Há sete anos que sei que isto poderia acontecer. Passei este tempo dizendo a mim mesma que lidaria com isso quando a altura chegasse.
Pois bem, a altura chegou. Eis-me lidando com isso.
Os Linkin Park são a minha banda preferida. Por uma questão de princípio costumo dizer que estão empatados com os Paramore. Mas, se quiser ser sincera comigo mesma, nenhum outro artista ou banda me deu tanto, mudou tanto a minha vida como eles. Sobretudo no último ano, ano e meio – ainda que de forma indireta neste caso.
Quando o vocalista Chester Bennington morreu, há sete anos, custou-me horrores. Ainda custa. O luto não tem sido linear – por exemplo, para mim a pior fase foi no ano passado – e acho que nunca aceitarei esta perda por completo. Tenho vários textos neste blogue documentando diferentes fases do luto – é assim que tenho digerido esta perda.
E é para isso que estamos aqui hoje. Não queria voltar a escrever sobre o universo Linkin Park tão cedo – tirando textos de fim de ano, no meu blogue só tem dado Linkin Park e Paramore, Paramore e Linkin Park nos últimos dois anos. Mas esta é uma nova fase do luto e há muita coisa para processar.
Daí as sete mil e quinhentas palavras, mais coisa menos coisa, que se seguem. Não couberam todas numa única publicação, logo, este texto vem dividido em dois. A ver se publico a segunda parte ainda hoje ou, no máximo, amanhã.
Sete anos é muito tempo. Vivi muitas vidas desde 2017 e, ao longo deste tempo, fui fazendo flip-flop nas minhas opiniões em relação a um possível regresso dos Linkin Park ao ativo sem Chester. Não havia opção que não doesse de uma maneira ou de outra. Podiam reativar a banda, com ou sem um vocalista novo, mas nunca serão capazes de preencher o buraco em forma de Chester.
Por outro lado, há Linkin Park para além do lendário vocalista, sempre houve. Seria um desperdício se passassem o resto da vida parados, esgravatando baús à procura de faixas inéditas na voz do Chester para irem lançando em edições de aniversário. Os próprios membros sobreviventes dos Linkin Park foram deixando mensagens contraditórias ao longo destes últimos anos em relação a um possível regresso – o que é perfeitamente compreensível.
Neste último ano, não fazia questão que os Linkin Park voltassem já ao ativo. Como quase toda a gente na minha vida está farta de saber, há um certo tributo português à banda que se entranhou no meu coração. Já fui a doze concertos deles no total e, conforme já expliquei antes, fiz inúmeras amizades entre os fãs de Hybrid Theory. Chamamo-nos a nós mesmos família – e, mais recentemente, seita – e tenho sido muito feliz com eles.
Por estes dias, nos meus piores momentos, quando me sinto mais cansada e desanimada com todas as controvérsias em torno da banda original, quase que desejo que os Linkin Park tivessem ficado quietinhos por pelo menos mais um ano ou dois. Que me deixassem como estava, linda e maravilhosa com os meus HT, banda e família – até porque não me foi fácil chegar a esse ponto – sem ter de lidar com a inevitável confusão emocional que viria sempre com um hipotético regresso dos Linkin Park sem Chester.
Mas estou a adiantar-me.
Este regresso pareceu-me muito repentino, mas a verdade é que já havia sinais há algum tempo. Em fevereiro deste ano (com a vida intensa que tenho levado, parece já ter sido há uma eternidade), os Linkin Park lançaram Friendly Fire, uma faixa excluída do álbum One More Light, como primeiro avanço do álbum de êxitos Papercuts, que sairia um par de meses depois.
Um breve aparte para referir que ando com vontade de escrever sobre Friendly Fire cá no blogue. Só não o fiz ainda porque, em primeiro lugar, lá está, tem havido muito Linkin Park aqui no estaminé. Em segundo, porque iria entrar em territórios tristes e vocês já tiveram a vossa dose com esta.
Em todo o caso, como já tinha escrito na altura, o timing de Papercuts deixou-me com a pulga atrás da orelha. E as minhas suspeitas aumentaram quando, no início de Abril, Jay Gordon deixou escapar em entrevista que tinha ouvido dizer que os Linkin Park tinham arranjado uma cantora.
O pessoal, naturalmente, passou-se, mas nada foi confirmado oficialmente na altura. Ainda pensei “onde há fumo, há fogo”, mas agarrei-me à minha resolução de esperar que fosse oficial antes de reagir. O burburinho acabou por esmorecer, eu mesma acabei por me esquecer, quase entrando em negação e relação à possibilidade de os Linkin Park regressarem.
Com isto tudo, passaram-se… *conta pelos dedos* quatro meses. Em finais de agosto, publicaram uma contagem decrescente nas redes sociais, que depois passou a crescente e depois passou a decrescente outra vez – ideia de Mike Shinoda e Brad Delson, aqueles cromos. Finalmente, anunciaram um evento para dia 5 de setembro, às onze da noite, hora portuguesa, com transmissão em direto online. Nessa noite sentei-me em frente ao computador, com várias conversas abertas com pessoas da família HT para comentar na hora – uma das muitas vantagens da seita é ter gente com quem desfrutar destas coisas.
Acabou por ser um exemplo perfeito de “show, don't tell”. A banda pura e simplesmente apareceu em palco – um baterista diferente, um guitarrista diferente. O Mike disse-nos olá e começou a cantar uma música que não conhecíamos, confirmando o título The Emptiness Machine que andara a circular nas internetes nos dias anteriores. Na segunda parte da música, juntou-se uma mulher aos vocais.
Estes são os Linkin Park agora. Mike Shinoda, Joe Hahn e Dave Phoenix Farrell nos papéis habituais. Emily Armstrong como co-vocalista. Brad Delson ainda com todas as funções anteriores mas substituído em palco por Alex Feder. Finalmente, Rob Bourdon não regressou à banda, logo, a bateria ficou a cargo de Colin Brittain. A banda regressou aos palcos menos de uma semana depois e já deu seis concertos até agora (sete, se contarmos com o concerto de apresentação). O novo álbum deles chama-se From Zero e sai a 15 de novembro.
Ah, e eu vou vê-los a Paris.
Não faltaram entrevistas depois da revelação onde a banda explicou como é que isto aconteceu. Recuemos no tempo de novo.
A perda do antigo vocalista e a súbita paragem na carreira dos Linkin Park não foi fácil para ninguém e, para os membros sobreviventes, foi pior que para quaisquer outros, tirando a família e amigos de Chester. Zane Lowe, na sua entrevista com a banda, referiu – e muito bem – o álbum a solo do Mike, Post Traumatic (que eu continuo a adorar, mais que alguns álbuns dos Linkin Park). Todos os membros sobreviventes tiveram de passar pelo luto, cada um à sua maneira.
O baixista Phoenix, por exemplo, chegou a pensar nunca mais voltar ao mundo da música. Mike, por seu lado, nunca deixou de fazer música – foi a sua maneira de processar a perda nos primeiros meses, e ele é daquele tipo de pessoas criativas que tem de estar sempre a trabalhar na sua arte. Mas não para os Linkin Park – Mike terá mesmo pensado, há uns momentos, que o povo já tinha perdido o interesse na banda. Os próprios membros sobreviventes da banda chegaram a reduzir o contacto entre si.
A partir de certa altura os membros sobreviventes foram retomando o convívio. Sem pressão, sem intenções de reativar a banda, só vibes, só renovando amizades. Tiveram algumas sessões espaçadas para criarem música ao longo dos anos, incluindo com outros artistas (entre os quais Emily Armstrong e Colin Brittain), mas que não deram em nada. Só nos últimos dois anos, mais coisa menos coisa, é que terão mais deliberadamente a tentar criar música para os Linkin Park… mas não todos.
O que nos leva a uma das partes mais tristes deste evento: Rob Bourdon, o primeiro baterista dos Linkin Park, não quis voltar.
Eu e outros fãs já tínhamos reparado que o Rob não aparece em público em anos. Pensava que a última vez tinha sido no concerto de homenagem ao Chester, em outubro de 2017, mas no outro dia um fã desenterrou o vídeo acima, da altura do HybridTheory20 – um discurso muito bonito, dedicado aos fãs de Linkin Park e que, agora, soa a uma despedida. Para o Meteora20 já não apareceu. Ainda assim tínhamos esperança – não não, tínhamos quase a certeza de que, se os Linkin Park regressassem, Rob regressaria com eles.
Enganámo-nos.
Confesso que a ausência do Rob me custa. Não custa tanto como a ausência do Chester, mas é mais difícil de aceitar. Sabíamos que o Chester não regressaria, por motivos óbvios. Mas, lá está, não estávamos à espera que o Rob ficasse de fora.
Não que estivesse muito muito afeiçoada ao Rob. Sempre gostei de todos. Mike e Chester foram sempre os meus preferidos e, se calhar, até gostava mais de Brad ou de Phoenix. Mas para mim os Linkin Park sempre foram os seis membros originais, a amizade entre eles. Sempre dei valor ao facto de a banda ter conseguido manter o mesmo alinhamento durante dezassete anos. Não é fácil – a minha outra banda preferida são os Paramore, sei que não é fácil. E essa ideia dos Linkin Park como um bromance inquebrável a seis, mesmo com a perda do Chester, conforme mostrado neste desenho, foi um dos meus consolos nestes últimos sete anos. Foi também por isso que, inicialmente, não reagi muito bem quando Brad anunciou que não iria tocar em palco, mesmo continuando a fazer parte da banda.
Deixando a parte sentimental de lado, talvez não fosse razoável assumir que mais nada mudaria para além da perda do Chester. Sete anos é muito tempo, aconteceu muita coisa, incluindo uma pandemia. Como dei a entender antes, não sou a mesma pessoa que era em 2017, eles também não o serão.
Talvez Rob não tenha querido voltar por não querer continuam numa banda sem Chester. Toda a gente compreende. Mas mesmo que o Chester não tivesse morrido, quem nos garante que o Rob não sairia da banda à mesma? Eles estão à beira dos cinquenta anos, o Rob já teve de ser seguido por problemas nas costas. Este estilo de vida não é fácil e infelizmente tive um exemplo das consequências há bem pouco tempo (mais sobre isso adiante). E se ao Brad, como explicou, fosse custando cada vez mais tocar em palco, mais cedo ou mais tarde desistiria à mesma, com ou sem Chester. Legítimo.
Há que fazer o luto pela versão dos Linkin Park que conhecíamos até inícios de setembro. A que tinha o Chester, o Rob e o Brad em palco. Haverá uma lição de vida aqui: todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades. E ainda nem chegámos a Colin e sobretudo a Emily.
Serve de consolo saber que esta versão dos Linkin Park não está perdida por completo… mas já aí vamos.
Dizia eu que os membros sobreviventes se foram encontrando ao longo dos anos, convivendo, retomando as amizades e, a partir de certa altura, criando música. O Mike e os outros dizem que o álbum novo foi nascendo assim. Suponho que o próprio processo tenha inspirado o título From Zero: eles repetiram o processo por que passaram quando eram miúdos e criaram a banda. Amigos primeiro, banda(s) depois. O “Zero” funciona também como referência a Xero, um dos primeiros nomes, antes de Chester se ter juntado à festa.
Dito isto, não concordo a cem por cento com este título – não é completamente honesto. Eles fizeram um soft reboot à banda, mas não estão verdadeiramente a começar do zero: têm sete álbuns e mais de vinte anos de história no mundo na música a sustentá-los. E, para desagrado de muitos (eu não incluída), eles não tencionam abdicar da discografia anterior.
Outra coisa que me faz confusão é o timing disto tudo – porque eu fui seguindo os trabalhos do Mike, com mais ou menos distância, ao longo destes sete anos. A ideia que tenho é que o Mike foi mantendo várias panelas ao lume: os seus trabalhos como produtor, a sua música a solo e, pelos vistos, isto. Há um ano, o Mike andava a lançar música a solo e dando a entender que iria continuar a fazê-lo – quando supostamente já estaria a trabalhar em músicas para o regresso dos Linkin Park. Se calhar, nessa altura ainda não se queria comprometer com um regresso da banda.
Para ser justa, não é a primeira vez que o Mike faz uma coisa destas. Entretanto recordei-me de Welcome: um single do seu projeto lateral Fort Minor, que foi lançado com bastante pompa e circunstância em 2015. Também na altura o Mike deu a entender que era o início de algo maior… para depois não dar em nada. Deve ser uma mania dele.
O Mike agora diz que os Linkin Park são o seu verdadeiro amor, que nenhum dos seus outros projetos o satisfaz da mesma maneira. Vou acreditar nele.
Voltando ao assunto dos Linkin Park, estão a ver todos os cenários que fomos colocando ao longo de sete anos para um possível regresso deles? Eles pensaram em todos – ou, vá lá, quase todos. Só o Mike nos vocais, um vocalista novo, vários vocalistas convidados. E também adotarem um novo nome, como muitos fãs têm sugerido antes e sobretudo depois do regresso da banda – quiçá a maior fonte de polémica neste último ês. mês.
Da maneira que vejo, a maior parte da controvérsia centra-se numa questão muito simples: o que é Linkin Park? O que entendem por Linkin Park? O que significa para vocês? É uma marca? É Chester-mais-cinco? É Mike-mais-cinco? Os seis originais? Com o Mike como cérebro e o Chester como coração? É nu-metal? É rock com rap? É a banda que nunca se contentou com um único género musical? É só a música ou são também as pessoas por detrás? Tiram-se um ou dois membros e já não é Linkin Park?
Não existem respostas erradas e é legítimo se uma grande parte delas – se não for a maior parte – não for racional. Cada um de nós, fãs, tem os seus motivos para terem adotado os Linkin Park e para os terem mantido na sua vida.
No meu caso, nunca me fez sentido os membros sobreviventes dos Linkin Park regressarem com outro nome, sobretudo se tencionassem continuar a tocar as músicas antigas. Lá está, não é uma coisa racional, é instintiva e só agora, que me sentei a escrever este texto, é que consigo explicar por palavras.
