Referi no texto anterior que o meu gosto musical se define por aquele meme da casa escura ao lado da casa colorida. Claro que esta é uma versão muito redutora da coisa – até porque muitos dos artistas e bandas que oiço não se encaixam perfeitamente numa só casa. De resto, o texto anterior focou-se na casa escura. Hoje vamos focar-nos na casa colorida.
Começando por Mika. Este é um artista sobre quem não escrevo desde 2016, mas que se tem mantido na minha rotação ao longo de todos estes anos. Tenho ouvido uns quantos temas do seu álbum mais recente, My Name is Michael Holbrook, de 2019, de forma muito casual, quando me aparecem no aleatório, sem pensar muito nisso. Algumas das minhas preferidas são Cry e Dear Jealousy.
Ainda assim, houveram algumas músicas que fui negligenciando. Quando Mika co-apresentou o Festival da Canção e cantou um medley de algumas das suas músicas – e a sua apresentação foi melhor que as de metade dos concorrentes – recordei-me delas. Em particular, Love Today e Lollipop.
Isto numa altura em que, lá está, Everything is Emo tinha acabado de começar e eu andava entusiasmada com essas músicas.
Foi também nessa altura – na véspera do Festival, se não me engano – que Mika lançou o single Yo Yo. Uma das minhas músicas preferidas de 2022. É um tema de disco pop, bastante simples, talvez mesmo básico, em termos de instrumentação. Mas funciona. É um caso de menos que é mais.
Diz que Mika está a preparar um par de álbuns, um em inglês, outro em francês, mas ainda não há previsão de lançamento. Em todo o caso, hei de continuar a acompanhar casualmente a carreira dele e espero que um dia volte a Portugal – o Rock in Rio 2016 foi giro.
Uma que se tem mantido sempre forte na minha rotação é Carly Rae Jepsen. A cantautora canadiana lançou um álbum este ano, The Loneliest Time. Por azar, foi editado no mesmo dia que Midnights, de Taylor Swift.
Cheguei a temer que houvesse alguém na editora de Carly que a odiasse secretamente. Até porque já o lançamento de Emotion foi uma confusão. No entanto, daquilo que pesquisei, The Loneliest Time foi anunciado cerca de um mês antes de Midnights. Deve ter sido uma coincidência infeliz.
Segundo Carly, The Loneliest Time é um dos seus álbuns mais pessoais. Algumas destas músicas foram compostas como páginas do seu diário. Carly nem sequer queria lançá-las, mas foi persuadida pela sua editora.
Este é o primeiro caso que conheço em que uma editora prefere o mais honesto em vez de o mais radiofónico. Respeito.
Uma dessas músicas mais diarísticas é o primeiro single, Western Wind, lançada uns meses antes do resto do álbum. Acho que a ouvi pela primeira vez quando me apareceu no Radar de Lançamentos do Spotify. Nos meses que se seguiram, ia adicionando-a às minhas filas, gostando do que ouvia, mas sem lhe prestar muita atenção. Uma das primeiras coisas que me atraiu em Western Wind foi a sonoridade vagamente mística, criada pela percussão e pelos sintetizadores.
Mais tarde, depois de sair The Loneliest Time e depois de ler e ouvir algumas entrevistas, descobri que a letra de Western Wind foi inspirada pelas suas experiências durante o confinamento. Carly estava a viver em Los Angeles e a sua família estava a viver no Canadá quando a pandemia começou. Perdeu a avó nessa altura, mas não pôde ir ao funeral nem estar com a família por causa das restrições nas fronteiras.
Western Wind não é uma música triste, no entanto. Aliás, faz-me lembrar Everglow, dos Coldplay, pois fala sobre sentir a presença e o amor dos seus entes queridos, mesmo com a distância.
Ao mesmo tempo, Western Wind fala sobre o contacto com a Natureza que, para Carly, lhe recorda a infância. Faz parte do arquétipo do Canadá, eles gostarem muito do ar livre. Por outro lado, este tem sido um tema recorrente desde o início da pandemia, por motivos óbvios. Nem sequer é a primeira vez que o comento aqui no blogue.
Ora, o segundo single, Beach House, é muito diferente. O instrumental é mais alegre, daqueles que convidam a palmas. Há muitos que não gostam desta música e eu até compreendo porquê – é daquelas canções um bocadinho tolas. Confesso que já fui mais papista nesse aspeto – e, de resto, existe muito pior por aí.
Eu acho engraçada. Carly escreveu a letra sobre as suas experiências quando aderiu ao Tinder ou a uma aplicação semelhante.
Eu pergunto-me, no entanto, como é que não se soube que Carly Rae Jepsen andava a aparecer em apps de encontros – ela é relativamente famosa! E aposto que levou com uma mão-cheia de piadas com Call Me Maybe. Aparentemente ela não se manteve na app durante tempo suficiente para isso mas, de qualquer forma, a experiência não foi divertida. Corre-se o risco de entrar em território muito sombrio quando se fala de encontros que correm mal. Beach House conseguiu manter o tom humorístico, o que nem sempre é fácil. Pontos para Carly.
E acho que não estou a perder nada ao não aderir ao Tinder.
Outro single de que gosto é de Surrender My Heart – que também abre o álbum. Esta é outra música sobre relutância em apaixonar-se após más experiências anteriores. Carly é uma confessa romântica incurável e isso reflete-se na sua música. Paradoxalmente, tem tido azar no amor. Isso foi algo que a atormentou durante o confinamento: o facto de ainda não ter encontrado a pessoa certa.
Em Surrender My Heart, a narradora – vamos assumir que é Carly – está com uma pessoa e está ativamente a lutar contra os comportamentos tóxicos que adotou, depois de todas as suas relações falhadas. Algumas por sua causa, ela admite – “All the broken hearts that I broke before they could break me”. Carly quer deixar tudo isso para trás, quer deitar os muros abaixo, ter fé no amor e no seu amado.
O refrão é tão cativante como algumas das melhores músicas de Carly. Gosto em particular dos backvocals.
A balada Go Find Yourself or Whatever é outra autobiográfica. Terá sido inspirada pelo término de uma relação de Carly. O tipo deixou-a, dizendo que, como diz o título, precisava de “se encontrar a si mesmo”.
É uma situação curiosa Isto de se “encontrar a si mesmo” é um daqueles ditos de psicologia popular que tem estado na moda nos últimos anos – e que, de tão usados, já começaram a perder o seu significado. Chegam mesmo a ser usados como pedras para atirar aos demais.
Não digo que tenha sido esse o caso do interesse romântico de Carly. Pelo contrário, é possível que o sujeito tivesse boas intenções. Se ele tinha assuntos pessoais por resolver, talvez não fosse saudável ele continuar naquela relação.
Dito isto, Go Find Yourself or Whatever mostra-nos o outro lado. A narradora pode compreender as razões do amado, mas também pode vê-las como “Estou melhor sem ti” ou “Não fazes bem à minha saúde mental”. Carly chegou a descrever Go Find Yourself or Whatever como uma canção zangada, mas eu não a vejo assim. Acho que a narradora está a lidar com a situação com uma elegância de louvar – claramente ressentida, mas espera que o amado volte para ela, quando se encontrar a si mesmo ou lá o que for.
Eu não sei se estaria disposta a fazer o mesmo.
Outras músicas de que gosto são Anxious e Keep Away. Ainda preciso de passar mais tempo com The Loneliest Time, mas acho que gosto um bocadinho mais dele que de Dedicated. Carly abrindo o seu coração foi uma aposta ganha – tanto na música como no amor, ao que parece.
Emotion continua a ser o melhor, no entanto. Side B incluído.
Por fim, temos de falar sobre Taylor Swift. Ela que continua uma presença forte nos meus hábitos musicais – e provavelmente assim continuará. A música da mulher é tão cativante que, se não tenho cuidado comigo mesma, não oiço mais nada.
E muitas vezes nem sequer são as músicas mais recentes. Muitas vezes são músicas como Treacherous e evermore, que têm ganho novos significados com o tempo.
Por outro lado, tenho de confessá-lo: ao fim de algum tempo cansa. São muitas canções sobre relações românticas e, sobretudo, sobre separações.
Apesar da omnipresença de Taylor na minha vida musical, é pouco provável que alguma vez escreva uma análise como deve ser a algum álbum dela. O mercado está saturado. Há por aí muita gente com mais conhecimentos sobre a carreira dela e histórico amoroso, mais capaz de identificar as pistas e os infames easter eggs. Tenho pouco a acrescentar ao debate. Não digo nunca, mas para já vou limitar-me a textos como este – e a eventuais Músicas Ao Calhas, se me apetecer.
