regressar a isso mais adiante.
Um aspeto importante sobre Hayley, talvez uma das primeiras coisas em que as pessoas reparam nela, diz respeito às cores do seu cabelo. Quase toda a gente a conhece pelo seu cabelo cor de chama, que abana com o seu capacete. Hayley pinta-o desde os treze anos. De início usava tintas baratas de farmácia. Mas para o videoclipe de Emergency decidiu que precisava da mão de um profissional.
Assim, foi a um cabeleireiro em Nashville onde conheceu Brian O’Connor – na altura apenas um aprendiz. Foi ele quem cortou o cabelo a Hayley e o pintou de ruivo escuro com as pontas amarelas, como um fósforo, tal como ela pediu. Um visual muito giro.
Algum tempo depois, quando Riot! estava para sair, Hayley foi de novo ter com Brian. Desta feita vinha inspirada pelo tempo que passara no Japão, em digressão, e queria parecer uma personagem de anime. E assim nasceu o icónico cabelo cor de laranja, que se tornou a sua imagem de marca.
Depois desse, Hayley experimentou várias cores no cabelo, mas acaba sempre por voltar ao laranja. Pessoalmente, é a cor que mais gosto de ver nela.
Hayley neste momento está loira – e com o cabelo bastante curto. Parece-se com a Princesa Diana. Eu gosto.
A partir da era de Riot!, Brian passou a ser o cabeleireiro e maquilhador pessoal de Hayley – e os dois rapidamente se tornaram amigos. Dez anos depois de se terem conhecido, mais coisa menos coisa, lançaram a Good Dye Young, uma linha de tintas e outros produtos para o cabelo. Chegaram mesmo a abrir um cabeleireiro em Nashville nos últimos anos.
Regressando à era de All We Know is Falling, durante as digressões desse álbum, a banda passou um mau bocado. Muitos desprezaram-nos por ainda serem jovens, por não se encaixarem perfeitamente na comunidade emo (os anglosaxónicos chamam-lhe “the scene”), terem características pop, por terem uma rapariga como vocalista. Hayley em particular passou muito tempo rodeada de homens, vários deles com o dobro da idade dela, teve de levar com bocas machistas e inclusivamente atiraram-lhe preservativos durante concertos.
De início, Hayley tentou fazer de tudo para que não a tratassem de maneira diferente dos rapazes da banda. Por exemplo, recusando-se a usar gloss durante sessões fotográficas. Aliás, havia também muita misoginia internalizada nesse tempo. Quem foi adolescente durante os anos 2000 há de se recordar: a tentação de dizermos que “não éramos como as outras raparigas”, de nos acharmos melhores que as demais só por termos interesses que muitos classificam como masculinos.
Eu também era assim – e só há relativamente pouco tempo é que me libertei dessa mentalidade.
O que nos leva a Misery Business.
Esta música foi o primeiro single de Riot! e foi o primeiro grande sucesso deles, que os atirou para o estrelato. É um dos temas-símbolo do emo/pop-punk dos anos 2000, ao lado de canções como Sk8er Boi, de Avril Lavigne, Fat Lip, dos Sum 41, All the Small Things, dos Blink 182. Ainda hoje é a primeira música em que muitos pensam quando ouvem falar dos Paramore…
… e, quase desde o momento em que a compuseram, a banda tem tido uma relação complicada com a música.
Misery Business (MizBiz para os amigos) é, no fundo, a Better than Revenge dos Paramore. Hayley tinha um fraquinho pelo seu colega de banda, Josh. Este, no entanto, tinha namorada. Alegadamente, essa rapariga não seria flor que se cheire, terá tratado mal Josh.
Pelo menos foi o que ele disse na altura. Sabendo o que eu sei hoje, daria um desconto à palavra dele: Josh parece ser o tipo de pessoa que divide mulheres em santas e em prostitutas.
Hayley terá assumido que a rival conquistara Josh por ser mais ativa sexualmente do que ela. Por outras palavras, como diria Taylor Swift, “she’s better known for the things that she does on the mattress”.
