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Álbum de Testamentos

"Como é possível alguém ter tanta palavra?" – Ivo dos Hybrid Theory PT

Um ano de Jane e eu

 

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 Foto tirada no dia em que adotámos a Jane

 

Hoje completa-se um ano desde que eu e a minha família adotámos a nossa cadela, Jane. Para assinalar a data e, também, falar um pouco dela, decidi responder à TAG "O meu animal de estimação". Adaptei as perguntas ao português de Portugal e condensei as três primeiras perguntas numa só e alterei um pouco a ordem.

 

1) Qual é o nome, espécie, raça e idade? 

 

Como poderão ver nas fotografias, a Jane é uma linda pastora-alemã. Não é pura, disseram-nos que é arraçada de Husky. Eu não vejo grandes sinais disso, embora haja quem veja qualquer coisa na cara dela e nas orelhas. Em todo o caso, fico feliz por não ser raça pura, tenho um pouco de medo das doenças de consanguinidade. Ela é linda, de qualquer forma... Por outro lado, nunca achei muita piada a cães pequenos, sempre gostei mais de cães de porte médio ou grande, com que pudéssemos correr e brincar. Estamos bem servidos com a Jane, que se deve transformar numa autêntica fera...

 

Não sabemos a idade exata dela pois não a obtivemos dos donos originais. Assumimos que ela tinha dois meses quando a adotámos, logo, hoje terá um ano e dois meses.

 

Chamámo-la Jane porque a minha mãe, quando era pequena, teve um pastor-alemão chamado Tarzan. Eu gosto do nome. Como nome de pessoa não gosto, é demasiado vulgar e sem graça, mas como nome de animal é fixe. 

 

2) Como o/a adquiriste?

 

É uma história engraçada. A versão condensada é: os meus pais saíram para comprar alfaces, numa manhã de domingo, e regressaram com um cachorrinho. Literalmente.

 

Segundo o que contaram, lá no supermercado, o meu pai (que se arrependeria mais tarde) mostrou à minha mãe um caixote com duas pastoras-alemãs bebés para adoção. Consta que é política do supermercado receberem cachorrinhos com idade entre o mês e meio e os dois meses cujos donos originais não queiram. O pessoal do supermercado alimenta-os e mantém-nos à mostra caso algum dos clientes queira adotá-los. Eu e a minha irmã, mais tarde, usaríamos a canção Blank Space, da Taylor Swift, para descrever o que a minha mãe fez a seguir: "Saw you there and I thought: 'Oh my God, look at that face/You look like my next mistake". O funcionário do supermercado avisou logo que, se ela quisesse pegar num dos cachorrinhos, teria de levá-lo para casa. A minha mãe quis mesmo pegar num deles. Mais tarde, ao entrar em casa, ela disse:

 

- Meninas, fiz uma asneira...

 

A minha irmã, que andava há anos a pedir um cão, ficou naturalmente radiante. Eu só repetia:

 

- Mãe, o que é que fizeste? Mãe, o que é que fizeste?

 

 

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Nós não sabíamos nada sobre cães. Nada. Brincávamos com cães dos vizinhos, às vezes dávamos-lhes comida, mas não passava disso. Os meus pais tinham tido cães quando eram pequenos, mas na altura os cães nunca entravam em casa, comiam restos e a única vacina que levavam era para a raiva. Agora, de um momento para o outro, tínhamos uma coisa peluda entre mãos, que gania dia e noite por ter sido separada de repente dos irmãos, que não controlava os esfíncteres (foi uma odisseia até que aprendesse a controlá-los e ainda hoje tem recaídas) que passava a vida a mordiscar tudo e todos (está muito melhor agora, mas ainda não perdeu completamente esse hábito). Ah, e daí a duas semanas tínhamos uma viagem marcada e não podíamos levar a cadela connosco (esta parte até se resolveu facilmente, por acaso, já que o veterinário dela tem serviço de alojamento). Pegando de novo em Blank Space, aqui o verso que se aplicava era "Darling, I'm a nightmare dressed like a daydream".