Linkin Park é muitas coisas para mim e uma delas é o legado de Chester. É o oposto daqueles que dizem que sem Chester não há Linkin Park. Para mim, seguirem com outro nome seria um desrespeito à memória do Chester, fingirem que ele nunca existiu. Linkin Park será sempre Chester. Manterem o nome, tocarem as músicas que ele ajudou a criar, de uma maneira ou de outra, é uma forma de manter o legado dele vivo, é uma forma de honrar a memória dele.
Da mesma forma, cada vez que ouvimos e cantamos músicas dos Linkin Park, cada vez que vamos a concertos da banda original ou de tributos como os Hybrid Theory, cada vez que convivemos e nos ligamos a outros fãs, estamos a homenagear o Chester e aquilo que nos deixou.
Dito isto, os motivos que o Mike e os outros deram para manter o nome Linkin Park são diferentes. Em entrevista, disseram que a música que criaram em conjunto soava a Linkin Park. Uma vez mais, não foi uma coisa racional, foi instintivo. Eles sentiam que era Linkin Park. Dar-lhe um nome diferente seria desonesto.
E, agora que já conhecemos duas das primeiras músicas que eles criaram com este novo formato, tenho de concordar que isto é Linkin Park. Talvez até seja demasiado Linkin Park, mas já falamos sobre isso.
É legítimo discordar com a manutenção do nome. Não há como negá-lo, esta é uma banda diferente. Mas foram o Mike, o Brad e os outros a criá-la. Linkin Park significa coisas diferentes para diferentes pessoas, mas os seus membros têm mais autoridade do que nós para determinar o que a banda é ou deixa de ser.
Eu prefiro pensar neste novo capítulo como uma expansão do que é Linkin Park. Na minha era de “both/and”, nada e sobretudo ninguém se define por um único atributo. Somos todos várias coisas, talvez contraditórias à primeira vista, mas que não se excluem umas às outras. Linkin Park é o Chester, são os seis membros originais, mas não só. O universo dos Linkin Park é grande. Cabe muita gente.
O que nos leva, assim, à questão do vocalista – da vocalista. A primeira vez que vi alguém colocar a hipótese de uma mulher nos Linkin Park foi em finais de 2017 – a propósito das participações de Kiiara e Amy Lee no concerto de homenagem ao Chester. A possibilidade começou a ser debatida em força este ano, com os rumores iniciados por Jay Gordon.
A minha principal objeção à ideia tem a ver com um aspeto dos Linkin Park sobre o qual li nas minhas pesquisas para os textos sobre Hybrid Theory e Meteora. A importância que a banda têm tido para rapazes adolescentes, sobretudo com os seus primeiros álbuns. Deu-lhes uma forma de lidar com emoções e vulnerabilidades que a sociedade nem sempre tolera no masculino. O Chester, então, era um excelente exemplo disso – ele que nunca escondeu o seu lado negro, o seu lado vulnerável e assim conquistou os corações de tantos.
Com uma mulher é diferente. É mais tolerado da parte de mulheres e meninas exprimirem vulnerabilidade e tristeza. Não há como negá-lo
Dito isto, este argumento vale o que vale. Não sou nem nunca fui homem ou rapaz, não posso falar como um. Quem me garante que vai deixar de haver essa ligação, esse veículo, só porque agora é uma mulher a cantar. Até porque continuam a haver cinco homens na banda. The Emptiness Machine, então, foi compôsta por Mike, Brad e Phoenix. Não deixa de ser uma banda masculina.
Ao mesmo tempo, mesmo que os Linkin Park sempre temnham apelado em particular a rapazes e homens, nunca faltaram raparigas e mulheres entre os fãs. E nem se pode dizer que os temas das músicas só sejam aplicáveis ao género masculino – eu, por exemplo, sempre me identifiquei com Numb. Ainda agora somos imensas mulheres no grupo de fãs dos Hybrid Theory. Sessenta por cento homens e quarenta por cento mulheres, mais coisa menos coisa segundo o que me dizem. Adiantando-me um pouco, a Emily também idolatrava o Chester e foi influenciada por ele. É uma de nós.
Além disso, pelo menos nesta fase, mulheres do rock não são demais. E uma parte de mim acha muito fixe ter uma mulher vocalista nos Linkin Park, a minha banda preferida. Uma mulher da comunidade LGBT+, ainda por cima. Uma mulher perto da casa dos quarenta – já na terceira idade, segundo os critérios da indústria musical. Uma mulher cujas roupas já ando a cobiçar. O facto de existirem fãs aziados só por haver uma senhora nos Linkin Park é mais um ponto a favor.
Os Linkin Park garantem que não houve casting formal para um ou uma nova vocalista. Houve quem o sugerisse. Um concurso estilo Ídolos, chamado “Quem quer ser o próximo vocalista dos Linkin Park?” se calhar – acho que nunca detestei tanto uma ideia.
Muito se tem falado sobre os dotes vocálicos da Emily – mesmo nós havemos de falar disso. Têm sido referidos outros nomes, tanto homens como mulheres, que poderiam desempenhar esse papel – incluindo um certo pitoco dos Algarves. Mas, conforme o Mike e os outros explicaram, não bastaria ao candidato ser capaz de fazer os dezassete segundos do grito de Given Up. Se assim fosse, contentar-se-iam com um ou mais vocalistas convidados.
Em vez disso, eles procuravam gente com quem podiam trabalhar, criar música, ir em digressão, que se integrava bem na banda. O Colin, por exemplo, terá conhecido o Mike em 2021. O Colin é produtor e multi-instrumentista (ainda que a bateria seja o seu instrumento principal), tal como o Mike, ambos terão filosofias musicais semelhantes, encaixam bem um com o outro. Assim, quando chegou a hora de reativar os Linkin Park, convidar o Colin terá sido o passo natural.
Da mesma forma, o Mike e os outros foram trabalhando com outros artistas, terão tido outros vocalistas cantando as músicas que criaram. Vários até cantavam bem, mas só a Emily é que soava como se encaixasse em Linkin Park.
E a verdade é que ela parece bem integrada. No artigo da Billboard que saiu no dia da revelação, referem a cumplicidade entre o Mike e a Emily. Agora que já se passaram umas semanas e alguns concertos, já deu para ver a Emily em brincadeiras com os colegas: aqui com o Phoenix, por exemplo.
A minha primeira reação não foi muito favorável, confesso: cheguei a sentir alguns ciúmes no lugar do Chester, sobretudo no que toca ao Mike. Por outro lado, se era para arranjar gente nova para os Linkin Park, tem de haver cumplicidade, tem de haver química. Porque, lá está, para mim Linkin Park é também as amizades entre os membros. Menos do que isto não era aceitável.
Mas agora temos de falar do reverso da medalha: a polémica em torno do passado do Emily. Nomeadamente o facto de ter sido criada no seio da igreja da Cientologia.
Isto tem sido a pior parte desta história toda, a mais cansativa. Não percebo o suficiente sobre o assunto, mas quer-me parecer que as pessoas estão a culpá-la por fatores que não estão sob o controlo da Emily. Literalmente as circunstâncias do seu nascimento. Mesmo que ela, a certa altura, tenha acreditado naquilo que a Igreja propagava e até praticado a religião, não seria a primeira nem seria a última pessoa a revoltar-se contra a fé em que foi criada.
Até porque, de acordo com o que pesquisei, tirando uma ocasião em que a Emily esteve numa gala da Igreja em 2013, não há provas concretas de que ela ainda pratique a Cientologia. Aliás, as ações dela contrariam essa ideia. A Cientologia é homofóbica mas a Emily é lésbica assumida, para começar. Muitos têm também invocado as posições dessa igreja em relação à saúde mental, que contrastam com o que os Linkin Park têm pregado sobre o tema, sobretudo depois de o Chester ter morrido por suicídio. No entanto, olhando para as letras da sua antiga banda, Dead Sara, um dos temas é precisamente ideação suicida – tal como várias letras do próprio Chester. Se não foi a própria Emily a escrevê-las, pelo menos assinou por baixo.
E é possível que ela não fale abertamente contra a Cientologia porque, segundo dizem, eles retaliam brutalmente contra que o faz e respectivas famílias. Se a Emily foi criada nessa igreja, talvez ainda tenha familiares associados à mesma, logo, numa posição vulnerável.
Mais difícil será justificar ter sido testemunha de defesa daquele sujeito condenado por violação. Segundo a publicação dela, a Emily considerava-o um amigo e admitiu ter-se enganado em relação a ele. Não foi ela quem cometeu um crime, nem acho que seja automaticamente má pessoa só porque foi das que diziam “Ah, mas ele parecia-me tão bom rapaz!”. E é de muita má-fé dizer que a Emily “apoia” a violência sexual por princípio (?) por causa desta situação.
Em paralelo, muitos fãs parecem falar do Chester como se tivesse sido um santo. O que eu até compreendo: a tendência muito humana de santificarmos quem já perdemos, de não querermos falar mal dos mortos. Eu mesma sou culpada disso, mesmo não sendo daqueles que só deram valor ao Chester depois de ele morrer.
Mas apesar de ter sido uma excelente pessoa, sobretudo tendo em conta a vida que teve, o Chester não era perfeito. Ele era alcoólico, toxicodependente, teve cinco filhos biológicos (e um adotivo) com três mulheres diferentes, magoou muitos, incluindo as pessoas que o amavam. O que, claro, não faz dele um monstro. O Chester era humano tal como nós, tal como a Emily, fazendo o melhor que podia.
Podia escrever um texto à parte sobre a cultura de cancelamento, sobre má-fé, sobre a forma como pinta o mundo a preto e branco, como muitos dos seus praticantes parecem passar demasiado tempo online, sem saber o que é lidar com pessoas na vida real. No caso da Emily, não sei se é misoginia ou se qualquer vocalista novo “substituindo” (ênfase nas aspas) o Chester, homem ou mulher, estaria sujeito a isto (aqui entre nós, ainda bem que o Ivo dos HT não está nesta posição). Mas há várias outras figuras públicas por aí bem mais militantes da Cientologia – Tom Cruise por exemplo – que não aturam nem metade daquilo que Emily tem levado.
Esta minha posição vale o que vale. Não quero insinuar que a Emily seja cem por cento inocente. Mas não acho que haja matéria que chegue para repudiá-la.
Para mim, é mais legítimo avaliar a Emily pelo seu desempenho como vocalista dos Linkin Park. Há fãs que adoram incondicionalmente, há fãs que detestam. Na família HT há muitos que até gostam da voz dela nas músicas novas, mas não gostam de ouvi-la cantando músicas antigas dos Linkin Park.
No início, eu estava mais ou menos a meio deste espectro e com o tempo a minha opinião tem vindo a tender para o favorável. Aquele primeiro concerto, transmitido em direto a 5 de setembro, não lhe correu bem: a expressão que tenho usado para descrever é “muito hit or miss”. Gostei da nova versão de Lost, por exemplo, e de Papercuts – vê-la lado a lado com o Mike, tal como o Mike e o Chester faziam, tal como o Ivo e o Pedro fazem.
Outros momentos deixaram muito a desejar, no entanto. De Faint não gostei nada. The Catalyst e Waiting for the End também não correram bem. Nós, na conversa online da família HT, fomos mauzinhos:
– Se a mulher não aguenta The Catalyst, é melhor nem tentar Given Up!
Eu e outros fomos tentando ser caridosos. Talvez ela estivesse nervosa, ainda a adaptar-se. Mais tarde, o Mike revelaria em entrevista que a Emily estava a chorar durante Waiting For the End, pelo menos, daí lhe ter falhado a voz. Isso voltou a acontecer em concertos posteriores, logo, a música definitivamente mexe com ela.
E eu sou a última pessoa que lhe pode atirar pedras. Waiting for the End é uma música especial. Quando andava mais sensível, com saudades do Chester, no ano passado, era uma de várias que me faziam chorar. Há várias partes da letra que se podem aplicar à perda, à situação dos Linkin Park nos últimos anos e a esta transição. Nós fartámo-nos de citar esta música uns aos outros nos dias antes do anúncio. “I know what it takes to move on”, “the hardest part of ending is starting again”.
Mesmo assim, uma coisa de que não gostei foi de terem mudado o tom das músicas para serem compatíveis com a voz da Emily. Compreendia… mas não gostava. Estava a esforçar-me para ser caridosa naquela noite e a minha primeira reação a Numb foi:
– WTF?! Numb versão nightcore!
Para ser justa, estive a ver um vídeo do concerto deles em Nova Iorque e já gostei mais – de Numb e do resto que tenho visto. Não muito muito, para não ter demasiados spoilers para o concerto de Paris. Mas o suficiente para ficar mais descansada em relação à Emily. O benefício da dúvida deu resultado, ela está a melhorar com o tempo.
E sim, ela parece ter a energia certa. Canta, ela faz screamo – as pessoas têm vindo a comentar que a Emily grita com raiva, enquanto o Chester gritava com dor. É uma opinião interessante – ainda não sei se concordo ou discordo mas, de qualquer forma, acho que encaixa em Linkin Park.
Continuo a preferir o Chester/os Linkin Park antigos ou o Ivo/os Hybrid Theory. Por exemplo, a nova versão de Given Up não soa mal, mas a Emily ainda não está preparada para ela. O Ivo, por sua vez, seria capaz de fazer aquele grito a dormir, aposto. Mas pronto, mantenho o benefício da dúvida. Para já, a Emily está aprovada.
E mesmo que não gostasse, nunca aceitaria que os Linkin Park deixassem de tocar as músicas antigas. Até compreendo quem o defende mas, pelo menos no meu círculo, quem o defende é gente na posição privilegiada de quem vai com regularidade a concertos dos Hybrid Theory (já falamos melhor sobre eles). A maior parte dos fãs de Linkin Park não tem essa sorte – o Mike disse mesmo que um motivo pelo qual reativou a banda foi para dar novas oportunidades às pessoas que não puderam ver Linkin Park.