Eventualmente, Josh terminou o namoro com a outra rapariga e juntou-se a Hayley. Esta compôs Misery Business como forma de festejar a sua vitória neste triângulo amoroso, esfregando-a no nariz da rapariga que Josh rejeitou.
Como se Josh tivesse sido uma vítima inocente da outra, como se ele não tivesse querido envolver-se com ela. Referindo de novo Taylor Swift, tal como esta aprendeu depois de Better than Revenge, nenhum terceiro pode conquistar ninguém, “roubar” ninguém, se não for essa a vontade da pessoa. E como se Josh tivesse sido um prémio assim tão grande – a própria Hayley terá chegado a essa mesma conclusão pouco após o lançamento de MizBiz.
Mas não nos adiantemos.
O verso de Misery Business que mais controvérsia tem gerado é o que reza “Once a whore you’re nothing more”. Temos de admiti-lo: é violento. Hayley chamando p*ta a alguém que era uma adolescente durante os eventos descritos na canção.
Em defesa dela, Hayley não queria incluir este verso em Misery Business – precisamente porque o achava cruel. O produtor da música, David Bendeth, admitiu há uns anos que teve de persuadir a jovem a manter o verso.
– Hayley, foste tu a escrevê-lo, é quem tu és, tens de cantá-la.
Hayley acabou por ceder, mas deixou claro que o fazia sob protesto.
Sinceramente? Acho nojento. Um homem adulto alimentando a misoginia internalizada de uma rapariga adolescente. E foi essa mesma adolescente, não o homem adulto, a levar com ataques.
Dito isto, este verso tem as costas largas. Partes da letra que vêm a seguir são igualmente misóginas. “There’s a million other girls who do it just like you”. Pode-se argumentar que estes versos são ainda piores – a narradora chamado “p*tas” a milhões de raparigas. Aqui ninguém terá obrigado Hayley a incluí-los em Misery Business – e ela nunca deixou de cantá-los, ao contrário do que fez com a frase do “whore”.
No lugar deles, quando tocasse Misery Business ao vivo, cortava toda a segunda estância.
Dito isto, há que assinalar que existem por aí músicas bem piores em termos de misoginia – na esfera do emo/pop punk e não só – cujos autores, homens, não têm levado com metade do bullying que Hayley e os Paramore levaram.
A minha opinião em relação a MizBiz? Não é das minhas preferidas, mas é uma canção excelente, sobretudo pelo instrumental e pela interpretação de Hayley. Não adoro a mensagem, mas aceito-a por aquilo que é: uma página do diário de uma miúda de dezassete ou dezoito anos. Como disse Ricardo Araújo Pereira, aos dezoito anos é-se uma besta – mas nem todos temos as nossas versões mais imaturas imortalizadas sob a forma de uma canção com a popularidade de Misery Business.
Por outro lado, compreendo que a questão seja (ainda mais) pessoal para Hayley. Conforme veremos já a seguir, a sua relação mais longa envolveu muito adultério, muita competição com outras mulheres pelo mesmo homem – e muita vergonha por isso.
Assim, em retrospetiva, compreendo que eles tenham querido deixar de tocar a música a certa altura. Eles anunciaram a decisão em 2018, no fim da era do quinto álbum deles – antes de uma pausa de quatro anos.
O povo, no entanto, não deixou a música morrer. Quando se deu o renascimento do emo/pop punk um par de anos mais tarde, MizBiz ganhou imensa popularidade nos Tik Toks desta vida. Daquilo que vi, quase ninguém concordou com o cancelamento da música.
Em 2022, Billie Eilish convidou Hayley para cantar Misery Business durante a sua participação no Coachella. Na altura fiquei chocada – e consta que a própria Hayley tentou dissuadir Billie de tocá-la.