Não sei como foi com outros fãs de Taylor, mas não contava com um álbum de músicas inéditas em 2022. Estava à espera de mais regravações – estou um bocadinho desiludida por não termos ainda 1989 TV ou Speak Now TV.
Tirando isso, Midnights foi uma surpresa agradável. Taylor regressou ao synth pop de 1989, Reputation e Lover, mas com as lições aprendidas com folklore e evermore. Tenho uma certa pena que Taylor não se tenha aventurado num género musical diferente – ando com desejos de um álbum rock – mas a música é boa e isso é o mais importante.
Anti-Hero tem-se fartado de quebrar recordes, mas não está entre as minhas preferidas. É possível que seja por excesso de exposição. Estou contente por Taylor ter percebido que as pessoas preferem o seu lado honesto em vez de uma música estilo Me!, concebida para ser o êxito radiofónico.
Ainda assim, cansei-me depressa do verso “It’s me, hi, I’m the problem, it’s me” – e acho que era previsível.
Também não adoro Bejeweled. Das três músicas que tiveram direito a vídeo até agora, Lavender Haze é a de que gosto mais – adoro o verso “Get it off your chest, get it off my desk”. Alguns fãs queixam-se que Taylor nunca escolhe as músicas certas como singles. Eu não sou assim tão categórica, mas no que toca a Midnights concordo.
Karma é uma das minhas preferidas em Midnights. Tem um estilo de instrumentação semelhante a Bejeweled, mas na minha opinião melhor executado. Os momentos com piano (?) que vão pontuando a música fazem-me pensar no ataque Dazzling Gleam em Pokémon. A letra tem uma dose saudável de braggadocio – na minha opinião justificado e mais genuíno do que quando Taylor se faz de coitadinha, como em You’re On Your Own, Kid. Adoro o verso “Ask me why so many fade but I’m still here” – tanto pela mensagem e sim como pelos vocais harmonizados.
Midnight Rain é outra das minhas preferidas. Uma balada estilo anos 80 – aliás, lembra-me imenso All That, de Carly Rae Jepsen. À semelhança de outras músicas neste álbum, como Labyrinth, os vocais artificiais são muito prevalentes. Regra geral, não costumo gostar de vocais como estes – Carly Rae Jepsen, por exemplo, usou-os em músicas como The Loneliest Time e eles irritam-me. No entanto, em Midnights todos eles foram bem sacados.
Só prova que estes elementos menos “orgânicos” – coisas como auto-tune, dubstep, etc – não são maus por si só. Depende tudo da forma como são usados. Mais sobre isso já a seguir.
A letra fala de algo que eu penso ser muito comum: dois apaixonados cujos projetos de vida não encaixam. Faz lembrar a história de ‘tis the damn season e dorothea em evermore – com a diferença de que, em Midnight Rain, há mais certeza de que foi tomada a decisão certa. Ainda que a narradora de vez em quando pense nele.
Vigilante Shit é quase um guilty pleasure – sombria de uma maneira lamechas e deliciosa. Também gosto muito do tom sonhador de Snow on the Beach – não sei se Taylor pretende lançar mais singles para Midnights, mas, se eu tivesse voto na matéria, escolheria esta.
Labyrinth, Maroon e Question…? são três músicas de que gosto mas que ainda não digeri por completo. Destas três, a minha preferida é a terceira – o cenário pintado pelo refrão recorda-me uma de várias histórias que escrevi há muitos anos, em miúda.
Depois temos ainda a versão Deluxe – a 3am Edition, edição das três da manhã, que está cheia de pérolas. Algumas delas, na minha opinião, mereciam estar na edição padrão de Midnights.
Bem, mais ou menos no caso de Bigger than the Whole Sky: uma música linda mas de partir o coração. Especula-se que a letra tenha sido inspirada por um possível aborto espontâneo. Talvez Taylor a tenha deixado de fora da edição-padrão para não ter de responder a perguntas sobre ela.
Compreende-se.
Would’ve Could’ve Should’ve, que parece ter sido inspirada pela relação de Taylor com John Mayer, não é das minhas preferidas. Tem, no entanto, sido bastante comentada pelos fãs pelo infame verso “Give me back my girlhood”.
Gosto muito de High Infidelity, que apresenta uma situação de moralidade questionável – a narradora explicando os motivos pelos quais traiu o companheiro. Paris também é muito gira – é a música mais alegre em toda Midnights. No entanto, estou zangada com Taylor por esta música ter saído duas semanas depois de eu ter estado em Paris. Isto faz-se, Miss Swift?
Em defesa dela, a Paris da música não parece ser a cidade propriamente dita, antes uma metáfora. Como a Paris dos Chainsmokers – uma música de que também gosto muito.
É possível que alguns de vocês não conheçam Hits Different. Esta é uma faixa exclusiva da versão de Midnights vendida na Target (uma cadeia de supermercados norte-americana) e não está disponível em nenhum dos Spotifys desta vida. Mesmo no YouTube os vídeos nunca permanecem disponíveis durante muito tempo. Nos últimos anos, faixas como esta costumam ser lançadas nas plataformas de streaming mais cedo ou mais tarde. Mas já lá vão quatro meses e, até agora, nada… (É melhor sacarem-na aqui.)
Às vezes o fator raridade sobrevaloriza uma canção e é possível que ele esteja presente com Hits Different. Mas continuo a achar que é uma das melhores em Midnights e merecia estar na edição-padrão. Ao mesmo tempo, é uma sonoridade distinta do resto do álbum – com mais guitarra acústica, embora mantenha elementos de synth pop. Talvez tenham achado que não se encaixava bem com o resto das músicas.
Há quem descreva Hits Different como a august deste álbum. Consigo compreender porquê: o refrão de Hits Different parece-se um bocado com a terceira parte de august. Aliás, tanto o refrão como a terceira parte desta música são excelentes.
Espero que não demorem muito mais a colocar isto no Spotify. O resto do mundo merece ouvir Hits Different.
Falta só falar sobre a minha canção preferida em Midnights – e possivelmente de todo 2022. Para isso, vamos regressar à 3am Edition e olhar para a primeira das faixas-extra: The Great War.
Esta música cativou-me forte logo na primeira audição e, nas raras ocasiões em que isso acontece, fico refém para o resto da eternidade. No caso de The Great War, estas melodias devem ter uma droga qualquer, sobretudo no refrão – são viciantes.
A instrumentação é daquelas coisas que, como comentei acima, não devia resultar mas resulta. É a música mais eletrónica em toda a Midnights, com notas daquilo que me parece ser 8bit.
8bit! Música de Game Boy! Taylor e Aaron Dessner criaram uma autêntica obra de arte com música de Game Boy! E eu costumo dizer que prefiro instrumentos “a sério”...
Ao mesmo tempo, existe algo de militarístico na percussão, sobretudo na terceira parte – o que se adequa à letra, claro. Esta é uma das melhores letras em todo o álbum, se não for de todo o ano: comparando uma discussão feia entre amantes a uma das Guerras Mundiais. Uma das partes é menos belicosa, tenta resolver a situação diplomaticamente. A narradora, no entanto, tem uma coleção de más experiências anteriores, o que a leva a comportamentos destrutivos, tanto para ela como para o amado – veja-se toda a segunda parte. Claro que, a partir de certa altura, ela percebe que está errada e põe fim ao conflito.
Tal como Lorde fez com todo o álbum Melodrama, Taylor pegou numa situação relativamente corriqueira e transformá-la em algo grandioso.
E depois são os pormenores. Adoro a frase “Diesel is desire” – não consigo perceber se isto é considerado assonância ou aliteração, só sei que adoro a maneira como soa. Por outro lado, a expressão “crimson clover” também aparece em A Praise Chorus, outra das minhas músicas favoritas em 2022 – uma coincidência engraçada.
The Great War é mesmo daquelas músicas que estimulam a imaginação que se aplicam a inúmeras histórias. A mim invoca-me imagens do filme Expiação, que vi no verão passado e que deu cabo de mim. Ao mesmo tempo, têm-me aparecido várias montagens de vídeos nas minhas sugestões do YouTube – como a acima.
Eu mesma tentei fazer uma story com imagens do primeiro filme de Tri, mas não saiu bem como queria. Eu devia era fazer um AMV – se algum dia arranjar tempo, paciência e software para isso, este está no topo da lista.
E depois de Midnights? Taylor prepara-se para ir em digressão pela primeira vez em vários anos. À data desta publicação, só há marcações para os Estados Unidos – os Paramore, aliás, irão abrir um par de concertos – que se estendem até agosto. Ainda não há datas para concertos na Europa, mas estas deverão ser anunciadas mais cedo ou mais tarde.
