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Álbum de Testamentos

"Como é possível alguém ter tanta palavra?" – Ivo dos Hybrid Theory PT

A história turbulenta da banda que vai abrir a Eras Tour em Portugal #1

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Como é do conhecimento geral, Taylor Swift, a D.D.T. do mundo da música, vai trazer a Eras Tour para Lisboa. Mais especificamente para o Estádio da Luz, nos próximos dias 24 e 25 de maio. 

 

Mas Taylor não vem sozinha. A abertura dos concertos da digressão europeia tem estado a cargo da banda de Nashville, Paramore. Que por acaso são a minha banda preferida, mais ou menos empatados com os Linkin Park (e respetivo excelente tributo português). Assim, quando foi anunciado que eles viriam com Taylor a Lisboa – e eu depois consegui bilhetes para o dia 25 (dos mais baratos) – não podia ter ficado mais feliz. 

 

Não será a primeira vez que vejo os Paramore ao vivo. Também estive lá quando eles vieram ao Optimus Alive em 2011 (o antigo NOS Alive). Infelizmente foram precisos quase treze anos de espera e um convite de Taylor Swift para eles regressarem a terras lusas. 

 

Não sei quantas das milhares de pessoas que encherão a Luz duas vezes serão fãs dos Paramore. Quero acreditar que não serão assim tão poucas. Eles têm a mesma idade que Taylor, apareceram no mundo da música mais ou menos na mesma altura e têm-se mantido relativamente populares, sobretudo nos últimos anos. Mas mesmo esses eventuais fãs poderão não conhecer assim tão bem a sumarenta história dos Paramore.

 

É aqui que entro eu. Sei de experiência que o típico fã de Taylor Swift está habituado a conhecer as histórias por detrás das músicas, a mitologia, os “Easter eggs”, como dizem os anglosaxónicos. Quem acompanhe este blogue saberá que sou uma fã recente de Taylor. Acompanho-a mais ou menos de perto desde 1989 (o álbum, não o ano), mas só me passei a considerar fã algures entre folklore e Red (Taylor's Version). Tenho aprendido muito sobre Taylor através de fãs de boa vontade, sobretudo no YouTube, dispostos a explicar a mitologia a fãs mais casuais, como eu. 

 

Como forma de retribuir, eis-me aqui fazendo o mesmo mas para os Paramore. Explicando todo o “lore” a eventuais fãs de Taylor que tenham curiosidade em relação à banda de abertura da Eras Tour. 

 

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Até porque a história dos Paramore tem sido tão dramática e atribulada como a de Taylor. Para além de ser amiga dela há já alguns anos, a história de vida da vocalista Hayley Williams em particular tem tido pontos em comum com a vida de Taylor. Ambas se mudaram para Nashville  no início da adolescência, ainda que por motivos diferentes. Ambas foram descobertas e assinaram contratos com editoras quando eram ainda muito jovens e esses contratos acabaram por se voltar contra elas. Ambas foram subestimadas, tiveram a sua autenticidade questionada, porque misoginia. Ambas tiveram de lidar com distúrbios alimentares, ainda que ligeiramente diferentes. Ambas, a certa altura, envolveram-se com homens mais velhos e tais relações deixaram-lhes marcas profundas. A história dos Paramore mete romances atribulados, amizades atribuladas, conflitos religiosos, traições, questões legais, abandonos, regressos, resiliência, redenção. 

 

Uma festa, como poderão ver já de seguida.

 

Se derem uma vista de olhos muito rápida a este blogue, no entanto, notarão que os Paramore são personagens recorrentes aqui no blogue. Já contei partes da história dele noutras ocasiões. Vou fazer um esforço para não me repetir. Assim, resumirei essas partes da narrativa – e deixarei os links para os respectivos textos, caso queiram saber mais pormenores. Ainda assim, há muito sobre que falar. Este texto virá em quatro partes, vou tentar publicar uma por dia. Esta é a primeira.

 

Vou começar a história, então, com Hayley. Para o melhor e para o pior, este texto vai focar-se muito na vocalista. É ela quem dá a cara, é ela quem escreve as letras e, para o público em geral, é a pessoa que mais importa – o que, como veremos, foi fonte de imenso drama. 