No entanto, Hayley terá percebido que já não era a mesma pessoa que era aos dezassete anos. Tinha percorrido um longo caminho para se libertar da misoginia por detrás de MizBiz. Há muito que deixara de acreditar naquela mensagem, já tinha pedido desculpas vezes suficientes pela letra. E de resto Misery Business já deixara de ser apenas deles há muito tempo. Pertencia também aos fãs – mais a eles do que à própria banda, se calhar.
Assim, quando voltaram ao ativo, durante o outono de 2022, os Paramore voltaram a incluir Misery Business no alinhamento. O cancelamento de MizBiz acabou por não ter efeitos práticos. Hayley não canta o infame verso e até faz caretas de indignação fingida para os fãs que o cantam.
A era do álbum This Is Why, que começou nessa altura, caracteriza-se muito por isso. A banda já não quer saber o que os outros pensam, não têm de provar nada a ninguém. Mas não nos adiantemos.
E de qualquer forma, no cânone dos Paramore, Misery Business já não é apenas uma letra que envelheceu mal. É também a música em que a banca convida uma pessoa (ou mais) da audiência para subir ao palco e cantar. Naturalmente, é uma das partes preferidas deles em todos os concertos.
Queria destacar aqueles que considero os meus momentos preferidos. Um deles foi, naturalmente, o nosso, durante o Optimus Alive – claro que sou suspeita. Outro, que julgo já se ter tornado icónico na comunidade de fãs, ocorreu no Brasil, durante a era do quarto álbum deles. A rapariga caiu para trás enquanto cantava e os três membros da banda na altura – Hayley, Taylor e Jeremy – juntaram-se a ela no chão.
Esta é só mesmo por causa dos cabelos em sincronia – o sonho de qualquer fã com cabelos compridos. Finalmente, a do vídeo abaixo, com uma menina de nove anos, traz-me lágrimas aos olhos.
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Claro que os Paramore podiam escolher outra música para chamar pessoas ao palco. No entanto, MizBiz já está tão entrelaçada com momentos como este que não sei se seria a mesma coisa. Para mim, estes momentos já pesam mais do que a letra infeliz. Apesar de tudo, apesar de continuar a não ser uma das minhas preferidas, estou feliz por termos Misery Business de volta.
E estou um bocadinho triste porque, estando os Paramore “apenas” a abrir a Eras Tour, para um público que não é o deles, não estão a chamar pessoas ao palco para Misery Business.
Ficamos aqui por hoje. Preparem-se, porque o verdadeiro drama ainda está para começar. A segunda parte vem amanhã. Obrigada pela vossa visita.
Hoje vamos então falar da dona disto tudo, da omnipresente. Taylor Swift é um poço sem fundo de ótima música. Dez álbuns de estúdio, um décimo-primeiro a caminho, em menos de vinte anos de carreira, incluindo reedições e respectivos baús e, no caso de Midnights, múltiplas edições especiais. Chega a ser irritante.
Mas não há volta a dar. Taylor tornou a ser uma das artistas que mais ouvi em 2023.
Este ano, Taylor lançou duas regravações de álbuns antigos: Speak Now no verão, 1989 no outono. Gostei muito do primeiro. Speak Now era um daqueles que ainda não tinha explorado muito e estava à espera da reedição para ficar a conhecer melhor.
Não fiquei desiludida. Já tinha ouvido alguns fãs elogiando as letras em Speak Now, as histórias que contam – algo que regressaria em força em folklore e evermore. Também gosto muito da sonoridade: o country pop do início da carreira dela misturado com rock, alguns momentos de pop punk e metal sinfónico.
Um aspeto de que gosto imenso em relação a Speak Now – tanto no alinhamento padrão como no baú – é da duração destas músicas. Faixas de quatro ou cinco minutos, algumas de seis ou sete. Solos de guitarra, instrumentos com tempo de antena. Numa altura em que é raro ouvirmos música com mais de dois ou três minutos de duração, sabe bem, é refrescante.
Já conhecia e gostava de algumas músicas em Speak Now: Mine e Back to December. Enchanted, então, é uma das minhas preferidas de Taylor há uns anos. Com a regravação fiquei a conhecer e a gostar de mais umas quantas.
