Alerta Spoiler: este texto contém revelações sobre o enredo do filme de animação Spirit: Stallion of the Cimmarron, bem como do livro A Herança, de Christopher Paolini, pelo que só é aconselhável lê-lo caso tenha esteja familiarizado com ambas as obras.
"I found myself somewhere I never thought I'd be" Já anteriormente falei aqui no blogue do filme de animação Spirit, bem como da sua banda sonora. Hoje quero falar-vos de mais uma faixa dessa banda sonora, chamada Nothing I've Ever Know, uma música de amor. É uma faixa que conheço há quase onze anos, de que sempre gostei imenso, mas cujo significado só compreendi há menos de dois anos.
Em termos musicais, encaixa no resto da banda sonora do filme, se bem que possua as suas particularidades. É uma balada conduzida por notas de guitarra acústica, que funcionam quase como uma segunda voz. Até ao primeiro refrão, a música resume-se, praticamente, à voz e à guitarra. Por altura do refrão, aparecem acordes de guitarra acústica. No início da segunda estância, junta-se a bateria suave e o arranjo de violinos, inicialmente discretos, tornando-se mais intensos no segundo refrão, no auge emotivo. Tal como toda a banda sonora do filme, esta faixa é uma autêntica obra de arte musical.
A condizer com a beleza da música, está a sua letra. De uma maneira simples, esta conta a história de alguém que foi apanhado de surpresa pelo amor, que provavelmente está a lidar com ele pela primeira vez, e vê toda a sua vida, todo o seu ser, alterados por causa disso.
Tal como praticamente todas as músicas da banda sonora do filme, Nothing I've Ever Known descreve bem a situação de Spirit, o protagonista equino, num determinado momento da película. Praticamente desde que nascera, tudo o que Spirit amara e desejara fora a sua terra natal. Tudo o que fizera ao longo do filme, desde que fora capturado pelos colonizadores americanos, fora tentar, com todas as suas forças, regressar a casa. Nada mais lhe interessava. Só que, agora, estava a apaixonar-se por Rain, a égua do índio que o resgatara dos colonizadores - o que, pela primeira vez, lhe dava um motivo para ficar. A narração de Matt Damn resume bem a situação de Spirit, aliás: "Pela primeira vez na minha vida, o meu coração estava dividido."
No final do filme, após uma série de peripécias, Rain opta por ir viver com Spirit, na terra natal deste - um final feliz para a história mas deve ter sido também difícil para a égua deixar para trás o seu lar e o seu dono por amor.
Existe outra história ficcional a que Nothing I've Ever Known se pode aplicar, de que já falei aqui no blogue - a história de Murtagh e Nasuada do livro A Herança, de Christopher Paolini. Já falei nesta entrada sobre o papel que esta história de amor teve no desenlace da saga - quero desenvolver esse assunto um pouco mais. Murtagh habituara-se, desde criança, a proteger a sua própria vida a todo o custo contra um mundo que sempre o usara ou desprezara, em que muito poucas pessoas se importavam verdadeiramente com ele. Murtagh colocava-se sempre a si mesmo em primeiro lugar (e, mais tarde, o seu dragão) pois tudo o que alguma vez possuíra na vida era ele mesmo.
Tudo isso muda quando se apaixona por Nasuada, prisioneira de Galbatorix. Tal afeição dá-lhe, pela primeira vez na sua vida, um motivo para se sacrificar, para pôr as necessidades de outros acima das suas. Isto altera-o de tal forma que o liberta da escravidão de Galbatorix, permitindo-lhe fazer o correto.
Já tive casos de personagens surpreendidas e alteradas pelo amor em histórias minhas e, agora, ando a desenvolver uma história semelhante no meu quarto livro. Neste caso, a personagem em questão também se altera ao apaixonar-se mas não se sentirá tão dividido pois, apesar de inicialmente não saber lidar com ele, perceberá depressa que o amor o tornará uma pessoa melhor.
Tal como ficou aqui demonstrado, o amor pode ser assim, violento ao ponto de nos fazer rever as nossas convicções, de nos sujeitarmos a coisas que, se calhar, antes consideraríamos impensáveis. É por isso que, apesar de durante muito tempo ter desejado apaixonar-me a sério, tal como toda a gente deseja, hoje tenho algum receio de que isso aconteça. É certo que tenho explorado paixões dessas na minha escrita, que estas histórias de que falei têm, à sua maneira, finais felizes. Mas, na vida real, o que acontece quando fazemos coisas apenas por amor e, depois, o romance acaba ou a paixão arrefece?
