Top 10 música portuguesa #2
Segunda parte do meu top 10 de música portuguesa. Podem ler a primeira parte aqui.
Chegámos ao pódio da tabela. O bronze foi para...
3) João Pedro Pais – Louco Por Ti
Acho que nunca ouvi um álbum dele do princípio ao fim, só os singles, mas João Pedro Pais sempre foi um dos meus cantores portugues preferidos. As minhas primeiras recordações dele são de vê-lo cantando na televisão, no final dos anos 90. Depois disso, João foi sempre uma presença assídua nas rádios, nas bandas sonoras de telenovelas, nas compilações que ia comprando.
Um aspeto curioso em relação a João é a sua ligação a Bryan Adams (que, como vocês saberão, é o meu cantor preferido). Bryan convidou-o para abrir os seus concertos na Península Ibérica na digressão de 2003. Um gesto simpático… mas João teve de pagar as viagens do seu próprio bolso (que forreta, senhor Bryan!). Em todo o caso, João acabou por fazer amizades na banda dele. Mais tarde, voltou a abrir para Bryan em 2005 (e chegou a dar um saltinho à entrevista à RFM, incluída no DVD Live in Lisbon) e, ainda melhor, o próprio Keith Scott tocou nalguns álbuns de João. Ambos ficaram bons amigos.
Pode-se argumentar que João e Bryan têm algumas semelhanças – ambos são cantores masculinos que tocam pop rock e cantam sobre amor. Eu definitivamente tenho preferência por este estilo.
A minha música preferida de João Pedro Pais é Louco por Ti, do seu álbum de estreia, Segredos. Em termos puramente musicais, gosto do crescendo no início – começa com um acompanhamento e uma melodia relativamente graves, apenas sintetizadores, bateria e o baixo. A certa altura soa um acorde de guitarra elétrica, a melodia sobe de tom e culmina no excelente refrão.
Outro pormenor de que gosto é do facto de, ao contrário do costume, o solo de guitarra soar depois do terceiro refrão e não antes.
Esta canção foi reeditada no álbum 20 anos, que João lançou em 2017 para celebrar duas décadas de carreira. Neste álbum, ele regravou os seus êxitos e eu definitivamente prefiro esta versão de Louco Por Ti.
Também gosto muito da letra. Um dos motivos pelos quais me afeiçoei à música foi por se aplicar bem à uma história que escrevi quando era adolescente. Da maneira como a interpreto, Louco por Ti fala sobre o início de uma relação (vamos assumir que é um casal heterossexual). Ambas as partes estão interessadas, mas ela é mais atrevida, mais "prá frentex" (ainda se usa essa expressão?), enquanto ele – o narrador – é mais retraído, em parte por causa de pressões de terceiros. No fundo é um conflito entre o desejo e a timidez.
Não digo que Louco Por Ti esteja objectivamente entre as melhores canções portuguesas, mas é uma das minhas preferidas. Agora espero voltar a ter uma oportunidade de ver João Pedro Pais ao vivo, tocando esta e muitas outras.
2) António Variações – Canção do Engate
Nem toda a gente concordará com algumas das minhas escolhas nesta lista de melhores canções portuguesas, mas acho que esta será bastante consensual. Não preciso de apresentar António Variações, toda a gente sabe quem foi. Uma das grandes injustiças deste mundo é ele ter tido uma carreira tão curta. O VIH é uma grande besta.
Há quem acredite no “live fast, die young” no que toca a músicos. Há quem romantize artistas como estes, que desaparecem enquanto estão em alta, sem nunca produzirem trabalhos de menor qualidade que os seus antecessores, sem nunca perderem a juventude, a beleza, a energia. E, nos tempos que correm, sem nunca serem “cancelados”.
Eu não alinho nisso. Já tive as minhas perdas e cheguei à conclusão que quero vidas longas para os “meus” músicos. Mesmo que os trabalhos vão perdendo qualidade, mesmo que deixem de fazer música. Ao menos estarão cá para cantarem os velhos êxitos nos concertos ou, na pior das hipóteses, continuarem a ouvir os elogios e as homenagens.