Haunted, para começar, a tal que brinca com metal sinfónico. Parece uma música dos Within Temptation. É gira, mas uma parte do meu cérebro está sempre à espera de ouvir a voz de Sharon den Adel. Também gosto de Dear John e Last Kiss. Better than Revenge é a Misery Business de Taylor – um bocadinho de mesquinhez sabe bem de vez em quando. Never Grow Up leva-me lágrimas aos olhos – Taylor tem demasiadas músicas com essa capacidade, não acho nada bem.
Mas as minhas preferidas neste álbum são duas (bem… três, se contarmos com Enchanted). A primeira é Sparks Fly – aparentemente um clássico na discografia de Taylor. Segundo as minhas pesquisas, Taylor tê-la-á composto aos dezasseis anos, ainda antes de ter lançado o seu álbum de estreia. Tocou-a nalguns concertos, apareceram vídeos dessas apresentações na Internet, os fãs adoraram e convenceram Taylor a gravá-la para Speak Now. A versão de estúdio é diferente, menos country, mais pop rock, com alterações na letra. Na minha opinião é melhor, mas não nego que a versão pré Speak Now tem um charme muito próprio.
Adoro a sonoridade de Sparks Fly, sobretudo aquele refrão. Em termos de letra – sobre paixão adolescente – não é super original, mesmo um bocadinho básica, mas que posso dizer? Apela ao meu coração romântico de menina de quinze anos – um pouco como Enchanted, na verdade.
E, de qualquer forma, a letra tem um ou outro indício de que a narradora tem mais autoconsciência do que seria de esperar. “Give me something that’ll haunt me when I’m not around” – ela quer sentir-se assim, ela quer que o seu interesse romântico lhe dê motivos para o prender na sua cabeça. Também gosto do verso “Get me with those green eyes”. Olhos bonitos usados como armadilha, mesmo como arma.
A minha outra preferida é Long Live, a faixa que encerra a edição-padrão de Speak Now. Esta é outra com uma sonoridade pop rock grandiosa que eu adoro. A letra é uma carta de amor de Taylor para os seus colaboradores, a sua banda e – como ela tem sublinhado nos últimos tempos – os seus fãs. É uma canção de vitória, uma celebração dos seus triunfos após ter entrado no mundo da música como desfavorecida.
Ou pelo menos é assim que ela se pinta.
Isto pode ter acontecido por a regravação ter saído poucos dias antes do 10 de julho, mas, de uma forma muito minha, desde o início associei Long Live à vitória da Seleção Portuguesa no Euro 2016. Afinal de contas, também essa foi uma história de underdogs que triunfaram.
“When they gave us our trophies and we held them up for our town” recorda-me, claro, as nossas celebrações no feriado a seguir à final. “You held your head like a hero on a history book page” é basicamente a postura de Cristiano Ronaldo por defeito. “I had the time of my life fighting dragons with you” faz-me pensar em como tantos destes jogos grandes, contra tubarões futebolísticos, o nervosismo, a euforia, a frustração, os Nitromint debaixo da língua, têm sido dos períodos mais excitantes da minha vida.
Por fim, os versos “and the cynics were outraged, screaming ‘this is absurd’” dão-me vontade de rir. Descrevem de forma quase literal a reação dos franceses à nossa vitória.
Por outro lado, embora esses versos também se encaixassem no tema da final do Euro 2016, prefiro dedicar aquela parte mais calminha (a que começa com “Will you take a moment?”) à minha família HT.
…talvez eu esteja na minha era Speak Now – depois de ter passado por uma era Midnights na primeira metade de 2023.
Passemos às faixas inéditas de Speak Now. É possível que a minha opinião mude no futuro mas, até ao momento, este é o meu baú preferido das regravações. A única de que não gosto tanto é Electric Touch (acho que teria ficado melhor sem a participação do Patrick Stump).