E se houve algo que reaprendi neste último ano e meio é que as músicas desta banda – e não falo apenas de Numb ou de In the End – são intemporais, fazem parte da paisagem musical, do ADN cultural. Criaram-nos, salvaram-nos, continuam a ganhar novos significados, mesmo passados quinze ou vinte anos. Como os próprios HT defendem, foram feitas para o palco. E como disse antes, na minha opinião, são a melhor forma de homenagear o Chester.
Para já ficamos por aqui. Na segunda parte falamos, então, sobre as músicas novas que saíram até agora, entre outras coisas. Publico-a assim que puder. Não saiam daí.
Tecnicamente esta é a terceira parte da minha análise a Meteora (podem ler as primeiras duas aqui e aqui) mas, na prática, os assuntos de que vamos falar aqui já não têm a ver com o álbum, pelo menos não diretamente. Mas achei importante escrever sobre eles.
Para começar, queria falar melhor sobre os Hybrid Theory (já gosto mais deste nome de banda), o tributo português aos Linkin Park. Acho que a primeira vez que ouvi falar deles foi em 2018: eles deram um concerto na Fábrica da Pólvora no primeiro aniversário da morte de Chester e cheguei a pensar ir. Muito mais tarde, no verão do ano passado, eles tornaram-se virais… mas eu, mesmo assim, não vi os vídeos deles. Tive o separador aberto no meu telemóvel durante muito tempo, semanas ou meses, mas fui adiando, adiando. A certa altura devo tê-lo fechado – não me recordo bem.
Finalmente, soube do concerto no Pavilhão Atlântico (só para recordar, por princípio evito chamar-lhe Altice Arena), pensei "Porque não?" e comprei bilhetes para mim e para a minha irmã. Depois disso, fiz de propósito por não pesquisar nada sobre eles, para não estragar a surpresa.
Fiz bem porque houveram surpresas. Os Hybrid Theory abriram com New Divide e Burn it Down – logo as minhas duas preferidas. Eu fiquei parva porque eles estavam – e são – muito parecidos com os Linkin Park originais, até as movimentações em palco eram idênticas. O único mais diferente é o baterista Diogo Neuparth e mesmo assim – só mesmo porque Rob tem tido o cabelo comprido nos últimos anos.
Ivo Rosário, o vocalista, então, não só se parece muito com Chester (o homem até usa óculos fora de palco!), como tem uma voz parecidíssima com a dele. Agora que já se passaram algumas semanas e já vi uma série de vídeos deles é que já consigo notar algumas diferenças, mas naquela noite ninguém deu por isso. Passei o concerto todo como aquele meme do Peter Parker colocando os óculos: de cinco em cinco minutos tinha de me lembrar a mim mesma que aqueles não eram os Linkin Park. A minha irmã comentou que uma pessoa que os conhecesse apenas pela rama seria capaz de pensar que aqueles eram mesmo a banda original, não um tributo.
Os Hybrid Theory tocaram Given Up relativamente cedo. Antes do icónico grito de dezassete segundos dei um toque à minha irmã, mas Ivo passou no teste com distinção, como poderão ouvir abaixo.
O concerto teve vários convidados. Por exemplo, Diogo Piçarra veio cantar Crawling. Só mais tarde é que descobri que a versão que apresentaram – começando com o instrumental de Krwlinge parte de Hands Held High – é semelhante à que os Linkin Park tocaram quando Chris Cornell subiu ao palco para cantar com eles, em 2008. Não sei se foi coincidência ou se foi deliberado – para o Piçarra fazer de Chris.
A participação de Xande não me disse muito. Por outro lado, não estava à espera de gostar tanto do mash-up de Shadow of the Day com Só eu Sei, do Virgul. Se me dissessem antes, diria que era uma péssima ideia. Mas resultou.
Compreendo que alguns fãs não tenham achado tanta piada. Mas a verdade é que Linkin Park é isto. Mike aprendeu a criar música fazendo mash-ups de músicas rock com músicas hip-hop – daí às teorias híbridas foi apenas um passo. Daí ao Collision Course foi outro. Além disso, os Linkin Park sempre encorajaram os fãs a fazerem remixes das suas músicas, lançando versões instrumentais e à capela.
O mesmo é válido para o mash-up de One Step Closer com Tás na Boa, dos Da Weasel. Eles puseram-na a tocar antes do início do concerto. Mais tarde, no primeiro de maio, publicaram-no no YouTube. Ficou espetacular.
É uma versão portuguesa do Collision Course.
Tirando estas, fiquei com a ideia de que, se os Linkin Park estivessem ativos neste momento e com a discografia atual, seria este o concerto que dariam, mais coisa menos coisa – incluindo músicas como Don’t Stay e Lost. Gostava que tivessem tocado pelo menos mais uma não-single de Meteora – talvez Figure.09 ou Lying From You. Na altura do concerto ainda só tinha passado uma semana desde Meteora20, mas hoje gostaria de ouvir Fighting Myself e More the Victim.
Diverti-me imenso, aproveitei ao máximo. Pensei no Chester durante o concerto todo – foram várias as vezes em que apontei para o céu depois de uma música. Sei que ele ficou orgulhoso de nós.
Só na manhã seguinte é que me caiu a ficha.
Mais sobre isso a seguir.
Depois do concerto, naturalmente, quis saber mais sobre os Hybrid Theory: artigos como este e este, entrevistas como as abaixo. Primeiro ponto a favor: eles são de Lagos (bem, uma parte deles, o Ivo é de Alvor), a cidade onde passo férias todos os anos, um dos meus lugares felizes.
Os membros dos Hybrid Theory já tinha tentado a sua sorte com bandas de originais. Estavam a isto de desistir de vez da música quando surgiu a ideia do tributo dos Linkin Park – porque, lá está, o Ivo tinha uma voz parecidíssima com a do Chester. Ainda assim, não a puseram logo em prática, em parte por falta de condições, em parte porque os Linkin Park estavam no ativo naquele momento.
Pois bem, deu-se o fatídico 20 de julho de 2017, os Linkin Park entraram num hiato que se mantém até hoje. De repente, ficou um buraco. Segundo o guitarrista Miguel Martins (o que “faz” de Brad), de início eram só para fazer dois ou três concertos de homenagem, que se foram multiplicando. Hoje, os Hybrid Theory já tocaram um pouco por todo o mundo: em vários países europeus, na Índia, na Austrália, na Nova Zelândia, no Brasil.
Agora que penso nisso, eles demoraram a chegar ao Pavilhão Atlântico. Mesmo assim, os Hybrid Theory, uma banda de tributo, conseguiram encher a sala principal – enquanto os Sum 41 e os Simple Plan, que não são bandas pequenas, só tiveram direito à Sala Tejo.
Como referi antes, eles são muito parecidos com os respectivos membros originais dos Linkin Park, mas garantem que, vá lá, noventa por cento disso não foi deliberado. Eles garantem que não precisaram de mudar muito a postura nem o estilo para assumirem os papéis. Aliás, existem muitas coincidências bizarras entre os Linkin Park e os Hybrid Theory. O Miguel partilha o aniversário com o Brad, por exemplo. O Ivo faz anos a 21 de julho – o dia a seguir ao da morte do Chester (“o pior presente de aniversário que recebi”).
Eu não acredito no destino mas, meu Deus!
Ora, se houver gente por aí que não alinhe nisto, eu compreendo. Por muito parecidos que sejam, os Hybrid Theory não são os Linkin Park, nunca serão. Os Linkin Park não são apenas as músicas, os visuais, as vozes. São eles mesmo, o Chester, o Mike, o Brad e os outros. São as pessoas que compuseram as músicas, são as personalidades, as histórias de vida, as amizades, as palhaçadas. Isso é impossível de replicar ou substituir – ninguém pode exigi-lo.
E nem é só uma questão de purismo. Depois de perdemos o Chester, talvez seja demasiado doloroso para algum de nós ouvir estas músicas em contexto de concerto – tal como existem fãs que nem sempre conseguem ouvir música dos Linkin Park, ponto. Mesmo comigo o rescaldo do concerto não foi fácil, algo de que falarei melhor mais à frente.
Dito isto tudo… é como disse o Miguel. Estas músicas são demasiado boas para viverem apenas nos CDs, ou no Spotify, ou no YouTube. O Chester já não está entre nós e não se sabe se os membros restantes dos Linkin Park alguma vez voltarão aos palcos. O que os Hybrid Theory estão a fazer é uma maneira de manter o legado vivo, garantir que o impacto não se perde.
O próprio Mike disse uma vez que a música dos Linkin Park foi criada para servir de catarse, para formar um espaço seguro, uma comunidade, para exorcizarmos os nossos demónios. Ou, pura e simplesmente, para deixarmos o mundo lá fora e andarmos ao moche. Os Hybrid Theory estão a garantir que isso continua e se expande – dando inclusivamente a oportunidade a pessoas que nunca puderam ver os Linkin Park ao vivo de saberem como era. Os Hybrid Theory não são os Linkin Park, mas neste momento são o melhor que termos, são a “next best thing” – e não por uma grande margem.
E, à boa maneira tuga, sinto um orgulho especial por serem portugueses. Espero voltar a vê-los em breve.
Antes de continuar, aviso desde já que as próximas quase duas mil palavras serão um pouco pesadas. Vou despejar imensa bagagem emocional. Estão à vontade para saltar à frente ou mesmo para clicarem noutro sítio.
Nestas últimas semanas, tenho sentido a perda do Chester como não sentia há anos. A fase pior já passou, penso eu, mas mesmo assim as saudades continuam, demasiado fortes.
Pode ter sido de ter passado tanto tempo a pesquisar sobre a era de Meteora para este texto, mas eu acho que foi também do concerto dos Hybrid Theory. Não me interpretem mal, não retiro uma única palavra do que escrevi acima. Não me arrependo de ter ido ao concerto, cem por cento repetia – e quero repetir. Mas é evidente que voltar a ouvir estas músicas em contexto de concerto mexeu comigo. Talvez tenha soltado qualquer coisa mal resolvida cá dentro. Talvez fosse sempre doloroso, uma barreira a ultrapassar, um penso rápido para arrancar.
Uma parte é culpa: ter ouvido música dos Linkin Park em concerto sem Linkin Park, sem o Chester. Mas também a música dele continua a mover pessoas. Lost no topo das tabelas, o Pavilhão Atlântico cheio de fãs dos Linkin Park para ver os Hybrid Theory (embora também tenha sido mérito deles), também eles fãs dos Linkin Park. Nós ainda aqui estamos, prontos para curtir esta música, em Portugal e em todo o mundo, mas o Chester não está cá para vê-lo.
E ele devia estar cá para vê-lo, ele merecia estar cá para vê-lo. Ele devia estar neste momento a dar entrevistas sobre Meteora, devia estar em palco com os colegas, harmonizando com o Mike, abraçando os fãs, fazendo palhaçadas nos bastidores. Ou pura e simplesmente, devia estar ao lado da esposa Talinda, envelhecendo com ela, vendo os filhos a crescer.
Uma coisa em que tenho reparado nas entrevistas todas a propósito de Meteora20 é que os outros estão a ficar velhos. O Phoenix está com a barba quase toda branca. Os caracóis do Brad estão grisalhos. O Mike está a ficar com uns pés de galinha adoráveis – consequência do sorriso lindo dele. Adoro pessoas que sorriem com a cara toda como ele – o meu irmão também é assim, o Cristiano Ronaldo também. Existe uma certa beleza em ver os Linkin Park entrando na meia idade, como pais de adolescentes que gozam com eles. Dou valor especial a isso porque não podemos ver o Chester passando pelo mesmo.
O que não é justo porque, depois de um início de vida horrível, o Chester merecia que as suas últimas décadas fossem de paz e felicidade, mesmo que fosse já fora do mundo da música. Não se deixem enganar, o live fast, die young é uma treta.
Além disso – e isto é algo que tenho sentido em relação a todas as pessoas que perdi até agora – a vida não é assim tão curta. Sim, nunca se sabe o que pode acontecer, mas o mais certo é muitos de nós vivermos até aos setenta, oitenta, noventa. Mesmo que acreditem, como eu acredito, que nos encontraremos todos uns aos outros depois da morte… é muito tempo sem vermos o Chester.
Sinto-me estúpida por estar com esta agora – como se o Chester tivesse morrido no mês passado e não há quase seis anos. Como se não tivesse acontecido tanta coisa entretanto, incluindo uma fucking pandemia. Como se eu ainda hoje fosse a pessoa que era em 2017.
Isto para não dizer, claro, que eu não conhecia o homem e ele mal sabia que eu existia. Toquei-lhe na mão durante dois segundos no fim do concerto no Rock in Rio de 2014, é possível que tenha olhado para mim uma ou duas vezes – e só isso já foi um grande privilégio. Para o Chester fui apenas uma entre milhões. A vida já é suficientemente difícil, justifica-se andar eu a carregar o fardo extra do luto, com meia dúzia de anos de atraso, por um homem que não sabia o meu nome?
Mas, lá está, são emoções. São por definição irracionais, não obedecem a lógica. E, de qualquer forma, são parte da vida, não são nada de patológico. Não estou deprimida, estou só triste.
Aliás, nem sequer é apenas tristeza. São emoções contraditórias: se fosse como no Inside Out/Divertida-mente, os bonecos estariam todos à bulha por controlo. E a Tristeza teima em sair do seu círculo.
Tenho momentos em que sinto imensa alegria, como sempre senti com a música dos Linkin Park – o maior exemplo foi, lá está, o concerto dos Hybrid Theory. Eu adoro a música deles, Meteora e não só. Mas tenho alturas em que me atraiçoa. A música chama-me como um canto de sereia. Eu ainda sinto a serotonina, mas depois ataca-me. Começo a pensar na letra, a relacioná-la com o que aconteceu. Ou então, pura e simplesmente, penso no quão fantástica a voz do Chester é. As saudades apertam e vou ao fundo.
…eu acabei de comparar o Chester e os outros a sereias, não acabei? Bem, fiquem com a imagem mental. Não têm de quê.
Para ser justa, várias coisas têm ajudado. Escrever sobre isso aqui no blogue é uma delas. Também tem ajudado cantar em altos berros no carro – músicas com refrões agudos, uma excelente catarse (já percebo porque é que a Hayley Williams se tornou uma especialista nisto).