Passando à frente dessa questão, é engraçada a maneira como as músicas vão ganhando novos significados com o tempo, tal como aconteceu com Nothing I've Ever Known. É algo que me acontece com alguma frequência, sobretudo desde que tenho aqui o Álbum. Existem mesmo casos de músicas que continuam a ganhar novos significados, mesmo depois de eu ter escrito sobre elas, ao ponto de ter vontade de reescrever essas entradas. Tal como existem casos em que passo a gostar ainda mais das músicas depois de as ter esmiuçado aqui no blogue.
O pior é que, quase um ano depois de Músicas Ao Calhas, começo a ficar sem ideias. É por isso que não tenho escrito tão frequentemente aqui no blogue. Por isso e porque, neste momento, ando concentrada na escrita do meu quarto livro. No entanto, não devo ficar demasiado tempo sem escrever aqui para o Álbum visto que se aproxima música nova. Podem, por isso, continuar por aí...
Eis o pódio dos filmes de animação. Estes três filmes são muito especiais para mim, ainda que por motivos diferentes, uns motivos mais racionais do que outros. Sem mais delongas...
3º) Spirit: Stallion of the Cimarron
Se me recordo bem, de acordo com o verso da caixa do VHS do filme Spirit, este foi considerado o melhor filme de animação desde O Rei Leão. Não digo que o seja mas anda lá perto, no mínimo. Pelo menos tem algo que O Rei Leão também tem: uma boa história e uma banda sonora marcante.
Spirit conta a história de um cavalo mustangue selvagem, de personalidade fortíssima, que é capturado pelos colonizadores americanos. Spirit resiste às tentativas de ser domado e montado e faz tudo para regressar à sua terra natal. No processo alia-se a um índio da tribo Lakota e apaixona-se por Rain, a sua égua.
Tanto quanto sei, este é o único caso em desenhos animados em que os animais não falam mas, em tudo o resto, são semelhantes aos humanos - o que é refrescante. Os seus pensamentos e emoções são exprimidos pelas expressões dos animais e, no caso de Spirit, pela ocasional narração de Matt Damon e pela música.
Este filme tornou-se especial para mim precisamente por causa da banda sonora - composta e interpretada por Bryan Adams. "Ah!", pensam vocês, "está tudo explicado". É verdade. Foi este filme que me apresentou o cantautor canadiano, a banda sonora foi o primeiro CD "dele" que comprei. O tema principal do filme, Here I Am, a primeira que conheci de Bryan Adams, é a minha preferida de toda a sua obra musical e mesmo hoje, passados mais de dez anos, continua a fascinar-me. Toda a banda sonora tem, de resto, imensas músicas marcantes. Há que também dar mérito ao compositor Hans Zimmer, responsável por imensas bandas sonoras memoráveis, sendo a de Spirit apenas um exemplo entre muitos.
Um dos grandes pontos fortes da banda sonora deste filme é o facto de, ao contrário da maioria dos filmes da Disney, as músicas estarem, tal como já afirmei acima, integradas na narração em vez de serem interpretadas pelas personagens, estilo musical - não sou grande fã de musicais. As faixas em si, do mesmo modo, não são narrativas, não são estilo ópera de rock, o que lhes confere poder por si mesmas, independentes do filme, permitindo-nos identificarmo-nos com elas, usá-las noutros contextos - algo que desenvolverei mais quando falar sobre algumas delas nas Músicas Ao Calhas.
No entanto, não deixam de fazer um ótimo trabalho como banda sonora de Spirit, ilustrando bem as diferentes emoções experimentadas pelo mustangue ao longo da sua odisseia. Deste modo, fica aqui a minha recomendação, tanto ao filme como à sua banda sonora.
2º) Pokémon: The Power Of One / O Poder Único
O Pokémon, que marcou a parte final da minha infância e grande parte da minha adolescência, que era praticamente a minha religião quando tinha onze anos, não podia, de maneira nenhuma, ficar de fora desta lista. Não é apenas uma série de desenhos animados, não é apenas um conjunto de videojogos, é... um mundo. Durante vários anos, segui a série de animação - que me rendeu, a mim e aos meus irmãos, muitas manhãs de sábado e domingo felizes - enquanto era transmitida na televisão portuguesa. Em particular nos primeiros tempos, divertia-me, entusiasmava-me, ria e chorava com as aventuras de Ash e companhia ilimitada.
