No passado dia 18 de dezembro, Hayley Williams lançou o EP Petals For Armor: Self-Serenades. Segundo declarações da própria, este EP reflete, pelo menos em parte, os largos meses que Hayley passou em casa, com apenas a sua guitarra por companhia – bem, a sua guitarra e o seu cãozinho, Alf. O EP consiste em versões acústicas de Simmer e Why We Ever – originalmente lançadas no álbum Petals For Armor – e uma única faixa inédita, Find Me Here…
...e, aqui entre nós, soube-me a pouco.
Find Me Here é uma faixa com menos de dois minutos de duração, que mais parece um interlúdio (semelhante aos do Self-Titled) do que uma canção a sério. Admito que eu estava com expectativas muito altas. O EP foi anunciado há cerca de dois meses e, desde então, criei um hype exagerado em torno de Find Me Here – ainda que apenas para mim mesma. Andava há semanas a planear a minha escrita já a contar com a análise a essa canção.
Assim, quando ouvi a música pela primeira vez, a minha primeira reação foi:
– …só isto?
Mesmo deixando de lado as minhas expectativas defraudadas, continuo a achar a canção curta demais. Sobretudo porque o minuto e cinquenta segundos, mais coisa menos coisa, de Find Me Here é lindo! Eu queria mais!
Find Me Here é um pequeno número acústico, só mesmo guitarra e voz. Não é difícil imaginar Hayley tocando isto sentada no seu jardim com a sua guitarra. Gosto dos vocais – não percebo se são um efeito qualquer que fizeram à voz de Hayley, ou se temos duas faixas de vocal, uma mais grave do que a outra. Em todo o caso, ficou bem.
A música e, por conseguinte, a letra são curtas mas passam a mensagem de forma eficaz. Quando uma pessoa passa por um mau bocado, ou lida com uma crise, regra geral, é importante ter um ente querido por perto, por motivos óbvios. No entanto, existem certos problemas, certas crises, que uma pessoa tem de resolver sozinha. Pessoas amadas não podem ajudar, podem até ser prejudiciais ao processo.
É sobre isso que Find Me Here fala. A narradora vai dar espaço ao ser amado para resolver o que tiver a resolver, mas vai deixar uma porta aberta para quando o ente querido voltar. Se quiser.
É demasiado curta, podia ter tido uma segunda estância, mas é uma canção bonita. Ficaria bem como encerramento de um álbum. Estará a encerrar a era Petals For Armor? Ou apenas 2020?
Umas palavras para as versões acústicas de Simmer e Why We Ever. Nenhuma delas está ao nível das versões do álbum, a meu ver – a força das canções parte muito da instrumentação e, no caso de Simmer, daquela hipnótica interpretação vocal.
Ainda assim, gosto da Simmer acústica, ainda que não tanto como da versão original. Este arranjo dá um carácter completamente diferente à música. O refrão fala sobre o dilema entre raiva e piedade – a versão acústica parece adotar a piedade, enquanto a versão do álbum se inclina mais para a ira.
A versão acústica de Why We Ever, no entanto, não me diz muito. Não foi só a instrumentação a mudar, a melodia também sofreu alterações, ficando irreconhecível. Não gosto muito do resultado final.
Na verdade, noutras circunstâncias, nem teria escrito sobre este EP. No entanto, como o final do ano se aproxima a passos largos, quero aproveitar a boleia e fazer a minha costumeira retrospetiva musical.
2020 não foi um mau ano em termos de música, mas a pandemia mudou muita coisa. Antes os artistas e bandas lançavam álbuns depois de semanas de singles e hype – ou então lançavam-nos de surpresa, de um dia para o outro. Depois do lançamento, continuavam a lançar singles, atuavam nas televisões e, ao fim de algum tempo, partiam em digressão.
Com o Coronavírus, no entanto, parece que os ciclos terminam abruptamente com o lançamento do álbum. Não é possível dar concertos e mesmo videoclipes e apresentações das músicas são arriscadas. Aconteceu com Petals For Armor, aconteceu com o aniversário de Hybrid Theory – várias entrevistas nas semanas anteriores, grande excitação, grande antecipação. Mas depois de o álbum sair, parou tudo. No caso de Petals For Armor, só agora há pouco tempo – talvez por causa do Self Serenades – é que tivemos coisas como a sessão do Tiny Desk.