Mas sabem aquilo que eu não esperava que ajudasse tanto? Falar com a minha Jane. Uma destas tardes estava sozinha com ela e pus-me a desabafar longamente sobre tudo isto. Quando dei por mim, o meu peito estava muito mais leve.
Vendo agora em retrospetiva parece super óbvio. É o bê-á-bá da psicologia: deitar cá para fora aquilo que nos atormenta faz bem (em minha defesa, os narradores de uma grande parte das músicas de Meteora também parecem não se aperceber disso). Sou introvertida por natureza, tendo a interiorizar o que sinto, a ficar presa à minha própria cabeça. E acho sempre que os outros não querem saber, não irão compreender, irão tecer juízos de valor.
O que nem sequer é necessariamente verdade. Ainda há uns tempos publiquei uma versão condensada do que escrevi acima na página de Facebook e obtive mais feedback do que o costume.
Em todo o caso, a Jane ouviu-me. Se tinha algo a dizer sobre o assunto, teve a delicadeza de guardá-lo para si. Apenas pareceu contente pelas festinhas que estava a receber. Está visto que tenho de fazer isto mais vezes.
Mesmo aqui no blogue, por um lado, sinto-me mal por não ser capaz de escrever sobre os Linkin Park sem trazer a morte do Chester à baila, possivelmente mexendo nas feridas de toda a gente. Por outro lado, é algo de que preciso e quem sabe? Pode ser que haja alguém por aí a ler isto e a passar também por este luto fora de horas. Caso vocês, caros leitores, sejam uma dessas pessoas, bem, não estão sozinhos.
Tenho tentado lembrar-me que, apesar de tudo, a vida do Chester não foi assim tão má, em parte graças a nós. Ainda há pouco tempo dei com a entrevista abaixo, em que listava os seus três sítios preferidos: a sua casa, o estúdio e o palco. Na mesma linha, numa entrevista recente, o Mike disse que o Chester nasceu para isto: para o estúdio e para o palco. Suponho que seja um consolo para ele, saber que Mike, Joe, Phoenix e os outros contribuíram para isso.
Nós também contribuímos, certo? Nós fomos uma das partes boas da vida dele. Nós que ouvimos as músicas, que fomos aos concertos, que permitimos que o Chester continuasse a cantar até ao fim da sua vida, por curta que tenha sido. Talvez tenhamos evitado que ela tivesse acabado ainda mais cedo.
Sinto que é isto que o Chester quereria que recordássemos: o estúdio, o palco, a sua versão mais feliz. Penso que, apesar de tudo, ele está contente por estarmos a gostar tanto de Meteora20, de Lost e de todas as outras. Eu além disso recordo a simpatia, a gentileza e as palhaçadas.
É disto que fala Leave Out All the Rest, não é?
De qualquer forma, mesmo nos meus piores momentos, nunca me consegui arrepender de me ter afeiçoado ao Chester e aos Linkin Park. O Rock in Rio 2008 mudou a minha vida como amante de música. Nessa noite, eles ensinaram-me a gostar de concertos, passaram-me o bichinho, a determinação para ver os meus músicos preferidos ao vivo. Fizeram com que desejasse ainda mais ver a minha cantora preferida, Avril Lavigne, ao vivo – e finalmente consegui, menos de uma semana depois do concerto dos Hybrid Theory, por sinal.
E depois é a música em si. Mesmo que por estes dias me deixe triste, tem-me enchido de serotonina ao longo dos anos, acompanhou-me em muitas sessões de escrita e viagens de carro, tem-me inspirado, tem-me consolado. A mim, a tantos, a milhões. As comunidades que se criaram um pouco por todo o mundo, as vidas que salvaram, a influência que tiveram noutros músicos.
Os Hybrid Theory são apenas um exemplo. De uma maneira super retorcida, se o Chester não tivesse morrido, talvez eles não estivessem a ter o sucesso que estão a ter. E também se está a criar uma comunidade.
Há que celebrar tudo o que o Chester conseguiu fazer na sua curta vida, dar graças por esse impacto. Impacto esse que, se depender de nós, continuará a ser sentido por várias gerações. É o que os Hybrid Theory estão a fazer. É também para isso que serve este blogue.
Da minha parte, vou continuar a pôr em prática aquilo que os Linkin Park me ensinaram. Vou continuar a ir a concertos, dentro das minhas possibilidades. Vou continuar a curtir música, a deles e não só. Vou fazer por ser gentil para com os músicos de que gosto, para com as pessoas à minha volta, comigo mesma – #makeChesterproud e tudo o mais.
O luto nunca desaparecerá por completo. Nunca será OK que o Chester nos tenha deixado tão cedo. A música dos Linkin Park terá sempre esta cor e é possível que, no futuro, eu volte a cair neste buraco. Mas hei de me levantar de novo. Vou tentar não obcecar por algo que não pode ser mudado. Vou tentar chorar menos e celebrar mais.
Nada disto é novidade, é praticamente o mesmo que temos dito uns aos outros nestes últimos anos. Mas são coisas que eu precisava de recordar.
Não quero encerrar este assunto sem deixar um apelo. Se houver alguém desse lado a debaterem-se com desejos de fazerem mal a si mesmos, por favor, não o façam. Peçam ajuda, existem recursos para isso: aqui, caso estejam a ler em Portugal, aqui, caso estejam a ler no Brasil. Como podem ver, se eu, mera fã, ainda sofro com o que aconteceu ao Chester quase seis anos depois, nem quero imaginar como se sentirão as pessoas que o amavam. Não façam isso aos vossos entes queridos.
E nem é só por eles. É por vocês mesmos também. Vocês merecem melhor que morrer antes do tempo. Vocês merecem coisas boas, fazer aquilo para que nasceram, ganhar cabelos brancos e pés de galinha, ver os vossos filhos crescer (caso os tenham). Deem uma oportunidade a vocês mesmos para que a vossa vida melhore, para que entre o amor, a amizade, a alegria. Não há garantias disso, claro, mas a probabilidade não é zero e vocês têm de estar cá para que isso aconteça. E o mundo só terá a ganhar.
Era isto que eu gostaria de ter dito ao Chester, se tivesse tido oportunidade. Não sei se chegaria para evitar o que lhe aconteceu – não sou profissional de saúde mental – mas talvez ajudasse um bocadinho. Ele já não pode ouvi-las ou lê-las, assim, deixo-as aqui. Pode ser que haja alguém que precise de lê-las, agora ou no futuro. Incluindo eu mesma. Espero que ajudem.
E agora? O que vai acontecer com os Linkin Park? Continua uma incógnita. Eles têm deixado mensagens contraditórias – o que é compreensível. Se eu mesma me sinto ambivalente… Há coisa de um ano, Mike dizia que não haviam planos, nem para música nova, nem para digressão, nada. Por estes dias, ele está menos categórico, diz que está tudo em cima da mesa tirando uma digressão. Por seu lado, Phoenix diz que sente que os Linkin Park ainda têm algo a dizer, embora admita que não saiba como.
Depois de HybridTheory20 e de Meteora20, uma pessoa assume que os Linkin Park irão continuar com as edições de vigésimo aniversário. Pessoalmente gostava muito que houvesse MinutesToMidnight20 – foi nessa era que me tornei fã, teria um elevado valor nostálgico. Para além desse álbum, no entanto, começará a fazer cada vez menos sentido, na minha opinião.
Sobretudo se isso for tudo o que os Linkin Park fizerem enquanto banda daqui para a frente: viver no passado. Seria deprimente.
Por outro lado… música nova sem o Chester?
Em todo o caso, se eles derem esse passo, acho que não será para já – só daqui a um par de anos, pelo menos. Até porque Mike tem dado a entender que, um dia destes, lançará mais música a solo.
Como se devem recordar, o Mike lançou Post Traumatic um ano depois de o Chester morrer. Este foi um álbum e era bastante pesados emocionalmente. Consta que algumas pessoas se queixaram disso, mas, aqui entre nós, estavam à espera de quê? Foi o primeiro ano depois da morte do Chester!
De qualquer forma, creio que isso fez com que o Mike não tenha querido fazer música para si mesmo durante muito tempo. Tirando um ou outro single, o Mike tem passado os últimos anos composto e produzido música para outras pessoas. No entanto, criar In My Head para o último filme do Scream terá feito com que voltasse a sentir o bichinho. É possível que tenhamos um sucessor a Post Traumatic mais cedo ou mais tarde.
A ideia agrada-me. Em parte porque, para ser franca, é mais confortável do que música nova dos Linkin Park – não tem a mesma bagagem emocional. E a verdade é que tenho gostado daquilo que Mike tem lançado a solo até agora.
É possível que esta não seja a primeira vez que o refiro mas, para mim, Post Traumatic é um excelente álbum de pandemia sem ser um álbum de pandemia. Afinal de contas, é sobre lidar com uma súbita disrupção da vida tal como a conhecíamos. Por estes dias, World’s On Fire é a minha preferida dele – nada como desgraças destas para nos recordarmos do que realmente importa.
No entanto, nesta altura, normalmente passo à frente de Place to Start e Over Again. Ninguém quer recordar essas situações específicas. A segunda, no entanto, descreve em o meu estado de espírito nestas últimas semanas, como escrevi longamente acima.
Também gostei de Waiting For Tomorrow, a colaboração com o DJ Martin Garrix, de fine – assustadoramente relevante durante a pandemia – e de Happy Endings. Ainda preciso de dar rotação a In My Head, mas acho interessante que, passados estes anos todos, Mike esteja a regressar à temática de Papercut.
Por isso sim, venha daí mais música a solo – ou não. Decidam os Linkin Park o que decidirem, eu apoiarei. Podem haver lágrimas de novo da minha parte, a Jane pode ter de me aturar, poderei voltar a escrever sobre isso aqui no blogue, mas continuarei cá.
Dito isto, a curto prazo, vou evitar o universo Linkin Park. Estes últimos meses, entre Meteora20 e os Hybrid Theory, foram divertidos mas também foram pesados, foram desgastantes. Preciso de me distrair com outras coisas, de escrever sobre outras coisas. Não posso estar sempre a pensar no Chester e no que lhe aconteceu. Preciso que doa menos, que regresse aos níveis a que estava há seis meses.
A única exceção será se, eventualmente, me cruzar de novo com os Hybrid Theory – o que não deverá acontecer assim tão cedo, penso eu.
O próximo texto daqui deverá ser a análise a This is Why, dos Paramore. Depois disso, talvez – talvez – escreva finalmente sobre Pokémon Go. É possível que, entretanto, outros artistas ou bandas do meu nicho lancem música, o que poderá baralhar estes planos. Como tenho vindo a dizer, quero escrever outras coisas, não quero ter pressa com este blogue.
Obrigada ao siteLinkinpedia, que me facilitou imenso o trabalho de casa para esta análise, bem como a outros fãs de Linkin Park nas internetes. Destaque para o LPLive e para Brooding Ananas. Obrigada uma vez mais aos Hybrid Theory por manterem a chama acesa – espero voltar a ver-vos em breve. E obrigada a vocês, caros leitores, pela visita. Peço desculpa uma vez mais pela descarga emocional acima. Deixem o Chester orgulhoso. Continuem por aí.
Segunda parte a análise a Meteora. Podem ler a primeira parte aqui.
Breaking the Habit foi a primeira música dos Linkin Park que conheci, em 2004. Este foi um ano marcante para mim em múltiplos aspetos, alguns bons, alguns maus, que ajudaram a definir muitas das minhas paixões de hoje em dia. Foi quando descobri as MTVs desta vida e, com ela, inúmeros artistas e bandas, músicas em praticamente todos os géneros musicais. Isso na verdade daria azo a um texto por si só (talvez o escreva no próximo ano).
Para este, o que interessa é que a MTV, durante os intervalos, costumava passar excertos dos vários videoclipes em rotação naquele momento – incluindo, por exemplo, My Happy Ending e Nobody’s Home de Avril Lavigne – e Breaking the Habit era um deles. Ainda assim, na altura a música não me cativou logo, só o faria anos mais tarde.
Diz que Breaking the Habit foi uma letra que Mike tentava escrever havia cinco anos. Durante os trabalhos de Meteora, eles compuseram um instrumental de dez minutos, eletrónico, com violinos, com a ideia de usá-lo como interlúdio. Os colegas, no entanto, convenceram Mike a convertê-la numa canção como deve ser. Mike voltou a pegar na ideia antiga e conseguiu concluí-la em duas horas.
Mike refere muitas vezes Breaking the Habit como exemplo quando as pessoas parecem convencidas de que os Linkin Park só fazem música pesada e assim se devem manter e/ou quando as pessoas – incluindo os próprios colegas – acusam Meteora de ser Hybrid Theory parte 2.
– Breaking the Habit não tem guitarras – costuma dizer ele – não tem o Chester aos gritos, tem violinos, é uma música muito eletrónica. Nunca se encaixaria em Hybrid Theory. Estão a ver? Meteora é completamente diferente de Hybrid Theory!
Claro que aqui estou a exagerar para efeito cómico, mas Mike não está errado. Breaking the Habit é quiçá o maior exemplo da expansão do som dos Linkin Park em Meteora. E estou certa de que ninguém imagina Meteora (ou os próprios Linkin Park) sem Breaking the Habit. É demasiado icónica.
Uma palavra para a demo incluída em Meteora20, cantada por Mike. A letra é ligeiramente diferente da versão do álbum, mas não é disso que quero falar – é da vozinha do Mike. Sei que isto não foi de todo trabalhado para ser editado como deve ser. É apenas Mike cantando para “um microfone mau”, sem efeitos, sem sequer se esforçar por cantar bem – ele não é nenhum Chester, mas todos sabemos que o Mike consegue cantar melhor do que aquilo. É apenas um rascunho da melodia para servir de guia para Chester fazer aquilo que melhor fazia. O próprio Mike admitiu que se expôs ao embaraço ao incluir esta demo em Meteora20.