Começando por Castles Crumbling, aquela por que mais ansiava por causa da participação de Hayley Williams. Estava com algum medo de uma situação semelhante a Snow On the Beach, em que a voz de Lana Del Rey mal era perceptível – de tal modo que, mais tarde, foi lançada uma segunda versão da música. No que toca a Taylor, por vezes “feat” é uma palavra demasiado forte.
Felizmente, nesse aspeto, não nos podemos queixar de Castles Crumbling. Hayley ouve-se bem quando canta – a interpretação do verso “and they trusted me” é muito ela. Eu queria ainda mais Hayley, mas podia ter sido pior.
Alguns de nós estranharam que tenha sido esta música a ter a participação de Hayley. Uma balada ao piano, calminha, vagamente atmosférica, não é o género musical em que o ouvinte comum pensa quando se fala na Hayley dos Paramore. Hayley revelou há umas semanas que a primeira música que Taylor lhe enviou se encaixava melhor no estilo pelo qual os Paramore são conhecidos (provavelmente Electric Touch), mas Hayley não gostou. Taylor, então, enviou-lhe Castles Crumbling. Hayley gostou mais dessa.
A letra terá sido um dos elementos a conquistar Hayley. Como li algures, Castles Crumbling é a antítese de Long Live. É uma canção de derrota em vez de vitória. A narradora perdendo o amor do público, o poder que detinha e ao qual se afeiçoar demasiado – ao ponto de ter deixado corrompê-la.
É interessante analisar a letra de Castles Crumbling à luz das personalidades díspares de Hayley e Taylor. Penso em Idle Worship e No Friend, dos Paramore, cujos narradores se ressentem dos pedestais em que foram colocados, que avisam – com toda a razão – que aquilo que os fãs veneram é uma ideia, uma ilusão, não corresponde à realidade.
Acho que Taylor está mais afeiçoada à fama que Hayley. Ela mesma se descreveu há pouco tempo como “a pathological people pleaser”, e os últimos anos deixaram bem claro que ela gosta da fama, gosta da sua posição como DDT do mundo da música (e não só) – daí eu torcer o nariz a algumas das mensagens de Anti-Hero. Havemos de regressar a essa ideia mais à frente.
Aqui entre nós, não estou habituada a isso da parte dos artistas e bandas que sigo. Estou habituada a ouvi-los falar mais de amor à arte, menos de amor à atenção e aos prémios. Mas também acredito que pelo menos alguns deles liguem mais a isso do que estão dispostos a admitir.
Não que vá fazer juízos de valor sobre esta atitude de Taylor (bem… não muitos). Tem as suas vantagens e as suas desvantagens, como tudo. Em Castles Crumbling mostra mágoa pela perda do pedestal. Penso que será um retrato fiel daquilo que Taylor sentiu quando Kanye West a humilhou durante os VMAs – e talvez quando o público se virou contra Taylor em 2016.
Ao mesmo tempo, a narradora de Castles Crumbling admite culpas naquilo que aconteceu, admite ter abusado da sua posição. O que remete para Dear Reader – uma música que tem vindo a subir na minha consideração nas últimas semanas – onde Taylor tenta dar conselhos, mas sabe que não tem autoridade para tal. Gosto em particular dos últimos versos “You should find another guiding light, guiding light, but I shine so bright”. É como se Taylor estivesse em debate consigo mesma – ou com a voz do coro, como numa tragédia grega. Ela gosta de ser admirada, gosta de ser um exemplo a seguir, mas sabe que não o merece verdadeiramente.
Castles Crumbling será talvez a melhor música do baú de Speak Now, a mais profunda. Naturalmente, já que os Paramore irão com ela para a Eras Tour na Europa, espero que Taylor e Hayley a cantem todas as noites.
I Can See You, a única música do baú com direito a videoclipe, é engraçada, mais sexy do que o habitual para Taylor na altura – com tropos que ela só voltaria a usar em Reputation. Compreende-se porque terá sido deixada de fora da Speak Now original – a equipa de Taylor, talvez ela mesma, tentando manter uma imagem ainda relativamente inocente.