Claro que, a partir de certa altura, comecei a cansar-me do esquema repetido até à exaustão dos episódios, dos clichés (aqueles três estarolas do Team Rocket perderam a piada ao fim de duas ou três temporadas no máximo. Embora o mais irritante não seja isso, seja a forma como Ash e os amigos caem sempre nos esquemas deles, que nem sequer diferem muito entre si) e mesmo do tom infantil.
Nesse aspeto, os filmes são melhores: mais sérios - ainda que em graus diferentes - mais tensos, mais interessantes. Durante muito tempo só conheci os dois primeiros, vi alguns dos outros através da Internet ao longo do último ano, ano e meio. Alguns deles são bem interessantes, outros são pouco mais do que episódios prolongados, mas cada um tem os seus momentos e, de qualquer forma, têm uma emoção diferente da série animada.
O primeiro filme, Mewtwo Strikes Back / Mewtwo Contra-Ataca, foi o que vi mais vezes. A história é interessante e o vilão, Mewtwo, é um vilão entre aspas pois uma pessoa é capaz de compreender, em certo grau, algumas atitudes dele. No entanto, apesar de, no fim, passar uma boa mensagem para o público infantil - semelhante à do Harry Potter: o que conta não é a forma como nascemos mas sim aquilo em que nos tornamos - o filme torna-se demasiado pesado, demasiado sombrio para uma criança, na minha opinião, com poucos momentos divertidos para aligeirar. Por exemplo, a cena em que o Pikachu tenta reanimar Ash - não se percebe se ele estava mesmo morto, durante muito tempo assumi que ele estava apenas petrificado... adiante - só se compara à cena em que Simba tenta acordar o pai morto; só que O Rei Leão tem uma mão-cheia de momentos alegres para contrabalançar.
Nesse aspeto, o filme em segundo lugar neste top 10, The Power Of One / O Poder Único, está mais equilibrado. Vi este filme pela primeira vez no cinema - depois dos dois primeiros, não voltaram a passar mais nenhuma película do Pokémon no cinema, o que é compreensível, visto que se dirigem apenas àqueles que acompanham a série animada - devia ter uns dez ou onze anos. Lembro-me que, com o bilhete, recebemos a carta de Mew que aparece no filme. Mais tarde, vi o filme mais uma vez na casa de um amigo. Depois, fiquem dez anos sem tornar a vê-lo mas nunca me esqueci dele. Finalmente, no ano passado, encontrei-o na Internet.
O filme tem as suas incongruências, várias delas até - os diálogos e a dobragem para português deixam imenso a desejar, por exemplo - no entanto, para mim, é o melhor do Pokémon, o expoente máximo de toda a vertente de desenho animado. Tirando um pozinho ou outro, a história é boa, com bastante misticismo à mistura - algo de que gosto muito, a coisa que mais pena tenho de não ter incluído nos meus livros - tensa, mas não ao ponto de provocar pesadelos nas crianças, com momentos suficientes de alívio cómico e que, rapidamente, ganha contornos épicos.
Ash surge como herói relutante em assumir o seu papel como O Eleito - também, entre seis ou sete mil milhões de pessoas, foram colocar o destino do Mundo nas mãos de uma criança - o que nos proporciona momentos divertidos e momentos mais comoventes. Como a parte em que Ash se desfaz em lágrimas antes de encontrar a força e coragem necessárias para cumprir a tarefa que o destino lhe atribuiu. Além disso, apesar toda a conversa de que só-o-Eleito-poderá-salvar-nos, a vitória final acaba por ser produto das ações de várias das personagens - embora ache que Misty e Tracey podiam ter feito mais para ajudar o amigo, há uma parte em que ficam, pura e simplesmente, a ver tudo à distância, à espera que ele traga a esfera que falta (para mais detalhes... vejam o filme!) . Por fim, ainda há tempo para Delia, a mãe de Ash - que, apesar de ela e o Professor Oak não terem tido qualquer influência no desenrolar dos acontecimentos, tiveram direito a bastante tempo de antena - dar um cheirinho das habituais contrapartidas do heroísmo para os entes queridos, em particular para uma mãe debatendo-se com a necessidade de deixar o filho partir para longe de si, ficando obrigado a enfrentar os perigos do mundo sozinho.