Tem sido frustrante, sim. Mas continuamos a ter o que mais importa: a música em si.
Nesse aspeto, 2020 para mim pertenceu a Hayley Williams. O ano musical começou e terminou com ela. Abriu com o lançamento de Simmer, em janeiro, encerrou-se agora com o Self Serenades.
Custa a acreditar que foi ainda este ano que ouvimos Simmer pela primeira vez, que saiu a primeira parte de Petals For Armor. Adorei escrever o texto sobre Simmer e Leave it Alone, bem como a análise ao álbum completo, mais tarde. Quer a solo quer com os Paramore, a música que Hayley compôs tem esta capacidade, praticamente única, de me levar à introspeção – o que é excelente para a escrita. Nos primeiros meses da pandemia, com o confinamento e o cancelamento de quase tudo o que dava alegria às nossas vidas, o lançamento pouco convencional da segunda parte de Petals For Armor foi um excelente consolo.
Para o melhor e para o pior, este álbum ficará para sempre associado ao Coronavírus – não sei se teria conseguido manter a sanidade sem ele, sobretudo nos primeiros meses. Talvez tivesse sido sempre esse o desígnio. Em todo o caso, com tanta música extraordinária – Simmer, Cinnamon, Sudden Desire, Dead Horse, Over Yet, Roses/Violet/Lotus/Iris, Pure Love, Sugar on the Rim, Crystal Clear… – deu para provar que Hayley é excelente, quer numa banda, quer em nome próprio.
2020 também ficou marcado pelos Linkin Park – pela análise a One More Light em maio, mas sobretudo pelo vigésimo aniversário de Hybrid Theory. Esse foi outro texto que me entreteve durante meses, com pesquisas e rascunhos que me levaram aos primórdios dos Linkin Park enquanto banda. Serviu para fazer uma renovação de votos, para cimentá-los como a minha banda preferida, a par dos Paramore – mesmo que o futuro deles continue incerto.
O nome mais surpreendente no meu ano musical é Taylor Swift. Surpreendente é como quem diz… como escrevi antes, era apenas uma questão de tempo.
Ainda assim, Taylor foi um pouco mais prevalente nas minhas audições este ano. Tive fases de obsessão com diferentes músicas dela. Perto do início do ano era Red – por ter um bocadinho a ver com um texto que escrevi no meu outro blogue. Durante um par de semanas em julho foi All Too Well, quando escrevi sobre ela. Na semana seguinte foi Cornelia Street. Na semana seguinte foi Call it What You Want. Entre outras.
Pelo meio, Taylor lançou folklore. Concordo com a opinião popular – este álbum é uma obra-prima. Eu ainda estava – ainda estou – a digeri-lo quando saiu evermore.
Se esta pandemia trouxe alguma coisa de bom às nossas vidas foram estes dois álbuns. Acho que ninguém discorda.
Ainda não processei estes álbuns por completo, sobretudo o evermore. Taylor continuará, por isso, a ser relevante para mim em 2021. Não tenciono analisar álbuns inteiros aqui no blogue, pelo menos não por enquanto. Sou ainda uma fã demasiado casual – existe muita gente por aí melhor habilitada do que eu para criar conteúdo sobre Taylor.
Mas posso escrever mais textos de Músicas Ao Calhas, se me apetecer. Já tenho uma segunda canção de Taylor que tenciono analisar, mais cedo ou mais tarde.
Tenho também ouvido Billie Eilish, tal como já fizera no ano anterior. A minha irmã também gosta da música dela, o que é sempre fixe. Gosto imenso de Ocean Eyes, mas se tivesse de escolher neste momento, diria que a minha preferida é Everything I Wanted – é a sua Leave Out All the Rest. Uma vez mais, ainda sou uma fã muito casual – por agora.