 

Hayley nasceu a 27 de dezembro de 1988 em Meridian, no Mississipi. Infelizmente, não teve uma infância fácil. Os pais eram muito novos quando ela nasceu e o casamento deles não durou. Hayley referiu várias vezes em entrevistas que uma das suas primeiras recordações é de quando, aos quatro anos, se meteu entre os pais enquanto eles discutiam, gritando que se calassem. Depois, uma porta bateu e um dos progenitores já não estava na vida dela. 

 

Se a memória não me falha, Hayley começou a falar desse momento relativamente cedo na sua carreira. No entanto, só há poucos anos, depois de acompanhamento psicológico intenso, é que percebeu que o episódio a marcou profundamente. Deixou-a cética em relação ao amor romântico. Ao mesmo tempo, fê-la sentir-se órfã, deixou-a com problemas de abandono e ansiosa por uma família.

 

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Isso será importante mais tarde.

 

A mãe de Hayley mais tarde juntou-se a um homem abusivo. Infelizmente as mulheres desse lado da família têm um histórico de relações tóxicas, algumas mesmo com violência doméstica. Como referido acima, não terá sido uma infância fácil. Hayley costumava ver videoclipes de Missy Elliot na MTV, filmes como Spice World, sonhando escapar para esse mundo. 

 

Finalmente, quando Hayley tinha doze anos, regressou a casa vinda da escola e encontrou a mãe de malas feitas. Ambas fugiram do padrasto abusivo de Hayley para Franklin, no Tennessee, onde viviam amigos da mãe. Foi lá que Hayley conheceu os futuros companheiros de banda – mais tarde diria que a sua vida começou nessa altura. 

 

Josh e Zac Farro, dois de cinco irmãos, são de ascendência italiana. Nasceram em New Jersey mas, a certa altura, a família veio também viver para Franklin. Josh, o mais velho dos dois, era um dos guitarristas e, tal como Hayley, um dos compositores. Zac era – ainda é – o baterista e o mais novo do grupo. Foi ele quem conheceu Hayley, durante um jogo de futebol americano da escola, e a apresentou ao irmão e ao amigo Taylor York, com quem já tinha formado uma banda. Taylor (Paramore's Version), como Hayley o apresentou agora em Paris (adoro esta mulher), é também guitarrista e também compôs com Hayley, mas só se juntou oficialmente aos Paramore vários anos mais tarde. 

 

Por sua vez, Jeremy Davis, baixista, chegou a participar com Hayley com uma banda de versões funk. Hayley trouxe-o para os Paramore.

 

Houveram dois guitarristas que passaram pela banda nos primeiros álbuns – Jason Bynum e Hunter Lamb – mas estes deixaram os Paramore relativamente cedo.

 

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Ainda agora há pouco tempo, os Paramore divulgaram uma foto de um vídeo caseiro da banda nos seus primórdios. Não consigo ultrapassar o facto de Hayley se parecer imenso com Avril Lavigne nestas imagens.

 

Eu explico-o com mais pormenores no meu texto sobre All We Know is Falling, o primeiro álbum da banda, mas a procura de uma editora foi turbulenta. Tal como terá acontecido com Taylor Swift, mais ou menos na mesma altura, eram miúdos e tiveram de lidar com as manipulações da indústria musical. As editoras só estavam interessadas em Hayley como artista a solo, mas a jovem queria desesperadamente uma banda. Queria a família que não tivera em criança – ainda que, na altura, não tivesse noção disso. 

 

Finalmente, a Atlantic Records acedeu aos pedidos de Hayley, lançando a banda através de uma da Fueled By Ramen, uma das suas subsidiárias. E mesmo assim só Hayley é que assinou com a Atlantic, um contrato de oito álbuns.

 

Tal contrato assombrou toda a vida da banda. Só agora no início do ano, cerca de vinte anos depois, é que se libertaram finalmente dele.

 

Como se este não fosse já um começo suficientemente atribulado, quando a banda estava para começar os trabalhos do seu primeiro álbum, Jeremy decidiu desistir da banda, voltar para casa. A sua partida acabou por inspirar uma grande parte do álbum. Várias das músicas, o nome, a sua capa: um sofá vermelho com a sombra de alguém afastando-se.

 

Sim, o primeiro álbum dos Paramore define-se pela perda de um membro. A ironia não passa despercebida.

 

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Alguns temas que destacaria em All We Know is Falling são os singles Pressure e Emergency, para começar. Esta última é a minha preferida neste álbum e acaba por servir de prequela a umas quantas músicas posteriores – detalhando o ceticismo de Hayley em relação ao amor. Por sua vez, Conspiracy foi a primeira música que os Paramore compuseram, em que a narradora se sente imponente, que está toda a gente contra ela. 