 

Costumam dizer que é preciso pensar muito bem antes de se arranjar um cão: escolher a raça mais adequada ao nosso estilo de vida, preparar a casa, garantir que o agregado familiar está de acordo e disposto a ajudar. A minha mãe nem sequer se lembrou de ligar-nos a dizer: "Hei meninas, tenho aqui uma cadelinha linda, mesmo a pedir para levá-la para casa. Posso trazê-la? Vocês depois ajudam com ela?". Na prática, eu não ia dizer que não - mesmo que quisesse dizer, a minha irmã não me deixaria - mas sempre era qualquer coisa...


Acabámos por nos entender com a Jane, claro, mas fica um conselho de amiga: não façam o mesmo! Se quiserem arranjar um cão, façam-no da maneira responsável.

 

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3) O que mais gosta ele(a) de comer?

 

Qualquer coisa que não seja ração, na verdade. Ela tem alturas em que só come aquilo que lhe pusémos no prato quando nós já acabámos a nossa refeição e arrumámos tudo, ou seja, não tem hipótese de apanhar um pedacinho da nossa comida. Eu até lhe dava comida da nossa, mas ela tem um sistema digestivo muito caprichoso, apanha diarreias com facilidade. Só nos arriscamos a dar-lhe arroz branco ou pedacinhos de pão, em jeito de reforço positivo.

 

Curiosamente, ela parece gostar muito de... fruta. Quando às vezes a deixamos na cozinha, ela vai ao cesto da fruta. Já comeu dióspiros, anonas, entre outras coisas. Gosta mais de fruta do que os meus irmãos...

 

Mais sobre a dieta da Jane à frente.

 

4) Há quanto tempo o/a tens?

 

Faz hoje um ano.

 

5) O que ele(a) faz que é muito engraçado/fofo?

 

Quando está carente e põe as orelhas para trás, como dá para ver na fotografia em baixo. Quando coça o focinho com a pata. Quando segura coisas entre as patas. Quando faz isto

 

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6) Refere uma situação engraçada que tenha acontecido com ele(a).

 

Quando a minha avó era viva, costumávamos ir a uma esplanada ao pé da sua casa. O empregado de lá (vou chamar-lhe Miguel) conhecía-nos bem às duas. A Jane veio cá para casa cerca de dois meses após a morte da minha avó. Uns meses mais tarde, levei a Jane a essa mesma esplanada, à espera que a minha irmã viesse ter connosco. Na altura, a Jane era muito irrequieta e mal-comportada (ainda hoje evito ao máximo levá-la a esplanadas), sempre a tentar libertar-se da trela. O Miguel, impecável como sempre, arranjou-me uma garrafa de água vazia para ela roer e manter-se mais ou menos quieta. Ainda assim, a certa altura, a Jane atirou-se ao Miguel, sem que eu conseguisse agarrá-la, quando este passava com um tabuleiro. Só por milagre é que conseguiu não entornar os cafés por cima dos clientes. Como se isso não bastasse, a Jane ainda lhe fez um rasgão minúsculo nas calças de ganga (mas também eram daquelas que já são vendidas rasgadas...). Eu fartei-me de pedir desculpa, naturalmente, dei-lhe uma gorjeta simpática, mas ele não levou a mal, coitado. Juro que, naquele momento, pensei que, se a minha avó tivesse visto aquilo, de onde quer que ela esteja, estaria a rir-se.

 

7) Que nomes fofos/alcunhas lhe chamas?

 

Oh, uma data deles. Às vezes quando ralhamos com ela, chamamos-lhe Jane Maria. Sendo pastora-alemã, o meu pai chegou a chamar-lhe Jane Angela, em honra da chanceler. Às vezes trato-a por "boneca" (na verdade, gostava de tratar a minha irmãzinha por "boneca", mas ela não deixa...), mas na maior parte das vezes chamo-lhe... Jajane.

 

8) Quais são as manias dele(a)?

 

Oh meu Deus, tantas. Para começar, a comida. Ás vezes farta-se da ração e recusa comer, às vezes durante dias inteiros. Da ultima vez que isso aconteceu, contudo, o jejum passou-lhe logo quando demos a comida dela à cadela dos vizinhos, de quem a Jane tem uns ciúmes terríveis. É só mania...