Dito isto tudo, sabendo isto tudo… eu fartei-me de rir quando ouvi esta demo pela primeira vez.
E de qualquer forma, como disseram no YouTube, é assim que soamos quando nós, simples mortais, tentamos cantar como Chester. Ainda assim, eu acho que consigo cantar um bocadinho melhor do que aquilo, mas pronto.
Durante muito tempo pensou-se que a letra de Breaking the Habit era sobre toxicodependência – talvez inspirada por Chester ou, como cheguei a ler num sítio qualquer, por um amigo ou conhecido de Mike. Mike desmentiu essa teoria há pouco tempo. Nesta fase do campeonato – Hybrid Theory e Meteora – as letras dos Linkin Park eram mais abstratas, focando-se menos em situações específicas e mais numa determinada emoção. Mike chegou a explicar que às vezes, quando ele e Chester escreviam letras em conjunto, cada um deles pensava em cenários diferentes.
E, conforme referem neste artigo, o facto de as letras se focarem mais nas emoções em si em vez de cenários mais concretos poderá ter sido fulcral para Meteora e Hybrid Theory terem repercutido tanto entre adolescentes. Gente ainda sem a inteligência emocional para compreenderem o que estavam a sentir e porquê.
E a letra de Breaking Bad é particularmente sombria, mesmo quando comparada com o resto de Meteora. O narrador está em sofrimento profundo, em guerra consigo mesmo, possivelmente sem que os outros em volta reparem.
O verso “You all assume I’m safe here in my room” chega a ser assustador. Sobretudo se o imaginarmos num contexto de família: pais que não sabem o que se passa quando os filhos estão sozinhos. Podem estar a consumir drogas, podem estar a ser abusados por pessoas próximas ou online, podem estar a auto-mutilar-se ou, pura e simplesmente, a sofrer com depressão, ansiedade ou outra doença mental. O próprio Chester costumava dizer que a sua mente era um lugar hostil, que ele não devia explorar sozinho.
Na mesma linha, em “Clutching my cure”, suspeito que a cura poderá não ser bem uma cura. Pelo contrário, poderá ser um “coping mechanism” pouco saudável.
O narrador percebe, no entanto, que algo tem de mudar, que tem de terminar este ciclo – de uma boa forma ou de uma má forma (não me peçam para explicar a má forma). Os versos “I’ll never fight again and this is how it ends” podem ser interpretados como apontando para a segunda opção.
Eu no entanto prefiro acreditar que, bem, o hábito foi quebrado da melhor forma: o narrador abandonou a situação tóxica, largou as más práticas e procurou ajuda. Prefiro acreditar que Breaking the Habit deixa uma mensagem de esperança, semelhante a Somewhere I Belong, apesar do tom sombrio.
Regressando à génese da música, como vimos acima, Mike escreveu a letra. Ao lê-la, o Chester reviu-se de tal maneira que se desfez em lágrimas. Durante as gravações, tinha de interromper a cada dois versos para chorar.
Depois disto, Breaking the Habit passou a ser a música preferida do Chester, passou a ser a música do Chester, a história dele – mesmo que tenha sido o Mike a escrevê-la sobre outra coisa qualquer. Depois de ter sabido desta, arrependi-me de pelo menos parte das críticas que teci a One More Lightpor o Mike ter escrito letras do ponto de vista do Chester. Penso ter ouvido o Chester dizer há uma data de anos, já não me lembro onde, que quando cantava Breaking the Habit ao vivo sentia tudo de novo – dá para ver em vídeos como este. Breaking the Habit tornou-se tão a música do Chester que ninguém a cantou no concerto de homenagem no. Hollywood Bowl e o Mike nunca a tocou na digressão Post Traumatic.
Falta falar sobre o videoclipe. Nunca liguei muito aos videoclipes dos Linkin Park (aqui entre nós, os AMVs que montei ficaram melhores que os respetivos vídeos oficiais), mas deste tenho de falar. Um vídeo animado, realizado por Joe Hahn em colaboração com estúdios de animação japoneses.
Linkin Park e anime sempre casaram bem, em parte graças a este vídeo. Uma grande parte do impacto da música dos Linkin Park refletiu-se nos AMVs, começando nos primórdios do YouTube (ou mesmo antes?). Eu mesma contribuí para isso, ainda que vim vários anos de atraso. Mike revelou, aliás, que queria lançar um AMV para Lost, precisamente para prestar homenagem a isso. Só que is estúdios de animação japonesa são muito ciosos do seu material e não deixaram.
É uma grande pena.
Regressando ao vídeo de Breaking the Habit, na preparação desta análise, vi-o por completo pela primeira vez em vários anos e… au! Começa logo com uma cena de morte por suicídio: de Chester.
Acho estranho isto não ter sido mais comentado ao longo dos últimos anos, que eu tenha visto pelo menos. Mas, sinceramente, foi pelo melhor.
De resto, o vídeo mostra várias personagens em situações más, em sofrimento. A partir de certa altura, no entanto, as cenas começam a rebobinar. Da maneira como vejo, é a determinação do elenco em abandonar os maus hábitos que faz com que as situações voltem para trás, que faz com que os finais das histórias mudem.
E eu daria tudo para que o mesmo tivesse acontecido na vida real.
Chegámos finalmente a Numb – um caso óbvio de “last but not least”, provavelmente a música mais conhecida dos Linkin Park, a par de In the End. As notas de teclado na introdução são absolutamente icónicas, daquelas que toda a gente conhece. Quando era mais nova, costumava erguer a minha mão fechada durante a introdução, para a abrir quando entravam as guitarras elétricas – como que libertando a explosão (também fazia isso com Pushing Me Away).
Também gosto imenso do piano nesta música.
Pode-se argumentar que Numb funciona como um resumo, uma conclusão do conceito de Meteora, pelo menos em termos de letra. Para além de falar de apatia e de cansaço, é a que melhor explora a ideia de supressão e mesmo mudança da própria identidade para agradar a outra pessoa. Uma vez mais, esta situação poderia aplicar-se a relações românticas – sobretudo se uma das partes se apaixonou por uma ideia que tinha da pessoa e não pela pessoa em si.
Mas Numb marcou a adolescência de inúmeros por um motivo – mais do que qualquer outra explorando temas assim em Meteora, pois foi single. Toda a gente se identifica com Numb a certa altura da sua vida. Mesmo nas famílias mais saudáveis, todos têm uma ideia, uma expetativa de quem os filhos são, de quem se vão tornar. Procuram empurrá-los numa determinada direção, muitas vezes com boas intenções, até. O próprio Mike escreveria vários anos mais tarde, em Invisible, sob essa perspetiva.
No entanto, quase sempre (para não dizer sempre) os filhos contrariam esses planos. Faz parte do crescimento: a partir de certa altura, todos nós temos de nos libertar das expectativas dos demais, cometer os nossos próprios erros, traçar o nosso próprio caminho, abraçarmos quem realmente somos. Daí Numb ter uma mensagem tão universal (que eu sempre achei semelhante à de Nobody’s Fool, de Avril Lavigne).
Eu adoro Numb. Foi uma das primeiras a cativar-me em 2007, no tal mp3 cheio de música dos Linkin Park. Mas, tenho de confessar: gosto um bocadinho mais de Numb/Encore.
Estava com receio de que o Collision Course fosse esquecido no meio do hype em torno de Meteora20. Afinal de contas, o vigésimo aniversário é só em finais do próximo ano. Felizmente não foi o caso – têm falado dele nalguns entrevistas.
Não que alguma vez tenha dado muita rotação a Collision Course – devia fazê-lo. No entanto, Numb/Encore tem elevado valor nostálgico para mim. Foi a segunda canção dos Linkin Park que conheci e a primeira a cativar-me. Fartava-se de ver o videoclipe na MTV e afins – há certas cenas do vídeo que ficaram logo gravadas na minha memória (espero que metam o vídeo em HD em breve, como fizeram com os de Meteora). Também me lembro de a ouvir na rádio da minha escola secundária.
Uma das partes que mais gosto é do acompanhamento, que reutiliza o melhor da versão original: a sequência no teclado e o piano. Gosto das partes do Jay Z quanto baste – nunca liguei muito à letra de Encore. É o típico braggadocio do rap que nunca foi a minha praia, mas que aqui tolero.
Tirando isso, creio que o principal motivo pelo qual adoro Numb/Encore é nostalgia – pelo menos noventa por cento. Não consigo explicar, só sei que o meu sangue se enche de serotonina ao ouvir esta música.
Nas últimas digressões, os Linkin Park ganharam o hábito de incluir o refrão de Numb/Encore no início e no fim das apresentações de Numb – alterando um dos versos para “Cooking raw with the LA boys”. Fizeram-no no Rock in Rio 2014, por exemplo (embora tenham mantido o "Brooklyn"), e na versão ao vivo de Numb imortalizada no One More Light Live. Gosto da piscadela de olho.
Os Hybrid Theory, aliás, fizeram o mesmo no Pavilhão Atlântico. Eles por sua vez cantaram “Cooking raw with the HT boys”, o que faz sentido. Mas, aqui entre nós, tenho uma certa pena que não tenham cantado “Cooking raw with the Lagos boys” (eu explico mais tarde), mas pronto.
Não posso falar de Numb/Encore sem falar de Numb/Encore/Yesterday (títulos alternativos são Yesternumb ou Yesternumbencore). Como vimos acima, os Grammys ignoraram criminalmente Meteora, mas ao menos Numb/Encore foi nomeada para Melhor Dueto cantado ou em rap (não sei se é essa a tradução) e ganhou. Jay Z e os Linkin Park foram convidados para atuar na cerimónia dos Grammys, mas não lhes apeteceu cantar Numb/Encore outra vez – já o tinham feito no Roxy Theatre e no Live 8 – quiseram fazer algo diferente. Como Sir Paul McCartney ia estar presente na cerimónia, Mike e Brad Delson (guitarrista) resolveram fazer qualquer coisa com uma música dos Beatles. Yesterday encaixava-se bem num mash-up com Numb/Encore e Sir Paul aceitou cantá-la com Jay Z e os Linkin Park.
Ficou uma versão muito gira. Não existe áudio oficial, mas estava incluída no tal mp3 do meu irmão – só anos mais tarde é que me apercebi que Sir Paul também cantava. Na altura estava a ter aulas de guitarra e um dia o meu professor comentou comigo que Yesterday era das canções com mais versões no mundo. Eu falei-lhe desta, mas tive uma branca e não me lembrava do nome do Jay Z – só me recordava que era o namorado da Beyoncé (acho que ainda não estavam casados).
Fica esta historieta pessoal.
Este mash-up também tem um valor especial porque consta que foi um dos momentos mais felizes da vida de Chester: cantar ao lado de Sir Paul, um dos seus heróis. Fico feliz por ele.
Passemos agora às B-sides presenteadas em Meteora20. Essencialmente são cinco: Lost, Fighting Myself, More the Victim, Massive e Healing Foot. As outras que não são versões beta de outras músicas estão incompletas – ou então são Sold My Soul to Your Mama. Das cinco que referi acima, a única de que não gosto muito é Healing Foot. Adoro todas as outras, cada uma pelos seus próprios motivos, conforme explicarei de seguida.
Começando por Lost, claro. Este foi o primeiro single de Meteora20, lançado em meados de fevereiro. Como Mike e os outros já se fartaram de contar, Lost esteve muito perto de entrar no alinhamento final de Meteora. No entanto, era demasiado parecida com Numb (mais sobre isso adiante) e decidiram deixá-la de fora. Mike e os outros hoje garantem que sempre gostaram da música e que esperavam lança-la como B-side ou assim, mas não calhou. Quando avançaram para Minutes to Midnight, decidiram não olhar para trás, fazer tábua rasa dos seus métodos e esqueceram-se de Lost.
Ainda assim, partes do instrumental de Lost já eram conhecidas dos fãs mais hardcore da banda. Dá para ver no vídeo acima Chester cantando sobre este instrumental no Making of Meteora – Mike já confirmou que foi uma fase do desenvolvimento de Lost. O instrumental também aparece num par de vídeos antigos da LPTV.
Eu simpatizo com estes fãs – e com aqueles, como este, que andavam há quase vinte anos à espera de Healing Foot (mais sobre isso já a seguir). Não tenho e nunca terei este nível de hardcore pelos Linkin Park, mas estive perto disso há uns quinze anos, mais coisa menos coisa, com Avril Lavigne. Ainda hoje tenho esperança de ouvir Daydream por completo na voz dela e de ouvir vocais neste instrumental espetacular (mesmo que até nem seja uma música dela).
Regressando a Lost, esta foi encontrada numa hard drive qualquer, quando os membros da banda e os seus colaboradores andavam à procura de material para Meteora20, praticamente pronta para ser editada.
Percebo porque é que Lost ficou de fora. Tem de facto muitas semelhanças com Numb em termos de estrutura: uma sequência de notas de teclado e/ou eletrónicas na abertura que servem de imagem de marca, guitarras elétricas juntando-se a elas (convidando-me a fazer o gesto que descrevi acima, de libertar a explosão), Chester cantando-a toda, Mike dizendo algumas frases no pré-refrão.
A voz de Chester soa tão bonita que dói. Como Brad gosta muito de assinalar, suave nas estâncias, poderosa e agressiva no refrão. Não admira que tenha deixado uma data de homens adultos a chorar no YouTube.
Confesso que gosto um bocadinho mais da mistura de 2002. É um pouco menos eletrónica, os instrumentos ouvem-se melhor. E fez com que me apercebesse que Lost também tem semelhanças com In the End, sobretudo na terceira parte.
A letra fala de alguém que está preso ao passado, a um passado doloroso. O narrador não consegue libertar-se das más recordações, sobretudo quando está sozinho, sem nada que o distraia da sua própria cabeça. É um tema muito Linkin Park, um tema muito Chester. Um cenário que se encaixa no “You all assume I’m safe here in my room” de Breaking the Habit, feridas que não saram, dor difícil de controlar, como em Crawling, uma mente que é um lugar hostil, como em Heavy e Papercut.