 

Uma vez mais, a ironia não passa despercebida. 

 

Uma música bastante popular neste álbum é My Heart, uma canção de amor para Deus. Eis um aspeto a ter em conta sobre a banda: eles cresceram num meio bastante religioso e, sobretudo nos primeiros anos da sua carreira, não escondiam as suas convicções cristãs – embora não andassem propriamente a pregar. andassem por aí a pregar. Várias músicas deles fazem referências ao cristianismo, My Heart é apenas uma delas. Há fãs que dizem que Josh era o maior impulsionador desta faceta. E, anos mais tarde, a religião foi fator de discórdia dentro da banda – por exemplo, quando Hayley insistiu em incluir o verso “The truth never set me free” numa música, apesar de isso contrariar a Bíblia. 

 

Enfim. Não sou a melhor pessoa para comentar esta faceta da banda, mas não podia deixar de referi-lo numa biografia dos Paramore. Mesmo numa informal como esta. 

 

Jeremy acabaria por regressar à banda mais ou menos na altura em que All We Know is Falling foi editado. Não sei ao certo qual foi o timing, só sei que ele aparece no primeiro videoclipe da banda, para Pressure. E no entanto, não muito depois, durante os trabalhos de Riot!, o segundo álbum da banda, chegou a ser despedido temporariamente por causa da sua “ética de trabalho” – ou falta dela. Aqui entre nós, a ideia que passa é que Jeremy era como aqueles colegas de trabalhos de grupo que não faz quase nada, que se encosta ao trabalho dos outros e no fim quer assinar. 

 

Havemos de regressar a isso mais adiante. 

 

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Um aspeto importante sobre Hayley, talvez uma das primeiras coisas em que as pessoas reparam nela, diz respeito às cores do seu cabelo. Quase toda a gente a conhece pelo seu cabelo cor de chama, que abana com o seu capacete. Hayley pinta-o desde os treze anos. De início usava tintas baratas de farmácia. Mas para o videoclipe de Emergency decidiu que precisava da mão de um profissional. 

 

Assim, foi a um cabeleireiro em Nashville onde conheceu Brian O’Connor – na altura apenas um aprendiz. Foi ele quem cortou o cabelo a Hayley e o pintou de ruivo escuro com as pontas amarelas, como um fósforo, tal como ela pediu. Um visual muito giro.

 

Algum tempo depois, quando Riot! estava para sair, Hayley foi de novo ter com Brian. Desta feita vinha inspirada pelo tempo que passara no Japão, em digressão, e queria parecer uma personagem de anime. E assim nasceu o icónico cabelo cor de laranja, que se tornou a sua imagem de marca.

 

Depois desse, Hayley experimentou várias cores no cabelo, mas acaba sempre por voltar ao laranja. Pessoalmente, é a cor que mais gosto de ver nela.

 

Hayley neste momento está loira – e com o cabelo bastante curto. Parece-se com a Princesa Diana. Eu gosto. 

 

A partir da era de Riot!, Brian passou a ser o cabeleireiro e maquilhador pessoal de Hayley – e os dois rapidamente se tornaram amigos. Dez anos depois de se terem conhecido, mais coisa menos coisa, lançaram a Good Dye Young, uma linha de tintas e outros produtos para o cabelo. Chegaram mesmo a abrir um cabeleireiro em Nashville nos últimos anos.

 

 

Regressando à era de All We Know is Falling, durante as digressões desse álbum, a banda passou um mau bocado. Muitos desprezaram-nos por ainda serem jovens, por não se encaixarem perfeitamente na comunidade emo (os anglosaxónicos chamam-lhe “the scene”), terem características pop, por terem uma rapariga como vocalista. Hayley em particular passou muito tempo rodeada de homens, vários deles com o dobro da idade dela, teve de levar com bocas machistas e inclusivamente atiraram-lhe preservativos durante concertos.

 

De início, Hayley tentou fazer de tudo para que não a tratassem de maneira diferente dos rapazes da banda. Por exemplo, recusando-se a usar gloss durante sessões fotográficas. Aliás, havia também muita misoginia internalizada nesse tempo. Quem foi adolescente durante os anos 2000 há de se recordar: a tentação de dizermos que “não éramos como as outras raparigas”, de nos acharmos melhores que as demais só por termos interesses que muitos classificam como masculinos. 