Outro elemento marcante no filme é a chamada canção do Lugia: uma linda peça musical, que é tocada várias vezes e sob diferentes versões ao longo do filme - gostei particularmente do solo de guitarra elétrica no genérico - culminando na interpretação que serve de remate final à vitória. Também gosto da música-tema do filme, The Power Of One, interpretada pela falecida Donna Summers. Incorporou bem o espírito do filme, apesar de recordar demasiado When You Believe, a música-tema do Príncipe do Egito.
Já disse aqui no blogue que, quando era mais nova, escrevia fanfics do Pokémon e que estas me ajudaram a evoluir (não, esta palavra não é nenhuma indireta) na escrita. Em termos de história e de tom, assemelham-se aos filmes, este último, em segundo lugar no Top 10, em particular. O que eu queria era que essas fanfics fossem convertidas a filme mas enfim... É por estas e por outras que esta posição nesta tabela e esta crítica partiram quase exclusivamente do meu lado sentimental, pelo menos muito mais do que os outros filmes mencionados nesta entrada e na entrada anterior. A verdade é que, mesmo passados estes anos todos, mesmo numa altura em que há já muito perdi o fio à meada no que toca às gerações de Pokémon que vão surgindo (só conheço razoavelmente bem as três primeiras), à série animada, em que já não tenho paciência para jogar os jogos, não consigo desligar-me completamente do Pokémon. Provavelmente nunca conseguirei. Para o bem e para o mal, todo este mundo, que é maior do que se poderia pensar, ficará para sempre no meu coração.
1º) The Lion King / O Rei Leão
Este filme tinha obrigatoriamente de constar nesta lista, nos lugares cimeiros. Um clássico absoluto dos filmes animados, o filme da minha geração. Se não me engano, foi o primeiro filme a ser dobrado para o português europeu. Para muitos da minha idade, eu incluída, foi o primeiro filme que vimos no cinema - a minha mãe diz que eu até dava pulos no assento.
Agora que sou mais velha, sobretudo depois de o filme ter sido exibido na televisão recentemente, vejo que O Rei Leão tem uma história surpreendentemente forte, adulta, cujo esqueleto mais básico já foi reutilizado em narrativas posteriores - agora que penso nisso, a história de Pokémon: O Poder Único, o conceito do herói relutante, hesitando assumir o papel que o destinho lhe reservou, obrigado a encontrar força dentro de si mesmo, não é muito diferente. As personagens, apesar de animais, são praticamente todas muito humanas, com destaque para Simba, a personagem principal. Qualquer um se pode identificar com a jornada do leãozinho: inicialmente, é uma criança alegre, curiosa, ambiciosa. No entanto, após a morte do pai, de ser convencido que a culpa é dele, de ser expulso do seu próprio reino, estimulado pelos seus novos amigos Timon e Pumbaa, adota a atitude de estou-me-nas-tintas como mecanismo de defesa. Até que Nala, Rafiki e o próprio espírito do pai morto, o obrigam a enfrentar o passado, em vez de fugir dele, a desafiar Scar e a assumir o lugar que lhe pertence. Já li que a história foi inspirada em Hamlet, de Shakespeare, mas como nunca o li...
Tal como já falei a propósito de Spirit, a banda sonora, produto do trabalho de Elton John, Tim Rice e, uma vez mais, de Hans Zimmer, reflete bem a jornada emocional por que Simba passa. As músicas, muitas delas com influências africanas, não me dizem muito atualmente mas, quando era pequena, Hakuna Matata e I Just Can't Wait to Be King/Mal Posso Esperar por Ser Rei eram autênticos hinos entre os miúdos da minha idade.
A sequela, O Rei Leão 2, também é um bom filme, embora já não tenha o brilho que o primeiro tem. A história é forte, à mesma, desta feita mais à Romeu e Julieta - e, agora que penso nisso, a história do meu terceiro e de parte do quarto livro tem umas quantas semelhanças... juro que não foi intencional. A banda sonora também não se compara à do primeiro, embora, ultimamente, ande viciada na versão francesa do tema de abertura: