Avril Lavigne - Let Go (2002)
Hoje completam-se treze anos desde que saiu Let Go, o álbum que apresentou Avril Lavigne ao mundo e que revolucionou a música pop. É também o meu álbum preferido da Avril e um dos meus preferidos de todos os tempos.
Avril cresceu em Napanee, no estado de Ontário, no Canadá. Foi descoberta aos quinze anos - depois de muitos anos cantando em público na igreja da sua terra, em diversas feiras e festas locais, de ter cantado nos álbuns do cantor de folk local Stephen Medd, e de ter ganho um concurso para um dueto em palco com Shania Twain - por diversos produtores, entre os quais Peter Zizzo (com quem colaboraria na composição para Let Go). Este convidou-a para vir a Nova Iorque, onde seria apresentada a Antonio LA Reid, na altura presidente da Arista Records. Nessa lendária reunião, Avril cantou Why, uma canção que compusera com Zizzo. LA terá sido um dos primeiros a quem a voz da cantautora canadiana acabou com o mau humor que sentia na altura. Nesse mesmo dia, Avril assinaria um contrato de dois discos com a Arista.
Mesmo assim, os primeiros tempos não terão sido fáceis. A ideia da gravadora era colocá-la a cantar músicas mais folk (pergunto-me se foi assim que surgiu Breakaway), compostas por outras pessoas, algo que Avril recusou quando, ainda por cima, acabara de descobrir o rock. Eventualmente, colocaram-na a trabalhar com Cliff Magness, com quem obteve maior controlo criativo. A parceria resultou em músicas como Losing Grip e Unwanted, pouco comerciais, o que deixou a gravadora à beira de um ataque de nervos. Por fim, a equipa de compositores The Matrix acolheu-a, compreendeu que o rock era o estilo mais consistente com a atitude de Avril, mas sempre com o cuidado de não se desviar demasiado do espectro do pop. No primeiro dia de trabalho compuseram Complicated e o resto é História.
Há que dizer que muito do sucesso de Let Go se deveu ao retrato que a Comunicação Social traçou dela: a Sk8er Girl, a anti-Britney, a menina rebelde, a princesa do punk, etc. Eu admito que essa imagem foi uma das coisas que me atraiu para a Avril e para a música dela e não fui a única. Mas obviamente as pessoas são mais complicadas do que isso. A própria Avril, na altura, não gostava de ser encarada como um produto que era necessário vender e quando ela cresceu para além desses rótulos todos, todos se atiraram ao ar.
Depois temos velha questão sobre se ela é pop ou rock. Avril gosta de referir-se a si mesmo como roqueira, mas muitos não concordam, defendem que ela foi sempre pop. Eu confesso que me ralo cada vez menos com essas questões, prefiro focar-me na música em si.
Passemos então à análise do álbum. Let Go é um disco bastante eclético, com faixas abordando diferentes temas e emoções (alegria, tristeza, raiva, frustração, determinação, insegurança, vulnerabilidade, rebeldia...). É um álbum exploratório, como seria de esperar de um estreante, que mostra diferentes facetas da Avril - nos três álbuns que se seguiram a Let Go, a cantautora escolheria uma faceta em particular para cada álbum. De uma maneira geral, os temas são adolescentes, mas outros não são assim tão juvenis quanto muitos assumem. Ao mesmo tempo, existe uma certa homogeneidade nos arranjos musicais, o que confere consistência ao álbum. São raros os discos que conseguem fazer isso: serem consistentes sem se tornarem monótonos, serem diversificados sem serem demasiado heterogéneos, ou sem surgirem os inevitáveis outliers (embora haja quem diga que Sk8er Boi seja um outlier).