 

Eu também era assim – e só há relativamente pouco tempo é que me libertei dessa mentalidade.

 

O que nos leva a Misery Business.

 

Esta música foi o primeiro single de Riot! e foi o primeiro grande sucesso deles, que os atirou para o estrelato. É um dos temas-símbolo do emo/pop-punk dos anos 2000, ao lado de canções como Sk8er Boi, de Avril Lavigne, Fat Lip, dos Sum 41, All the Small Things, dos Blink 182. Ainda hoje é a primeira música em que muitos pensam quando ouvem falar dos Paramore… 

 

… e, quase desde o momento em que a compuseram, a banda tem tido uma relação complicada com a música. 

 

 

Misery Business (MizBiz para os amigos) é, no fundo, a Better than Revenge dos Paramore. Hayley tinha um fraquinho pelo seu colega de banda, Josh. Este, no entanto, tinha namorada. Alegadamente, essa rapariga não seria flor que se cheire, terá tratado mal Josh. 

 

Pelo menos foi o que ele disse na altura. Sabendo o que eu sei hoje, daria um desconto à palavra dele: Josh parece ser o tipo de pessoa que divide mulheres em santas e em prostitutas. 

 

Hayley terá assumido que a rival conquistara Josh por ser mais ativa sexualmente do que ela. Por outras palavras, como diria Taylor Swift, “she’s better known for the things that she does on the mattress”. 

 

Eventualmente, Josh terminou o namoro com a outra rapariga e juntou-se a Hayley. Esta compôs Misery Business como forma de festejar a sua vitória neste triângulo amoroso, esfregando-a no nariz da rapariga que Josh rejeitou. 

 

Como se Josh tivesse sido uma vítima inocente da outra, como se ele não tivesse querido envolver-se com ela. Referindo de novo Taylor Swift, tal como esta aprendeu depois de Better than Revenge, nenhum terceiro pode conquistar ninguém, “roubar” ninguém, se não for essa a vontade da pessoa. E como se Josh tivesse sido um prémio assim tão grande – a própria Hayley terá chegado a essa mesma conclusão pouco após o lançamento de MizBiz.

 

Mas não nos adiantemos. 

 

 

O verso de Misery Business que mais controvérsia tem gerado é o que reza “Once a whore you’re nothing more”. Temos de admiti-lo: é violento. Hayley chamando p*ta a alguém que era uma adolescente durante os eventos descritos na canção.

 

Em defesa dela, Hayley não queria incluir este verso em Misery Business – precisamente porque o achava cruel. O produtor da música, David Bendeth, admitiu há uns anos que teve de persuadir a jovem a manter o verso.

 

– Hayley, foste tu a escrevê-lo, é quem tu és, tens de cantá-la.

 

Hayley acabou por ceder, mas deixou claro que o fazia sob protesto.

 

Sinceramente? Acho nojento. Um homem adulto alimentando a misoginia internalizada de uma rapariga adolescente. E foi essa mesma adolescente, não o homem adulto, a levar com ataques.

 

Dito isto, este verso tem as costas largas. Partes da letra que vêm a seguir são igualmente misóginas. “There’s a million other girls who do it just like you”. Pode-se argumentar que estes versos são ainda piores – a narradora chamado “p*tas” a milhões de raparigas. Aqui ninguém terá obrigado Hayley a incluí-los em Misery Business – e ela nunca deixou de cantá-los, ao contrário do que fez com a frase do “whore”

 

No lugar deles, quando tocasse Misery Business ao vivo, cortava toda a segunda estância.

 

 

Dito isto, há que assinalar que existem por aí músicas bem piores em termos de misoginia – na esfera do emo/pop punk e não só – cujos autores, homens, não têm levado com metade do bullying que Hayley e os Paramore levaram. 

 

A minha opinião em relação a MizBiz? Não é das minhas preferidas, mas é uma canção excelente, sobretudo pelo instrumental e pela interpretação de Hayley. Não adoro a mensagem, mas aceito-a por aquilo que é: uma página do diário de uma miúda de dezassete ou dezoito anos. Como disse Ricardo Araújo Pereira, aos dezoito anos é-se uma besta – mas nem todos temos as nossas versões mais imaturas imortalizadas sob a forma de uma canção com a popularidade de Misery Business. 