Deixo aqui a playlist com as músicas que mais ouvi no Spotify. Se bem que o tenha usado menos que o costume este ano – só nos primeiros dois ou três meses do ano e agora, nas últimas semanas, aproveitando a promoção de três meses pelo preço de um. E aparentemente o mês de dezembro não entra para estas contas. Não é a primeira vez que digo que o Spotify não é a minha única fonte de música – oiço CDs no meu carro e ficheiros mp3 no meu telemóvel.
A verdade é que nem todas as músicas que me ajudaram a sobreviver a 2020 estão no Spotify. Bright não está, o cover de Crawling, dos Bad Wolves, não está e, tal como me queixo há anos, a música de Digimon não está.
Mesmo não tendo escrito sobre Digimon aqui no blogue este ano, mesmo não tendo havido encontro no Odaiba Memorial Day, a música de Digimon volta a ocupar um lugar de destaque na minha retrospetiva musical, sobretudo durante o verão. Vi Frontier pela primeira – e até agora única – vez e acrescentei vários temas às minhas listas (em 2021 irei ver a dobragem portuguesa, já tomando notas para analisá-la no blogue). No que toca a Adventure 2020, até agora, só este tema foi digno de se juntar à lista.
Na verdade, nas últimas semanas deixei de ter vontade de ouvir música de Digimon. Um dia destes explico.
E foi isto 2020 em termos de música para mim. Foi um ano da desgraça em muitos aspetos, mas, como acabámos de ver, não foi assim tão mau em termos musicais. Tirando a parte dos concertos cancelados.
Aliás, tive a sorte de ir a um concerto há pouco tempo – o concerto acústico do Rui Veloso no Campo Pequeno. Não foi exatamente a experiência completa de um concerto, tal como gosto. Nunca fui que andar ao moche, mas confesso que sempre gostei da parte mais “suja” de música ao vivo: de suar por todos os poros, de estar rodeada de gente a suar por todos os poros, de ter de me sentar no chão, de ficar com a garganta crua de tanto cantar e gritar, de ficar com dores por todo o lado durante dias, de precisar de tomar um duche ao chegar a casa.
Em comparação, o concerto do Rui Veloso foi muito certinho, muito sossegado. Estávamos todos sentados, todos de máscara. Não podia ser de outra maneira, claro. O mais radical que aconteceu foi as nossas máscaras terem ficado inutilizadas depois de termos cantado o Anel de Rubi em coro.
Soube-me bem à mesma. Serviu para matar o bichinho, para estar de novo em sintonia com uma multidão, passados estes meses todos (que mais parecem anos).
Já que falo sobre isso, o concerto de Avril Lavigne em Zurique tinha sido remarcado para fevereiro de 2021, mas vai ser adiado outra vez – bem como o resto da digressão. Triste, mas já se calculava. Há quem diga que só se realizarão em 2022.
Se algum dia conseguir ver a mulher ao vivo até vou achar que é mentira.
Entretanto, Avril tem passado as últimas semanas em estúdio. Anunciou música nova para janeiro de 2021, até andei algo entusiasmada por uns dias – dez anos depois de What the Hell no dia de Ano Novo e toda a espera por Goodbye Lullaby… Depois de um ano como 2020 saberia bem.
Mas não, será um dueto com Mod Sun (não sei quem é…) para o álbum dele. Bem, era bom demais. Não sei ainda se escrevo sobre Flames (o nome da música) quando sair – logo decido.
Em todo o caso, é possível que Avril esteja já a preparar o seu próximo álbum. Pode ser que saia já em 2021 mas, conhecendo eu os ritmos dela, o mais certo é só sair daqui a dois anos. Cepticismo à parte, talvez ela queira esperar até ao fim da pandemia, para poder ir em digressão depois de editar o álbum.
Eu pelo menos não estou com grande pressa. Em primeiro porque Head Above Water só saiu há dois anos (embora pareça mais). Em segundo porque, depois desse álbum, estou com menos entusiasmo do que o costume.
Talvez não seja má ideia ter as expectativas baixas.
No que toca a Lorde, no entanto, ninguém tem expectativas baixas. O terceiro álbum da neozelandesa tem estado no formo há algum tempo e quer-me parecer que será em 2021 que este será, finalmente, editado. Há cerca de um mês, Ella escreveu um texto sobre uma viagem que fez à Antártica em inícios de 2019, que alegadamente inspirou-a para voltar ao estúdio depois de Melodrama.
A viagem ocorreu há quase dois anos e agora é que Lorde fala dela? Não deve ser coincidência. Aposto que será uma questão de meses.
Não gostava de estar no lugar de Ella, para ser sincera. Ter de compôr um álbum digno de suceder a Pure Heroine e Melodrama? Eu entrava em parafuso.
Talvez devêssemos todos baixar um bocadinho as expectativas, não sermos demasiado duros se este terceiro álbum não conseguir chegar ao nível dos antecessores. Parecendo que não, Lorde é humana.
Dito isto… não se admirem se Ella conseguir arrebatar-nos de novo com o seu terceiro álbum. Se existe artista capaz de um hat-trick, essa é Lorde.
Não me parece que hajam mais artistas do meu nicho preparando-se para lançar música em 2021, pelo menos que eu saiba. Ainda assim, da maneira como as coisas estão, tudo pode acontecer. Logo se vê.
E era isto que tinha para dizer. Que as vacinas funcionem e que possamos voltar em breve a jantaradas com amigos e família, a viajar sem restrições, a concertos com moche, a jogos de futebol, a Raids presenciais, a encontros no Odaiba Memorial Day. Boas entradas num ano melhor do que este. Vemo-nos em 2021!
Segunda parte da análise a Petals For Armor. Podem ler a primeira parte aqui.
Hayley referiu que a divisão de Petals For Armor por partes se inspira também no ciclo de vida da borboleta: lagarta, casulo, borboleta. Uma vez mais, está longe de ser uma metáfora super original. Borboletas até têm sido um elemento recorrente no cânone dos Paramore (Brick by Boring Brick, a capa de Brand New Eyes, Part II, Still Into You…). Petals for Armor explora a sua simbologia mais comum: metamorfose. A trilogia de vídeos Simmer/Leave it Alone/Cinnamon parece inspirar-se nesse conceito.
Falo sobre isto nesta fase da análise porquê? Porque a segunda parte de Petals For Armor corresponde à fase do casulo, a fase mais importante segundo Hayley – porque é quando ocorre a maior transformação.
E de facto, tirando My Friend, todas as músicas da segunda parte de Petals For Armor representam transformação, mudança, de uma forma ou de outra. Dead Horse e Why We Ever ilustram etapas fulcrais na recuperação psicológica de Hayley, como veremos adiante. Por sua vez, Over Yet é uma canção motivacional, apelando à mudança. Por fim, um dos temas de Roses/Violet/Lotus/Iris é crescer e desabrochar.
Falemos então sobre Dead Horse. Hayley foi dando pistas sobre esta música durante semanas, dizendo que estava com medo de lançá-la. Em parte por ser uma música mais pop, por ter medo que se tornasse a sua Hollaback Girl. Em parte porque traz partes negras do seu passado para a luz, é mesquinha tanto para o seu ex-marido como para si mesma. É a primeira da segunda parte da tracklist, mas foi a última a ser lançada.
O instrumental de Dead Horse foi composto por Daniel James. Esta foi uma das poucas canções em Petals For Armor em que Hayley não participou na criação do instrumental – como costumava acontecer com os Paramore, o instrumental foi-lhe “dado”, ela “só” teve de compôr a letra e a melodia.
A faixa, aliás, começa com uma mensagem de voz de Hayley para Daniel, quando lhe enviou os rascunhos em áudio – que foram partilhados no Instagram da jovem. Aparentemente atrasou-se no envio porque esteve deprimida. Fora desse contexto, no entanto, não é difícil ouvir a canção e imaginar que é um pedido de desculpas ao ex pelo que vai ouvir já de seguida.
Dead Horse tem uma sonoridade algo tropical, com notas de xilofone e batidas dançantes. Faz lembrar o estilo de After Laughter, embora se note que não foi Taylor a compôr este instrumental. Durante os trabalhos desse álbum, Hayley refilava por Taylor só lhe enviar música alegre quando ela se sentia na fossa. No entanto, nestas entrevistas Hayley admitiu que dançar enquanto cantava sobre temas difíceis a ajudava, tinha efeito terapêutico. O mesmo acontece com Dead Horse.
Para falarmos da primeira estância, precisamos de falar sobre o elemento que falta: água. Hayley referiu em entrevista que este sempre foi um tema recorrente nos seus sonhos e pesadelos, daí ter composto algumas canções à volta do tema. Há uma referência breve em Proof, mas o maior exemplo é Pool.
Esta é uma canção de After Laughter, mas Hayley, começou a trazê-la à baila em diversas entrevistas – de forma algo inesperada na altura mas, depois de ouvirmos Dead Horse, fez sentido. Hayley revelou que Taylor compôs o – fantástico – instrumental, mas esta só conseguiu criar letras e melodias um ano depois.
A jovem queria por força criar uma canção de amor, algo que provasse que o que ela e o ex-marido tinham era verdadeiro, que o casamento fora uma boa ideia. Aquilo que saiu foi uma música em que ela compara a relação a uma onda indomável, um mar agitado em que ela se está a afogar, mas em que ela insiste em mergulhar, à espera de um resultado diferente. E vocês sabem o que se diz de pessoas que fazem o mesmo outra e outra vez, à espera de resultados diferentes…
Para ser sincera, Pool é ainda uma das minhas preferidas em After Laughter e, antes disto, nunca me parecera assim tão sombria. A minha interpretação da água é diferente da de Hayley. A água é o meu elemento, representa liberdade, mistério, misticismo. Para mim o subaquático, mar agitado q.b., uma onda indomável, representam excitação, não perigo ou sofrimento.
Mas, lá está, é a minha opinião, compreendo que nem todos vejam assim.
A primeira estância de Dead Horse é, assim, toda ela uma referência a Pool. A relação é de novo comparada a um afogamento, mas numa luz muito menos positiva. Da primeira vez que ouvi a música, os versos “Held my breath for a decade, dyed my hair blue to match my lips” deixaram-me de olhos arregalados durante o resto da faixa. Credo, Hayley…
Quem não perceber, que vá ao Google e pesquise cianose.
A expressão “beat it like a dead horse” refere-se a insistir em algo que já não vai a lado nenhum. Como um casamento. A expressão “I sang along to a silly little song” e suas variantes podem aludir a várias faixas antigas de Hayley. Toda a gente concorda que se refere às várias canções de amor que a jovem dedicou ao ex-marido – The Only Exception, Proof, Still Into You… – mas a mim também me recorda Stop This Song (Lovesick Melody), em que uma atração romântica e comparada a uma canção irresistível.
Na segunda estância, então, sai a verdade feia: “I was the other woman first”. Hayley começou a andar com o ex quando este ainda estava casado com a primeira mulher, Sherri DuPree.
Para ser sincera, ponho muito menos culpas em Hayley do que no ex. As facetas mais misóginas da nossa sociedade gostam de falar na “outra”, na mulher provocante que seduz um homem para o pecado mas, por amor de Deus, Hayley era uma miúda! Legalmente já era adulta, tinha dezoito ou dezanove anos, mas na prática gente dessa idade ainda mal deixou a adolescência.
Por sua vez, o ex já tinha vinte e seis anos, era um homem feito, casado, experiente – enquanto que, para Hayley, conforme referido acima, aquela seria provavelmente a primeira ou quando muito a segunda relação a sério. Acham mesmo que a iniciativa partiu dela?
Hayley assume que estava numa posição vulnerável na altura em que começou a andar com o, agora, ex-marido. Ela e Josh tinham terminado a relação há pouco tempo e os Paramore enquanto banda estavam em guerra. Hayley sentia-se sozinha, provavelmente com a auto-estima em baixo, quando um músico como ela, mais velho, começou a mostrar interesse por ela, ela foi na cantiga.
Não quero com isto dizer que Hayley está isenta de culpas. Ela podia ser ainda nova, mas já tinha idade suficiente para saber o que estava a fazer, ao envolver-se com um homem casado. Não é a primeira a cometer este erro, não será a última. Eu mesma não posso garantir a cem por cento que dessa água não beberei – às vezes a paixão e o desejo falam demasiado alto. Mas não deixa de ser um erro, algo que magos profundamente as partes envolvidas.