Este álbum tem, ainda, a minha voz preferida da Avril. Um dos aspetos mais interessantes da carreira da cantautora cananiana diz respeito às mudanças no timbre da voz dela a cada álbum. Em Under My Skin, os seus vocais são firmes, cheios de personalidade, quase à maria-rapaz, condizendo com um álbum fortemente roqueiro. Em The Best Damn Thing, eles soam muito diferentes: agudos, um bocadinho esganiçados, fazendo lembrar uma menina mimada mascando pastilha elástica, mesmo a ver com músicas como Girlfriend. Em Goodbye Lullaby, os vocais estão menos esganiçados, mais amadurecidos, compatíveis com um álbum mais intimista. Em comparação com estes álbuns, há quem diga que os vocais de Let Go são ainda pouco firmes, imaturos, mas eu não o vejo como uma falha. Pelo contrário, considero que a voz inocente de Avril é adequadíssima a este género de álbum. Ainda que essa inocência nunca tenha desaparecido da voz dela, tenho saudades das nuances que nunca mais surgiram na música da Avril, tal como julgo já ter dito antes aqui no blogue.
Nestas críticas que tenho feito a álbuns, costumo começar pelas minhas faixas preferidas. Com este álbum, vai ser difícil pois, ao longo destes dez anos que passaram desde a primeira vez que ouvi o CD, praticamente todas as músicas estiveram entre as minhas preferidas, numa altura ou noutra.
Recentemente, uma música que tem tido um significado especial para mim é Mobile. Já falei sobre ela aqui no blogue, mas a verdade é que a canção ganhou novo significado quando vivi sozinha pela primeira vez e andei aos saltos entre Lisboa e Évora, durante o meu estágio. Mobile é uma das músicas mais populares de Let Go, o que não é de surpreender. Para além de ter uma melodia extremamente cativante, é uma música sobre, como se diz agora, "coming of age", com que toda a gente se identifica a certa altura na sua vida.
Também já falei sobre Naked. Outra que sempre esteve entre as minhas favoritas é Nobody's Fool. Esta é uma daquelas faixas que, na minha opinião, define muito bem a Avril, em particular durante os primeiros anos da sua carreira. Nesta música, Avril canta em rap por cima de uma sonoridade pop rock, uma combinação que resulta surpreendentemente bem. Só o rap seria suficiente para dar personalidade à canção. Essa personalidade reforçada pela letra, que fala de recusa em abdicar dos seus princípios, da sua personalidade - uma clara referência à sua luta, durante os primeiros anos da sua carreira, para que a sua imagem e estilo não fossem alterados por motivos comerciais. A mensagem de Nobody's Fool marcou-me fortemente entre os quinze e os dezasseis anos (tive uma fase em que escrevinhava os versos desta música em todo o lado). É, de resto, uma boa mensagem para jovens nessas idades, sobretudo quando, em contexto escolar, qualquer miúdo que revele ter personalidade própria corre o risco de ser vítima de bullying (mais sobre isso um dia destes).
Things I'll Never Say também foi uma das minhas preferidas entre os quinze e os dezasseis anos. É uma canção de amor muito alegre, reforçada pela guitarra acústica e pelos "la da da da" que se tornam a imagem de marca da faixa. Existe uma versão alternativa desta música, mais rock, mas que não funciona tão bem precisamente por não ter estes elementos. A letra da canção descreve muito bem uma paixoneta de menina de quinze anos, que fica nervosa por se encontrar com o objeto da sua afeição, sonhando estar com ele a toda a hora. É um lado que a Avril, na altura - como ela mesma o admite na música - não gostava de mostrar. Destacaria, ainda, um par de trocadilhos sexuais no refrão que eu, felizmente, só compreendi vários anos depois de ouvir a música pela primeira vez.
Um aspeto que Let Go partilha com o álbum Reckless, de Bryan Adams, é o facto de os seus singles serem intocáveis, estarem acima de toda a crítica, pela parte que me toca. O primeiro single foi Complicated, que dispensa apresentações e, muito sinceramente, é uma das melhores canções pop de todos os tempos, ponto. Foi uma das primeiras músicas que conheci dela e tem andado sempre nos lugares cimeiros do meu top de canções da Avril. Com o tempo, aliás, tenho reparado melhor em alguns pormenores, tais como o sotaque canadiano (reparem na maneira como ela pronuncia "laugh out", "pose", "clothes") e as nuances na voz dela. É uma música que, apesar de falar de frustração, é alegre e divertidíssima de cantar, mesmo passados estes anos todos.