 

Por outro lado, compreendo que a questão seja (ainda mais) pessoal para Hayley. Conforme veremos já a seguir, a sua relação mais longa envolveu muito adultério, muita competição com outras mulheres pelo mesmo homem – e muita vergonha por isso. 

 

Assim, em retrospetiva, compreendo que eles tenham querido deixar de tocar a música a certa altura. Eles anunciaram a decisão em 2018, no fim da era do quinto álbum deles – antes de uma pausa de quatro anos. 

 

O povo, no entanto, não deixou a música morrer. Quando se deu o renascimento do emo/pop punk um par de anos mais tarde, MizBiz ganhou imensa popularidade nos Tik Toks desta vida. Daquilo que vi, quase ninguém concordou com o cancelamento da música.

 

Em 2022, Billie Eilish convidou Hayley para cantar Misery Business durante a sua participação no Coachella. Na altura fiquei chocada – e consta que a própria Hayley tentou dissuadir Billie de tocá-la. 

 

 

No entanto, Hayley terá percebido que já não era a mesma pessoa que era aos dezassete anos. Tinha percorrido um longo caminho para se libertar da misoginia por detrás de MizBiz. Há muito que deixara de acreditar naquela mensagem, já tinha pedido desculpas vezes suficientes pela letra. E de resto Misery Business já deixara de ser apenas deles há muito tempo. Pertencia também aos fãs – mais a eles do que à própria banda, se calhar.

 

Assim, quando voltaram ao ativo, durante o outono de 2022, os Paramore voltaram a incluir Misery Business no alinhamento. O cancelamento de MizBiz acabou por não ter efeitos práticos. Hayley não canta o infame verso e até faz caretas de indignação fingida para os fãs que o cantam. 

 

A era do álbum This Is Why, que começou nessa altura, caracteriza-se muito por isso. A banda já não quer saber o que os outros pensam, não têm de provar nada a ninguém. Mas não nos adiantemos. 

 

E de qualquer forma, no cânone dos Paramore, Misery Business já não é apenas uma letra que envelheceu mal. É também a música em que a banca convida uma pessoa (ou mais) da audiência para subir ao palco e cantar. Naturalmente, é uma das partes preferidas deles em todos os concertos. 

 

Queria destacar aqueles que considero os meus momentos preferidos. Um deles foi, naturalmente, o nosso, durante o Optimus Alive – claro que sou suspeita. Outro, que julgo já se ter tornado icónico na comunidade de fãs, ocorreu no Brasil, durante a era do quarto álbum deles. A rapariga caiu para trás enquanto cantava e os três membros da banda na altura – Hayley, Taylor e Jeremy – juntaram-se a ela no chão. 

 

Esta é só mesmo por causa dos cabelos em sincronia – o sonho de qualquer fã com cabelos compridos. Finalmente, a do vídeo abaixo, com uma menina de nove anos, traz-me lágrimas aos olhos. 

 

 

Claro que os Paramore podiam escolher outra música para chamar pessoas ao palco. No entanto, MizBiz já está tão entrelaçada com momentos como este que não sei se seria a mesma coisa. Para mim, estes momentos já pesam mais do que a letra infeliz. Apesar de tudo, apesar de continuar a não ser uma das minhas preferidas, estou feliz por termos Misery Business de volta.

 

E estou um bocadinho triste porque, estando os Paramore “apenas” a abrir a Eras Tour, para um público que não é o deles, não estão a chamar pessoas ao palco para Misery Business.

 

Ficamos aqui por hoje. Preparem-se, porque o verdadeiro drama ainda está para começar. A segunda parte vem amanhã. Obrigada pela vossa visita.

Paramore - Riot! (2007)

Suponho que não seja a única aqui que, quando quer conhecer um artista ou banda, arranja a discografia completa. Eu costumo inclusivamente ouvir as músicas todas em shuffle, ir tomando nota das que gosto e, depois, elimino as que não gosto do leitor. Foi assim que me familiarizei com muitos dos artistas sobre que escrevo hoje, aqui no blogue.