Hayley tem dado a entender que esteve muito tempo em negação, enterrando bem a fundo essa vergonha ("Held my breath for a decade"): o facto de ter roubado o marido a outra mulher. Tentou racionalizar a coisa, justificar o que fizera a Sherri, dizendo a si mesma e a toda a gente que o ex era o amor da vida dela, a sua… a sua única exceção.
Mesmo quando a coisa começou a descambar, mesmo quando ele começou a trair Hayley (ainda há pouco tempovimos que, regra geral, se ele ou ela traiu alguém contigo, mais cedo ou mais tarde vai trair-te também), ela insistiu, manteve o noivado, manteve o casamento. Hayley queria, ao mesmo tempo, imitar o casamento vitalício dos seus avós e queria evitar aqueles que, aos seus olhos, tinham sido os erros dos pais. Ao contrário deles, ela conseguiria manter um casamento, em vez desistir à primeira dificuldade.
Ai Hayley, Hayley…
O estado em que ela ficou nestes últimos anos não surpreende tendo em conta os sonhos de que teve de acordar, aquilo que teve de admitir a si mesma e ao mundo inteiro. Pode ter sido essa a batata quente a que After Laughter parece aludir, o piano que caiu em cima dela, conforme referiu no texto que escreveu há dois anos. Não admira que, hoje em dia, Hayley não queira nem ouvir falar de Misery Business (e aqui entre nós, quando descobri que a rapariga a quem a música chama p*ta tinha treze ou catorze anos nos eventos que inspiraram a letra… yep, cancelem Misery Business).
Sim, as botas que Hayley enche de cimento no videoclipe são as mesmas que usou no casório. Ela mesma o confirmou.
Há que dar crédito à Hayley – não é toda a gente que admite erros deste calibre assim, preto no branco. Faz parte da filosofia Petals For Armor: mostrar as partes feias. Deitar cá para fora a raiva, a vergonha, a mesquinhez para, depois, seguir em frente.
Felizmente, consta que Hayley a certa altura entrou em contacto com Sherri e pediu-lhe desculpa. Continuo a achar que o maior culpado é o ex – que ainda por cima já arranjou uma terceira noiva, uma mulher ainda mais nova que Hayley.
Em todo o caso, Dead Horse termina com "And now you get another song". Que seja a última.
Não há muito a dizer sobre My Friend. Musicalmente, está dentro do estilo da maior parte do álbum: notas de guitarra, baixo e bateria leve nas estâncias, teclados no refrão. A letra é uma homenagem a Brian, melhor amigo de Hayley, seu esteticista e co-fundador de Good Dye Young. Conforme Hayley referiu quando lançou a música, eles conhecem-se desde o fim da adolescência, acompanharam-se um ao outro durante muitos altos e baixos (ambos se divorciaram no mesmo ano), são unha e carne.
My Friend está longe de ser um grande destaque em Petals For Armor, mas não deixa de ser uma música bonita. É a World’s On Firedeste álbum – a música que homenageia as pessoas que ajudaram na recuperação emocional descrita em Petals For Armor.
Over Yet é algo diferente da generalidade das músicas em Petals for Armor. É conduzida pelo baio, como várias outras, mas tem um ritmo mais rápido, uma sonoridade algo new wave, à anos 80 e 90 – não muito diferente de algumas faixas de After Laughter. É uma música estival – não admira, tendo em conta que Hayley a compôs, juntamente com Joey e Stephanie Marziano durante uma curta escapadinha de verão – muito gira, com uma mensagem de otimismo e motivação…
...que não tem nada a ver com o que tem vindo de Hayley nos últimos anos.
Lembro-me de ter estranhado logo no dia em que saiu. A letra parece ter sido escrita do ponto de vista do Rose Colored Boy, com o tom otimista irritante de que Hayley se queixava em After Laughter. Diz essencialmente “what doesn’t kill you makes you stronger”.
Cheguei a perguntar-me se Hayley tinha sido raptada e Over Yet era a maneira que arranjara de pedir ajuda.