Lost está a ser o maior sucesso dos Linkin Park em anos, deixou, como referido acima, muita gente emocionada ao ouvir Chester de novo. Por um lado fico confusa – não me lembro de uma reação assim quando saiu Cross Off em 2019 ou quando saíram as faixas inéditas de Hybrid Theory no vigésimo aniversário, como She Couldn’t e Pictureboard.
Bem, não vou dizer que não compreenda. Cross Off não é uma música de Linkin Park (mas é excelente, oiçam-na). Por sua vez, She Couldn’t e Pictureboard têm qualidade de demos. Em contraste, Lost estava pronta para ser editada e… é fantástica.
Por isso sim, concordo com a opinião popular. Não lamento que não tenha sido editada com o resto da Meteora original, sobretudo se o preço fosse deixar Numb de fora – inconcebível! E, de certa forma, Deus escreveu direito por linhas tortas pois Lost está a ter o momento que merece, mesmo que com vinte anos de atraso. Dificilmente o teria se Lost tivesse sido lançada apenas como B-side.
Fighting Myself foi o segundo avanço de Meteora20, lançado algumas semanas depois de Lost. De início, pensei que era outra que estivera perto de alinhar na edição-padrão de Meteora. Pelos vistos não foi o caso. Consta que, durante muito tempo, Mike pensava que só existia uma versão com o seu rap, sem a voz de Chester. Mas depois alguém encontrou os ficheiros com os vocais e conseguiram fazer a mistura. Mike disse que, ainda assim, Fighting Myself não está bem no ponto. Se fosse para editá-la como deve ser em Meteora, ainda passaria por uma última ronda de produção.
Mike percebe melhor disto do que eu, mas a mim a música parece-me acabada. Enfim.
Gosto muito de Fighting Myself. É clássico Linkin Park: acompanhamento rock (com um sample lindíssimo da voz de Mike), rap e melodia de Chester. Gosto do ritmo do rap, combina bem com o instrumental, sobretudo com a bateria.
Um dos meus momentos preferidos ocorre depois do segundo refrão, com a bateria e os acordes de guitarra. Recorda-me a terceira parte de Papercut, durante o “The face inside is right beneath the skin”.
O tema de Fighting Myself é muito parecido com o de Lost: sofrimento interior, esforço por ocultar esses sentimentos dos demais (com fracos resultados), incapacidade em deixar o passado no passado. Na terceira parte da música, Chester repete algumas vezes a expressão “inside of me”, o que me recorda a música com o mesmo nome de Dead By Sunrise.
Destas cinco inéditas, na minha opinião, More the Victim é a mais interessante em termos de letra. Fala sobre pessoas que, lá está, gostam de se fazer de coitadinhas, que entram em competição para decidir quem tem a vida mais difícil. Conheço pessoas assim – aliás, acho que é uma coisa muito portuguesa.
E nunca gostei. Concordo que existem pessoas com pior sorte na vida que outras e existem "problemas de primeiro mundo". Mas ninguém tem exclusividade sobre o sofrimento. Há quem se afogue em três metros de profundidade, há quem se afogue em meio metro. Ouvir alguém desabafar e responder com "Ah, isso não é nada comparado com os meus problemas" é de uma profunda falta de empatia – talvez mesmo uma variante da ditadura do pensamento positivo. Problemas são problemas, isto não é um concurso.
Consta que a letra de More the Victim foi inspirada por um conhecido de Chester. Alguém que tentava pintar-se como menos afortunado que qualquer um.
Se me permitem o humor negro, este tipo tentou mesmo competir com Chester Bennington por quem tinha uma vida mais difícil?
Parece que o Chester estava verdadeiramente irritado enquanto contava a história ao Mike. Este praticamente empurrou-o para dentro da cabine de gravação, para que o Chester pudesse canalizar a sua raiva para a música.
Em termos de sonoridade, esta é outra que é clássico Linkin Park: rap de Mike, melodia de Chester. Gosto imenso do instrumental – das notas de abertura, dos violinos e sobretudo da bateria. E adoro o refrão, adoro a interpretação de Chester. Dá-me vontade de dar headbangs, de cantar em altos berros.
Aparentemente, os Linkin Park acharam que era demasiado pop para Meteora (ou talvez se estivessem a referir a Cumulus, uma versão beta de More the Victim que de facto é mais pop que o produto final). Talvez tivessem razão, mas fico com pena que não a tivessem aproveitado para Minutes to Midnight. Eu diria que é a minha preferida das B-sides, mas é difícil escolher.
Existe uma história engraçada por detrás do título Healing Foot. Durante um concerto, Brad irritou-se com um problema técnico qualquer, pontapeou uma porta e partiu o pé (homens…). O evento inspirou o título para uma das demos de Meteora, Broken Foot, e mais tarde, uma outra, Healing Foot.
É algo que eles fazem: usar palavras ao calhas como nomes provisórios para demos e ficheiros de música. Por vezes esses títulos sobrevivem até ao produto final, como por exemplo Faint e Figure.09.
Broken Foot também foi editada em Meteora20. Infelizmente não parece ter grandes semelhanças com Healing Foot. Seria engraçado se Broken Foot fosse uma versão beta de Healing Foot.
Como referi acima, esta é outra música de que os fãs estavam à espera há quase vinte anos. Desta feita, foi por causa deste excerto dos Making Of Meteora, do baterista Rob Bourdon tocando bateria sobre o instrumental de Healing Foot.
Esta música abre com uma sequência de notas agudas de piano que lhe servem de imagem de marca, antes de os outros instrumentos se juntarem – como Numb ou Lost. Há aqui uma certa incongruência entre o piano, que soa quase a uma canção de embalar, o resto do acompanhamento mais pesado e a voz agressiva de Chester. Eu gosto.
Tirando isso, como disse acima, é a de que gosto menos das inéditas de Meteora. Não me diz muito.
A última música sobre a qual quero falar é Massive. Não que tenha muito a dizer sobre a sua letra e instrumental – ambos são OK. Para mim Massive é especial por ser uma nova prova de que Mike começou a cantar antes de Minutes to Midnight. Hybrid Theory teve So Far Away, de que ainda hoje gosto bastante, Meteora tem Massive.
É possível que Mike tenha gravado estes vocais apenas para servirem de guia para Chester mas, sinceramente? Não sei se soaria melhor na voz de Chester – não teria o mesmo carácter, pelo menos. Gosto imenso da interpretação de Mike e não sou a única – são vocais naturais, sem efeitos. O problema é que a mistura não está muito bem feita – os instrumentos por vezes sobrepõem-se à voz de Mike.
O pior é que aquele totó nem sequer se lembrava de ter cantado em Massive. Andava a estranhar os tweets que recebeu na altura em que Meteora20. E não concorda com os elogios (A sério, Shinoda…?).
Se quisessem editar Massive em Meteora ou noutro álbum qualquer, Mike teria de ser o principal vocalista. Chester ficaria nos vocais de apoio, talvez no refrão, harmonizando com Mike, como tanto gosto.
Como disse acima, existe mais material extra em Meteora20, mas sobre o qual não tenho muito a dizer. Os instrumentais em geral são muito fixes e vou mantê-los em rotação.
E é isto Meteora, essencialmente. Continuo a preferir Hybrid Theory e Living Things por uma quesão de sentimentalismo, mas consigo ver porque é o preferido de muitos. Além disso – no que toca à edição-padrão, claro – durante muito tempo liguei mais à sonoridade das músicas do que às letras (tal como já tinha acontecido com Hybrid Theory). Escrever esta análise permitiu-me dar a devida atenção a essa faceta e compreender ainda melhor porque é que Meteora ressoou com tantos de nós, sobretudo enquanto adolescentes.
Ao mesmo tempo, continua a ter muitas semelhanças com Hybrid Theory. Compreendo o motivo pelo qual os Linkin Park sentiram necessidade de fazer tábua rasa para Minutes to Midnight – mesmo que nem esse álbum nem os posteriores tenham tido a aclamação que os dois primeiros tiveram. Eu pelo menos acho que veio muita coisa boa depois de Meteora… mas vou guardar essa conversa para textos futuros.
Já que falo disso, em princípio, o próximo álbum dos Linkin Park sobre o qual escreverei será A Thousand Suns. No ano passado, dei-lhe a oportunidade que lhe devia há muito tempo e não me arrependi.
Por outro lado, fi-lo no início da invasão da Ucrânia por parte da Rússia. Ouvir A Thousand Suns numa altura em que se temia que os russos recorressem a armas nucleares foi… desagradável.
Estou a pensar escrever essa análise em 2025, a propósito do seu décimo-quinto aniversário. Depois, em 2027, lá escreverei sobre Minutes to Midnight e já terei coberto todos os álbuns de estúdio dos Linkin Park. Isto é… se nada mudar entretanto.
Mais sobre isso na próxima parte deste texto. Sim, ainda não acabámos, ainda há muito sobre que falar. Devo avisar, algumas das coisas serão pesadas.
Em todo o caso, obrigada pela vossa visita. Continuem por aí.
No passado dia 25 de março, o segundo álbum de estúdio dos Linkin Park, Meteora, completou vinte anos desde a sua edição. Tal como já tinha acontecido com o seu antecessor, Hybrid Theory, a banda lançou uma edição comemorativa desse vigésimo aniversário com uma série de conteúdo extra: demos, versões ao vivo, faixas inéditas, o documentário do making of, entre outras coisas. Assim, tal como já tinha feito com Hybrid Theory, vou aproveitar a ocasião para escrever sobre Meteora.
Tal como já tinha acontecido com Hybrid Theory, esta análise focar-se-á sobretudo na edição-padrão deste álbum. Não vou, no entanto, deixar de referir as demos lançadas na edição de vigésimo aniversário (vou passar a chamar-lhe Meteora20, por uma questão de simplicidade) quando achar relevante. E, claro, hei de falar de Lost e das outras inéditas. Como sempre, tenho imenso a dizer, logo, este texto virá dividido em três partes, mas só as duas primeiras é que se focarão na Meteora propriamente dita. Na última, vamos falar de um tipo diferente de Hybrid Theory – o excelente tributo português aos Linkin Park – e também sobre outros aspetos relacionados com a banda.
Vamos a isso, então. Meteora.
Antes de mais nada, contexto. Como toda a gente sabe, o álbum Hybrid Theory foi um sucesso monstruoso. Foi sugerido aos Linkin Park começarem a trabalhar num segundo álbum assim que possível, para aproveitarem a onda. Os trabalhos começaram ainda no autocarro da digressão – mais ou menos em paralelo com os trabalhos para Reanimation – ainda que não tenham aproveitado muito do que produziram, tirando coisas para samples. Por exemplo, aquele que deu origem a Somewhere I Belong terá saído desta fase. Em 2002, começaram a gravar no estúdio caseiro de Mike Shinoda – vocalista/rapper, compositor, multi-instrumentista, cérebro dos Linkin Park e no geral uma das pessoas mais fixes de sempre – e os trabalhos para o álbum durante o resto do ano.
Por esta altura, andava a circular pela imprensa musical um rumor de que os Linkin Park tinham, na verdade, sido fabricados pela editora, que eram pouco melhores que uma boysband.
O que é irónico, tendo em conta a vida negra que a editora lhes fez durante os trabalhos de Hybrid Theory, como já tinha comentado quando escrevi sobre esse álbum. Nas entrevistas a propósito de Meteora20 descobri, por exemplo, que uma pessoa na editora quis expulsar Mike e meter um cantor de reggae em In the End.
O que é que aquela gente andava a fumar?
Uma das condições que os Linkin Park impuseram para voltarem a trabalhar com Don Gilmore foi que este os protegesse melhor do assédio da editora. Mas também, depois do sucesso de Hybrid Theory, claro que a editora ia deixá-los fazer o que quisessem.
Em todo ocaso, este tipo de comportamento por parte da comunicação social é uma das coisas de que não tenho saudades em relação ao início dos anos 2000. A Avril teve de lidar com o mesmo género de má-língua na altura. Na minha opinião não tinham de fazê-lo mas, para desmentir esses rumores, os Linkin Park decidiram filmar os trabalhos de Meteora – e acabaram por fazer o mesmo com todos os álbuns depois desse. Daí pérolas como esta e esta.
O nome Meteora foi inspirado por umas formações rochosas no centro da Grécia, onde está construído um complexo de mosteiros ortodoxos. Segundo os membros da banda, essas formações representam o carácter do álbum: conjugação de elementos que ninguém imaginava que fossem compatíveis, um misto de Natureza e obra humana, algo grandioso, quase sobrenatural. Pessoalmente, o nome Meteora lembra-me "meteoro" ou "meteorito", faz-me pensar em eventos astronómicos, o que também se encaixa no tema.
Umas palavras sobre a minha história com este álbum. Só em 2017 é que ouvi estas músicas em contexto de álbum, quando comprei Meteora em CD (tal como Hybrid Theory). Durante muitos anos, ouvi-as em modo aleatório, à mistura com o resto da discografia dos Linkin Park, ou integradas noutras playlists. Como escrevi na análise ao primeiro álbum, a maior parte das músicas que preferia vinham de Hybrid Theory. No que toca a Meteora, preferia os singles e, vá lá, Figure.09.
É por isso que, apesar de concordar que Meteora é objetivamente o álbum melhor, gosto mais de Hybrid Theory: porque me afeiçoei mais depressa às músicas. E, em minha defesa, os próprios Linkin Park também parecem gostar mais do seu primeiro álbum. No que toca a concertos, nunca deixaram de dar rotação a músicas como With You e Points of Authority – enquanto temas como Easier to Run, Hit the Floor e Don’t Stay desapareceram relativamente depressa dos alinhamentos.
No entanto, quando ouvi o CD do princípio ao fim em 2017, gostei muito. Estas músicas mereciam mais atenção por parte da banda – isto é, antes desta edição de aniversário, claro.
Há quem acuse Meteora de ser um Hybrid Theory parte 2. Não estão completamente errados, mas não acho os dois álbuns assim tão parecidos. Diria que Meteora não é uma repetição de Hybrid Theory e sim uma expansão. Atinge um bom equilíbrio (não um perfeito equilíbrio) entre recriar aquilo que funcionou no seu antecessor e experimentar coisas novas. Não é fácil.