 

Reconheço, no entanto, que essa poderá não ser a melhor maneira de conhecer uma banda. Existe uma diferença entre ouvir faixas ao calhas, numa playlist qualquer (eu gosto muito de playlist temáticas, sobretudo para escrever) e ouvi-las no contexto do álbum original, da maneira como os criadores queriam que fossem ouvidas. Além do mais, existem sempre aquelas canções que demoram a entranhar e, muitas vezes, não passam nesta primeira triagem. Esqueço-me delas, muitas vezes durante anos, só mais tarde sou capaz de apreciá-las. Foi o que aconteceu com Let The Flames Begin, por exemplo. Estas críticas retrospetivas são uma maneira, precisamente, de encontrar pérolas perdidas na discografia dos meus artistas preferidos, de obter uma nova perspetiva sobre o trabalho deles. 

 

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Estive, portanto, a revisitar os primeiros álbuns dos Paramore. Começando pelo primeiro, All We Know is Falling, que completa hoje dez anos de lançamento. Na verdade, essa não foi a primeira nem a segunda tentativa que fiz nestes últimos dois ou três anos para ver se gostava do álbum. Não consigo gostar. Adoro os singles Pressure e Emergency, My Heart é uma das minhas baladas preferidas dos Paramore, aprecio Here We Go Again e Whoa, um dia destes dou uma nova oportunidade a Franklin. Tirando isso, acho o álbum demasiado monótono, as faixas soam demasiado parecidas umas com as outras. Eu tentei, juro que tentei, mas não consigo melhor do que isto.

 

A história é diferente com Riot!, que saiu a 12 de junho de 2007 - logo, comemorou oito anos de lançamento no mês passado. Sempre o considerei o meu favorito da banda, mas apenas porque gostava de quase todas as músicas, não tanto pelo conceito do próprio disco, nem pela maneira como as faixas se relacionavam umas com as outras. Será que Riot! mantém esse estatuto agora que vou analisar um álbum como um todo?

 

O nome "Riot" (manifestação, revolta, motim) diz respeito a emoções explosivas, fora de controlo, um festival de energia pura. Energia essa que se traduz em temas rock, com bateria e guitarras frenéticas, que põe toda a gente a saltar. Apesar de uma relativa homogeneidade em termos de som, cada uma das músicas de Riot! conta uma história diferente, traduz uma emoção diferente. Muita gente comparara Paramore a Avril Lavigne - e existem muitos fãs em comum entre estes artistas, eu incluída - mas, tirando raríssimas ocasiões, Avril não consegue conjugar uma sonoridade energética, pedindo concertos, com mensagens fortes nas letras - acaba sempre por cair na futilidade e no pop. Por sua vez, em Riot!, os Paramore conseguem produzir temas com mensagens tão díspares como That's What You Get, Misery Business, Miracle e Let the Flames Begin, sem abdicarem da sonoridade frenética. Sou capaz de apostar que Riot!, que saiu dois meses após The Best Damn Thing,, fisgou muitos fãs desiludidos com a direção que Avril tomara.

 

 

 

Ao contrário da maioria, não foi com Misery Business que fiquei a conhecer os Paramore - foi com Crush Crush Crush. Lembro-me, inclusivamente, de pensar que Crush Crush Crush fora o primeiro single. Conheci a faixa através da MTV e aquela miúda com cabelo em tons de laranja e um olhar cheio de atitude chamou-me logo a atenção. O facto de ter sido a minha primeira música dos Paramore contribui muito para que seja uma das minhas preferidas da banda, mas não é a única razão. Como em muitas faixas de Riot!, as guitarras e a bateria definem a personalidade da canção, bem como aquilo que penso serem notas de teclados nas estâncias. A melodia e interpretação de Hayley não são nada por aí além, mas faz justiça ao arranjo musical. Adoro a parte do "Crush... crush..." - fico com arrepios só de recordar esse momento no concerto do Optimus Alice, em 2011. A letra fala de atracção entre duas pessoas, de tensão sexual, do início de um romance.

 

Outro dos meus singles preferidos, That's What You Get, por sua vez, fala de uma fase mais avançada da relação. Aqui, a narradora sente um conflito entre o orgulho, a precaução e a paixão. Por esta altura, Hayley ainda não acreditava a cem por cento no amor - como se provaria no álbum seguinte - logo, este género de letra faz sentido. Comparando com Crush Crush Crush, That's What You Get tem uma sonoridade um tudo nada mais alegre, mais pop.