When Emma Falls in Love é fofinha. Timeless também é linda: a letra faz lembrar Mine e também as letras em folklore e evermore.
Finalmente, Foolish One é daquelas músicas que nos faz perguntar “Quem nunca?”. Sobre enganos de alma ledos e cegos, sobre alimentar ilusões sobre os nossos interesses românticos, mesmo sabendo que a outra parte não sente o mesmo.
Definitivamente nunca me aconteceu. Nunca fiz filmes na minha cabeça baseando-me em quase nada, sabendo que a pessoa em questão já estava comprometida. No cenário pintado em Foolish One, em defesa da narradora, o interesse romântico (assumindo que é um rapaz) também estava comprometido, mas mantinha um caso com a narradora. A narradora só se culpa a si mesma, mas a verdade é que isto não abona nada a favor do carácter do rapaz. No fundo, uma versão mais jovem e inocente de illicit affairs.
De qualquer forma, no final de Foolish One, a narradora é gentil consigo mesma. Promete a si mesma que, um dia, haverá quem corresponda aos seus afetos. De qualquer forma, Foolish One é uma boa música para se ouvir depois de Sparks Fly, para descer um pouco à Terra.
Como poderão concluir, gostei muito de Speak Now (Taylor’s Version). Pena a sua era ter sido tão curta. Cerca de um mês depois, mais coisa menos coisa, Taylor estava já a anunciar a regravação de 1989 e rapidamente se deixou de falar de Speak Now. Foi chato.
Embora, para sermos justos, ao menos o baú de Speak Now teve direito a um videoclipe. O de 1989 não teve essa sorte.
Ao contrário do que aconteceu com as regravações anteriores, já tinha acompanhado o lançamento da 1989 original e guardo alguma nostalgia em relação a essa hora. Ouvir Shake it Off em todo o lado e arranjar a minha própria coreografia para ela, usar versos de Blank Space para descrever os meus primeiros tempos com a Jane.
Também já conhecia o álbum bastante bem. Ainda pensei que pudesse redescobrir algumas músicas da edição-padrão, mas não foi o caso. Tirando You Are in Love e Wonderland, mais recentemente, aquelas de que gostava não se alteraram. As minhas favoritas são Clean, Wish You Would e os singles, tirando Bad Blood.
Avancemos já para as faixas do baú. Em termos de temática são muito consistentes – parece que são todas sobre o romance falhado de Taylor com Harry Styles. Aliás, as cinco parecem contar uma narrativa, começando na lua-de-mel da relação, passando pelas diferentes fases da rotura. Pode-se argumentar que a história tem um final aberto – a narradora perguntando se a relação terminou mesmo. Não é dada uma resposta.
Infelizmente, não gosto tanto do baú de 1989 como gosto do baú de Speak Now. Parte disso, será mesmo porque as músicas são pura e simplesmente menos apelativas para mim. Por outro lado, na altura em que saiu a regravação, vi imensos vídeos de Swifties no YouTube sobre estas músicas… e acho que foi um erro.
Este é para mim o problema da música de Taylor e dos Swifties. Com as devidas exceções (e mesmo assim há quem duvide que sejam mesmo exceções), Taylor infamemente escreve sobre pessoas reais, escreve a sua própria história, deixa pistas, referências. Um típico Swiftie adora escrutinar as letras, os videoclipes e… bem, tudo o que Taylor faz ou deixa de fazer, para tentar descobrir mensagens secretas, descobrir de que interesse romântico Taylor está a falar, o que isto revela sobre a relação deles.
Não digo que não compreenda o apelo, atenção! Também compreendo o gozo de Taylor em escrever a sua própria história, em criar a sua própria mitologia. Eu faço o mesmo, até certo ponto, com os meus blogues – numa escala muito menor, claro. Mas por vezes é demais. Lá está, sou o tipo de ouvinte que gosta de fazer as suas próprias interpretações das músicas que ouve. Não gosto de me limitar a um cânone oficial.
É por isso que gosto mais do baú de Speak Now. Tem menos bagagem em termos de “lore”.
Mas pronto, isto sou só eu, o problema sou eu – (mais uma) obrigatória referência a Anti-Hero. Sou eu que tenho de reajustar a minha relação com a música de Taylor e com as análises de Swifties mais ferrenhos. É preciso moderação.
Falemos sobre as músicas em si. Uma das minhas preferidas neste baú é Say Don’t Go. Sobretudo pela parte musical. As melodias são super cativantes e bem apoiadas pela instrumentação. Aquele refrão é irresistível, incluindo os backvocals. Não posso deixar de reparar nas semelhanças, tanto em termos de letra como de musicalidade, com You’re Losing Me.
Now That We Don’t Talk também é interessante. Ainda assim, acho que todos concordamos que Is it Over Now é a melhor deste baú. Para começar, é a mais sumarenta no que toca ao romance com Harry Styles. Tem, também, óbvias semelhanças com Out of the Woods.
Um dos meus aspetos preferidos, no entanto, é a sua falta de linearidade, a sua estrutura fora do convencional, o quão caótica soa. Porventura um bom reflexo das emoções de Taylor quando a compôs.
Sei que há algo que vem antes, mas já falamos sobre isso. Para já queria falar do concerto de Taylor na Luz, pelo qual anseio. Tenho feito um esforço para evitar spoilers – nem sequer quis ver o filme da Eras Tour – mas é praticamente impossível. Como disse acima, Taylor Swift é omnipresente, estou sempre a apanhar publicações sobre a Eras Tour. Ainda por cima, em todos os concertos há pelo menos um fã a filmá-lo todo e a transmiti-lo em direto no Tik Tok ou no Instagram (ou no YouTube?). Logo, toda a gente sabe o que acontece em cada noite da Eras Tour.
Sinto-me ambivalente em relação a isso. Eu nunca seria a pessoa que filma um concerto inteiro. Não sou repórter de imagem, como disseram uma vez no grupo de fãs dos Hybrid Theory, não é para isso que pago bilhete. E, regra geral, só gosto de ver vídeos de concertos se forem de uma digressão a que já fui. Sou aquela pessoa que não gosta de ter spoilers, caso tenha uma hipótese, por remota que seja, de ir a um concerto desses. Embora seja difícil evitá-los – por exemplo, os HT devem estrear um novo alinhamento no concerto que vão dar na Covilhã, no início de março, e acho que vou ter de fazer blackout às redes sociais para não levar com spoilers.
E, de qualquer forma, por muito bom que o vídeo seja, não se compara à experiência de estar mesmo lá.
Por outro lado, não vou mentir, a ideia de haverem milhares – se não forem milhões – de fãs um pouco por todo o planeta a verem o mesmo concerto ao mesmo tempo é linda. É o que possivelmente irá acontecer a 24 e 25 de maio: imensa gente pelo mundo inteiro de olhos em Portugal, em Lisboa, no Estádio da Luz. Como se fosse a final da Liga dos Campeões ou do Europeu.
E a verdade é que – chocante! – nem toda a gente é como eu. Regressando aos fãs de HT, lá no grupo há muitas pessoas pedindo vídeos dos concertos para compensar por não poderem ir. Partilhamos a experiência dentro do possível. Eu nunca pediria isso a outra pessoa, não para mim mesma. Mas se me pedem a mim, filmo três ou quatro canções por noite com todo o gosto – que, de resto, faria sempre.
Assumindo que os demais não se importam que eu cante por cima dos vocalistas ou que, pelo menos no caso dos HT, grite parvoíces aos membros das bandas.
No que toca à Eras Tour, no entanto, devo ficar demasiado longe para conseguir filmar alguma coisa que se veja. Hei de filmar só mesmo pelo ambiente, pelas bancadas cantando em coro.