Ela virá a Portugal? Talvez. Taylor era para ter vindo em 2020, antes de a pandemia ter cancelado tudo. Se vier, eu gostava de ir, mas será quase de certeza uma corrida estilo Coldplay no ano passado. E os bilhetes serão caríssimos.
Entre esta digressão e o filme que ela irá realizar, não sei se ela planeia lançar música em 2023. Ninguém a censuraria – seria o primeiro ano desde 2018 sem que Taylor lançasse música. Mas ando um tudo nada sedenta de mais relançamentos. Os intérpretes de easter eggs dizem que o próximo será Speak Now, o que me agrada – só mesmo por causa de Enchanted.
E chegámos ao fim deste balanço. Finalmente. Isto foi um autêntico exagero e, por incrível que vos pareça, houveram músicas marcantes este ano que ficaram de fora. Coloquei-as na playlist do ano à mesma. Temas como, por exemplo, Lost My Mind de Finneas, Celestial de Ed Sheeran (porque continuo a comer da mão), Guerra Nuclear de Marisa Liz e de António Variações e uma Questão de Fé, de João Pedro Pais, na sequência do meu texto sobre música portuguesa. Deixo também aqui o link da playlist de Setembro de 2022 para complementar. E o meu Spotify Wrapped, que este ano acho que até ficou fidedigno.
Agora se me permitem algumas reflexões sobre 2022 com dois meses de atraso… para mim 2022 foi o oposto de 2021. 2021 foi um ano melhor que o anterior em termos coletivos mas foi pior para mim em termos pessoais. 2022 foi péssimo em termos coletivos – muito menos Covid, mas guerra, inflação, crise energética, seca em Portugal – mas, a nível pessoal, foi o melhor desde 2019. Entre outras coisas, estou mais feliz no trabalho. Foi o regresso a uma quase normalidade após a pandemia. Voltei a ir a concertos, viajei mais, convivi mais. Como escrevi num dos textos anteriores, vi mais séries e filmes – destaque para Kizuna em português nos cinemas portugueses – alguns fora da minha zona de conforto.
E, como poderão deduzir desta série de testamentos a que chamo balanço musical, não me faltou música.
Na verdade, sinto que, depois de dois anos acontecendo relativamente pouco por causa da pandemia, desde há alguns meses para cá está a acontecer tudo ao mesmo tempo para compensar. Isso já tinha acontecido em setembro e escrevi sobre isso na altura. Depois, tivemos o Mundial – um Mundial muito melhor do que tinha o direito a ser – fora de horas, em cima do Natal, na mesma altura em que saiu Pokémon Scarlet & Violet e em que os Paramore lançaram The News.
E isso tem continuado e vai continuar em 2023. Vejam-se as últimas semanas: Lost, uma inédita dos Linkin Park dos trabalhos de Meteora saiu no mesmo dia que o álbum This is Why. Depois disso, em abril, vou ter dois concertos em menos de uma semana – vou ver os Hybrid Theory ao Pavilhão Atlântico no dia 15 e, no dia 21, vou finalmente ver Avril Lavigne a Zurique.
Aliás, toda a gente e respectivos avós vão lançar música em 2023, ao que parece. Os Sum 41, para começar, como comentámos no texto anterior. Avril está em estúdio neste momento – no que toca a ela, no entanto, é melhor apontarmos só para a 2024. Lorde também anda a brincar com a ideia de lançar música nova, apesar de, tecnicamente, ainda andar em digressão por Solar Power. Ela, aliás, acaba de ser confirmada no Paredes de Coura.
Mas eu dificilmente poderei ir. Paredes fica muito longe e não marquei férias para essa altura.
Está também prestes a sair a edição de vigésimo aniversário de Meteora. Mike Shinoda também irá lançar algumas canções a solo e tem deixado em aberto a possibilidade de os Linkin Park lançarem música nova.
Tudo isto é bom, claro. O reverso da medalha é que é muita coisa para digerir ao mesmo tempo, quanto mais escrever – quando eu também tenho trabalho e outros assuntos pessoais na minha vida (diz que isto é a vida adulta). É por isso que estamos em finais de fevereiro, princípios de março, e eu ainda a refletir sobre 2022.
Uma pessoa com juízo chegaria à conclusão de que talvez eu não precise de escrever tanto, mas eu quero. Existem tantas coisas que quero escrever, nem só apenas nestes blogues. Um lema/lamento que adotei nos últimos meses é que a vida é demasiado curta para tudo o que quero escrever. Vai continuar a ser verdade em 2023.
Já que falo no assunto, deixo os meus planos para os próximos textos deste blogue. O próximo será uma análise a Meteora, a propósito do vigésimo aniversário – algo semelhante ao que fiz com o Hybrid Theory. Não vou publicar no próprio dia 25 de março. Em parte porque não devo ter tempo, mas também quero esperar pela edição de aniversário para poder incluir as faixas novas e as demos todas na análise. Espero divertir-me tanto como com Hybrid Theory.
A seguir, escreverei sobre This is Why dos Paramore. Vou precisar destas semanas, ou meses, para formar uma opinião sobre o álbum – ainda está tudo muito no ar. Depois disso, logo se vê. Não quero preocupar-me demasiado com isso e não vou ter pressa. Como disse antes, existem coisas que quero escrever fora dos meus blogues. Não estranhem se isto voltar a ficar parado durante longos períodos.
Obrigada por me terem aturado mais um ano. Continuem a aturar-me durante mais um… ou melhor, durante mais dez meses – espero nunca mais voltar a atrasar-me com um balanço musical. Antes de me ir embora, deixo-vos o link para o meu Tumblr – aderi no início do ano para servir de alternativa ao Twitter. Não que publique nada de especial, mas tenho-me divertido – para mim é um mundo à parte de todas as outras redes.
Como sempre, obrigada pela vossa visita. Até à próxima.
Segunda parte da minha retrospetiva musical de 2019. Hoje começamos com...
Roxette e companhia ilimitada
Já estava nos meus planos falar sobre os Roxette neste texto antes de recebermos a notícia da morte de Marie Fredriksson, a vocalista feminina. A sua partida foi uma infeliz coincidência. Assim sendo, estes parágrafos não são exatamente iguais ao que seriam não fosse esta perda.
Já se sabe como é: depois de alguém morrer, temos a tendência de homenagear o defunto de uma forma que nem sempre fazemos quando a pessoa está viva. Um dos motivos pelos quais tenho este blogue é para contrariar essa mania, mostrar a minha apreciação por trabalhos mediáticos enquanto os seus criadores estão vivos – mesmo que seja altamente improvável eles lerem o meu blogue. Mas neste caso não fui a tempo.
A verdade é que, embora esteja um bocadinho triste com a morte da senhora, não sabia muito sobre ela. Marie foi diagnosticada com um tumor cerebral em 2002. Apesar de ter sido operada com sucesso, a sua saúde nunca recuperou por completo. Nas últimas digressões ela passava os concertos quase todos sentada, num estado visivelmente fragilizado. Em 2016 finalmente deu-se por vencida e reformou-se as digressões.
É possível que Marie estivesse em sofrimento nesta reta final, que o seu estado de saúde se degradasse cada vez mais a partir de agora. Talvez tenha sido melhor assim.
É também triste porque Bryan é apenas um ano mais novo. Nunca teve problemas graves de saúde e, mesmo que a idade se vá notando aqui e ali, ainda não dá sinais de abrandar. Ele diz que é a dieta vegan, mas acho que será sobretudo sorte: conta mais do que se pensa.
Já tinha referido num texto anterior que a música Listen to Your Heart me ajudou a definir o meu gosto musical em miúda. Durante algum tempo foi a única música dos Roxette que ouvia com alguma regularidade. Mais tarde (para aí há dez anos) houve uma altura em que andei obcecada com Sleeping in My Car. Com o passar dos anos, aliás, sobretudo desde que comecei a usar o Spotify, fui continuando a acrescentar canções deles às minhas playlists. Ainda hoje o faço.
Muitas dessas músicas estão dentro do estilo de Listen to Your Heart: baladas rock no feminino, emotivas mas confiantes, com personalidade. Fading Like a Flower e Spending My Time são provavelmente as minhas preferidas. Almost Unreal é uma descoberta mais recente e tenho andado um bocadinho viciada.