 

Outro single igualmente alegre é Hallelujah. Segundo o que li na Internet, é uma música que a banda tinha composto uns anos antes, provavelmente aquando da composição de All We Know is Falling. Halleluja é um hino de triunfo, refletindo um momento em que o grupo se sentia feliz em relação ao presente e ao futuro dos Paramore - gosto da imagem da pomba a voar. Este tema, de resto, é recorrente na discografia da banda: hinos de vitória, de alegria por serem os Paramore. É um pouco irónico, tendo em conta todas as crises que se desenrolaram entre os membros da banda ao longo dos anos. Ou talvez seja essa a razão. Talvez estas músicas - Hallelujah, Born for This, Looking Up, Where the Lines Overlap, Now - tenham servido para lhes recordar que a banda é o sonho deles e valia a pena lutar por ela.

 

 

Para encerrar a conversa sobre os singles de Riot!, falemos do que apresentou o CD, Misery Business. Penso que esta é uma ocasião em que as comparações com Avril Lavigne são mais justificadas, pelo menos em termos de letra (um drama de liceu americano em que duas raparigas competem pelo mesmo rapaz. Não vos lembra nada?). Misery Business, no entanto, tem uma mensagem muito mais agressiva, é uma óbvia musica de vingança - contra uma rapariga que usava o sexo para manipular o interesse amoroso da narradora mas, no fim, a narradora recupera o rapaz e não se cansa de esfregá-lo na cara da rival. Esta letra é baseada numa história verdadeira, protagonizada pela Hayley, mas recentemente a cantora referiu que, passados oito anos, ela já não se revê nesta mensagem tão dura para com outra mulher (uma parte da letra podia traduzir-se em "uma vez p*ta, para sempre p*ta").

 

Ao menos a Avril sempre disse que Girlfriend não era para ser levada a sério.

 

Por outro lado, a música Decoy, lançada em edições Deluxe de Riot!, podia representar o ponto de vista da outra rapariga em Misery Business. Decoy conta a história de alguém que, não podendo estar com quem deseja, preenche esse vazio juntando-se com uma pessoa que a deseja, mas de quem ela não gosta (faz a mensagem de Misery Business parecer, para além de demasiado agressiva, hipócrita). Nesta música, gosto particularmente dos backvocals na terceira estância: "Not sorry at all, not sorry".

 

Sobre Let the Flames Begin já falei aqui - à semelhança do que acontece com a sua sequela no Self-Titled, LTFB é o tema mais sombrio e adulto de Riot!, contrastando com o carácter juvenil e maioritariamente descontraído da maior parte do álbum. Outra que acaba por ter um tom também mais entristecido é When it Rains. Segundo o que li na Internet, esta terá sido composta sobre uma amiga de Hayley que se suicidou. Na verdade, estou a pensar dedicar uma entrada de Músicas Ao Calhas a esta e a outras faixas com um tema semelhante um dia, logo, não me vou alongar muito.

 

 

A outra balada de Riot! é We Are Broken, uma faixa que sempre considerei a I'm With You dos Paramore. À semelhança da grande balada de Avril Lavigne, We Are Broken é tocada e cantada em tom grave e triste, com uma instrumentação parecida e tudo - embora em We Are Broken o piano substitua a guitarra acústica. A letra acaba, igualmente, por ser similar, descrevendo um momento de desânimo (embora, aqui, a narradora fale no plural) e de procura de consolo.

 

Fences tem uma sonoridade curiosa, muito própria, fazendo-me recordar, de certa forma, o blues rock das minhas aulas de guitarra. A letra tece uma crítica à cultura de reality shows, de escrutínio constante por parte da Comunicação Social, da ilusão de realidade que as imagens captadas por uma câmara dá.

 

For a Pessimist I'm Pretty Optimistic abre o álbum Riot! com uma amostra da energia selvagem que o define. Fiquei feliz por ouvi-la no concerto do Optimus Alive. A letra fala de alguém que desiludiu, que se acobardou perante as dificuldades - uma realidade a que a banda, infelizmente, está habituada.

 

 

Por sua vez, a letra de Miracle antecipa temas que caracterizariam o Self-Titled, como dores de crescimento, insatisfação com a vida atual mas medo de mudar. É uma música com que me identifico muito ainda hoje. A própria Hayley afirmou no ano passado, como poderão ver no vídeo acima, que o mesmo se passa com ela e o resto da banda.