Estou ao mesmo tempo excitada e nervosa com a perspetiva de ver Lisboa virada do avesso para receber a Eras Tour. Eu que, ainda por cima, trabalho perto do Estádio da Luz e não vivo muito longe dele (“slowly lurching toward your favorite city”). Suponho que não seja pior que a vinda do Papa, no ano passado, que esteja mais ou menos ao nível de, lá está, a final da Champions. E, mal por mal, creio que os Swifties são ligeiramente menos desordeiros que típicas claques de futebol.
Vamos ver como corre. 'bora lá provocar atividade sísmica no Estádio da Luz! E vou fazer figas para que me cruze com Taylor ou com os Paramore na rua, por esses dias. Não é impossível...
No meu primeiro rascunho deste texto, nesta parte dizia que esperava que, a médio/longo prazo, depois da Eras Tour e das regravações que faltam, Taylor fizesse uma pausa. Como referi acima, Taylor tem dez álbuns de estúdio publicados, com uma série de músicas extra.
Paremos para pensar nisso. Os Linkin Park só lançaram seis álbuns entre 2000 e 2017. Bryan Adams só chegou ao décimo álbum ao fim de quase vinte e cinco anos de carreira.
E o pior é que toda a discografia de Taylor é boa. Algumas músicas são melhores do que outras, claro, mas no geral acima da média. Como disse acima, um poço sem fundo. E eu ainda não conheço a música dela tão bem quanto desejava. Preciso de passar (ainda) mais tempo com ela. Dava-me jeito ter um ano ou dois sem música nova de Taylor para me pôr a par de tudo como deve ser – até porque, parecendo que não, gosto de ouvir outros artistas e bandas, de vez em quando.
Mas não. Vem aí um álbum novo em abril, The Tortured Poets Department. Acho que fui a única cuja primeira reação foi revirar os olhos.
Não me interpretem mal. Não digo que não esteja nem um bocadinho entusiasmada com TTPD. Bem pelo contrário. Acredito que será tão bom como qualquer um dos outros álbuns de Taylor, talvez ainda melhor. Aquilo que já se conhece do álbum promete. Estou certa de que, daqui a um ano ou menos, estarei a escrever sobre várias músicas de TTPD no balanço musical de 2024.
Mas não começa a ser demais? Ela há de lançar um álbum de inéditas este ano, depois deverão vir as últimas duas regravações em 2025, depois dessa um décimo-segundo álbum inspirado pelo moço atual… Para além da questão de ser demasiada boa música para o tempo de que disponho… Taylor está em todo o lado! No mundo da música, na final da Super Bowl, no ciclo eleitoral norte-americano (conselho de amiga: quando se quiserem sentir melhor em relação aos nossos políticos, pesquisem notícias sobre política nos Estados Unidos), em breve no Estádio da Luz. Sei que nem tudo é por vontade da própria Taylor, mas mesmo assim. Tenho medo de que as pessoas se fartem, de que eu me farte, de que a própria Taylor entre em burnout. Na minha opinião, precisávamos de menos.
Taylor claramente não concorda. Não digo que o gosto pela fama seja o seu principal catalisador. Acredito nela quando diz que cria tanta música pelo gozo. Mas ela também gosta da atenção, gosta de ser dona disto tudo, não adianta negá-lo. E eu tenho medo que as suas asas derretam, que tudo isto rebente na cara dela.
Espero estar enganada. Espero que Taylor saiba o que está a fazer. Genuinamente não lhe desejo mal. Mesmo com as suas falhas, que não devem ser ignoradas (a mania de se fazer de vítima, a poluição do seu jato privado, mesmo o facto de ser bilionária, etc), ela está longe de ser uma pessoa horrível e, se é para haver alguém omnipresente desta forma, que seja alguém com o talento de Taylor Swift. Já tivemos de levar com pior.
E por agora é tudo. Na próxima parte, a última deste balanço, vou falar de músicas soltas que marcaram o meu ano. Espero não me demorar muito com ela, mas é possível que só consiga publicá-la em março. Enfim.