It Must Have Been Love, o maior êxito dos Roxette, também se encaixa nesse estilo. Está entre as minhas preferidas mas, como tenho andado a explorar outras músicas, tenho-lhe dado menos atenção ultimamente – porque já a conheço bem. Continua a ser uma excelente canção, como escrevem neste artigo. Eu destacaria o piano nesta canção, sobretudo o solo antes dos últimos refrões, em tom mais agudo.
Por outro lado, este ano tenho encontrado músicas dos Roxette que fogem um pouco ao rock mas que não são em nada inferiores às demais. Já conhecia Wish I Could Fly, embora não soubesse que era deles – havia uma altura há muitos anos (quando eu tinha treze ou catorze? Mais tarde?) em que a apanhava várias vezes na rádio. Breathe e Queen of Rain são agradavelmente atmosféricas, com letras a condizer.
Depois, temos músicas sem ser baladas, mais alegres e divertidas. Como referi acima, conheço Sleeping in My Car há muito tempo, embora me tenha cansado um bocadinho dela. Também gosto de Joyride (uma das mágoas da minha vida é não conseguir replicar os assobios) e sobretudo de The Look, ambas com vocais de Per Gessle. Confesso que a maior parte das canções de que gosto dos Roxette são cantadas a solo por Marie, mas os dois fazem uma dupla fixe.
Bem… faziam.
Ainda estou em modo de exploração, na verdade. E vou continuar. Vou continuar a adicionar músicas dos Roxette à fila, se gostar adiciono-as às minhas playlists. Talvez um dia compre um dos CDs: Look Sharp! ou Crash! Boom! Bang! Mesmo que Marie já não esteja entre nós, a musica dela está. E pelo menos da minha parte o legado dela não sofrerá de falta de apreciação.
Existem outros exemplos de pop rock/soft rock no feminino que tenho ouvido nos últimos anos, em particular no passado, se bem que menos que os Roxette. Pat Benatar é um desses casos, bem como Blondie – dá para ver que estes últimos são uma influência importante dos Paramore.
Por outro lado, os Cranberries também perderam a sua vocalista, Dolores O'Riordan, vai fazer dois anos daqui a dois dias. Tenho ouvido alguns singles deles, mas gosto muito de um cover de Zombie, dos Bad Wolves. Consta que o plano era Dolores contribuir com vocais para o cover. Infelizmente ela morreu antes de poder gravar. Os Bad Wolves acabaram por gravar o cover à mesma e lançá-lo como homenagem à cantora – os lucros reverteram para os seus filhos.
A meu ver, a versão dos Bad Wolves ganhou personalidade própria. Não apenas pela instrumentação mais pesada e atualizações da letra (como por exemplo “It’s the same old theme in 2018”), mas também porque a dor pela perda de Dolores acabou por se entretecer na música, dando-lhe um carácter ainda mais melancólico. O videoclipe contribui ainda mais para esse efeito, como poderão ver abaixo.
Outra música marcante este ano e que podia também ser incluída nesta secção foi Holding Out For a Hero, de Bonnie Tyler… mas antes tenho de falar sobre outra.
Carry On & Holding Out for a Hero
Vou ser sincera, se as circunstâncias fossem outras, se por exemplo tivesse ouvido esta canção na rádio, esta teria entrado por um ouvido e saído por outro. Não sendo má, tem pouco que a distinga do resto da música mainstream dos últimos anos. Instrumentalmente, é uma espécie de pop tropical, disco tropical, com piano e sintetizadores, com um interregno musical mais ou menos dançante a seguir ao refrão – no caso desta música, uma sequência vagamente dançante com sintetizadores.
Existem canções neste estilo que exploram bem essa fórmula: Stay the Night, This One’s For You, Outside de Calvin Harris (gosto muito desta). Não acho que Carry On seja uma delas. Enquanto as melhores músicas neste estilo conseguem construir um crescendo, aumentando a excitação, culminando com o tal interregno musical, Carry On mantém-se sempre no mesmo nível, não atinge nenhum clímax.
Mesmo a letra em si não é nada de especial. Fala sobre amor e saudade, com algumas referências a praia e ao mar que lhe conferem características de música de verão. Pode referir-se a uma relação romântica, pode referir-se a uma relação platónica. Dá a ideia que a letra foi mantida vaga de propósito para que o ouvinte pudesse projetar os seus próprios significados nela. Sou a primeira a admitir que isso tem vantagens – passo a vida a fazê-lo, incluindo com esta canção – mas para um compositor e/ou letrista é o caminho mais fácil.
Como referi antes, se as circunstâncias fossem outras, Carry On ter-me-ia passado ao lado. No entanto, foi a música escolhida para os créditos do filme Pokémon: Detetive Pikachu. Agora, mesmo não tendo sido composta de propósito para este filme (consta que a primeira demo datava de setembro de 2016), faz parte do cânone da franquia – pelo menos na minha mente.
Um dia destes hei de escrever sobre este filme aqui no blogue. Posso adiantar desde já que gostei muito, mesmo não tendo sido perfeito.
A letra de Carry On podia ser aplicada à relação entre Tim e o Detetive Pikachu. Ainda assim, se me permitem, acho que se aplica ainda melhor a Digimon Tamers. Como disse antes, a letra fala em amor e saudade. As estâncias focam-se na saudade. No refrão, no entanto, o sujeito narrativo reconhece que o ser amado mudou a sua vida, ajudou-o a crescer, e promete seguir em frente por ele.
No fundo, Carry On é um resumo geral, ultra-simplificado, dos voicemails dos Treinadores para os seus Digimon, no CD DramaMessage in a Packet.
Tendo eu dedicado uma grande parte do meu ano a Tamers e tendo Detetive Pikachu sendo um filme tão marcante, não posso deixar de referir Carry On como uma das músicas de 2019. Mesmo que a canção em si não seja nada por aí além. Às vezes basta um pouco de sentimentalismo – e eu sou extremamente sentimental e lamechas – para elevar uma canção mediana a algo extraordinário.
Falemos agora de Holding Out for a Hero. Esta foi usada no segundo trailer de Detetive Pikachu – depois de Happy Together ter sido usada no primeiro. De início não compreendi a escolha das músicas – e não apreciei muito. Iam lançar um filme de Pokémon, uma franquia com uma forte componente musical, e em vez que usarem essas músicas, iam usar canções pop?
No entanto, depois de pesquisar, fiquei a compreender a lógica. Se formos a ver (ou melhor, a ouvir), as duas canções – Happy Together, dos Turtles, e Holding Out for a Hero, de Bonnie Tyler – partilham características com os dois principais temas da franquia. No início dos respetivos trailers, ouvem-se notas discretas desses temas.
Happy Together (uma música de que não gosto muito, confesso), usada no primeiro trailer, é muito parecida com o tema principal de Pokémon nos jogos – o tema que ouvimos em quase todos os ecrãs iniciais de quase todas as versões, com variantes, claro. No site TV Tropes alegam que o tema dos The Turtles terá influenciado a música de Pokémon. É possível, mas não encontrei nenhuma fonte que o confirmasse.
Por sua vez, Holding Out for a Hero terá sido escolhida pelas suas semelhanças com Gotta Catch'em All, o primeiro tema de abertura do anime. Ambos se caracterizam pelo piano (ou teclado?) em ritmo acelerado, que entusiasma, que funciona bem como banda sonora de cenas de ação.
Entre Happy Together e Holding Out for a Hero prefiro a segunda. Não apenas pelos méritos da canção, também porque… eu adoro Gotta Catch'em All. Gosto do tema dos jogos tanto quanto qualquer fã da franquia mas para mim, por muitos defeitos que o anime tenha, o primeiro tema de abertura será sempre a música de Pokémon. Se a oiço quando não estou à espera, derreto como manteiga. Aconteceu neste filme – ouvir o Ryan Reynolds cantando-o a chorar é uma das várias cenas do filme que, por si só, valem o preço do bilhete. Aconteceu com dois dos trailers para Let’s Go – num usaram a versão inglesa, noutro usaram a versão portuguesa. Uma jogada suja porque… resulta.
Holding Out For a Hero fica, agora, associada a dois filmes de que gosto. Detetive Pikachu e Shrek 2: pela célebre cena a que serve de banda sonora.
Por muito que goste da versão original, tenho de admitir que a versão de Shrek 2, interpretada de forma soberba por Jennifer Saunders, é melhor. A instrumentação é mais moderna, com variações para acompanhar os eventos no ecrã. Além de ser uma combinação única de dancemusic com elementos orquestrais.
Suponho que tenha de falar do elefante na sala: a mensagem obsoleta e pouco feminista da canção. Não me incomoda muito. Quando a oiço, gosto de imaginar um videoclipe irónico, mostrando mulheres tomando conta de si mesmas, em diametral oposição à letra. Ou entanto, pura e simplesmente, pessoas salvando-se umas às outras.