Outra que dispensa apresentações e é uma diversão do princípio ao fim é Sk8er Boit. Já na crítica a Reckless tinha-a comparado a Summer of 69 pelo seu carácter narrativo, pelas guitarras que se tornaram icónicas, pela estrutura semelhante, pelo protagonista que toca guitarra. A letra é igualmente icónica, daquelas que de tão má se torna boa, contribuindo para a graça - confessem, isto não teria a mesma piada sem o "he was a boi, she was a girl"! A história que conta é um típico cliché de liceu americano (daí que não me interesse particularmente o filme baseado na música de que se fala de vez em quando), embora se possa argumentar que o Sk8er Boi podia ser a própria Avril - afinal, aquando de Let Go, ela usava calças largas, andava de skate e tornou-se uma estrela de rock. De qualquer forma, mesmo passados estes anos todos, mesmo já muito depois de a Avril ter largado o visual de Sk8er Girl, Sk8er Boi continua a ser, e sê-lo-á para sempre, a faixa-símbolo da Avril Lavigne.
I'm With You, tal como já dei a entender amiudadas vezes aqui no blogue, foi a primeira música que conheci da Avril - completar-se-ão doze anos algures em agosto próximo - e é uma das minhas preferidas de todos os tempos. Numa altura em que ouvia bastante música na rádio e gostava (e hoje odeio...), I'm With You ficou-me no subconsciente. Meses mais tarde, quando eu saía das aulas depois das seis (já de noite) e ia alguém buscar-me à escola, dava por mim a cantar "Isn't anyone trying to find me? Won't somebody come take me home?"
Como muitas vezes acontece, com o tempo a canção foi ganhando novos significados, novos simbolismos - para além da menina solitária na noite que encontra um desconhecido. Já falei de um deles aqui. A noite fria pode simbolizar muitas coisas: uma depressão, uma vida sem sentido. I'm With You pode falar de procura de consolo, tendo mesmo uma leve mensagem de esperança, de um salto de fé (traduzido à letra uma expressão inglesa muito conhecida) - na medida em que a narradora decide confiar num estranho. Estranho esse que pode ser literal ou apenas alguém cuja história é ainda desconhecida.
Losing Grip é o quarto single de Let Go, mas não se insere na mesma categoria que os outros três singles. No início da sua carreira, Avril falava dela como a sua preferida. No meu caso, foi uma daquelas canções de que só comecei a gostar verdadeiramente depois de começar a ouvir música mais pesada. É uma faixa rock, começa relativamente suave mas depois revela um refrão explosivo. Como o costume, apesar da letra imperfeita, Avril consegue transparecer na perfeição todas as emoções que sente: vulnerabilidade, desilusão, tristeza, raiva. Losing Grip fala de amor não correspondido, supostamente sobre um antigo namorado de Avril que não a terá tratado como deve ser. Pergunto-me se terá sido esse desgraçado que, segundo a própria Avril, ficou com as orelhas a arder depois de ouvir a música dela e telefonou-lhe a pedir desculpa.
Avril Lavigne: vingando-se musicalmente dos ex muito antes de aparecer a Taylor Swift!
Unwanted tem uma sonoridade semelhante a Losing Grip, embora um tudo nada mais agressiva e com teclados mais evidentes. Unwanted fala, como o nome indica, de rejeição. À primeira vista, pensar-se-ia numa história semelhante à de Losing Grip; no entanto, já falei com fãs que dizem que esta música fazia-lhes lembrar o relacionamento com os seus pais. Por sinal, há relativamente pouco tempo, descobrir que Avril escreveu a letra de Unwanted sobre os pais de um namorado que não gostavam dela. A semelhança do que acontece com algumas músicas de Under My Skin, não me importava se Avril regressasse a este estilo musical.
Tomorrow é, à parte os singles, uma das músicas mais populares de Let Go. É também uma das mais tocadas ao vivo pela Avril , embora, na minha opinião, nenhuma dessas atuações roce a beleza da versão original. Sobretudo porque, aqui, a voz ainda inocente da Avril, cheia de nuances, assenta na perfeição e os backvocals foram muito bem colocados, dando um tom etéreo à canção. A letra, que fala de insegurança, deixa algo a desejar (mais uma vez, ela não consegue ser mais subtil que "tomorrow is a different day"), embora a simplicidade até combine com o tema e os vocais puros.