Tenho pena, assim, de não ter vivido ao mesmo tempo que António Variações. Uma coisa que me surpreendeu no filme Variações – corroborada mais tarde, quando pesquisei sobre o assunto – foi o lado mais tradicional de António. A sua paixão pela música tradicional portuguesa, por Amália Rodrigues (com quem fez amizade), e em simultâneo um artista à frente do seu tempo, com um visual arrojado e influências modernas.
Se me permitem o parêntesis, há uns tempos encontrei uma entrevista de Júlio Isidro à dona Deolinda de Jesus, mãe de António Variações, e ao irmão dele, uns anos após a sua morte. Aparentemente foi retirada do YouTube pois agora já não a encontro. O que é uma pena. Gostava que ouvissem a ternura com que D. Deolinda falava sobre o filho. Daquilo que me recordo da entrevista (e posso estar a recordar mal), a música preferida dela era “É P’ra Amanhã” e ia repetindo que o António “era muito amigo da sua mãe”.
Não tenho experiência própria do Portugal dos anos 70 e 80, mas imagino que não tenha sido fácil para D. Deolinda apoiar o filho. Era a obrigação dela como mãe, claro, mas vivia numa aldeia do interior, num Portugal ainda a recuperar da ditadura, e tinha um filho homossexual e exuberante. Imagino o que ela terá ouvido.
Mas encerremos este aparte. A minha música preferida de António Variações é a Canção do Engate, uma das mais conhecidas dele.
O título foi uma das últimas coisas que descobri acerca da música. Não me recordo exatamente como descobri, mas lembro-me de ter ficado surpreendida. “Canção do Engate”? A sério? Um título tão prosaico, quase brejeiro, para uma música tão bonita?
A verdade é que esse paradoxo define bem a canção. É uma maneira bonita de tentar seduzir alguém para um caso de uma noite de só, de… bem, engatar alguém. A música procura romantizar algo que não é propriamente romântico, pelo menos não da maneira tradicional. A letra fala de duas pessoas que pretendem usar-se uma à outra para combater a solidão. Uma dela ainda tem esperanças numa ligação romântica, outra – o narrador – tem uma perspetiva mais cínica, quer sexo e mais nada.
Agora que penso nisso, faz-me lembrar Give You What You Like, de Avril Lavigne – é como se fosse a perspetiva da outra pessoa. I’ve got a brand new cure for lonely (“brand new” é como quem diz… Deve ser das curas mais antigas da humanidade). A narradora sente-se sozinha, aceita envolver-se com a outra pessoa desde que esta finja que a ama, nem que seja só por uma noite.
Por outro lado, não podemos ignorar que a letra terá quase de certeza sido inspirada pelas experiências de Variações como um homem homossexual nos anos 70 e 80, conforme referido neste artigo. Não me vou alongar muito pois não faço parte da comunidade, não tenho direito a isso.
Toda a música, aliás, tem um tom algo melancólico, fruto tanto da letra como do acompanhamento musical e da interpretação de Variações. Não é óbvio à primeira audição, mas quando reparamos nele não dá para ignorar. Uma vez mais, esta melancolia, esta solidão, é uma coisa muito portuguesa.
Como seria de esperar uma música extraordinária como esta, existem várias versões por outros artistas. Não gosto muito da versão do filme Variações – Sérgio Prata não canta a melodia como deve ser – mas gosto do instrumental e Sérgio tem uma voz fantástica.
Há coisa de uma década, Tiago Bettencourt gravou a sua própria versão – acústica, acompanhada por uma orquestra. Andei obcecada por esta em 2014, altura em que a apanhava muitas vezes na rádio. É uma versão lindíssima: a orquestra dá um tom grandioso à canção.
Essa obsessão arrefeceu, mas ainda gosto muito desse cover. Por estes dias, tenho andado fixada na versão dos Delfins. Já falámos deles na publicação anterior, a propósito de 1 Lugar ao Sol. Por sinal, essa música tem algumas semelhanças com a versão deles de Canção do Engate. É também um tema pop rock cuja produção confere um carácter atmosférico à música. Atentem à secção instrumental depois da segunda estância.
Outra diferença em relação ao original é o ritmo mais rápido. Isso por um lado é bom: praticamente a única falha da versão do Variações é esta por vezes arrastar-se. Por outro lado… a música original era mais lenta por um motivo. Pode-se argumentar que a versão dos Delfins é um tudo nada demasiado alegre. Mas é uma falha menor, na minha opinião.