Voltaremos a falar sobre Detetive Pikachu em breve, como referi acima. Prossigamos.
Carly Rae Jepsen
Como poderão ler no texto correspondente do ano passado, Carly Rae Jepsen, cantautora canadiana, foi uma artista marcante para mim em 2018. Sobretudo por causa do álbum Emotion, a edição padrão, faixas extra e o EP Side B, lançado um ano mais tarde. Como tal, estava interessada no seu álbum novo Dedicated, lançado em maio de 2019.
Antes de mais nada, devo confessar que demorei alguns meses a dar a atenção devida a Dedicated. Como já referi aqui no blogue, muitas vezes só consigo ouvir um álbum como deve ser sob a forma de CD, no meu carro. Só comprei Dedicated perto do fim do ano.
Uma das coisas que me chateou foi o facto de Party for One não fazer parte da edição padrão do álbum – a que comprei em CD. Já com Emotion deixaram várias músicas excelentes de fora… mas este foi o primeiro single. Qual é a lógica? Obrigar toda a gente a compar a versão Deluxe?
Ainda preciso de passar mais algum tempo com Dedicated, mas, nesta altura, posso desde já adiantar que gosto da maior parte das músicas. Now That I Found You, Happy Not Knowing, The Sound (gosto muito do pré-refrão), I Want You In My Room (ameninada, engraçada, com um saxofone que me recorda Let’s Get Lost).
Too Much tem uma letra interessante – acho que todos conhecemos alguém assim, incapaz de meio termo, de moderação, que leva tudo ao extremo. A própria Carly, então, já admitiu ser uma romântica incurável. É possível que seja daquelas pessoas que, quando se apaixona, deixa-se levar pelas suas emoções – o que pode levar a que se magoe a si mesma ou a que assuste os demais.
A minha preferida até agora, no entanto, é Real Love. A sonoridade é semelhante à dance pop dos dias de hoje. Ao contrário de Carry On, no entanto, Real Love executa a fórmula com mestria. Um crescendo constante desde as estâncias, passando pelo pré-refrão, culminando com o último verso do refrão e o interregno dançante.
Mas aquilo que destaca Real Love das demais é a sua letra. Real Love exprime o desejo de encontrar amor num mundo cada vez mais degradado, numa altura em que parece que estamos todos em guerra constante uns com os outros (sobretudo na Internet), em que a apatia e a indiferença são uma tentação cada vez mais forte. Deseja-se amor verdadeiro, mesmo que não se saiba ao certo o que isso é.
No fundo, é Lesson Learned por outras palavras e noutro estilo musical. Com a diferenca de que na música de My Indigo já se tem amor. Em Real Love ainda se está à procura.
Falemos agora dos aspetos de que menos gosto em Dedicated. Os vocais artificiais em várias canções irritam-me – bem como os apitos e algumas escolhas de instrumentos. A sonoridade em geral é um bocadinho homogénea demais para o meu gosto.
Além de que todas as canções são sobre relações amorosas. Mesmo Party For One, que procura celebrar a solidão, começa como uma “break up song”. É certo que a larga maioria de Emotion também é assim, mas sempre tinha algumas exceções, como Boy Problems, L.A. Hallucinations e, até certo ponto, Making the Most of the Night (que também podia ser aplicada a uma amizade).
Aliás, tenho de dizer que numa ocasião, ao fim de algum tempo com Dedicated, fiquei com vontade de ouvir Emotion. Como disse antes, é possível que Dedicated suba na minha consideração no futuro, mas duvido que ultrapasse o seu antecessor. Dedicated pura e simplesmente fica atrás de Emotion.
Para sermos justos, era muito difícil ser melhor.
Pergunto-me se Dedicated terá um side B este ano, como Emotion teve. Aparentemente está nos planos de Carly, se bem que não necessariamente nos mesmos moldes do de Emotion. Afinal, Carly terá composto umas duzentas músicas durante os trabalhos para este álbum. Só estas quinze é que merecem ser ouvidas? Duvido.
Esperemos para ver.
E pronto, foi assim 2019 em música para mim. Existem outras canções e/ou artistas que ouvia com regularidade. Não acho que justifiquem uma secção, mas não queria deixar de mencioná-los.
Billie Eilish foi um dos fenómenos deste ano. Há uns meses pus-me a ouvir o álbum dela no Spotify. À primeira não gostei assim muito – só agora é que me estou a habituar ao estilo musical – mas Bury a Friend ficou-me logo na cabeça. Sobretudo a frase que dá título ao álbum “When we all fall asleep, where do we go?”. Também gosto de Bad Guy. Hei de ouvir mais músicas dela.
Por outro lado, nos últimos anos tenho andado interessada na música de António Variações. O filme inspirado na vida dele, que saiu no verão passado, reforçou esse interesse. A Canção do Engate é para mim uma das melhores da música portuguesa. Por outro lado, tive uns dias em que andei absolutamente viciada em Anjinho da Guarda. “Ele não, não usa aaaarmaaa… Ele não, não usa a foooorçaaa…”
Tenho também andado a explorar um bocadinho mais a discografia de Mika, sobretudo os seus dois últimos álbuns – o mais recente lançado este ano. Por fim, os Coldplay lançaram Everyday Life em novembro, mas preciso ainda de passar algum tempo com o álbum. Talvez escreva sobre ele – num texto independente ou no da música de 2020.
Como mudámos não apenas de ano como de ano como de década, muita gente tem aproveitado para fazer retrospetivas dos anos 10. Para mim não faz muito sentido. Uma década é demasiado tempo, muitas coisas acontecem, de bom e de mau. Gostos e opiniões mudam, alguns deles de forma radical. Tirando coisas muito gerais, é muito difícil encontrar aspetos que se tenham mantido consistentes ao longo de dez anos.
Suponho que possa referir os álbuns que mais me marcaram esta década (ainda que, lá está, estas opiniões não estejam gravadas em pedra): os dois que os Paramore lançaram, em 2013 e 2017, os dois álbuns de Lorde (sobretudo o segundo), Living Things dos Linkin Park, Post Traumatic de Mike Shinoda. Menções honrosas seria Goodbye Lullaby de Avril Lavigne, The Unforgiving e Hydra, dos Within Temptation, Bare Bones de Bryan Adams, My Indigo, Emotion, de Carly Rae Jepsen.
Em relação a 2020, teremos o projeto a solo de Hayley Williams, Petals For Armor. A primeira música (ou músicas? Ou o álbum ou EP inteiros?) sairá já este mês, no dia 22 – falaremos sobre isso na altura.
Tirando isso, e possivelmente o side B de Dedicated, não há nada de concreto planeado para sair este ano. Lorde tinha um álbum quase pronto no ano passado, mas entretanto morreu-lhe o cão que adotara no ano anterior. Pearl, que é como se chamava o bichinho, mudara a vida de Ella para melhor, como ela descreve na mensagem que escreveu: “Pearl trouxe uma quantidade imensurável de alegria e propósito para o meu mundo. Amor vibrava à nossa volta. Sentia a minha vida a crescer, inchando de saúde, esta esfera de satisfação brilhando à minha volta, de Pearl, da nossa família”. Supostamente, o seu terceiro álbum refletiria esse estado de espírito.
No entanto, com a perda de Pearl, isso mudou. Não sou capaz de censurá-la por precisar de tempo para, como ela diz, recalibrar antes de trabalhar no seu álbum novo – quando eu mesma tenho a minha Jane. Eu, aliás, andava contente por Lorde ter "seguido" o meu conselho e arranjado um cão e um gato, como revelara uns meses antes. Ninguém merece…
*breve pausa para festinhas à Jane*
Assim sendo, a haver álbum este ano, deverá ser mais para o fim. Não me importo de esperar. Se estiver ao nível dos anteriores, até se espera uma década, como a própria Lorde referiu uma vez.
Muito obrigada por terem acompanhado este blogue durante mais um ano. Vou agora tentar despachar os vários textos que tenho atraso, tanto aqui como no meu outro estaminé. Deixo-vos uma playlistcom as músicas que se comentaram aqui, bem como as músicas que mais toquei no Spotify este ano (não são um espelho muito muito rigoroso, aviso desde já). A próxima publicação será, provavelmente, a análise a Petals For Armor, o que quer que isso seja – se forem mais do que três ou quatro músicas, devo demorar um bocadinho ainda. Continuem por aí!