 

Além disso - por estranho que pareça dizer isto de uma criatura que se rebola aos nossos pés para pedir festas na barriga, que ao mínimo cheiro de uma guloseima faz todos os truques que lhe ensinámos, mesmo sem nós pedirmos, a ver se pega e ela ganha a guloseima - a Jane é orgulhosa. Ela gosta muito de jogar ao apanha a bola, passa a vida a pedirmos para lha atirarmos, mas nunca nos dá a bola diretamente. Muitas vezes, foge quando vamos pegar na bola, desafiando-nos a correr atrás dela para lha tirar. Na melhor das hipóteses, larga-a ao pé de nós - e mesmo assim, se não formos suficientemente rápidos, ela abocanha-a de novo.

 

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9) O que ele(a) não gosta que lhe faças?

 

Pelos vistos, a cadela tem um trauma grave de abandono (bem, na verdade o seu dono original deu-a para adoção...). Não podemos deixá-la presa num poste durante cinco minutos enquanto entramos numa loja sem que ela desate a ladrar, a ganir e a choramingar, como se estivéssemos de facto a abandoná-la. 

 

Temos de ensinar-lhe o comando "Fica" um dia destes...

 

10) Como é a tua relação com ela?

 

Vou ser sincera. Nos primeiros dias, talvez semanas, tive a secreta esperança de que nos livrássemos dela. Nunca a abandonaríamos na rua nem num canil, mas talvez a oferecêssemos a um amigo que tivesse condições para recebê-la. As pessoas dizem que cachorrinhos são das coisas mais fofinhas do Mundo e tal, mas não o achei com a Jane. Ela passava a vida a tentar morder-nos (mania que ainda não perdeu por completo). Ela não controlava os esfíncteres (papel de jornal no chão? toalhetes com ferormonas para eles fazerem as necessidades? Esqueçam, ela roía-os e fazia as necessidades no chão da cozinha, como se nada fosse) e demorou bastante tempo a aprender a controlá-los - não tanto como cheguei a temer, mas ainda muito. Eu chegava a ficar horas na rua com ela, a andar de um lado para o outro, e a menina acabava vertendo o tanque no átrio do prédio. Uma maneira que achámos de contornar esse risco foi levá-la ao colo desde a porta do nosso apartamento, pelo elevador, até a rua - o que me deu cabo das costas... Além disso, no primeiro mês, não podíamos levá-la à rua pois ainda não tinha as vacinas todas. Uma das coisas que mais gostaria de fazer com um cão era brincar com ele na rua, logo, não poder levar a Jane a passear foi desanimador.

 

Suponho que tenha começado a desenvolver Síndrome de Estocolmo. A Jane, de resto, melhorou muito aos meus olhos quando aprendeu a fazer as necessidades na rua, quando comecei a passeá-la, a brincar a sério com ela, a ensinar-lhe truques - ela é muito esperta, mais esperta que alguns seres humanos, se bem que também seja esperta para nos desobedecer. Além disso, quem consegue resistir a uma criatura que faz uma festa sempre que chegamos a casa, às vezes depois de ter saído apenas por cinco minutos?

 

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Hoje já não imagino a minha vida sem ela. Apesar do que escrevi antes, a Jane veio na altura certa - num período em que andávamos um pouco em baixo pela morte da minha avó. A Jane não a substituiu, claro, mas sempre ajudou a preencher um pouco o vazio, obrigou-nos a arranjar ânimo e energia para cuidarmos dela. Fez com que convivêssemos mais, com as pessoas que pedem para lhe fazer festinhas, que deixam os cães deles brincar com ela (isso foi particularmente importante para mim, que sou introvertida por natureza). A Jane ganhou fama depressa no bairro onde vivemos! Ela faz-me companhia como mais ninguém faz, fica sempre feliz por nos ver, mesmo se, pouco antes, ralhámos com ela. Todos aqueles clichés que se ouvem sobre os cães são absolutamente verdadeiros. Há um ano eu não me imaginava afeiçoando-me desta maneira a um cão, capaz de ficar tão angustiada aquando da sua esterilização, capaz de chorar só com histórias de maus tratos a cães - embora também compreenda os motivos que levam uma pessoa a desistir de um cão. Não é fácil, mas ela vale cada dejeto que temos de apanhar do chão, cada tapete roído, cada passeio à meia-noite ou às sete da manhã, cada puxão na rua. É um investimento com retorno garantido - poucos se podem gabar disso.

 

Agora, se não se importam, tenho de levar a Jane à rua...

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