Claro que algumas faixas de Meteora encaixariam bem em Hybrid Theory. O exemplo mais óbvio é Easier to Run – musicalmente soando como uma Crawling 2.0. O instrumental é parecido, o estilo das melodias é parecido (vá lá, o refrão não é tão absurdamente agudo), a estrutura é parecida.
Dito isto, a certa altura Mike chamou a atenção para a bateria, surpreendentemente complexa, algo que nenhum baterista iniciado conseguiria tocar. Tem razão, de facto. Sugiro que oiçam, também, a demo instrumental Interrogation, onde se nota um bocadinho melhor.
Não me interpretem mal. A musicalidade de Easier to Run é ótima. Estes elementos já tinham funcionado em Crawling, voltaram a funcionar aqui, mesmo sendo demasiado derivativo.
A letra de Easier to Run fala, como diz o título, de ser mais fácil fugir aos problemas do que tentar resolvê-los. Ser mais fácil suprimir os sentimentos negativos do que procurar lidar com eles, com ou sem ajuda, e adotar comportamentos mais saudáveis.
Quem nunca?
Os Linkin Park depressa deixaram de tocá-la em concerto. Mais tarde, os membros da banda confessariam não gostar muito de Easier to Run, descrevendo-a como “melodramática”. Consigo compreender até certo ponto, mas o tema da letra é muito universal e faz sentido no contexto do resto de Meteora – incluindo as faixas-extra Lost e Fighting Myself.
Além de que Easier to Run é uma daquelas músicas dos Linkin Park que se torna trágica à luz da morte por suicídio do vocalista Chester Bennington, em 2017. Uma prova que todos dispensávamos daquilo que é senso comum: fugir não resulta a longo prazo.
Claro que ninguém tem o direito de tecer juízos de valor sobre quem tem estes comportamentos escapistas, mesmo auto-destrutivos. Se aprendemos alguma coisa nos últimos anos, com toda esta conversa sobre saúde mental, é que muitas vezes as pessoas não conseguem lidar com estas coisas sozinhas. Muitas vezes é preciso ajuda.
Que isto sirva de lembrete a vocês, caros leitores, para pedirem ajuda caso estejam a passar por dificuldades em termos de saúde mental – tal como o narrador de Easier to Run e de, bem, a larga maioria de Meteora.
Tirando este aspeto, no entanto, não adoro Easier to Run. Prefiro Crawling. Na minha opinião, executa melhor o conceito de música melodramática e estou mais afeiçoada a ela – penso que não sou a única.
Por sua vez, Figure.09 é uma das minhas preferidas em Meteora. Tem uma sonoridade muito Hybrid Theory (não lhe chamaria uma One Step Closer 2.0, mas o instrumental tem algumas semelhanças), podia ter sido incluída nesse primeiro álbum e ninguém daria pela diferença. Tive uma altura em que pensava que Figure.09 fazia parte do primeiro álbum. Tem aquela energia contagiante que caracteriza a larga maioria de Hybrid Theory – e que eu adoro. A edição de aniversário de Meteora inclui duas demos para Figure.09. É engraçado pois a Figure.09 parece uma combinação de ambas.
A letra de Figure.09 é interessante. Parece ser sobre uma antiga relação abusiva – pode ser romântica ou não. As recordações dos maus tratores são tão marcantes, tão vívidas, que se tornaram parte da personalidade do narrador. Encaixa-se naquele que será o maior tema recorrente em Meteora: supressão da própria identidade. E na pior das hipóteses, em situações como esta, se a pessoa não tem cuidado, arrisca-se a perpetuar o ciclo de maus tratos.
Como disse acima, esta é uma das minhas preferidas neste álbum. E este ano está a ser engraçado com Meteora20, pois os Paramore lançaram uma música chamada Figure 8.
Pode haver quem inclua Don’t Stay nas que se assemelham ao estilo de Hybrid Theory. Concordo até certo ponto. Durante muito tempo considerei-a uma faixa quase puramente rock, com as guitarras elétricas e Chester cantando um verso em screamo no meio das estâncias – um estilo que, tanto quanto me lembro, não aparece em mais nenhuma música dos Linkin Park. Só recentemente, ao pesquisar para este texto, é que reparei melhor em elementos como a percussão de hip-hop e o solo do DJ Joe Hahn arranhando discos.
Um instrumental muito bem conseguido, em suma.
Uma vez mais, em Don’t Stay o narrador está numa situação ou numa relação em que não se sente bem. Em que, lá está, sente que está a perder a sua identidade, a transformar-se em algo de que não gosta.
Por fim, temos Numb. Já tinha escrito a propósito de Hybrid Theory que esta soa a uma versão melhorada de Pushing Me Away. Eu no entanto não agrupo Numb juntamente com Easier to Run e as outras de que falámos antes. Numb é demasiado grande, demasiado icónica, com imenso carácter e peso. Sim, provavelmente não existiria se não fosse Pushing Me Away, mas Numb cresceu muito além de uma nova versão de uma música pré-existente.
De tal forma que não vou falar dela para já. Fica para mais à frente.
Falemos, então, sobre músicas que pintam fora das linhas traçadas por Hybrid Theory. O primeiro single, Somewhere I Belong, já representa uma ligeira expansão. Sempre a considerei uma balada, ainda que dentro da fórmula rap-sobre-rock dos primeiros anos dos Linkin Park. Um ritmo mais pausado e sentido.
A letra, aliás, está um passo à frente do espírito de Hybrid Theory e mesmo de outras partes de Meteora. Como em noventa por cento da discografia dos Linkin Park, mais coisa menos coisa, o narrador de Somewhere I Belong encontra-se numa situação má. A diferença em relação às demais é o desejo de mudança, determinação em fazer o trabalho necessário para sair do buraco e encontrar, se não a felicidade, pelo menos um alívio para a dor constante. “I will never know myself until I do this on my own”
From the Inside tem algumas semelhanças com Somewhere I Belong no sentido em que a vejo um pouco como uma balada – pelo ritmo mais lento e pela maneira como Chester canta nas estâncias. Gosto imenso do riff introdutório, como que indiciado algo épico. A letra fala essencialmente de, uma vez mais, tormenta interior e não confiar na outra pessoa.
A demo de From the Inside, Shifter, é interessante. Tem mais rap – aliás, Mike canta tudo, o rap e as partes melódicas. A letra é intrigante – muito à moda de Meteora, fala sobre dificuldades em corresponder às expectativas dos outros.
Não tenho muito mais a dizer em relação a From the Inside. Não está entre as minhas preferidas.
Outra de que não gosto por aí além é Hit the Floor. Combina batidas hip-hop com acordes pesados de guitarra elétrica, rap de Mike nas estâncias e refrão de Chester em screamo e rap. A letra foge ao padrão de Meteora. Fala sobre pessoas que ascendem a posições de poder, muitas vezes à custa de outros, sem noção da posição precária em que se encontram. De que podem perder tudo a qualquer momento.
Gosto muito mais de Lying From You, sobretudo pela musicalidade. Começa com notas de teclado, a que se juntam as guitarras pesadas. Uma vez, temos a estrutura clássica dos Linkin Park, estâncias em rap pontuadas por versos cantados, Chester no refrão.
Gosto imenso deste refrão, aliás.
A minha parte preferida é a terceira. Nem sequer consigo descrever bem o que as guitarras estão a fazer: ganham um tom grave, dramático, criando um efeito de “descida” que fica excelente.
Uma vez mais, temos uma letra que descreve uma relação em que a outra parte não aceita o narrador tal como é. Uma vez mais, pode ser uma relação romântica, pode ser a relação de um adolescente com os adultos da sua vida – os versos “I remember what they taught to me, remember condescending talk of who I ought to be” aplicam-se bem a esse cenário. Em Lying From You, o narrador está a tentar ser a pessoa que os outros querem que seja, está a tentar manter a máscara, mas, subconscientemente ou não, começa a ter atitudes que desagradam à outra pessoa, como forma de afastá-la.
Não seria mais fácil terminarem de uma vez?
Nobody’s Listening é uma das mais interessantes musicalmente em Meteora. Mais do que qualquer outra, esta é uma música hip-hop: usando um sample de High Voltage e outro de shakuhachi, uma flauta japonesa feita de bambu, como tem sido amplamente comentado. Consta que, na altura, a banda estava preocupada por ser um som demasiado diferente do resto do álbum, mas depois criaram um refrão mais rock, com vocais de Chester, para fazer a ponte com o resto de Meteora.
Não sei como é com vocês, mas gosto muito do resultado final. Tem aquele je ne sais quoi do hip-hop de meados dos anos 2000.
O meu primeiro contacto de que me recordo com Nobody’s Listening foi no mash-up com Step Up e It’s Going Down. O áudio fazia parte do mp3 cheio de música dos Linkin Park que o meu irmão trouxe de casa dos meus padrinhos, que já tinha referido no texto sobre Hybrid Theory. Pelos vistos, a designação “oficial” nos alinhamentos era Hip-Hop Medley.
Gostaria de referir, por nenhum motivo especial, que, como dá para ver no início do vídeo abaixo, durante o Rock Am Ring em 2004, o Chester atirou um “I love you, Mike” para o meio das instruções deste último para o público. Repito, falo deste momento por nenhum motivo especial.
Por outro lado, é sempre fixe ver Chester na guitarra elétrica. Uma visão rara, mas não tão rara como se calhar alguns imaginam.
Uma palavra rápida para Session, a faixa instrumental de Meteora, uma tradição em quase todos os álbuns dos Linkin Park. Quase literalmente, porque não tenho muito a dizer sobre Session em si. É uma faixa instrumental, agradável, é um mood – ainda que ache algumas das demos instrumentais de Meteora20 mais interessantes.
Queria só assinalar que esta é a única faixa em Meteora a receber uma nomeação para um Grammy… o que, pensando bem, é ridículo. Chester ficou particularmente aziado na altura. Acho alguma piada a isso por um lado, por outro compreendo. Session é a única música em Meteora, tirando Foreword (que é só Mike descarregando frustrações num leitor de CDs), em que Chester não participa. Claro que ele ia vê-lo como uma chapada de luva branca. E existem várias outras canções em Meteora que mereciam uma nomeação – e mesmo ganharem.
É por estas e por outras que, hoje em dia, ninguém leva os Grammys a sério.
As três músicas de que ainda não falámos na edição-padrão de Meteora são as minhas preferidas – penso que não sou caso único. Aliás, penso que todos concordamos que estas três fazem parte facilmente do top 10 dos Linkin Park.
Começando por Faint. Aquele sample com os violinos é icónico, bem como o ritmo acelerado – uma excelente bateria – e o rap de Mike a condizer. Consta que é (era? é?) uma das preferidas de Mike para tocar ao vivo e até concordo – a energia de Faint tem de ser libertada em palco.
Ou então na plateia. No concerto dos Hybrid Theory, Faint foi estrategicamente ensanduichada entre One Step Closer e Bleed it Out, mesmo para andarmos ao moche.
Ainda não vos contei, pois não? Eu andei ao moche no concerto dos Hybrid Theory. Eu! OK, não estava mesmo no meio, estava mais perto da borda dando uns headbangs mas, mesmo assim. Sou mais metaleira agora do que quando tinha dezoito anos. Espero que a progressão continue – hão de me apanhar aos oitenta anos fazendo crowd surfing.
E devo dizer, é mais fácil andar ao moche quando, se alguém caía, os outros ajudavam a levantar. Exatamente como Chester queria.
Regressando a Faint, a letra desta encaixa-se no tema de Meteora e é bastante direta: o narrador sente-se rejeitado, negligenciado e está farto de sofrer em silêncio. É outra que serve para adolescentes projetarem as suas revoltas.
O verso mais associável a rebeldias juvenis e provavelmente o mais trágico de toda a letra é “But I’ll be here ‘cause you’re all that I’ve got. Aplica-se bem a relações entre pais e filhos, em que os segundos estão dependentes dos primeiros e não podem abandonar a situação de livre vontade, por mais tóxica que seja. Claro que também se pode aplicar a outras relações, como um romance ou um emprego, em que a pessoa sente (corretamente ou não) que estará pior sozinho.
É um clássico.
Ficamos aqui por hoje. Na próxima parte vamos, então, falar das duas faixas que faltam da edição-padrão e olhar para Lost e as outras inéditas. Continuem por aí.
Terceira e última parte da minha análise a Hybrid Theory. Podem ler as primeiras duas partes aqui e aqui.
Papercut foi a última faixa de Hybrid Theory a cativar-me. Acho que só passei a considerá-la uma favorita em 2017, quando comprei o CD.
Vários membros da banda referem-na como a sua preferida. Mike considera-a o cartão de apresentação da banda, não só por ser a primeira faixa do primeiro álbum, mas também por achar, à semelhança de Brad, que é a faixa que melhor integra todas, ou quase todas, as influências dos Linkin Park. Chester dizia que Papercut encapsulava a identidade da banda. Há um par de anos, Zane Lowe – provavelmente o melhor entrevistador de artistas e bandas dos últimos anos – parafraseou estas opiniões de forma hilariante, entrando mesmo em modo de fanboy.
Chester também dizia que, pura e simplesmente, gostava do refrão, da letra, do facto de só haver melodia praticamente no fim. Falemos sobre isso então.
Papercut é algo diferente do resto do álbum. A maior parte das faixas de Hybrid Theory são maioritariamente rock ou metal, mas Papercut tem influências hip-hop mais notórias. Veja-se (ou melhor, ouça-se) a introdução, com as batidas, o riff de guitarra e Hahn arranhando discos, antes dos acordes pesados, habituais em Hybrid Theory. À semelhança) de By Myself e Forgotten, as estâncias e grande parte do refrão são em rap – só o último verso é que é melódico.
A parte a seguir ao segundo refrão até ao fim da música é a minha preferida. À semelhança do que acontece no final de A Place For My Head, temos um momento fixe com a bateria e os acordes de guitarra, entre os versos sussurrados "The face inside is right beneath the skin". E depois os versos melódicos, repetidos até ao final da faixa.