Quando os Within Temptation concluíram o ciclo do álbum Hydra, lançado no início de 2014, os membros da banda deram por si sem saber o que fazer a seguir. Sharon den Adel, em particular, estava desgastada, com bloqueio criativo. Começava a sentir as consequências de ter passado uma boa parte da sua vida adulta em digressão, mesmo sendo mãe de três (com Robert Westerholt, guitarrista da banda). Por fim, o seu pai contraiu uma doença grave, de que viria a falecer.
Como tenho assinalado várias vezes, os últimos anos não têm sido fáceis para ninguém.
Sharon tinha, assim, muito com que lidar, muito para refletir. Quando conseguiu voltar a criar música, esta não se encaixava no leque habitual dos Within Temptation. Desse modo, decidiu lançá-la à parte, num projeto a solo, a que chamou My Indigo.
Sharon criou e editou este álbum faz hoje um ano, apenas para se satisfazer a si mesma. Sem a pressão de corresponder aos critérios da música dos Within Temptation, sem preocupações comerciais – daí não ter investido por aí além na divulgação. Em parte por isso e em parte porque o pai faleceu na altura em que My Indigo foi lançado.
Na minha opinião, foi uma decisão acertada lançar esta música como um projeto lateral. Tentar vender este material como Within Temptation podia não correr bem – até porque, como referi antes, fãs de metal nem sempre são fáceis de aturar.
My Indigo é uma mistura interessante de indie pop, folk, anos 80 e elementos orquestrais/grandiosos da música dos Within Temptation. É um som mais leve que o rock/metal sinfónico da banda holandesa, mas ao mesmo tempo e um pop mais adulto que a maioria da música que passa nas rádios, tal como referi antes.
Sharon escolheu My Indigo para nome deste álbum e deste projeto porque é essa a cor que esta música lhe evocava: índigo. Leve, mas melancólico, contemplativo. Um dos melhores exemplos é o tema-título.
My Indigo é também o nome da primeira música deste álbum a ser lançada como single em meados de novembro de 2017. Este não foi um mês fácil para mim, como penso ter referido antes – depois do concerto no Hollywood Bowl, a morte de Chester Bennington estava a atingir-me como ainda não tinha atingido antes. Misturando isso com alguns problemas pessoais e com o estado geral do Mundo (que, verdade seja dita, não melhorou deste essa altura), passei os últimos dois meses de 2017 debaixo de uma nuvem de desânimo.
Acabou por ser uma boa altura para My Indigo sair, pois o seu tom melancólico condizia de maneira agradável com o meu estado de espírito.
Mesmo hoje, My Indigo é uma das minhas músicas preferidas do álbum com o mesmo nome. O som mistura folk com sintetizadores. A letra fala de um amor não correspondido, descrevendo essa relação como “índigo” – o sentimento de melancolia, de resignação, de quem sabe que por muito que ame uma pessoa, por muito que faça por ela, ela nunca dará retorno.
Out of the Darkness seria lançada no mês seguinte. Tal como My Indigo, saiu numa boa altura, ressoando com o que andava a sentir naqueles tempos. Musicalmente, poderia funcionar como uma balada dos Within Temptation, mudando apenas alguns elementos. Começa só com piano e voz, com o resto da instrumentação – a percussão, os sintetizadores – juntando-se depois do primeiro refrão.
A letra, como o título sugere, fala de procurar fugir da escuridão, deixando para trás a nossa dor, os nossos fantasmas. Out of the Darkness refere mesmo uma pessoa que ajuda a narradora nesse processo, a suportar os momentos maus.
Acaba por ter um tema parecido ao de 26, dos Paramore – por sinal, outra música com que me identificava muito em finais de 2017. Tal como 26, Out of the Darkness explora diferentes facetas do idealismo. Por um lado, alerta para o perigo de nos perdermos nos nossos próprios sonhos e mágoas, nos versos “We dwell on our dreams and somehow we forget to live” – que, a propósito, ninguém me convence que não são a uma referência às palavras de Dumbledore, no primeiro livro de Harry Potter). Por outro, parece querer sonhar com algo mais – “See the bluebirds flying high, so I’m wondering down below, could I?”, estes uma possível referência a Somewhere Over the Rainbow.
Mais do que outra coisa, era a mensagem do refrão que ressoava comigo. Na altura em que Out of the Darkness saiu, via muita gente lidando com situações difíceis. Só para dar alguns exemplos, os fãs dos Linkin Park ainda em luto por Chester e apoiando-se uns aos outros; Hayley Williams, dos Paramore, que pusera uma boa parte da comunidade a falar sobre saúde mental; uma Youtuber que terminara uma relação prolongada e publicara um vídeo falando sobre isso. De uma maneira estranha, consolava-me saber que estávamos todos a tentar lidar com os nossos próprios problemas, a tentar cuidar de nós mesmos. Como reza a letra desta música, estávamos todos a tentar fugir da escuridão.
Estas foram as únicas duas músicas que ouvia com regularidade antes de o álbum ser editado.
Uma coisa que me confunde é o facto de a tracklist do álbum em CD ser diferente das versões digitais. Nunca tinha encontrado um caso destes. Não é grave: na minha opinião, My Indigo não é um álbum onde a ordem das faixas seja particularmente significativa – ao contrário de, por exemplo, Post Traumatic. Mas é estranho.
Crash and Burn, segundo Sharon, fala de uma pessoa próxima dela que vive uma vida instável, errática, de altos e sobretudo de baixos muito baixos (talvez seja toxicodependente). A pessoa em questão não aprende com os erros. Não que não tenha recebido ajuda, mas ele ou ela gosta de viver no limite. Até agora, tem conseguido sobreviver, reerguer-se depois de cair, mas Sharon receia perdê-lo ou perdê-la de vez, mais cedo ou mais tarde.
A sonoridade encaixa-se no estilo do álbum, com destaque para o saxofone melancólico, que faz lembrar a banda sonora de um filme western.
É uma faixa interessante, mas confesso que não está entre as minhas preferidas.
Uma música que acho muito gira neste álbum é Black Velvet Sun, mais pela sonoridade que pela letra. Mistura sintetizadores e uma percussão acelerada com o som de um violino, criando um efeito ao mesmo tempo dançante e atmosférico, de uma maneira muito única.
Indian Summer é outra canção interessante em termos musicais, ao combinar violinos e sintetizadores, lembrando um bocadinho de world music, um bocadinho de funk.
A expressão “indian summer” é usada pelos anglo-saxónicos para designar um Verão tardio: tempo solarengo e temperaturas altas algures entre Setembro e Novembro. Costuma também ser usada como metáfora para um período de alegria juvenil vivido numa fase tardia da vida. A expressão terá tido origem num romance de William Dean Howells, de 1886, com o mesmo nome. Nele, o protagonista vive um romance quando já está na meia idade.
Faz sentido, desse modo, que a narradora de Indian Summer deseje reacender uma paixão antiga.
Someone Like You acaba por funcionar um pouco como uma antítese a Indian Summer – usando também imagens outonais na letra. Esta é uma das minhas canções preferidas em My Indigo, apesar de ter algumas falhas a apontar-lhe. Adoro os vocais doces de Sharon, a sua simplicidade encantadora.
Someone Like You supostamente conta a história de um casal que se juntou na adolescência e que se vai separar ao fim de cinquenta e seis anos. Digo “supostamente” porque eu confesso que não chegaria lá sem a explicação de Sharon. A letra é um bocadinho vaga de mais. Tudo o que consigo deduzir dela é que a narradora continua tão investida na relação como no início desta e se pergunta para onde o amante deseja ir.
Não sei. Apesar de gostar imenso desta música, acho que funcionaria melhor se tivesse a letra de uma canção romântica, não de separação.
Star Crossed Lovers tem a letra mais interessante de todo o álbum, a meu ver. Esta é outra faixa com um carácter vagamente western, desta feita por causa dos violinos.
Star Crossed Lovers parece falar de um casal numa relação há já muitos anos, que talvez tenha começado como um amor proibido. Talvez tivessem havido fatores exteriores, terceiros, a conspirar contra a relação. Assim, o romance ter-se-á alimentado da excitação de quebrar as regras, os dois valorizavam os poucos momentos em que conseguiam estar juntos.
Eventualmente, a relação estabilizou. Com o tempo, a paixão poderá ter arrefecido, como acontece muitas vezes com relações prolongadas. Os dois ter-se-ão afastado um do outro sem darem por isso. A narradora deseja regressar ao modo “amantes proibidos”, recuperar esse espírito, essa adrenalina, para salvar a relação.
É um tema interessante. Só é pena a faixa ser um bocadinho curta demais.