António Variações teve uma carreira mais curta do que merecia, mas ainda conseguimos sentir o impacto do seu trabalho nos dias de hoje. Ainda agora Marisa Liz interpretou um inédito de Variações, intitulado Guerra Nuclear. Gosto imenso da música – terá sido composta há coisa de quarenta anos mas é assustadoramente relevante nos dias de hoje.
Quer-me parecer que a música de António Variações continuará no imaginário colectivo durante muitos anos ainda. Gosto de pensar que estou a contribuir para isso com este texto. Fica aqui.
1) GNR – Sangue Oculto
Chegámos ao topo da lista. Sangue Oculto é uma canção que descobri quando tinha nove ou dez anos. Se a memória não me falha, foi quando me ofereceram o meu primeiro Discman (quem não saiba o que é, que vá ao Google), juntamente com a compilação Anos 90 Bem Medidos. Esta era a faixa que abria o segundo CD – por causa disso, ainda hoje, de vez em quando, gosto de ouvir Mundo de Aventuras depois de Sangue Oculto. Fiquei muito rapidamente obcecada pelo tema dos GNR e de Javier Andreu. Lembro-me de imaginar os três protagonistas de Sonic Underground (na altura passava no Batatoon) tocando esta música.
Infelizmente, acabei por perder o segundo CD e estive vários anos sem ouvir Sangue Oculto, tirando uma vez ou outra. Por sinal, uma das vezes foi numa das minhas primeiras visitas ao Alvaláxia, no primeiro ano de vida do Estádio Alvalade XXI. Alguns meses mais tarde, no dia em que ia ver o Portugal x Espanha do Euro 2004 – o meu primeiro jogo de futebol – lembrei-me da ocasião e andei a cantarolar a canção para mim mesma. Na altura não me ocorreu o quão adequado era cantar um dueto luso-espanhol no dia de um duelo ibérico. Pouco mais de um ano mais tarde, no dia do meu segundo jogo da Seleção – se não me engano, um jogo com o Luxemburgo, no Estádio do Algarve – apanhei a música na rádio.
Todas estas coincidências fizeram com que começasse a associar a música à Seleção. Anos mais tarde, adicionei-a à respetiva playlist. Adequa-se particularmente a jogos entre Portugal e Espanha, como disse acima. Durante o Mundial 2018, a RTP3 fez uma pequena montagem com imagens do nosso empate com nuestros hermanos e eu adorei.
Não me posso esquecer de fazer uma story ou algo similar quando jogarmos com eles, na próxima semana.
Recuando um pouco, em finais de 2007, descobri que era possível comprar ficheiros de mp3 no site da RFM. Eu já usava leitores de mp3 há algum tempo, mas apenas com músicas “ripadas” de CDs (a única exceção era a discografia dos Linkin Park, conforme escrevi aqui). Tinha boas intenções, queria continuar a adquirir música legalmente (a maior parte das vezes, pelo menos), logo, usei esse site e a primeira música que comprei foi precisamente Sangue Oculto.
Acabei por apanhar um balde de água fria pois o meu leitor de mp3 não conseguia ler o ficheiro que eu comprara (acho que estava bloqueado ou assim). Conseguia ouvi-lo no computador, mas não em mais lado nenhum.
Algumas semanas depois saquei a música por meios… menos legais. Aliás, toda esta experiência dissuadiu-me de comprar música online durante vários anos. Ainda assim, no meu cânone pessoal, Sangue Oculto destaca-se por ter sido a primeira música que saquei da Internet eu mesma.
Mas está na altura de falarmos sobre a música em si. Começando pela letra. Sangue Oculto foi tema de um dos primeiros episódios do Responder à Letra de Gilmário Vemba. Aliás, foi esse episódio, ficado na minha canção portuguesa preferida, que me inspirou a escrever este texto.
Não vou defender os GNR nesta. Concordo com o Gilmário, a letra não faz sentido nenhum. Nunca fez, embora eu nunca tenha pensado a fundo nela até ouvir o Gilmário. Isto na verdade é um problema recorrente com os GNR (que, apesar de tudo, são das bandas portuguesas que mais gosto). Como disseram num episódio mais recente de Responder à Letra, muitas vezes não se percebe se é suposto as canções terem algum sentido ou se são apenas frases ao calhas. E se o Gilmário se puser, um dia, a ouvir Ana Lee, até se passa.