A letra é, como referi antes, uma antecessora de Heavy. Temos referências semelhantes a uma escuridão interior, a um lado negro, auto-crítico, paranóico, depressivo, que nem sempre se consegue controlar. Crawling fala mais ou menos do mesmo, agora que penso nisso.
É de facto um clássico da banda. Concordo com todas as declarações que parafraseei antes. Linkin Park é essencialmente isto, pelo menos nos primeiros álbuns.
Da edição padrão, falta falar sobre a faixa instrumental, Cure For the Itch. O título da música em português significa “cura para a comichão”. A cura para uma comichão é coçar, arranhar. E é isso que Hahn faz nesta música: arranhar discos.
Eu na verdade acho que uma cura mais eficaz para a comichão seria um anti-histamínico, mas pronto. Esta faixa serve para Joe Hahn exibir os seus talentos de DJ – como de resto fica claro na introdução da faixa.
Curiosamente, os Bring Me the Horizon incluíram uma música chamada Itch for the Cure no álbum que lançaram agora – e confirmaram que era uma referência à faixa de Hybrid Theory. Pela letra, parece ter sido inspirada pela pandemia: estamos todos ansiosos por uma cura.
Regressando a Cure for the Itch, o primeiro minuto é quase todo dedicado aos discos giratórios. A voz alterada de Mike dizendo “Wasn’t that fun? Let’s try something else” marca uma mudança na música – torna-se mais atmosférica, com os discos riscados tomando um papel mais secundário. Penso que é desta parte que Mike estava a falar, quando disse que Cure for the Itch foi a sua primeira tentativa de compor música sem palavras, estilo banda sonora de um filme.
Gosto muito dessa parte, pelo ambiente que cria com os "violinos" e as notas ocasionais de piano. Tenho vindo a gostar ainda mais nos últimos tempos, desde que comecei a ouvir High Voltage com regularidade.
E assim passamos da edição-padrão de Hybrid Theory às B-sides. Só comecei a ouvir High Voltage este verão, já em preparação para esta análise. Estou a tomar-lhe o gosto.
High Voltage foi lançada como B-side com o single de One Step Closer – era algo que acontecia muito nos anos 2000. Esta é uma faixa com um carácter mais hip-hop que toda a edição-padrão de Hybrid Theory. Deve ter sido por isso que ficou de fora do alinhamento final – isto embora Mike a tenha rearranjado em relação à versão do EP Hybrid Theory (também gosto dessa), dando-lhe um instrumental baseado em Cure For the Itch, para ser incluída no álbum.
Não posso dizer em rigor que o hip-hop alguma vez tenha sido um dos meus géneros musicais preferidos. Tive uma fase em 2004-2005 em que descobri a MTV e outros canais de música, bem como a Cidade FM (*cringe*) – nessa altura o mainstream era muito mais diverso, incluindo hip-hop. Também cheguei a ter aulas de hip-hop (era péssima). De uma maneira estranha, High Voltage leva-me de volta a esses tempos, tem um carácter estranhamente nostálgico. O mesmo se passa com outras B-sides de Hybrid Theory, como veremos já a seguir.
A letra é uma mensagem contra os críticos do nu metal, da fusão de rock com rap. Este tema surgirá de novo na B-side Step Up. O verso “Comin’ at you from every side” será reutilizado em Meteora, na faixa Nobody’s Listening. Por outro lado, a frase “Under the gun, like a new disease” tornou-se irónica em 2020.
É uma pena High Voltage ter sido excluída do alinhamento final de Hybrid Theory. Mudando um pouco o seu início, Cure For the Itch funcionaria perfeitamente como uma introdução longa a essa música – como Tinfoil para Powerless, em Living Things. Para mim seria um encerramento melhor que Pushing Me Away. Mas falaremos melhor sobre isso mais adiante.
Ao contrário de High Voltage, já conheço My December há uns anos, não muitos, se bem que não a ouvisse muitas vezes. Sempre pensei que esta música tinha sido composta para o Hybrid Theory e deixada de fora por ser demasiado calminha, por não se encaixar no estilo do álbum. No entanto, ao pesquisar para esta análise, descobri que foi composta e gravada depois da edição de Hybrid Theory, para um álbum de Natal: The Real Slim Santa. Mike compôs a canção quase toda no autocarro de digressão. Como a faixa foi lançada como B-side na edição britânica do single One Step Closer bem como na edição japonesa de Hybrid Theory, toda a gente considera-a parte do cânone deste álbum.
My December é, assim, conduzida pelo piano, acompanhado apenas por percussão leve, discos riscados, violinos e pouco mais. Está numa situação semelhante a She Couldn’t no sentido em que encaixar-se-ia em Hybrid Theory e, ao mesmo tempo, não se encaixaria. Tem um tom sombrio e melancólico que, de facto, me faz lembrar as noites longas do inverno.
O narrador da música lamenta o facto de não ter sítio para onde ir, ninguém com quem passar as festas. Mike revelou que a letra foi inspirada pelo facto de ele e os colegas da banda estarem em digressão, longe das respetivas famílias. My December vai ainda mais longe, dando a entender que a separação se deve a um desentendimento do narrador com os seus entes queridos.
É de facto uma canção triste de Natal. Eu mesma tenho opiniões ambíguas em relação à época natalícia, como já referi antes, mas sempre achei que poucas coisas são mais tristes que passar o Natal sozinho. Este ano, aliás, não tenho querido pensar muito nessa época – se eles restringirem a circulação por causa da pandemia, devemos ter muitas pessoas a passar o Natal sozinhas.
Chegámos, então, à parte das B-sides que foram lançadas oficialmente nesta edição de aniversário. Nem todas são inéditas, penso que a maior parte já tinha sido no Linkin Park Underground, bem como várias demos de faixas da edição-padrão (ou então foram pirateadas). No entanto, para mim foi a primeira vez que ouvi a larga maioria delas Ainda estou em modo de exploração, ainda preciso de ouvi-las mais vezes. Mas posso falar já das minhas preferidas até ao momento.
Lembro-me de ouvir Step Up antes, no tal leitor de MP3 cheio de música dos Linkin Park que o meu irmão trouxe da casa dos meus padrinhos – ou se calhar era o mash-up com Nobody’s Listening e It’s Going Down que eles tocavam ao vivo. Lembrava-me especificamente do verso “Rock and hip-hop have collaborated for years”.
Esta é parecida com High Voltage no sentido em que se inclina um pouco mais para o hip-hop e a letra aborda o conceito de combinar rock com rap. Gosto muito das guitarras elétricas no refrão, por detrás do rap enfático.
So Far Away é um caso interessante de Mike cantando antes de Minutes to Midnight. Soa-me a uma antecessora de Rebellion. Também gosto da introdução, com o riff e os acordes de guitarra.
Não posso deixar de falar de Pictureboard, no entanto. Pictureboard nunca tinha visto a luz do dia, tirando numa única ocasião em que a banda a tocou ao vivo. Foi composta ainda nos tempos dos Xero e, como referimos antes, fazia parte da cassete de audição de Chester. A banda nunca pôde lançá-la no LP Underground porque, supostamente, inclui um sample sobre o qual não tinham direitos de autor. Pictureboard ganhou estatuto de lenda entre os fãs mais hardcore desde que Mike a referiu de passagem em 2005.
Às vezes quando existe um hype exagerado à volta de algo, a realidade acaba por não corresponder à expectativa (veja-se o que aconteceu com o final da Guerra dos Tronos). No entanto, a meu ver, Pictureboard tem qualidade suficiente para merecer o seu estatuto mítico.
Musicalmente Pictureboard surpreendeu-me: soa-me a rock mais mainstream, quase pop rock. Isto sem deixar de incluir elementos característicos dos Linkin Park, como o rap e os discos riscados. No que toca à interpretação de Chester, concordo com Brad, ele parece uma pessoa nas estâncias e outra bastante diferente no refrão. Não digo que seja o melhor desempenho vocal dele, mas para alguém que nunca o tivesse ouvido cantar antes é uma boa amostra das suas capacidades.
A letra não é nada de extraordinário. É muito curta, torna-se um pouco repetitiva. No entanto, gosto da mensagem de esperança, inesperada para o cânone de Hybrid Theory. É mais uma prova de que os temas mais suaves dos Linkin Park sempre fizeram parte do ADN da banda, apenas foram expressos mais tarde.
O que me leva a uma dúvida existencial, provocada por todas estas B-sides. Praticamente o único defeito que tenho a apontar a Hybrid Theory é o facto de ser demasiado homogéneo. Cada faixa tem o seu próprio carácter, não me interpretem mal, mas estas acabam por ser parecidas entre si.
E se existe algo que aprendi com esta edição de aniversário foi que não havia necessidade disso. Hybrid Theory podia ter sido um álbum mais diverso. Podia ter tido um lado mais suave, com músicas como She Couldn’t, My December, mesmo Pictureboard até certo ponto. Podia ter tido um lado mais inclinado para o hip-hop, com músicas como High Voltage, Step Up ou It’s Going Down. Os membros dos Linkin Park podia ter-se poupado a muitas queixas de fãs quando, em álbuns posteriores, decidiram explorar facetas diferentes.
Não sei de quem partiu a ideia de manter Hybrid Theory quase homogeneamente agressiva, mais inclinada para o rock e para o metal. Talvez Don Gilmore, com o seu foco em “entretenimento” em vez de “problemas”, como vimos acima. Talvez a editora. Talvez tenha sido mesmo uma decisão da banda. Mas a verdade é que limitou um pouco as opções dos Linkin Park no início da sua carreira.
Dito isto… quem sou eu para questionar as decisões feitas em relação a este álbum? Hybrid Theory é um dos discos mais vendidos de todos os tempos, vendeu trinta milhões de cópias (quase o dobro das vendas do Let Go de Avril Lavigne, que também foi considerado um êxito), teve um impacto cultural tremendo, alterando a paisagem musical. É preciso muita lata da minha parte chegar aqui, pegar neste álbum monstruoso e dizer:
– Hum, eu teria feito diferente.
Eu acho que o impacto teria sido o mesmo caso Hybrid Theory tivesse músicas como She Couldn’t ou Step Up no alinhamento. Mas não posso ter certezas, claro. E, pela filosofia “Em equipa que ganha não mexe”, é melhor deixar Hybrid Theory como está.
E a verdade é que, apesar de reconhecer que Meteora será objetivamente melhor quando comparado com este, apesar de admitir que nem todas as músicas são perfeitas e algumas B-sides são mais interessantes… eu adoro Hybrid Theory. Ponho o CD no carro e sou capaz de cantar em altos berros desde “Why does it feel like night today?” até “Pushes me awaaaay!”. Pode ser demasiado homogéneo, mas é homogeneamente bom. Mesmo os momentos menos bons estão bem acima da média.
E, em minha defesa, não devo ser a única pois, daquilo que sei dos concertos dos Linkin Park, as setlists incluíam quase sempre várias músicas de Hybrid Theory.
Passando, então, da minha experiência à experiência de outros, tal como referimos antes, Hybrid Theory e os próprios Linkin Park quebraram barreiras na época ao dar voz às emoções de muitos, sobretudo no masculino. Mesmo que a emoção dominante fosse a raiva, a revolta. A banda terá salvo muitas vidas.
Em declarações à Blitz, Mike afirmou que o desejo dos Linkin Park era usar essa revolta para chegar às pessoas, dar-lhes um lugar seguro. “Não estávamos ali a gritar que o mundo era horrível e que era tudo horrível, na verdade queríamos que eles pusessem os braços à volta uns dos outros e tivessem uma experiência catártica. Foi isso que nos guiou, no fim de contas, na maior parte do tempo.”
Virando de novo os holofotes para as minhas experiências, já pensei várias vezes – sobretudo nas primeiras semanas após o meu primeiro concerto dos Linkin Park, no Rock in Rio de 2008 – no paradoxo que é ter-me sentido tão feliz, tão integrada cantando em altos berros que, lá está, tudo era horrível. Ainda hoje a música dos Linkin Park vai do zangado e agressivo ao melancólico e deprimente, com momentos ocasionais de esperança e empatia. E no entanto poucas coisas me dão mais alegria que ouvir a música deles, que ver vídeos deles ao vivo – os que incluí neste texto e não só.
É uma pena Chester não estar cá para celebrar tudo isto connosco, para contar o seu lado da história de origem de Hybrid Theory, mesmo dos Linkin Park enquanto banda. Talvez nessa cronologia alternativa a pandemia nunca tenha ocorrido e os Linkin Park estejam em digressão mundial, celebrando o vigésimo aniversário, tocando estas B-sides, talvez mesmo algumas versões demo.
Mas não é isso que está a acontecer. Não adianta chorar sobre o que não pode ser alterado. E, de qualquer forma, diverti-me imenso a descobrir acerca dos primórdios dos Linkin Park, das historietas, das pérolas escondidas. Tem sido um bom escape. A vantagem de eu ser uma fã pouco hardcore é ter ainda muito por descobrir acerca da banda – mesmo que Chester já não esteja cá e que o regresso dos Linkin Park ao ativo ainda não seja certo.
Já que falo nisso, quero deixar um agradecimento ao siteLinkinpedia. A maior parte dos factos que referi neste texto vieram de lá. Fartei-me de aprender sobre os Linkin Park e tenciono continuar. Só lamento não ter descoberto o site mais cedo, antes de escrever sobre Post Traumatic e One More Light.
Agora que já escrevi sobre Hybrid Theory, o próximo passo será escrever sobre Meteora. Não de imediato, que passei muito tempo no universo dos Linkin Park. preciso de uma pausa. Posso esperar pelo vigésimo aniversário desse álbum… mas ainda faltam dois anos e meio. Não sei se esperarei tanto tempo. Logo se vê.
Muito obrigada pela vossa visita. A mais vinte anos de Hybrid Theory e de Linkin Park, mesmo sem Chester. Ele pode já não estar connosco, mas a sua voz, a sua música, bem como as vozes, os instrumentos de Mike e de cada um dos outros membros, viverão para sempre.