As faixas que sobram possuem uma sonoridade grandiosa, podiam encaixar-se bem num álbum dos Within Temptation, com poucas alterações. O caso mais flagrante de todos é Lesson Learned, bastando acrescentar uns acordes de guitarra elétrica para passar despercebida na tracklist de Hydra.
Só me apercebi disso aquando da preparação desta análise, mas a letra de Lesson Learned descreve bem algo que tenho sentido várias vezes nos últimos anos, em que o mundo parece cada vez mais caótico. A narradora sente-se tentada a recorrer à apatia para se proteger das inperfeições do mundo, da aleatoriedade e falta de lógica da vida. No entanto, acaba por perceber que, ao bloquear a dor e a revolta, também bloqueia o amor e a alegria. Percebe que, por muito que diga o contrário, não quer viver uma vida sem emoção.
A lição que aprendemos, como reza o título, é que é assim que o mundo e o amor funcionam. Mesmo perante a dor e o caos, não deixam de florescer.
Where Is My Love também possui semelhanças com os Within Temptation em termos musicais, se bem que menos ostensivas – a repetição de “My mamma said” (um elemento de que não gosto muito, admito) dificilmente se encaixaria na música da banda, por muito épico que seja o acompanhamento.
Este é outro caso em que a mensagem da música nos foi informada por Sharon – neste caso, Where Is My Love fala de desigualdade de género – mas sem a adenda eu não chegava lá. Tirando a terceira estância, tomaria esta letra por mais uma história de amor não correspondido.
Não deixa de ser uma mensagem relevante, claro. Mas podia ter sido melhor explorada.
Por fim, Safe and Sound é uma carta de amor aos filhos de Sharon. Esta também possui um som grandioso, não muito diferente do típico dos Within Temptation. O exemplo mais flagrante é a pausa depois da terceira estância, onde facilmente se imaginam coros, parecidos àqueles presentes em quase todas as canções da banda.
Na letra, Sharon debate-se entre o desejo de proteger os filhos e a necessidade de prepará-los para as dificuldades do mundo – um equilíbrio que todos os bons pais procuram e que eu imagino que não seja fácil de atingir. A terceira estância é particularmente ternurenta – “love you to the moon and back again”. Sharon consegue soar doce e poderosa (sobretudo no refrão) no mesmo tema. É impressionante.
E é isto My Indigo. Diria que este é um álbum outonal: maduro, sério, introspetivo, algo melancólico e nostálgico. A própria estética do álbum, em tons terra e alaranjados, condiz com o outono.
Conforme fui referindo ao longo desta análise, algumas destas músicas refletem vários conflitos internos que tenho tido nos últimos anos, coisas que senti várias vezes. Apesar de, como referi nos meus textos de fim de ano, ainda apreciar boa música pop, apenas para cantar, dançar e entreter (tenho, aliás, vindo a apreciá-la cada vez mais ultimamente), também preciso de música assim na minha vida.
É outro dos motivos pelos quais Head Above Water, de Avril Lavigne, me desiludiu: porque não me deu música assim. Isto apesar de Avril ter estado em boa posição para criar música desse género, com a Doença de Lyme.
My Indigo não é um álbum perfeito, mas considero-o uma aposta ganha por parte de Sharon. Espero que ela não fique por aqui no que toca a este projeto. Quero outro álbum daqui a uns anos.
Eu tinha dito que não queria escrever sobre Resist, o novo álbum dos Within Temptation, sem antes escrever sobre My Indigo. Já escrevi, mas ainda não me sinto preparada para escrever sobre o álbum. Vou precisar de mais tempo. Hei de fazê-lo, eventualmente, nem que só consiga publicar no primeiro aniversário de Resist, como estou a fazer com My Indigo.
Até porque, nesta altura, a minha atenção está noutro lado – no grande projeto para este blogue de que já falei antes. Ainda estou numa fase muito inicial no planeamento, isto é capaz de demorar. Mas garanto-vos que vai valer a pena.
Primeira publicação de 2019! Bom ano, pessoal! Como já é tradição aqui no blogue nestas ocasiões, eis o meu balanço musical de 2018.
À semelhança do que aconteceu nos últimos dois anos, esta lista não se limita a música lançada em 2018. Bem pelo contrário, uma parte deste texto falará de música lançada há mais de 30 anos. A crónica virá em duas partes, publicarei a segunda amanhã.
Este ano, a crónica não será tão coesa tematicamente como a última. Esta primeira parte, então, não dirá respeito a um único artista ou banda, como em 2016 e 2017, será um bocadinho mixórdia de temáticas. A segunda parte deste texto será mais... tradicional, digamos, com secções dedicadas a um artista ou banda.
Assim, sem mais delongas, vamos começar por…
Música dos anos 80 (e não só)
Isto é apenas um ponto de partida, mas a verdade é que passei uma boa parte deste ano – sobretudo por alturas do verão – obcecada com músicas dos anos 80.
Muitas destas músicas estavam longe de ser desconhecidas para mim – bem pelo contrário, cresci ouvindo muitas delas, nunca chegaram a sair das rádios. Durante muito tempo, favorecia o soft rock dos anos 80 – Bryan Adams acima de tudo, mas também Bon Jovi e mais tarde Queen-.
Desta feita, virei-me mais para o pop. ou melhor para o synth pop. Este é um estilo que tem estado na moda nos últimos anos – o álbum 1989, da Taylor Swift, é um exemplo, mas também o After Laughter dos Paramore. O último, aliás, terá sido aquele que mais me empurrou na direção deste género. E mais à frente, neste mesmo texto, falaremos de artistas cujo trabalho também foi influenciado pelo synth pop dos anos 80.
Não estou sozinha. Pelo que vejo por aí, existem muitos fãs de música com trinta ou quarenta anos de idade. Um dos maiores exemplos é Africa, dos Toto.
Não sendo a minha música preferida neste estilo, Africa tem subido na minha consideração – por causa da popularidade quase… memética (neologismo criado a partir da palavra “meme”) da música e por influência da minha irmã e, sobretudo, do António, do Odaiba Memorial Day Portugal.
Africa tem muitos dos elementos que me atraem na música dos anos 80: sintetizadores e teclados à mistura com instrumentos “reais”, melodias agradáveis, o pequeno solo de bateria que conduz ao excelente refrão.
Estou, aliás, convencida que o refrão (que terá sido inspirado por trabalhos dos Beatles e dos Beach Boys) é o principal motivo pelo qual as pessoas gostam tanto de Africa. Hoje em dia é raro encontrar um refrão como este, agudo, com emoção genuína, na música mainstream. O exemplo mais parecido que encontro é em Shallow, do filme Nasceu Uma Estrela. Outro exemplo recente é Perfect Places, da Lorde, mas esse não chegou ao mainstream, com muita pena minha.
A letra é daquelas que não tem um significado consistente. Os próprios membros da banda têm fornecido cada um a sua explicação. Há quem diga que é uma típica história de amor, há quem diga que o “you” se refere ao continente africano. Há quem diga que a ideia era chamar atenção para a fome em África. O baterista Jeff Porcaro (falecido em agosto de 1992) terá dito que a letra foi escrita do ponto de vista de, parafraseando, “um miúdo branco que só conhece África daquilo que vê na televisão”.
Por sua vez, o vocalista na altura, David Paich, disse que Africa conta a história de um missionário, como um que Paich conheceu em miúdo. Esse missionário teria estado em terras africanas, difundindo a fé cristã, distribuindo bíblias e, segundo o próprio, abençoando as culturas, as pessoas, as aldeias e… as chuvas. A parte mais difícil do trabalho seria a solidão devido aos votos de celibato – daí Africa falar de um interesse romântico tentando encontrar-se com o narrador.
Paich acaba por dizer que prefere que seja o ouvinte a interpretar a letra conforme melhor entender. Eu vou aproveitar a deixa.
Sendo este um retrato tão vago e generalista do continente africano, eu prefiro pensar que a África de que a letra fala é uma metáfora. Um símbolo de uma viagem espiritual, de um final feliz, de um local mágico onde os sonhos do narrador se tornarão realidade, onde ele e a sua amada poderão dar asas ao seu amor. No fundo, aquilo que Tallahasee representava para Emma e Neal, em Once Upon a Time.
Há uns tempos, o António fez um podcast em que escolhia canções dos anos 80 relacionando-as com Digimon Adventure. Na altura, ele tentou encaixar Africa mas não conseguiu. No entanto, pegando na minha teoria de África como metáfora, um desses sítios podia ser o mundo Digimon.