Hayley revelaria mais tarde que, de facto, estranhara a letra otimista que lhe estava a sair da caneta. Para terminá-la teve de se imaginar na pele (pele é como quem diz…) de uma instrutora de aeróbica num universo distópico futurista que, a meio da canção, perde a pele revelando ser um robô (podia ser uma personagem de Sonic Underground). De uma maneira paradoxal, para escrever esta letra luminosa, Hayley teve de aceder a uma parte bastante sombria de si mesma.
Eu confesso que, de início, não adorei a letra. Em parte por causa do timing: saiu no início de abril, em pleno estado de emergência. It’s the right time to come alive? Qual quê! Aquela ela a altura perfeita para não nos levantarmos da cama – para quê, se nem sequer podíamos sair de casa? Mesmo quando Hayley publicou um vídeo de aeróbica (com o cabelo pintando de laranja. Não me parece que tenha sido coincidência), não me entusiasmei – para ser justa, apanhou-me num mau dia.
No dia seguinte, no entanto, lá experimentei fazer os exercícios do vídeo. Durante todo o mês de abril e parte do mês de maio fiz este vídeo quase todos os dias, para compensar pela falta de natação e de longos passeios a pé.
Este sim é o tipo de exercício, de dança, que está dentro das minhas capacidades. Não digo que fizesse todos os passos na perfeição, mas ao menos mexia-me. De início fazia os exercícios de calças de ganga porque nem sequer tinha calas de fato de treino – como nunca fui de ir ao ginásio, nunca tinham feito falta. Além disso, nunca gostei de leggings e, parva como sou, não me lembrei de calças de pijama. Eventualmente comprei um par online.
O vídeo de Over Yet tornou-se, assim, parte da minha rotina durante o estado de emergência. Infelizmente, quando retomei o horário normal do trabalho, deixei de ter tempo – e, sejamos sinceros, energia – para fazer o vídeo. Eu na verdade devia retomar esse hábito… mas está demasiado calor. Em todo o caso, fez com que me afeiçoasse à música.
Como referido acima, Hayley alega que a mensagem de Over Yet não é completamente honesta, insinuando mesmo que é uma paródia. O que é estranho, tendo em conta o conceito deste álbum.
Além disso, a letra não me parece tão pouco genuína quanto isso. Pode aproximar-se perigosamente do cliché, mas incorpora o estilo de escrita de Hayley, dando-lhe um carácter próprio. Frases como “make it a friend”, “get out of your head” (um conceito familiar em saúde mental) e, sobretudo “for every darkened part of me, there’s a light I can see, both belong, both are me”).
Não é a primeira vez que refiro aqui, aliás, que Hayley tem dentro de si partes cínicas e partes sonhadoras e isso nota-se na música dela. Ela pode racionalizar como quiser mas a letra de Over Yet veio de algum lado.
E não há mal nenhum nisso. Às vezes precisamos mesmo de uma música motivadora, mesmo que não muito original, para nos dar energia. Ou, pelo menos, para fazermos aeróbica em confinamento.
Num álbum chamado Petals For Armor, era de esperar pelo menos uma canção sobre flores. Essa é Roses/Violet/Lotus/Iris. De início não achei grande piada ao título comprido – não teria sido melhor chamar-lhe Flowers ou Garden? Mas acabei por me habituar – sobretudo depois de decorarmos a letra do refrão.
Musicalmente temos de novo a prevalência do baixo, mas também temos guitarra acústica e violinos delicados. A mim soa-me um pouco a música de fundo, à banda sonora de um documentário sobre a Primavera – o que até condiz com a letra. Confesso que precisei de algum tempo para tomar-lhe o gosto. A faixa conta com a participação das cantoras Julien Baker, Phoebe Bridger e Lucy Dacus, que formam o grupo boygenius.
Roses/Violet/Lotus/Iris usa flores como metáfora para feminilidade e resiliência, força e vulnerabilidade em simultâneo. Uma analogia que, a própria Hayley admite, é tão velha como o tempo. Flores representam a jornada emocional de Hayley, de “mulher murcha”, abrindo caminho através da terra até desabrochar à superfície. Flores crescem a ritmos diferentes, sem se prejudicarem umas às outras, por vezes com a ajuda uma das outras.