Anything But Ordinary foi uma das músicas que mais me agradou quando ouvi Let Go pela primeira vez. É outra música que simboliza bem uma faceta da Avril: neste caso, o gosto pela adrenalina ao invés de jogar pelo seguro. Algo que partilharia com muitos outros adolescentes, para o melhor e para o pior. Tem provavelmente a melodia mais pop de todo o álbum mais fácil de gostar. Talvez por isso, terá sido considerada para single - fico feliz por terem mudado de ideias por acho que o público cansar-se-ia de Anything But Ordinary do que se cansaram de Complicated. Do mesmo modo, Anything But Ordinary teria sido o título do álbum, se Avril não tivesse insistido em Let Go - mais sobre isso adiante. Mesmo assim, não deixou de ser uma expressão muito associada a Avril durante os primeiros anos da sua carreira.
Em My World - outra das mais pop de todo o álbum, com uma sonoridade alegre - Avril fala sobre a sua juventude em Napanee, ainda que a letra esteja longe de ser perfeita. Segundo um rumor que li na Internet, Avril teria composto parte da canção durante uma aula - provavelmente o refrão, que fala sobre sonhar acordado.
Too Much to Ask é a faixa de que gosto menos em Let Go. É uma balada com algumas semelhanças a I'm With You, cuja letra foi inspirada numa paixoneta de verão de Avril não correspondida. Não é má, atenção, é uma audição tão agradável como qualquer outra neste álbum. No entanto, é mais uma break-up song entre muitas na discografia da Avril e nem é das mais interessantes. Entre as b-sides de Let Go (muitas estão disponíveis na Internet) pelo menos meia dúzia delas são melhores que Too Much to Ask. A minha preferida é a que partilha o nome com este álbum.
Conforme disse antes, Anything But Ordinary chegou a ser considerado para título deste álbum. Também funcionaria, pela maneira como Avril se destacava do resto da música, rompendo com os dogmas da pop da altura, abrindo caminho a outras cantoras para se expressarem através do rock. Chegava a ser irritante: sempre que alguma cantora tinha guitarra elétrica na sua música, gritava-se logo "Avril Lavigne!".
No entanto, faz sentido que Avril tenha feito questão de chamar ao seu álbum Let Go. Não tanto pelo tema das músicas em si, mais pelo significado que o disco teve na sua vida. Tal como afirmei na crítica a Goodbye Lullaby, o primeiro álbum de Avril Lavigne marcou o início de um novo capítulo na sua vida. O título Let Go refere-se a tudo o que ela teve de abdicar para realizar o seu sonho. Tal como referi anteriormente, aquando de Let Go, Avril estava ainda a tentar adaptar-se ao mundo do espetáculo, à vida caótica, ao escrutínio incessante da Comunicação Social, etc. Hoje, treze anos depois, tem cinco álbuns lançados. Pelo meio, participou nalguns filmes, lançou uma linha de roupa, três perfumes e criou a sua própria Fundação (que já tem um hino e tudo). Infelizmente, a sua carreira foi perdendo relevância e mesmo a originalidade que caracteriza Let Go, o que pode ser desanimador. De qualquer forma, ela sempre deu a entender que, enquanto puder, continuará a criar música. Enquanto for capaz de se manter fazendo aquilo que mais gosta, não tem motivo para desistir. Pode ser que recupere o arrojo que perdeu com o seu quinto álbum e, mesmo, que volte a ter um êxito semelhante aos seus primeiros tempos.
Pela parte que me toca, mesmo numa altura em que já não venero a música dela da maneira que venerava há uns anos, Avril Lavigne continua a ser a artista cuja carreira conheço melhor - ainda que comece a gostar mais de outros artistas, não tenho pachorra para me inteirar de cada pormenor do trabalho deles, da maneira como me tenho inteirado do trabalho de Avril. E, claro, como já referi imensas vezes, a mulher tem conseguido deixar-me presa à música dela para lá do racional, ao longo destes anos todos. Portanto, como podem calcular, enquanto Avril Lavigne continuar a lançar música, eu estarei aqui.