É tudo uma questão de imaginação. Não há nada que nos impeça de abençoar as chuvas no Mundo Digital.
Ainda não compreendo ao certo porque é que a Internet e os jovens escolheram Africa para idolatrar. Tenho perguntado ao Google, mas ninguém parece ter uma resposta concreta. Eu acho que é porque, hoje em dia, é mais difícil encontrar música pop como esta: bem interpretada, com emoção genuína, apesar da história simplista e, para algumas pessoas, um bocadinho lamechas.
Essencialmente, os mesmos motivos pelos quais vim a apreciar muitas músicas desta secção.
A banda Weezer chegou a lançar um cover de Africa somente porque as internetes o pediram. Consta que um fã fez o primeiro pedido há cerca de um ano, tendo mesmo criado uma conta no Twitter só mesmo para fazer pressão sobre a banda – conta essa que ganhou milhares de fãs nos meses que se seguiram.
Após seis meses de campanha e de um cover de Rosanna (uma faixa do mesmo álbum que incluiu Africa), os Weezer lá aceitaram abençoar as chuvas de África.
Se esta história não for suficiente para vos convencer da veneração das internetes por Africa, nada será.
O cover em si não é nada mau. Acaba por ser apenas uma reinterpretação de Africa com instrumentação de 2018. Acho que foi uma boa escolha – conserva todos os elementos que tornaram a versão dos Toto tão especial.
Além disso, foi amoroso da parte deles terem incluído um dos tweets da tal conta na capa do single.
Infelizmente, Pitbull teve a triste ideia de fazer uma espécie de remix de Africa, para a banda sonora do filme Aquaman. Quer dizer… porquê? Quem é que achou que isto era boa ideia? O rapper/DJ/seja-lá-o-que-for já não goza de grande popularidade (e eu contribuo para isso). Foi mexer na música preferida das internetes… Estava mesmo a pedi-las, não estava?
Por acaso já fui ouvir a música. Não está horrível, mas a versão original e mesmo a dos Weezer está anos-luz à frente. Não havia mesmo necessidade.
E com isto tudo desviei-me um bocadinho do assunto deste texto.
Regressando ao synth pop dos anos 80, Africa pode ser um bom representante deste estilo e desta década, mas para mim o maior ícone dos anos 80 é Take On Me, dos A-ha. Toda a gente conhece aquele riff de teclado e o refrão, que começa relativamente grave e acabando em agudos impossíveis. E o excelente videoclipe, claro.
Uma historieta engraçada sobre esse vídeo. Quando ainda dava o Top + na RTP, eles passavam esse videoclipe com alguma regularidade. O pior é que cortavam sempre na parte em que, depois de a rapariga ter saído da banda desenhada e regressado a casa, o rapaz aparece à frente dela, em aparente sofrimento. A última coisa que via era o rapaz debatendo-se contra as paredes e a rapariga em lágrimas – ficava sem saber se ele sobrevivia. Só vários anos depois, quando tive acesso a canais de música que mostravam os videoclipes por inteiro, é que descobri como acabava a história.
No fim de 2017, a banda gravou uma lindíssima versão acústica de Take On Me. Não fica nada atrás da original. Chegou a ser incluída na banda sonora do segundo filme de Deadpool.
Eu na verdade gosto um pouco mais da menos conhecida, Crying in the Rain (que na verdade é um cover de uma música dos The Everly Brothers). Foi uma das minhas mais tocadas este ano, no Spotify. A sonoridade é excelente, sim, sobretudo pela maneira como incorpora o som dos trovões e do vento. Mas o que mais me cativa é a sua letra.
Em suma, o narrador espera por dias de chuva para poder dar asas à sua dor, após ter perdido a sua amada. A ideia é que as gotas de chuva se confundam com as suas lágrimas, para que ninguém, em particular a sua ex, perceba que ele está a sofrer.
Pode parecer um bocadinho deprimente, mas a letra da canção tem uma nota de esperança – o narrador sabe que, um dia, a dor passará. “Someday, when my crying is done, I’m gonna wear a smile and walk in the sun”.
Outra música synth pop que ouvi muito este ano é Everywhere, dos Fleetwood Mac. Descobri esta música depois de os Paramore terem incluído um cover nos concertos de After Laughter. Eles têm bom gosto.
Outras músicas neste estilo de que gosto, mas não tanto como das que falei acima, são clássicos como Girls Want to Have Fun, Like a Prayer, Never Gonna Give You Up, I Wanna Dance With Somebody, Dancing in the Dark.
Não me limitei ao synth pop nem mesmo aos anos 80, no entanto. Estive, por exemplo, a explorar ao de leve a discografia dos Beatles, uma ou outra música do Bob Dylan e da Joan Baez e alguns temas de Pat Benatar.
Por outro lado, já conheço os Roxette há muito tempo – desde Listen to Your Heart – mas este ano acrescentei mais uns quantos singles à minha biblioteca, como Spending My Time e Fading Like a Flower.
Tenho andado também a revisitar a discografia dos ABBA, sobretudo depois de ter saído a sequela a Mamma Mia (gostei muito). Tenho ouvido tanto as versões originais como as do filme.
Algumas delas ficaram mesmo muito giras, como a Angel Eyes, interpretada pelas atrizes Christine Barranski, Julie Walters e Amanda Seyfried. Outro destaque óbvio é Fernando, com o desempenho extremamente emotivo de Cher. Por fim, Super Trouper, interpretada pelo elenco todo – se aquela cena final é a ideia que Mamma Mia tem do Paraíso, espero que estejam certos!
Uma música individual por que tenho andado obcecada é Mickey, de Toni Basil. Este tema parece a avó de Girlfriend e The Best Damn Thing, da Avril – ela mesma chegou a incluir um cover parcial na The Best Damn Tour. É uma música mesmo muito gira. Tem um efeito semelhante a What is Love (que também está entre as mais tocadas no meu Spotify e sobre a qual escrevi aqui) no sentido em que me dá uma vontade incontrolável de dançar.
Eu pelo menos quero descontrolar-me um bocadinho mais com estas coisas. É bom exercício. Além disso, a vida é demasiado curta para não dançar quando me apetece.
Como também já referi em publicação recente, ouvi umas quantas músicas da Shakira, sobretudo durante o primeiro semestre – em preparação para o concerto que deu em junho.
Por outro lado, também ouvi uns quantos temas… não sei qual é o nome oficial do género, mas eu costumo descrevê-la como música etérea. Todas elas baladas, nalguns casos com inspirações célticas ou gregorianas. Alguns singles de Enya, por exemplo. Andei particularmente obcecada pela versão gregoriana de Brothers in Arms.
Tenho, aliás, uma história engraçada com essa música. Quando eu andava no sexto ou sétimo ano, havia um número a que podíamos ligar a partir de telefones públicos, para que a chamada fosse paga por quem a recebia (pensar que há pessoas maiores de idade que nunca terão usado uma cabine telefónica…). Eu de vez em quando usava esse número, para ligar para casa através do telefone público da minha escola. A versão gregoriana de Brothers in Arms era a música de espera, daí sempre a ter adorado.
Admira-me aliás ter demorado tanto tempo a dar com a música, quando ando há uma década a encontrar música na Internet.
Já a versão original, dos Dire Straits, possui um carácter levemente etéreo. A instrumentação e interpretação gregoriana multiplica esse carácter, tornando a música francamente mágica. Como se viesse diretamente dos céus.
Este grupo, na verdade, já gravou uma série de versões gregorianas de temas bem conhecidos da música das últimas décadas. Dei uma espreitadela, mas só gosto a sério de algumas. Uma delas é Nothing Else Matters – a versão gregoriana dá-lhe um carácter estranhamente ameaçador, como que a anunciar o dia do Julgamento Final. Também gosto da versão de The Sound of Silence e de In the Air Tonight – só faltou o icónico solo de percussão.
Acabámos por nos afastar da premissa inicial. Isto tudo foi só para terem uma ideia dos meus consumos musicais hoje em dia, para mostrar que ando a tentar expandir o meu gosto – através das sugestões do Spotify e afins. Procurando contrariar os meus hábitos conservadores. Uma das minhas resoluções (que não chegam a sê-lo a sério) para este ano, aliás, é tentar não ouvir sempre as mesmas músicas no Spotify – compararem as listas com as músicas mais tocadas em 2018 com as de 2017, há muitas repetições. Quero evitar que o mesmo aconteça com a lista de 2019.
De qualquer forma, o synth pop dos anos 80 continua a destacar-se das outras músicas que referi nesta parte do texto – até porque a segunda parte desta crónica falará de artistas que colheram inspirações nesse estilo.