 

Sempre gostei de Born for This, mas só agora, que me sentei para analisar a canção e pesquisar sobre ela, é que me apercebo da história e da mensagem por detrás dela. Mais do que qualquer outra, Born for This é uma música dirigida diretamente aos fãs - que, por sinal, no pós-All We Know is Falling, ainda não eram muitos. Hayley - desta feita, sinto que é mesmo a Hayley quem fala - confessa que, de tempos a tempos, cai no desânimo em relação à sua banda, mas ela e o resto dos Paramore continuam a lutar, sobretudo em nome dos fãs. Em momentos como o refrão e a terceira estância, ela chama pelos fãs, pedindo que se juntem à festa, ao sonho que estão a realizar, que os recordem que eles - banda e comunidade de fãs - estão a fazer aquilo para que nasceram. Este aspeto também torna Born for This numa boa música para concertos.

 

Tive pena de não ouvir Born For This no concerto do Alive. No entanto, tudo isto me faz lembrar do momento em que Hayley nos deu as boas-vindas à família, bem como o já icónico grito "We Are Paramore!!". Foi por essas e por outras que considero essa a noite em que me tornei oficialmente fã da banda.

 

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Penso que Riot! é o único álbum dos Paramore que vale apenas pelas músicas e só pelas músicas. Os outros três álbuns, sobretudo os dois mais recentes, trazem uma mensagem específica relacionada com o momento da banda, o que naturalmente influencia a maneira como olhamos para as respetivas músicas. Em Riot! isso não acontece, é um álbum de música pura, de energia pura - sem que isso signifique, conforme procurei demonstrar, música sem conteúdo.

 

Eu não consigo evitar assinalar que o carácter de praticamente todas estas canções é definido pelos irmãos Farro: a bateria de Zac e os riffs de guitarra de Josh. A maioria da energia pura que define este álbum é responsabilidade destes dois instrumentos. Vocês sabem que eu adoro Self-Titled, para mim é o melhor álbum dos últimos anos, mas a verdade é que, agora que me sentei para analisar Riot!, percebo que os Paramore com os Farro são diferentes dos Paramore sem os Farro. Não digo que sejam melhores ou piores, mas a diferença está lá e é sonora - comparem, por exemplo, a bateria genérica de Fast in My Car com as inúmeras variações na bateria de Born for This. As únicas músicas minimamente comparáveis neste capítulo são Proof, Be Alone e Part II - e esta última não conta, pois é uma sequela a Let the Flames Begin.

 

No entanto, reclamar dessa diferença, como muitos fãs fazem, é como reclamar das ausências de Tiago e Ricardo Carvalho da Seleção Nacional, antes de regressarem, no ano passado. Quando foram os visados a sair pelo próprio pé - e, no caso dos Paramore, quase destruindo a banda no processo - não é justo criticar aqueles que escolheram continuar a lutar pela banda. Por muita azia que isso tenha provocado, a mudança no estilo era inevitável. É-me evidente, agora, que a demora na composição do Self-Titled, o bloqueio de compositor que eles referiram em algumas entrevistas, ter-se-á devido ao tempo que a banda demorou a aprender a funcionar sem os irmãos Farro. Por outro lado, a saída deu uma oportunidade para Taylor York, o guitarrista remanescente, e Jeremy Davis, o baixista, terem um papel mais ativo na composição. O que não foi de todo uma coisa má, se olharmos para duas das melhores músicas do Self-Titled: Ain't it Fun, que ganhou um Grammy; a inevitável Last Hope - a guitarra e o baixo desempenham papéis importantes nela. Se os Farro não tivessem partido, provavelmente nem Ain't It Fun nem Last Hope teriam sido criadas. Nem o Self-Titled todo, já que penso nisso.

 

09.jpg

 

Quando analisar o álbum Brand New Eyes, provavelmente tornarei a falar sobre a influência dos irmãos Farro, bem como a sua saída da banda. Para já, digo apenas que tenho esperanças num eventual regresso dos dois à banda. Sei que é pouco provável isso acontecer a curto prazo - só o imagino daqui a dez anos, no mínimo.

 

Em conclusão, Riot! é um dos meus álbuns preferidos dos Paramore, ao lado do Self-Titled. Não acho justo escolher um entre ambos, pelos conceitos diferentes e pelas circunstâncias diferentes em que os ouvi pela primeira vez. Hei de, então, escrever sobre Brand New Eyes, mas não para já - mais perto do aniversário do lançamento do álbum.

 

Estive um mês inteiro sem publicar, mas tenho vários textos planeados para os próximos tempos - por sinal, diferentes da norma. Continuem desse lado.

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