O lótus em particular, referido no refrão, cresce em lama ou em águas estagnadas. Daí que, em várias culturas, simbolize beleza interior, pureza, renascimento, visto ser capaz de se alhear do ambiente feio e hostil onde nasce e desabrochar à superfície com grande beleza.
Flores silvestres em geral, que adoro ver nos campos, sobretudo durante a primavera, nascem onde querem, quando querem, segundo as suas próprias regras. A papoila vermelha, a minha flor preferida, livre para crescer num campo qualquer.
Roses/Violet/Lotus/Iris possui, assim, uma mensagem feminista sobre resiliência, rebeldia e solidariedade feminina. Um dos temas recorrentes nas entrevistas disse respeito à misoginia que teve de enfrentar ao longo de toda a sua carreira.
Ao mesmo tempo, nem sempre terá tido as melhores relações com outras mulheres. Veja-se a misoginia internalizada de Misery Business e também a história contada em Dead Horse. Uma das coisas que Hayley aprendeu nos últimos anos foi, então, a abraçar a sua própria feminilidade e a cultivar amizades com outras mulheres. Roses/Violet/Roses/Iris é uma homenagem a isso.
Segundo Hayley, Why We Ever reflete um ponto de viragem na sua vida. Conforme Sudden Desire dera a entender, Hayley entrara noutra relação após o seu divórcio. Até estaria a correr bem mas, segundo o que consigo deduzir das declarações de Hayley, o seu medo de ser magoada de novo levou a que sabotasse a relação – magoando o parceiro, ironicamente.
Uma coisa é Hayley sofrer por causa do seu passado, pelos múltiplos divórcios dos pais, pela falta de estabilidade na infância, pela relação tóxica que durou uma década. Outra coisa é quando outras pessoas, entes queridos de Hayley, saem magoados.
Terá sido nesta altura que Hayley percebeu que os seus traumas, o seu medo de abandono, afetavam todas as suas relações, nem sequer apenas as românticas (eu pergunto-me mesmo se terão contribuído, pelo menos em parte, para os múltiplos conflitos nos Paramore). Atraía pessoas tóxicas e alienava pessoas boas. Estava na altura de mudar isso, de Hayley tomar responsabilidade pela sua própria saúde mental, identificar os seus maus hábitos e tentar mudá-los, aprender a amar melhor.
Isto é tudo muito bonito (não estou a ser irónica), mas se ouvíssemos a música por si só, sem contexto, não chegávamos ao significado oficial. Why We Ever parece apenas sobre uma relação falhada, sobre saudades e arrependimento, em que a narradora quer uma oportunidade para pedir desculpa e consertar as coisas. Tudo muito vago – o que é uma pena. Se Why We Ever refletisse a história por detrás dela como deve ser, teria uma letra muito diferente.
Musicalmente, Why We Ever é conduzida pelo teclado, a que mais tarde se junta o baixo, a bateria e notas de guitarra. Terá sido a primeira música que Hayley gravou sozinha em sua casa, usando o ProTools e equipamento que comprou em finais de 2018 – embora a primeira tentativa não tenha saído grande coisa. Dá para ver vídeos dessa experiência no seu Instagram.
A mim recorda-me o cover de Nineteen, de Tegan e Sara, que Hayley gravou em 2017. Esta é uma versão minimalista, apenas com sintetizadores e voz. Tem um tom mais intimista e vulnerável que a versão original, parecido ao de Why We Ever.
Em retrospetiva, não admira que Hayley tenha gravado este cover naquela altura. A jovem teria, de facto, dezanove anos no início da relação com o, agora, ex-marido. E este cover saiu poucos meses após o anúncio do divórcio. Pergunto-me a quem se dirige o verso que Hayley acrescentou, “Could you blame me?”. Ao ex, a Sherri ou a si mesma?
E com isto chegámos ao fim da segunda parte de Petals For Armor, ou seja, ficamos por aqui hoje. Regressem amanhã para a terceira parte.