Mal posso esperar.
Regressando a Sangue Oculto, esta letra nem sequer é daquelas suficientemente vagas para projetarmos os significados que queremos: está mais além disso. Ninguém pode refutar as nossas interpretações porque a letra não é suficientemente coerente para alguém discordar.
Por exemplo, no meu caso, eu associo-a à Seleção, ainda que sobretudo por motivos alheios à letra em si. Por outro lado, encontro algumas semelhanças com a letra de Heat of The Night, de Bryan Adams – também ela confusa, com referências vagas a fogo e/ou calor e luta nas ruas. Por outro lado, consta que Sangue Oculto fez parte da banda sonora de Lua Vermelha, uma série vampiresca da SIC que tentava explorar a febre Twilight… o que acho hilariante.
A propósito, parece que a SIC se prepara para estrear uma novela chamada Sangue Oculto. Terá mesmo sido inspirada por esta canção, já que soa durante o genérico. Ironicamente, as premissas parecem ser exatamente aquelas que o Pôr-do-Sol caricatura (ainda só vi os primeiros episódios). Ninguém na SIC percebeu a mensagem…
Por fim, a propósito do Responder à Letra sobre Sangue Oculto, o António do Odaiba Memorial Day PT disse-me que a música lhe fazia pensar em Digimon Fronteira. Entre as referências fogosas e a barreira/barragem de fogo que pelos vistos é uma fronteira, faz algum sentido.
Na verdade, aquilo que mais gosto na música é o instrumental. Do princípio ao fim. Quase todos os instrumentos brilham em Sangue Oculto. O baixo tem um padrão interessante; adoro as notas de piano pontuando o refrão; a bateria vai fazendo o que quer. Quando saquei Sangue Oculto, passado todo aquele tempo, o meu eu de dezassete anos adorou o facto de esta música ter, não só um solo de guitarra mas também um solo de piano. Nem sequer sabia que era possível.
Há uns anos, os GNR fizeram um concerto em conjunto com a banda sinfónica da GNR (a Guarda Nacional Republicana, não o Grupo Novo Rock). Gosto imenso do que fizeram com Sangue Oculto – os metais soam fantásticos.
Por fim, gosto da interpretação de Javier Andreu, mas ainda mais da de Rui Reininho – ele tem uma das vozes mais bonitas de Portugal. Aliás, adoro o facto de isto ser um dueto bilíngue. De as duas partes do refrão serem traduções uma das outras, ainda que imperfeitas (barreira? barragem?), de Reininho e Andreu irem cantando à vez e, depois, ao mesmo tempo. É super giro, é algo que nunca ouvi em mais nenhuma música.
Objetivamente, talvez Sangue Oculto não mereça estar no topo desta tabela. Temas como Canção do Engate, Mariana, Chamar a Música, Porto Côvo ou mesmo Louco Por Ti serão melhores canções. Mas, lá está, Sangue Oculto é uma das minhas preferidas de todos os tempos. Adoro-a há mais de vinte anos. Mesmo merecendo menos do que outras, eu tinha de colocá-la em primeiro lugar. De outra forma, não estaria a ser honesta comigo mesma.
Agora tenho mesmo de ir a um concerto dos GNR, mesmo que Javier Andreu não esteja lá para cantar Sangue Oculto. Mas espero que esteja!
E pronto, são estas dez das minhas músicas preferidas em português de Portugal. Foi divertido redescobrir estas canções tão especiais para mim.
Quanto aqui ao estaminé, este não deverá ficar parado durante muito tempo. Os Paramore estão finalmente a sair da toca e vão lançar um single – This is Why – no dia 28 de setembro. Naturalmente, esse single será assunto do próximo texto cá do blogue. Não vou começar a escrevê-lo logo logo – This is Why sai no dia a seguir ao jogo com a Espanha, ou seja, ainda estarei ocupada com o meu outro estaminé. Mas não será mau tirar uns dias para refletir sobre a música – e possivelmente ler e/ou ouvir eventuais declarações da banda sobre This is Why e o álbum que se avizinha.
Uma vez mais, obrigada pela vossa visita. Continuem por aí.